ACTAS  
 
9/2/2016
Somos prisioneiros das Narrativas?: O debate público em Portugal
 
Dep.Carlos Coelho

Vamos dar início ao nosso debate da tarde. Esta foi uma das inovações da Universidade de Verão sugeridas pelos vossos colegas há alguns anos. A primeira Universidade de Verão não teve um debate oponente, teve só aulas no sentido clássico. E graças às vossas contribuições, às contribuições dos vossos colegas, decidimos introduzir um painel oponente.

O painel oponente pretende duas coias: primeiro, discutir um tema de atualidade; e em segundo lugar proporcionar-vos a experiência de verem duas personalidades de topo esgrimirem, com convicção, os seus argumentos diferentes, mas também com inteligência e elegância. Ou seja, um debate não perde contundência pelo facto de ser bem feito, com regras, com princípios e com elevação.

Convidamos dois convidados, a Dr.ª Helena Matos e o Dr. Salvador da Cunha, para estarem connosco esta tarde.

E porquê este tema? Hoje em dia há uma suspeição relativamente aos grandes centros de poder. Sejam eles de natureza política ou de natureza económica, a ideia é que a grande concentração de poder tem consequências na comunicação e que estes centros de poder – por estratégias, ou políticas ou económicas - constroem narrativas.

Isso pode acontecer quando uma força política dominante tenta acomodar à sua narrativa toda a realidade. Ou quando, por via da concentração dos meios de comunicação social, há um poder económico a tentar vender, através dos media , também uma narrativa.

Ora, a verdade é que, na sua essência, na sua origem, a verdade do jornalismo, a ética do jornalismo, era assente nos factos. E um jornalista, ou alguém que faz opinião no espaço público, ao analisar um facto, olhava para ele em função da sua verdade intrínseca e não em função da sua coerência ou da sua utilidade para alimentar ou combater uma narrativa dominante.

E portanto, é este o tema do nosso debate de hoje. Nós somos prisioneiros das narrativas, hoje em Portugal, no debate público? As narrativas estão a esconder os factos, estão a subvalorizar os factos?

Este é o debate em que vamos ouvir a opinião dos nossos dois convidados. Vai começar a Dr.ª Helena Matos. Ambos os oradores têm um tempo inicial de quinze minutos, e depois o debate far-se-á em ciclos de duas perguntas para as quais, de forma alternada, os nossos convidados iniciarão as respostas com um período de quatro minutos para cada um. Se formos económicos na gestão do tempo, sobrará tempo, e esperamos que sim, para o catch the eye no final das cinco rondas de duas perguntas.

E, finalmente, o Paulo Colaço pede-me para vos recordar que lançou na intranet, há poucos minutos, um novo desafio do JUV que é, no final deste debate, quem quiser participar, dizer quem ganhou o debate, se Helena Matos, se Salvador da Cunha, e porquê. Têm que apontar um vencedor e justificar a vossa escolha. Este é o desafio do JUV que foi lançado há poucos minutos na intranet. O JUV é o Jornal da Universidade de Verão, o nosso jornal diário.

Muito bem, estão os dados do jogo na mesa. Dr.ª Helena Matos, tem a palavra. Muito obrigado.

 
Helena Matos

Eu, de facto, penso que não medi bem, não alcancei bem, quando disse ao Duarte que aceitava o convite que me tinha sido feito, mas talvez as questões regionais tenham ajudado - eu sou de uma localidade aqui ao pé, como é o Duarte, ou seja, nasci em Lisboa, mas a minha família é toda de lá.

Quando, nos últimos dias, comecei a tomar um pouco consciência de que isto era um pouco mais a sério do que aquilo que eu tinha imaginado, ainda não estava nessa parte de quem é que ia ganhar o debate. E depois a própria ideia do debate.

Acontece que faz um pouco parte da minha misantropia ser muito avessa a responder a questionários. Portanto, basicamente, a minha formação é na área de Letras, e profissionalmente, além daquelas coisas que escrevo, eu faço alguns trabalhos na área dos arquivos, arquivos de imagem, arquivos de som da RTP, nas rádios, também. E, portanto, eu tenho uma perspetiva que se calhar não é muito diferente daquela que terá o Salvador, mas sobretudo eu tenho uma posição que começou por ser primeiro de espanto, depois de revolta e neste momento, talvez, de algum desencanto.

Eu escolhi uma imagem para trazer que eu acho que é aquilo que eu sinto, muito frequentemente, quando vejo os jornais, quando vejo as televisões, quando vejo as rádios. Eu vejo muitos jornais, talvez conheça muito bem jornais portugueses dos anos trinta, e também bem os jornais e os noticiários televisivos – os noticiários televisivos não tanto –, mas a produção televisiva do período de Marcello Caetano. Portanto, o período que vai sobretudo de 68/69, até 74. E depois o chamado PREC, que é uma coisa que vai até 75 e se prolonga até ao primeiro Governo Constitucional de 76.

E, se quisermos, esta imagem, que é um daquelas imagens com aquelas expressões altamente irritantes, que é uma fotografia que se torna viral – e que não tem gatinhos –, esta imagem ilustra para mim, muito, aquilo que eu sinto perante a comunicação, e que, se eu trabalhasse na área das agências de comunicação, como o Salvador, acho que é no espaço que vai entre aquela baleia que salta e aquelas pessoas que não percebem que têm uma baleia atrás. Porque, se repararem, a baleia está num lado, e as pessoas estão num barco, pagaram aquela viagem para ir ver baleias, mas estão a olhar para o lado contrário. Nenhum deles viu a baleia. E eles, coitados, meteram-se no barco, aqueles coletes, devem ter feito uma viagem que deve ter demorado o seu relativo tempo, chegaram lá, e estão todos à espera de ver baleias.

A baleia está exatamente ao lado deles, presumo eu que até com algum risco, mas não deram pela baleia. E isto é um pouco aquilo que eu sinto, muitas vezes, perante a comunicação. E que eu acho que é por aí que, se quisermos, muitas vezes, políticos mais eficazes, agências de comunicação inteligentes, conseguirão, sobretudo, fazer passar a sua mensagem.

Porque as pessoas, muitas vezes, não percebem rigorosamente, ou não querem ver rigorosamente aquilo que lhes está a acontecer ao lado. E é um pouco este lado entre os factos… o jornalismo, realmente, nem sempre vê os factos. E nós temos, em Portugal, alguns casos evidentes, muito evidentes, disso, - o jornalismo em Portugal tem, penso eu, uma das grandes histórias de omissão em termos mundiais – que é, consegue ter o maior êxodo de portugueses concentrados num determinado período de tempo, que acontece nos anos 70. Acontece em 1947, 75 e 76, que é o episódio que vulgarmente ficou conhecido por retornados.

E, hoje, curiosamente, a cobertura que se faz do que aconteceu é muito superior à cobertura que se fez na época, em que, pensando que as pessoas começaram a sair de África a partir dos primeiros incidentes dos musseques de Lunda, em julho de 1974, começa a fuga dos funcionários públicos em setembro de 74, começa a desarticulação do Estado português nos territórios ultramarinos em novembro/dezembro de 74 – portanto, as independências só acontecem em 75.

Mas a verdade é que as pessoas estavam a vir já aos milhares. Nós só temos notícias a sério, com destaque sobre esse assunto, já em 1975 quando é criado o IARN – o chamado Instituto de Apoio, que não se chama Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais, como frequentemente se diz, mas Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais, que é criado já em março de 75.

Quer dizer, nós hoje temos uma cobertura para a questão dos refugiados sírios, por exemplo, muitíssimo superior, em termos visuais e de reportagem, àquela que aconteceu em 1974 e 75, às centenas de milhares de portugueses que estavam a chegar. Não há, por exemplo, entrevistas. Eles não são entrevistados. Não há, na televisão, entrevistas, por exemplo.

Há pessoas que fogem de traineira, já depois das independências – porque aquilo é uma coisa épica, são pessoas que se metem numas traineiras, em Angola, e que vêm para Portugal, para poder trazer as traineiras. Em Olhão estava lá um repórter …

É inimaginável vocês imaginarem um país da dimensão de Portugal a receber, estima-se, porque nunca foram verdadeiramente contabilizados – há uns censos a posteriori – mas estimem Portugal a receber setecentas mil pessoas – poderão ser um bocadinho menos ou um bocadinho mais – e não pensem que há reportagens com estas pessoas ou que há grandes coisas.

Há umas notícias sobre os problemas do aeroporto da Portela. De facto, quando eles entopem completamente o aeroporto da Portela, há fotografias que começam a sair, primeiro na imprensa internacional, nomeadamente na imprensa inglesa. E, portanto, é espantoso. Pode pensar-se: não viram? Não quiseram ver? Ou provavelmente acharam, primeiro, que aquilo não devia acontecer; depois que, acontecendo, não se devia noticiar porque podia influenciar, no sentido de um voto na direita, as eleições de 1975. Portugal tem as eleições para a Constituinte em abril de 75, e portanto, de alguma forma, aquela multidão de gente provava que, se calhar, a narrativa das independências ou a narrativa da esquerda sobre as independências, não estava a funcionar.

E nesta narrativa da esquerda é preciso incluir o então PPD e o CDS, que não se pronunciavam rigorosamente sobre o assunto. E, portanto, há umas declarações, curiosamente, do Sá Carneiro, mas que em 74 – em 75 adoece – e em 74 tinha ficado numa posição muito fragilizada, se quisermos, na sua liderança do então PPD, porque, depois do golpe do 28 de setembro, ele tinha ficado muito associado ao General Spínola, e portanto estava numa situação muito fragilizada.

Depois o PPD começou naquelas suas profundas convulsões internas, que me parecem ser, digamos, o seu estado natural. Os outros partidos têm crises; o PPD nasceu em crise, e vive em crise e tem sempre estes problemas com os seus líderes, que nunca estão bem. O único líder bom do PPD é o líder morto ou deposto. Aí tornam-se umas pessoas mediaticamente interessentes. É talvez o partido onde eu penso que é mais interessante ser ex-líder.

Aliás, o PPD tem características extraordinárias, vistas de fora, quando se vai fazer comentário a um congresso. Há congressos interessantíssimos, o caso dos congressos, sobretudo, do PC, que dobram as cadeiras todas ao mesmo tempo, que é um exercício quase fabuloso de matemática.

E o PPD tem coisas extraordinárias que é aquilo do busto do Sá Carneiro. Levam o busto, põem o busto, fazem aqueles congressos, onde ali às duas da manhã podem acontecer as coisas mais extraordinárias, aparecer alguém a dizer as coisas mais fantásticas, ou mesmo a meio do congresso, nas horas fortes. Acabam aquilo tudo, pegam outra vez no busto… Reparem no número de congressos que há tiveram, o número de secretários-gerais que já tiveram. É muito superior ao dos outros partidos. Isto quer dizer qualquer coisa.

Portanto, em 75 era isto em pior. Também não havia propriamente declarações… e era dificílimo fazer qualquer declaração que contrariasse aquela perspetiva das coisas.

E, portanto, os jornalistas portugueses, de alguma forma, deixaram passar aquela que foi uma das suas grandes histórias do século XX. É a mesma coisa que não se fazerem notícias sobre o 25 de Abril; ou não se fazerem notícias sobre a primeira manifestação do primeiro de maio de 1974; ou não se fazerem notícias agora sobre incêndios. Achariam normal que não se fizessem notícias sobre os incêndios florestais este verão?

É, de repente, nós termos um tremor de terra…

 
Salvador da Cunha

Helena, não se deviam fazer notícias sobre incêndios.

 
Helena Matos

Eu percebo o que quer dizer, sobre as chamas, não é?

Sim. Mas uma coisa é noticiar os incêndios; outra coisa é mostrar as imagens dos incêndios. E isso, apesar de tudo, tem havido uma moderação.

Eu estive exatamente a ver no arquivo da RTP de imagens, para uma pequena peça que não sei exatamente quando será emitida, que em 1966, uma semana e pouco depois da inauguração da ponte sobre o Tejo – portanto, o regime estava, digamos, que no seu auge de investimento, obras públicas, crescimento económico – e acontece em Portugal um desastre terrível que é a Serra de Sintra arde. E começa, na altura, a haver os grandes incêndios; há grandes incêndios no norte, Santa Luzia, Águeda. E há o incêndio da Serra de Sintra.

Os incêndios florestais começam a ganhar uma grande dimensão nessa época, depois, sobretudo, vão crescer muito nos anos oitenta. São chamados os militares para combater o incêndio, e morrem, a combater o incêndio da Serra de Sintra, vinte e cinco soldados. Ficam queimados na Serra de Sintra, aliás eles morrem por asfixia. Este é um dos grandes problemas, quando as populações dizem: porque é que os militares não vão combater os incêndios? Para combater incêndios é preciso saber combater incêndios.

E é completamente diferente a cobertura noticiosa que se faz nos anos 60, 70 e 80, daquela que se faz dos incêndios. Fazer uma reportagem sobre incêndios, nessa época, era a câmara parada naquela imagem quase magnética das chamas que, de facto, se presume que estimula os pirómanos. Hoje em dia não se faz aquele tipo de cobertura, apesar de tudo, penso que tem havido alguma autocontenção. Não tenho a certeza, mas saberá melhor do que eu. Mas terá havido alguma autocontenção…

Se quiserem ver nos anos 60 e 70, a câmara fica fascinada com o fogo. Sobretudo com uma imagem que é cinematograficamente poderosa que é o fogo e um homem sozinho a combater o fogo em contraluz. É um plano extraordinário, mas que a pessoa, muitas vezes, tem de se interrogar se o põe no ar ou não põe no ar.

Eu tenho, em relação a esta matéria, uma posição. Eu, em geral, acho que, no caso dos incêndios, se deve noticiar, ter algum cuidado com a divulgação das imagens, mas tudo o que tenha a ver com a parte económica, com a parte politica, com a parte social, a não ser que envolva crianças, deficientes mentais, ou pessoas que, de alguma forma, não estão na posse dos seus direitos ou de os poder exercer, eu acho que se deve publicar.

Em relação às notícias que nós sabemos que podem estimular na opinião pública determinado tipo de surtos, acho que se devem noticiar e seguir aquilo que talvez seja um bocadinho a tendência do momento, que pode não ser a tendência daí a dez ou quinze anos. Neste momento acredita-se que, provavelmente, a divulgação de imagens - o Salvador saberá mais sobre isso que que eu -, pode estimular os incêndios.

Portanto, aquilo que a mim me parece, é que – e porque estou quase a atingir o limite do meu tempo – é que, na comunicação, para lá dos factos que se vão relatando, às vezes com algum detalhe, outras com menos, o lado, se quisermos, mais interessante, mais fascinante e mais perigoso, e no caso da comunicação social portuguesa, que é uma comunicação relativamente, se quisermos, domesticada e pacífica, e muitas vezes muito subserviente sobretudo com o poder económico, e com o poder desportivo – talvez com o poder desportivo muito mais do que com o poder económico e até do que com o poder político – se repararmos, qualquer notícia sobre doping não é feita nos jornais desportivos, as mortes precoces no desporto, as questões das contratações, a corrupção no desporto, tudo isso nos chega pela outra comunicação.

E, portanto, aquilo que me parece tão interessante quanto aquilo que se publica, ou ainda mais interessante do que aquilo que se publica, é aquilo que não se publicou, ou que se publicou poucochinho, e o publicar poucochinho - sem qualquer conotação para a palavra poucochinho, neste contexto – é mesmo aquilo que me fascina e interessa.

[Aplausos]

 
Salvador da Cunha

Eu tenho aqui algumas coisas a dizer. Primeiro quero agradecer também ao Duarte o convite que foi feito, e aqui à Universidade de Verão do PSD, é um orgulho estar aqui convosco.

Eu sou independente, não sou do PSD, também não sou do CDS, mas sou da vossa área política, portanto, claramente vou falar um bocadinho sobre isso, e vou trazer-nos de volta ao século XXI, se não se importam, porque, parece-me a mim que ninguém tinha nascido na altura em que as coisas de que a Helena falou aconteceram.

Antes de entrar no meu tema, eu se calhar vou falar aqui um bocadinho sobre o que eu acho… alguns exemplos sobre a questão dos incêndios, por exemplo, ou a questão da subserviência da comunicação social.

Há três semanas atrás estive em Paredes de Coura, nós fizemos o festival de Paredes de Coura, a Vodafone é um dos nossos clientes, e portanto produzimos o festival de Paredes de Coura, e quando lá cheguei estava tudo a arder. Mas não havia uma única notícia sobre incêndios em Paredes de Coura. E eu perguntei o que é que se está a passar aqui?

Então o Presidente da Câmara – isto, eu não tenho a certeza de ser verdade, mas disse-me um dos meus colaboradores -, o Presidente da Câmara, a todos os telefonemas que tinha de jornalistas a perguntar se havia incêndios, dizia: não, não, há aqui uns fogachos, mas já está tudo apagado.

Não era verdade, estava a arder por todo o lado, mas ele tinha o festival. E aquilo é muito longe; portanto ninguém vai lá verificar se há incêndios ou não há incêndios. E aqui está a questão das narrativas. A verdade pode-se sobrepor ou não se pode sobrepor ao interesse de determinada região ou determinada situação.

Eu tenho uma agência de comunicação há vinte anos, chama-se Lift, é uma das maiores, dá-me alguma dor de cabeça do ponto de vista empresarial, tenho muitas pessoas a trabalhar para mim, mas eu sou um defensor de interesses e, portanto, eu claramente acho que o Presidente da Câmara de Paredes de Coura tinha toda a razão em fazer o que fez, porque ele tinha de defender o festival de Paredes de Coura. E o que é facto que o pessoal esteve lá, divertiu-se à ufa e os incêndios foram apagados e agora as coisas vão entrar na normalidade.

E isto tem implicações no facto noticioso? É evidente que sim. É evidente que ele fez uma coisa que foi uma tentativa de manipulação da comunicação social. Agora a comunicação social também tem responsabilidades – não foi lá ver. Não tem de ir lá ver… Estava lá toda, by the way. Só que era uma comunicação social diferente, era uma comunicação social muito mais vocacionada para a cobertura de eventos musicais, não estavam tão vocacionados para a cobertura de eventos como os incêndios.

E isto eu acho notável. Porque a comunicação tem muito a ver com interesses. Se vocês pensarem que talvez 80% de tudo o que leem nos jornais tem a ver com fontes organizadas de informação, percebem que há um equilíbrio claríssimo entre as narrativas das várias partes interessadas.

Enfim, na área política, o PS tem as suas narrativas, o PSD tem as suas narrativas. O PS mais espertalhão, o PSD eventualmente mais ingénuo – já lá vamos. O PS mais controlador, o PSD mais liberal, e aqui eu acho que o liberalismo tem que ter alguma… do ponto de vista da eficácia da comunicação.

Agora, entre um mundo, como a Helena estava há pouco a falar, em que a liberdade de imprensa é o expoente máximo, que eu acho que é – acho que os jornalistas têm que ter liberdade para ter as suas próprias interpretações –, e um mundo em que cada um tem que ter a sua própria narrativa para defender os seus próprios interesses, e depois cabe ao jornalista, se tiver tempo e dinheiro, e o grande problema da subserviência é: têm ou não têm dinheiro para fazer as coisas? E o que é facto é que não têm. Os nossos grupos de comunicação social estão todos, sem exceção, falidos. Todos, sem exceção, falidos. Isto é, capitais próprios negativos.

By the way , eu não sou doutor, mas tenho alguma formação em economia – fiz cinco anos de economia e depois não acabei o curso. Portanto, ninguém me pode dizer nunca que eu sou doutor. Portanto, retirem aí o "doutorzinho” do Salvador da Cunha no papel.

Mas tenho alguma formação em economia, e quando faça a análise das contas dos meios de comunicação social, o que eu verifico é que eles estão tecnicamente falidos, isto é, têm capitais próprios inferiores a metade do capital social, ou mesmo negativos.

E estamos a falar dos principais. Estamos a falar da Media Capital, estamos a falar do grupo Impresa, estamos a falar do grupo do Estado, da RTP, não sei como se chama agora, mas é RTP, RDP, etc.; estamos a falar do grupo Cofina, que talvez seja o que está um bocadinho melhor do que os outros, mas que também tem capitais próprios inferiores a metade do capital social.

E portanto, o que é que acontece? Acontece que os jornalistas não têm meios para cobrir os eventos.

Falando agora também um bocadinho dos eventos. Que tipo de eventos é que nós temos hoje em dia para cobrir? Temos os eventos factuais. Hoje há uma tempestade nos Açores. Vamos cobrir a tempestade nos Açores, é factual, toda a gente acredita no que ali está.

Outra coisa é: hoje há uma capitalização da Caixa Geral de Depósitos, porque há uma narrativa onde alguém se teve de encaixar, para fazer uma capitalização da Caixa Geral de Depósitos – e isto é muito importante que vocês entendam isto -, há uma narrativa que é preciso preservar que é a narrativa de eu não posso ter défices excessivos, não posso entrar no procedimento de défice excessivo. Portanto, não posso ter ajuda de Estado, e como não posso ter ajuda de Estado e preciso de capitalizar a Caixa Geral de Depósitos, vou encontrar manigâncias à la (como é que se chama?) geringonça, para capitalizar a Caixa Geral de Depósitos sem parecer que eu estou a ajudar a Caixa Geral de Depósitos.

E isto é claramente uma manipulação. O que é que acontece? Ninguém conseguiu desconstruir esta brincadeira. E portanto, o PS levou-a avante. Porquê? Ou a malta estava de férias. Perfeito. E isto faz-se tudo durante as férias. De resto, a novela da administração da Caixa Geral de Depósitos poderia ter sido um escândalo muito mais aproveitado pelo CDS e pelo PSD do que foi. Porque eu acho que efetivamente aquilo foi uma escandaleira absolutamente inacreditável. Mas não foi. Na minha perspetiva, por falta de organização. É evidente que se falou sobre isso. Mas não houve uma estratégia concertada para falar sobre isso.

Vamos então falar em equilíbrios. Quais são os equilíbrios que existem nas narrativas? Para além dos factos, que são os incêndios, que são as tempestades, que são os desastres de automóvel, que são as coisas que acontecem e que são factualmente retratadas pela comunicação social, tudo o resto tem várias versões. E as várias versões têm que se equilibrar. E para se equilibrarem têm que ter estruturas organizadas, para se equilibrarem. E a comunicação social tem que ter a independência suficiente para poder relatar, tentativamente, independentemente, cada uma das versões, e encontrar aqui um equilíbrio.

E depois os leitores, que são vocês, que são ou não são leitores, têm que ter o discernimento de acreditar ou não acreditar naquilo que estão a ouvir. E nós não podemos, na minha perspetiva, ser, entre aspas, mais papistas do que o papa, ou ser maternalistas ou paternalistas com as pessoas, e achar que as pessoas não têm, quando leem uma notícia, o discernimento para acreditar ou não acreditar nessa notícia.

Há sempre um grau de cinzento entre a verdade e a interpretação da verdade. E há sempre quem tenha uma interpretação e quem tenha outra interpretação.

E agora entrando dentro da comunicação política, o que eu acho é que a política tem duas grandes vertentes, ou deveria ter duas grandes vertentes, e talvez os Estados Unidos seja o país que mais nos ensina isso. Tem uma vertente ideológica, claríssima, que depois pode ser exercida na oposição ou no governo. E, portanto, no governo governa-se, na oposição dá-se ideias e tenta-se desconstruir ideologicamente aquilo que está do outro lado.

Mas depois há uma questão de comunicação que é muito importante, porque as ideias dos partidos têm que chegar às pessoas. E as pessoas têm que se rever nessas ideias e, no fundo, têm que perceber aonde é que vão estar dentro dos equilíbrios daquilo que leem e daquilo que ouvem.

E isto é um ecossistema. E é um ecossistema que existe, é um ecossistema que está montado e é um ecossistema que, neste momento, na minha perspetiva, está dominado pela esquerda em Portugal. A comunicação social está dominada pela esquerda.

Eu vou fazer-vos aqui uma leitura de uma frase interessantíssima do Pedro Santos Guerreiro, que é diretor do Expresso, e que é um grande amigo meu, com quem eu trabalhei durante alguns anos no Jornal de Negócios, que de resto fundei.

E o Pedro diz o seguinte (isto foi há duas semanas, dia 13 de agosto): a diferença é que, enquanto o PS prometeu esperança, o PSD prometeu desesperança; enquanto o PSD prometeu realismo no discurso e mudança do que era, o PS prometeu sonho no discurso e mudança para o que era.

Isto é absolutamente verdade. Absolutamente verdade. Agora vocês dizem: para que é que nós vamos dizer a verdade aos portugueses? Para que é que nós vamos dizer que lhes vamos tirar as pensões? Para que é que nós lhes vamos dizer que o défice é absolutamente astronómico, como é que dizia o… colossal, exatamente, que o défice é colossal e que vamos ter um brutal aumento de impostos? Quando nós podemos aligeirar isto e não dizer aos portugueses as coisas que eles não querem ouvir.

O que os portugueses têm que acreditar é que há um partido que faz as coisas melhor do que outro. E que no fim do dia, a longo prazo, nós vamos estar todos melhor. Mas as pessoas acreditam muito no curto prazo. Acreditam sobretudo no curto prazo.

E também sobre narrativas, uma das coisas interessantíssimas, do ponto de vista de análise política, foi ver porque é que a Escócia votou para se manter dentro do Reino Unido, quando as sondagens davam todas o contrário. Porque de repente, houve alguém que se lembrou que se vocês saem daqui, as vossas pensões estão em causa. Ora bem, isto é o bolso de cada um, e ao meu bolso ninguém vai. Como ao meu bolso ninguém vai, eu voto naquilo que não me vai ao bolso.

E eu acho que o PSD nunca percebeu isto. Sinceramente, eu acho que o PSD nunca percebeu que não podia falar de austeridade. De resto, eu acho que austeridade devia ser uma palavra proibida dentro do PSD. Não se pode falar sobre esta palavra. Porque esta é uma palavra que está claramente associada ao Dr. Pedro Passos Coelho, e é uma palavra que está claramente associada ao PSD, e que o João Galamba, brilhantemente, faz questão de dizer sempre isso, sempre isso! O João Galamba tem ali uma coisa que é PSD-austeridade. E está sempre a dizer a mesma coisa.

Eu também já estou quase dentro do meu tempo. Já falei aqui um bocadinho sobre aquela questão da Caixa Geral de Depósitos, e gostaria de terminar a minha intervenção inicial com o seguinte.

Há governos que governam mal e comunicam muito bem. Governam mal. A geringonça governa mal e o António Costa comunica muito bem. Não é o governo que comunica bem, é o António Costa, porque o governo do António Costa praticamente não existe. Só ele é que comunica e está praticamente, só ele, em cima da comunicação política. E há governos que governam bem e comunicam muito mal.

O que é que eu acho que os portugueses precisam de ter? Um governo que governe bem e que comunique bem. E que, portanto, tenha estruturas de comunicação que não se autocondicionem, que, no fundo, digam às pessoas aquilo que elas querem ouvir e que façam as coisas de forma a que isto seja mais ou menos verdade. É evidente que a ideologia tem que se encaixar um bocadinho nisto. Mas é isso que o PS está a fazer, é isso que a geringonça está a fazer. Está a tentar enquadrar a comunicação, mas está a fazer coisas completamente diferentes daquelas que comunica. E a nossa comunicação social não está a ter a visão para perceber o que se está a passar, até porque ideologicamente está mais próxima da esquerda.

 
Helena Matos

Isto seria fácil, esta posição do Salvador, seria fácil se não houvesse futuro. Ou seja, a questão… em primeiro lugar, eu acho que austeridade é uma palavra que toda a gente devia ter em conta quando mexe no dinheiro dos outros. Portanto, a austeridade não me parece sequer que seja uma opção. Acho que devia ser uma condição quando se mexe no dinheiro dos contribuintes. Que austeridade seja uma palavra exótica em Portugal é que dá que pensar.

Porque, de facto, eu posso não ser austera com o meu dinheiro, mas é minha opção, ele é meu. Quer dizer, depende, grande parte dele pertence à Direção Geral das Contribuições e Impostos ou Autoridade Tributária e Aduaneira. Mas daquele pouco que ainda se considera que nos resta, eu poderei ainda com ele, durante algum tempo, aquilo que quiser.

 
Salvador da Cunha

Helena, está a falar de austeridade ou seriedade? É porque austeridade tem um problema, que é: eu não faço investimentos do Estado, e investimentos do Estado são essenciais para fazer o crescimento do PIB. É uma das componentes. Seriedade, sim, austeridade, enfim…

 
Helena Matos

Mas já funcionou mais do que está a funcionar. Há, de facto, um problema com o século XX, que é – e nós estamos no XXI, eu sei –, mas é que a classe política portuguesa, tal como os jornalistas não tiveram capacidade de perceber que estavam a chegar oitocentas mil pessoas, e nunca as mostraram, ou só as mostraram muito tardiamente e quando os ingleses as filmaram e as fotografaram, e o Sebastião Salgado também as fotografou, e tudo isso, nós temos de perceber uma outra coisa: é que a classe política portuguesa associou, porque não teve qualquer capacidade de contrapor esse discurso à esquerda, e assim, de facto, tal como o PPD achava que era leninista, ficamos todos leninistas, nesse sentido, e que é o seguinte: associar-se democracia a inscrever no Diário do Governo, que depois se torna da República, um conjunto de direitos independentemente de eles serem passíveis de ser ou não assegurados.

Se quisermos, nós mantivemo-nos numa ingenuidade de Estado Novo em relação à riqueza. Os portugueses viveram, de facto, décadas a achar que o Dr. Salazar dava ou não dava, consoante os bons ou os maus humores do Dr. Salazar. Depois, claro, veio o crescimento com o Prof. Marcello Caetano, e dava, os governos davam. O que é espantoso é que se continua a dizer que os governos dão, quando os governos não dão nada. As únicas pessoas que dão são os desgraçados dos contribuintes - ninguém mais dá nada.

Eu percebo perfeitamente aquilo que quis dizer, mas é que – e isso funciona muito bem em termos de agência de comunicação, e tendo em conta que boa parte da comunicação social é ideologicamente, se quisermos, de esquerda. Por exemplo, quando se consegue pôr como título que determinado governante - qualquer um deles, agora não interessa - diz que não vai haver cortes na Segurança Social, é preciso estar em absoluto… para já, já há cortes. Depois foi introduzido o chamado índice de sustentabilidade que representa um corte para todos nós. E que, de alguma forma, para esta nossa plateia, os deixará ficar com uma pensões muito inferiores - mesmo que não haja cortes, oficialmente – muito inferiores àquelas que são praticadas hoje em dia.

E depois tem de haver cortes, porque mesmo que fossemos agora daqui – aqueles que têm idade – fazer filhos, não conseguíamos ter crianças que chegassem, mesmo que elas tivessem emprego, para assegurar aquilo que a Segurança Social assegura hoje. Portanto haverá sempre cortes.

Mas, aquilo que me preocupa, é que eu acho que seguíssemos esse caminho que disse, acabaríamos na Venezuela. Porque…

 
Salvador da Cunha

Qual caminho, qual caminho?

 
Helena Matos

O fazer sem dizer. Eu acho que se pode fazer… porque a determinada altura a décalage entre a realidade e o discurso é tal que, o que sobra, é a rua. E aí a esquerda será sempre mais eficaz, porque tem sempre um paraíso, que é o socialismo, para oferecer. Qual é o paraíso do centro-direita? Não existe, não há paraíso, não há amanhãs que cantam. Não há! Isso dos amanhãs que cantam… nós gozamos muito com isso, com os amanhãs que cantavam, mas, apesar de tudo, isso funciona.

Ou seja, sem paraíso para prometer, porque não há socialismo, o que é que pode prometer?

 
Salvador da Cunha

O sonho americano, por exemplo.

 
Helena Matos

Mas o sonho americano, aqui é um crime. O enriquecer, não é? Nós temos de ser todos iguais.

[Aplausos]

 
Salvador da Cunha

Aí estamos, seguramente, ideologicamente em consonância.

 
Dep.Carlos Coelho

Helena, concluiu o seu reparo? Salvador da Cunha.

 
Salvador da Cunha

Eu há pouco – voltando aqui um bocadinho ao passado e ao presente – eu falei sobre os grupos de comunicação social estarem falidos. Acontece que os grupos de comunicação social há quarenta anos atrás eram muito incipientes. Não sei se a Helena tem a noção, por exemplo, que quando o João Paulo II foi eleito papa, havia uma televisão do Vaticano a transmitir para todas as televisões do mundo. Quando o João Paulo II morreu haviam centenas, senão milhares de canais de televisão, a cobrir o acontecimento. Portanto, estamos a falar em épocas totalmente diferentes.

Não só estamos a falar em épocas totalmente diferentes do ponto de vista da comunicação social, como cada um de nós, hoje em dia, é um jornalista em potência. Esta sala tem cem pessoas, e cada um de vocês tem pelo menos quinhentos amigos no Facebook. Eu posso dizer que estou a falar para cinquenta mil pessoas, se vocês forem partilhar tudo o que eu disser aqui. É evidente que não vão, mas cada um de vocês tem opinião e cada um de vocês pode dizer o que achar que quer, e tem a liberdade total para o fazer, razão pela qual nós nunca vamos acabar na Venezuela.

 
Helena Matos

Não é bem assim. Desculpe, apesar de tudo, eles na Venezuela têm Youtube, têm Facebook, têm tudo isso, e nós podemos ver como uma sociedade que, ao contrário das outras – nós estamos é na Europa, não estamos na América Latina, e a geografia conta. Quer se goste quer não se goste, a geografia conta -, e o que é espantoso na Venezuela é que, ao contrário dos outros países da América Latina, até nem tinha tido muito aquelas experiências exóticas de umas ditaduras, mais ou menos duras, e aqueles regimes mais ou menos folclóricos. Estamos perante uma das sociedades que até nem era das mais estrambólicas, neste sentido político, e de repente… é que o populismo é muito pior do que as cerejas, é mesmo começar.

E aquilo que nós temos visto na Venezuela é a degradação de uma sociedade e, neste momento, já há total incapacidade. Ou seja, o que é que restou àquelas oposições? Porque eles, no início, experimentaram tudo. Experimentaram o discurso mais duro, do equivalente à nossa austeridade, depois experimentaram a versão também de tentar concorrer no populismo, depois experimentaram tanto, tanto, tanto, que acabaram na cadeia. E neste momento o que nós já temos são as manifestações com as mulheres dos líderes políticos à frente porque os líderes políticos já estão todos presos.

 
Salvador da Cunha

Tem toda a razão. Quando eu quis dizer que nós não temos que dizer tudo, não temos que explicar tudo às pessoas, não tem a ver com esconder. Tem a ver com o facto de as pessoas terem que acreditar que há alguma honestidade e alguma seriedade por trás do que se está a fazer.

O povo português, há dez anos atrás, não sabia o que era o défice, não fazia a mínima ideia do que era a dívida. E, portanto, não queria saber. O défice era pequeno, a dívida era pequena, não havia grande problema. O que acontece hoje em dia é que, entrando numa crise económica como a que nós tivemos, todos vocês já ouviram falar do défice, todos vocês já ouviram falar da dívida.

Agora eu pergunto: quem é que sabe, claramente, o que é o défice, o que é a dívida? Provavelmente, muito pouca gente, daquela que lê os jornais, daquela que vê televisão, sabe o que é o défice, sabe o que é a dívida. Então porque é que nós estamos a falar sobre isso? Para que é que é preciso falar sobre o défice e sobre a dívida? É só para distrair. Porque as pessoas não sabem o que isso é. Não entendem o impacto que isso vai ter.

Aumento de impostos? Sim, entendem. Vai ao bolso. Défice e dívida? Ah!

Transparência não é nudez. Não temos que ser completamente nus, não temos que estar de maminhas ao léu. Não temos que estar numa praia de nudismo a mostrar tudo. Temos que mostrar o que as pessoas compreendem. Portanto, as narrativas servem para isso. Servem para as pessoas, acreditando que quem lá está é honesto, acreditando que quem lá está é honesto – não é à toa que o Salazar, tendo sido um ditador, foi eleito o homem do século, em Portugal, que é uma coisa absolutamente extraordinária, é uma coisa absolutamente extraordinária. Continua a haver uma certa direita que está contra o 25 de Abril. Eu também estava contra o 25 de Abril porque o meu pai foi saneado, mas isso eu tinha oito anos e acabou-me ao doze.

 
Helena Matos

Mas sabe que eu acho que a explicação para o facto de o Salazar ter sido eleito o maior português de sempre, foi só por uma birra de pessoas que acharam que aquilo estava montado para que o Mário Soares fosse eleito o maior português de sempre. Sinceramente, acho sinceramente que foi isso.

Isto foi a tal ponto que, nos outros países, os espanhóis fizeram-no e tiraram o Franco.

 
Salvador da Cunha

Mas veja que a narrativa do Franco é ao contrário. Foi o Franco que se auto tirou e pôs lá o rei. Está a ver, a questão das narrativas. E a História vai dizer o quê? Que foram os espanhóis que tiraram o Franco ou que foi o Franco que achou que, afinal, aquilo já não resultava e voltou a pôr o rei? O que a História vai dizer é isto.

 
Helena Matos

Sim, mas aquilo que eu penso, quando ouço essa questão, o que é que nós vamos dizer às pessoas ou o que é que nós não vamos dizer às pessoas? Eu acho que, em termos políticos, há o tal enviesamento de esquerda da comunicação…

Eu tenho uma posição muito pouco simpática nestas coisas. Ou seja, eu não tenho a menor paciência para os jornalistas que querem fazer jornalismo com consciência social, para os pais que querem ser os maiores amigos dos filhos, para os professores que são uns sujeitos porreiros e se dão muito bem com os alunos… Para as pessoas que não querem desempenhar a sua função.

Ou seja, eu se vou ao médico, quero que o médico me trate, não quero que ele seja o meu maior amigo. Eu não quero que o Presidente da República me dê abraços, eu tenho no meu agregado quem me dê abraços. E a simples possibilidade de um Presidente da República me dar um abraço, é uma coisa que não me agrada.

Eu não quero que o meu senhorio seja social. Eu quero que ele seja senhorio, que faça as obras que tem de fazer nas escadas, que trate do que tem de tratar.

Ou seja, nós vivemos há alguns anos numa espécie de transposição, em que cada um de nós não quer muito bem fazer aquilo que está a fazer, porque tem essa parte desagradável, e quer fazer a outra parte. Os juízes querem ser sociólogos, os sociólogos acham-se um bocadinho psicólogos, os psicólogos acham que são um bocadinho pais, e andamos todos a fazer de conta que somos outra coisa.

Quando nós chegamos aos políticos e eles resolvem que querem ser outra coisa, o caso complica-se mesmo muito seriamente. É isso que me preocupa.

[Aplausos]

 
Salvador da Cunha

Entrando pelos abraços do Presidente da República – e o Presidente da República, na minha opinião, é uma pessoa superiormente inteligente, superiormente inteligente – o Presidente da República é eleito no meio de uma geringonça, e ele pensa: como é que eu trato disto? Trato disto à força ou eu trato disto de outra maneira? E está a tratar disto de outra maneira. Até porque, neste momento, o Presidente da República não se revê na liderança atual do PSD. Eu também sou independente, posso dizer isto à vontade.

Portanto, se calhar, uma liderança nova no PSD seria melhor para ele, e portanto o tempo também corre a favor.

 
Helena Matos

Seria pior, ó Salvador, seria pior, porque se ele, de facto, não tivesse o sonho ou a intenção, ou a aspiração de conseguir mudar a liderança do PSD, se tivesse uma liderança do PSD mais próxima de si, seria muito inconveniente para ele, porque seria colado a essa liderança do PSD pela geringonça.

 
Salvador da Cunha

Eu por acaso acho que não, porque acho que ele já não está nesse estágio. Eu acho que ele, sinceramente, hoje em dia – apesar de ser, eu diria, "marciavélico”, porque é – eu acho que ele neste momento está genuinamente interessado em que o país saia de uma situação muito grave onde está, e que as pessoas não têm consciência onde está. O caminho por onde o país está a convergir, é um caminho absolutamente inacreditável, que o PSD não está a saber – o PSD nem o CDS – não está a saber explicar aos portugueses.

Nós estamos a caminho claramente de um segundo resgate, e as pessoas não têm ideia disso. Não têm ideia disso porque o governo não deixa e o Marcelo está a fazer, na minha opinião, uma coisa muito bem feita, que é ser o mais popular de todos os presidentes de sempre e tentar meter, com isso, medo à geringonça. Eu acho que é isso que ele está a tentar fazer.

Porque ele consegue condicionar algumas das opções do António Costa pelo populismo dele próprio. Agora, se eu perguntar à audiência, vocês acham que ele é um bom Presidente da República ou ele é um bom comunicador?

 
Helena Matos

A minha opinião é que ele é, de facto, um excelente comunicador, é alguém notável em termos de comunicação. Mas não creio que a peronização do regime nos traga qualquer vantagem.

Note, eu tenho uma visão de um Presidente da República com uma interpretação relativamente aos seus poderes… os poderes do Presidente da República são o que são. E é óbvio a vontade de usar, se quisermos, agora não a rua, como usou o Perón, mas o povo da televisão. Usar o povo das audiências para, de alguma forma, pressionar o governo.

A questão é como é que isso tudo, depois, se pode traduzir em apoio político. E, passar a mensagem, eu penso que será muito interessante do ponto de vista do próprio, ser neste momento um Presidente com fortes índices de popularidade. Tenho sérias dúvidas de que algumas das mensagens que tem passado sejam as que mais interessam ao país no alertar para o grave caminho que estamos a tomar.

De facto, o Presidente da República ganha espaço de manobra, mas a sua mensagem, sobretudo nas áreas económicas, é de tal forma ligeira e aligeirante, que pode acontecer que, quando o que é inevitável se tornar óbvio, que os portugueses reajam: ninguém nos avisou.

 
Dep.Carlos Coelho

Salvador da Cunha, último comentário antes de passarmos para a fase das perguntas.

 
Salvador da Cunha

Em relação a isso, eu acho que é uma questão tática e é uma questão que tem a ver com a eficácia. Provocar eleições agora, se calhar, não nos leva a lado nenhum. Por essa via, provavelmente, o Presidente da República não está a querer puxar a corda, está a tentar ver se as coisas não vão demasiado rápido naquilo que a geringonça quer fazer.

Voltando um bocadinho às narrativas, se não se importam. É perfeitamente essencial que o PSD estruture – vamos lá a ver, eu não conheço a estrutura de comunicação do PSD profundamente. Lidei com ela brevemente durante alguns meses, no princípio do governo do Dr. Passos Coelho, mas rapidamente me afastei, as coisas não estavam bem organizadas. Não sei como é que ela está organizada hoje, mas claramente acho que está pior organizada do que está a estrutura do PS. E acho que tem de ser organizar não só de uma forma proactiva, como de uma forma reativa.

Ou seja, tem que haver uma estrutura profissional de comunicação, que não tem a ver só com assessores de imprensa. Os assessores de imprensa são uma peça de sete peças que são necessárias neste puzzle. Tem a ver com uma estrutura de combater as narrativas com ideologia, desmontar os mitos, desmentir as mentiras, e desmentir as mentiras todos os dias, a todas as horas, com toda a gente.

E agora vou dizer uma frase que é minha, que é: se uma mentira dita várias vezes se pode tornar verdade, uma mentira desmentida o dobro das vezes não se torna verdade. Ela tem de ser sempre desmentida. E o PSD tem que ter esta característica de encontrar uma estrutura que esteja permanentemente a olhar o que se está a passar e a desmentir tudo o que é feito, todas as mentiras que são ditas em todas as suas vertentes.

Estou a falar de mentiras, estou a falar de mitos, estou a falar de desmistificações. E depois estou a falar também de proximidade. O PSD tem que ter muito mais proximidade com os órgãos de comunicação social. O PSD não pode achar, como eu já ouvi muitas vezes dizer: os jornalistas não entendem nada disso, portanto é irrelevante estar-lhes a explicar as coisas.

É o contrário! Tem que haver proximidade. Tem que haver uma coisa que é o spending time together. Vocês não podem falar com uma pessoa que não conhecem de lado nenhum, para lhe explicar uma história, e ela diz assim: este gajo está aqui a vender-me a banha da cobra. Agora, se vocês jantarem com essa pessoa três vezes por semana – isto é um exagero, como é óbvio – vocês já conseguem contar uma história e ela consegue compreender essa história.

É outra das questões que tem que acontecer. Tem que haver uma estrutura de contextualização, de enquadramento da comunicação social em relação à ideologia de um lado e do outro. Quando há alguma ideologia que vem do PS, o PSD tem que a contradizer, tem que fazer a contrabalança, e tem que fazer isso permanentemente, e tem que fazer isso profissionalmente, e não pode fazer isso… (acabou o tempo?) e não pode fazer isso de forma ligeira, tem que fazer isso de forma profissional.

Se eu posso fazer uma recomendação, do ponto de vista deste assunto, é que haja uma profissionalização à séria da estrutura de comunicação do PSD.

 
Duarte Marques

Vamos agora passar para a parte das perguntas de cada grupo. Vamos fazer blocos de dois. Pedia a atenção ao tempo, façam mesmo só uma pergunta, porque temos que aproveitar a oportunidade de ter aqui dois oradores. Como vão ambos comentar pedia-vos que fizessem mesmo só uma pergunta.

A primeira pergunta vai ser do Grupo Roxo, o Hugo Ferreira, e de seguida o Miguel Sousa Borges, do Grupo Azul.

 
Hugo Ferreira

Muito boa tarde. Queria agradecer a ambos os oradores, por um lado o Salvador pela, como hei de dizer, análise que fez que está muito próxima e, de certo modo, respondeu em parte à pergunta que eu ia fazer no contexto que é o PSD; e à Helena pelos exemplos históricos que dá e que são muito valiosos para entender estas questões.

De facto, o PSD tem, a meu ver, um défice, neste momento muito elevado, no que representa a comunicação. E, como bem disse, depois de tantas mentiras, depois de tantas falácias, depois de tantas estratégias falhadas, tantas narrativas, torna-se gritante que o PSD não consiga, de um modo eficaz, desmenti-las e fazer passar isso para a comunicação social.

Neste sentido, gostava também de saber a opinião da Helena, e por onde é que pode passar o futuro da narrativa e da comunicação do PSD, e ao Salvador, desenvolver essa proposta que assinalou, a profissionalização da comunicação.

Obrigado.

 
Duarte Marques

Obrigado. Miguel…

 
Miguel Serra Borges

Boa tarde. A pergunta que tinha para os oradores que aqui temos esta tarde era a seguinte: há jornais que, na praça pública, são muitas vezes percebidos como direita e de esquerda, e há muita gente que acha assim, que temos jornais de direita e de esquerda. E a minha pergunta é: estando vocês imiscuídos nos órgãos de comunicação social, e tendo participação nos órgãos de imprensa, se sentem que há jornalistas que sentem algum tipo de pressão para noticiar de pontos de vista mais favoráveis a um espectro político ou de outro, porque efetivamente é o que parece que acontece nalguns tipos de comunicação.

Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Quatro minutos em blocos de resposta de cada um dos oradores. Começa, desta vez, Salvador.

 
Salvador da Cunha

Respondendo ao Hugo, como é que o PSD deveria estruturar a sua comunicação. Enfim, eu sou um consultor de comunicação, portanto eu não deveria fazer isto, a não ser que me pagassem… mas vou fazer, mas vou fazer.

Eu há bocado falei em sete grandes áreas onde a comunicação se tem que organizar. E a comunicação tem que se organizar junto das estruturas políticas do partido. E muitas vezes o partido tem que se submeter à comunicação, e não o contrário. Ou seja, se houver um diretor de comunicação central do PSD, qualquer ministro, se estiver no governo, ou qualquer ministeriável, se estiver na oposição, tem que se submeter a esta pessoa e não o contrário. E o que acontece é exatamente o contrário.

Portanto, a comunicação tem que ser fulcral e tem que ser estratégica dentro de um partido. Não pode ser o contrário.

Partindo deste princípio, o que é absolutamente necessário que haja nesta estrutura de comunicação? Uma estrutura de research que esteja permanentemente à procura de tudo, a investigar tudo o que são as narrativas da oposição, e a investigar também tudo o que são as notícias passiveis de serem comentadas pelo partido.

Temos que ter uma rede, tem que ter – temos… eu não sou do PSD – tem que ter uma rede de especialistas por temas, a quem possa recorrer cada vez que precisa de desmontar seja o que for. Esse especialista tem que, tecnicamente, desmontar o tema. Eu, por exemplo, nunca poria o Vítor Gaspar como Ministro, poria sempre o Vítor Gaspar como Secretário de Estado ou como especialista para desmontar os temas. Mas nunca o punha à frente da televisão. Mas já lá vamos.

Depois tem que ter uma estrutura de conteúdos, que pegue no que os especialistas lhes dão e desconstrua aquilo em linguagem simples para quem vai ouvir, perceber o que se está a passar. E que se tirem aquelas palavras chatas, aquelas palavras complicadas, como défice, do discurso. Porque se são palavras que os portugueses não compreendem, para que é que as vamos transmitir?

Depois temos que ter uma rede de assessores claramente forte, não só no ministério, se for governo, como no partido, se for oposição.

Temos que ter uma rede de porta-vozes, que não são os especialistas. Podem ser, mas não têm que ser. São pessoas que saibam comunicar. E que se não sabem comunicar que tenham media training várias vezes para passarem a saber comunicar. Esta estrutura de porta-vozes é uma estrutura absolutamente fulcral.

E depois temos que escolher os canais de comunicação. Onde é que nós vamos transmitir as mensagens. E os canais de comunicação, hoje em dia, como vocês sabem, são vários. Nós temos canais próprios. O chamado owned media. São os websites dos partidos, são os Facebooks dos partidos, são, enfim, todas as redes sociais que o partido tem ou que o governo tem, ou que os grupos parlamentares têm. Portanto, tudo o que é controlado por nós, tudo o que é controlado pela estrutura de comunicação.

Depois temos o paid media , que tem a ver com aquilo que hoje em dia se utiliza cada vez menos, mas também tem repercussões na comunicação social, que é pagar à comunicação social para pôr um anúncio. Vocês compreendem isso, é publicidade tradicional.

E depois temos o earned media , o earned media que é aquele media que nós merecemos ter. E aqui escolhemos quais são os jornais com quem nós queremos falar, quais são os bloggers com quem nós queremos falar, quais são os influenciadores com quem nós queremos falar. E temos, neste momento, esses três grandes polos – comunicação social, blogs e influenciadores. Já não temos só um. E desengane-se quem pense que temos só um, já não temos só um. Até porque uns se influenciam aos outros.

E depois de escolher os canais de comunicação, meter a carne no assador e fazer com que as coisas saiam. Isto tanto de um ponto de vista reativo, ou seja, do ponto de vista em que nós vamos reagir àquilo que são as provocações da nossa oposição. Ou do ponto de vista proactivo, quando nós queremos pôr temas em cima da mesa, queremos pôr narrativas em cima da mesa, e trabalhar em cima delas.

 
Duarte Marques

Obrigado. Helena…

 
Helena Matos

Eu acho que se devia seguir o conselho do Salvador se nós tivéssemos uma boneca insuflável ou um boneco insuflável para líder. Ou seja, eu não sou nem consultora de comunicação, não sou do PSD, não sou do CDS, vivo como cidadã com forte apreensão a incapacidade de afirmação de um pensamento, de centro, centro-direita - sobretudo na área económica –, de um pensamento liberal.

É alguma coisa que vivo com apreensão, tanto mais que já não há dinheiro para fazer socialismo. Ou seja, enquanto houve dinheiro para fazer socialismo, esta podia ser meramente uma questão ideológica. Agora que se acabou o dinheiro para fazer socialismo, vivo isto com uma forte angústia, porque isto não é sustentável, nem política, nem economicamente, esta narrativa de esquerda.

Nesta perspetiva desta minha grande inquietação, esta incapacidade dos políticos que, não sendo de esquerda, precisam de se apresentar como sendo um bocadinho de esquerda, e que só não são de esquerda porque acham que não há dinheiro para dar às pessoas. Porque é, na verdade, isto que acontece. Se nós virmos – e não é apenas em Portugal –, é como se os políticos da área, em Portugal, do PSD e do CDS (que noutros países o PSD nem sequer é um partido de centro-direita, por exemplo quando se compara com o espectro político espanhol), é como se o seu discurso só tivesse legitimidade porque eles fazem umas contas que dizem que não dá para dar aquele dinheiro assim. Se eles achassem que dava, também davam. Não é porque eles tenham outro modelo de sociedade.

E é aqui que eu acho que está o cerne da questão. Ou há ideologia, ou então só tem de haver comunicação. Porque, de facto, as pessoas tem que se perceber o que é que pensam.

Nós temos o caso do Prof. Marcelo. De facto, ninguém sabe o que é que ele pensa. E temos de perceber que é notável que um homem tenha conseguido ser eleito Presidente da República, naquelas circunstâncias e com aquele perfil. Mas, na verdade, se nós perguntarmos às pessoas, nós não sabemos o que é que ele pensa. Porque, quando um político pensa alguma coisa, ele até pode ser, conforme dizem os jornalistas, não ter jeito nenhum para comunicar. Nós temos o caso do Cavaco Silva, não é?

Na verdade, eu acho que a comunicação é essencial, porque ninguém consegue chegar lá sendo um ilustre desconhecido. Se quisermos, o caso do Henrique Neto, quando se candidata à Presidência da República… é muito difícil um semidesconhecido, por muito até interessante ou oportuno que possa ser o seu discurso, conseguir alguma coisa.

Também podemos ver como uma pessoa conhecida pode ser, em parte, destruída pela máquina subterrânea da comunicação a funcionar. O caso da Maria de Belém, por exemplo.

 

Voz-off

A máquina da comunicação ou a máquina do partido?

 
Helena Matos

Pois, eu não quis dizer do partido, a máquina do partido na comunicação.

Mas nós temos de perceber que os políticos têm de ter espessura. Podem não ter, mas em geral o resultado é, a médio prazo, um desastre. E se não têm, seguindo a receita que o Salvador disse, pode correr, não é?

 
Salvador da Cunha

A minha receita não é essa. A minha receita é muita comunicação com muita substância. Não pode haver comunicação sem substância porque nós não podemos enganar toda a gente durante todo o tempo.

 
Helena Matos

Ó Salvador, não se pode falar às pessoas de défice? Então se as pessoas aprendem palavras dificílimas. Eu não gosto de futebol, quando ligo a televisão eu ouço palavras… Quer dizer, se as pessoas aprenderam aqueles termos todos em inglês para aquelas coisas dos desportos, sabem os nomes dos jogadores do Manchester, do Paris Saint-Germain, e depois não podem saber o que é o défice?

[Aplausos]

 
Salvador da Cunha

Podem saber o que é o défice. A questão não é se as pessoas podem ou não saber o que é o défice. A Helena, quando compra o Expresso, não o lê todo. Lê o que lhe interessa. Portanto, esta audiência que aqui está, se quiser saber o que é o défice, tem toda a liberdade para saber o que é o défice. Toda a liberdade. Eu é que, como político, não tenho que estar a explicar às pessoas o que é o défice.

 
Helena Matos

Mas é que é uma questão de cidadania, porque a dívida resulta da acumulação do défice e nós vamos pagá-la.

Sobre a questão do jornalismo de esquerda, de direita. É assim: em Portugal parte-se do princípio de que os jornalistas são todos independentes. E que os órgãos de comunicação social são todos independentes. Os países que têm, muitas vezes, uma melhor tradição de imprensa, são os países onde os jornais até assumem posições ideológicas claras, ou que assumem o apoio a determinados candidatos. O caso dos Estados Unidos que assumem o apoio a determinados candidatos presidenciais. Isso nunca os inibiu de serem capazes de fazer investigação a sério - o célebre caso Watergate.

Nós tivemos em Portugal um caso que eu achei muitíssimo interessante, que foi o caso da Rádio Renascença, quando foi a questão do referendo sobre o aborto. E a Rádio Renascença, como se calcula, tem uma posição que é clara e evidente. A Rádio Renascença tomou essa posição e fez uma das coberturas mais interessantes e mais independentes, com qualidade, desse referendo. Eu creio que talvez também seja a altura de se começar a assumir – e este é um debate que os jornalistas deverão ter de fazer – que há coisas que é muito mais fácil assumindo-as. Porque não é por nós termos uma determinada posição que nos tornamos incapazes de fazer a cobertura de uma notícia, de um facto, de dar uma notícia.

Esta é, de facto, uma situação em Portugal que não tem – por exemplo, em Espanha as coisas são relativamente mais claras e mais óbvias, mais assumidas. Nos casos dos países anglo-saxónicos a tradição é mesmo diferente. Nós temos aqui esta coisa absolutamente espantosa que é ter de fazer de conta que os jornalistas não têm ideologia, o que é absolutamente contra natura, porque têm, devem ter e devem expressá-la.

 
Duarte Marques

Obrigado, Helena. Dou agora a palavra ao Vasco Crufé, do Grupo Amarelo, e de seguida ao Gonçalo Gomes, do Grupo Laranja.

Recordo, uma pergunta apenas.

 
Vasco Crufé

Boa tarde. Em primeira mão gostaria de agradecer à Dr. Helena Matos e ao Dr. Salvador da Cunha pela disponibilidade mostrada em poderem vir cá orar-nos neste tema tão importante.

A minha questão é para o Dr. Salvador da Cunha. Numa das passagens o senhor falou que a verdade pode sobrepor-se aos interesses de uma certa região. Então gostaria de saber em que circunstâncias é que ocorre essa sobreposição.

Obrigado.

 
Duarte Marques

Obrigado, Vasco. Nós é que agradecemos, tu vieste de bem mais longe, e os teus colegas, do que estes nossos dois convidados. Portanto, nós é que agradecemos que tu tenhas vindo.

Gonçalo Gomes, Grupo Laranja.

 
Gonçalo Gomes

Boa tarde. A nossa pergunta é bastante simples. Porque é que se dá cada vez mais tempo de antena, na televisão portuguesa, a banalidades e a reality shows , em detrimento de assuntos sérios como a política. Estará a bola do lado dos media ou de quem consome os media ?

Obrigado.

 
Helena Matos

Sobre a última pergunta, é porque, entre outras razões, ninguém diz que vê esses programas, mas a verdade é que veem, e, segundo as audiências, a classe A vê muito.

Depois, porque é baratíssimo. Se nós pensarmos naqueles reality shows que a TVI tem neste momento no ar… quer dizer, baratíssimo… aquelas pessoas que estão fechadinhas dentro de uma casa, fazem tudo e mais alguma coisa. Aquilo é bastante mais artificial do que se pode supor. E portanto as pessoas veem.

Não é sequer muito caro – a questão que o Salvador referia, da má situação económica dos órgãos de comunicação é verdadeira. E portanto estamos a falar de uma forma de entretenimento muito em conta. Eu penso que, a determinada altura, pode até levar quase a uma perversão em relação à realidade. Causa-me, por exemplo, muita perplexidade como é que, sobretudo as pessoas que são muito ativas nas questões sociais, muitas vezes não lhes causa espanto como os filhos das classes mais pobres e mais populares…

Por exemplo, qual é o nível social a que pertencem os participantes nesses reality shows ? Os filhos das ditas classes mais cultas participam neles? Não.

Portanto, há ali claramente situações, muitas vezes, de uma discriminação social. Quando nós vamos ver os prémios que as pessoas obtêm, eles são muitíssimo insignificantes. Mas é assim, está lá, é barato e rende muitíssimas audiências. E as pessoas veem.

Porque é verdade que nos inquéritos as pessoas dizem que gostam – e isto é uma realidade que se vive muito no grupo RTP –, o público diz que gosta muito de ouvir concertos, ver documentários, ver peças de teatro, mas a realidade é que depois não vê nada disso. Prefere ver as outras coisas. O Salvador conhecerá muito melhor o mercado do que eu, não sei se tem uma versão muito diferente, mas penso que é isto.

Em relação à questão que foi aqui colocada sobre a sobreposição dos interesses de uma região à verdade… Eu acho que houve uma palavra que o Salvador disse e que depois foi repetida aqui, que é a palavra interesses. Eu acho que temos todos de perceber uma questão: todos nós temos interesses.

Havia até uma pessoa que tinha uma maneira especial de dizer "interesses”, que era o Louçã. O Louçã dizia interesses de uma forma enfática, especial. E houve um dia em que o primeiro-ministro José Sócrates também se passou um bocado num debate parlamentar lhe disse: porque é que o senhor diz assim "interesses”? O pior de tudo é não se assumir que todos nós temos interesses.

Aliás, um dos problemas da sociedade portuguesa é querer fazer-se de conta que nenhum de nós tem interesses. Uma pessoa sem interesses é não só uma pessoa sem interesse, como um tonto. E um hipócrita. Porque todos nós temos interesses.

É claro que eu percebo o que fez o Presidente da Câmara. O problema não é tanto o que fez o Presidente da Câmara em Paredes de Coura. O problema é, de facto, a comunicação social não ter ido lá. E é o problema da outra comunicação social – que isso é o que existe também cada vez mais, porque essa, de alguma forma, é patrocinada, porque tem as viagens pagas, que é a dos eventos, e a dos espetáculos musicais e a do desporto – que não faz outras notícias.

Isso é particularmente evidente no desporto. Eles vão com os clubes, têm acesso às declarações do presidente, entram na sala VIP, vão para o camarote não sei do quê, e a certa altura perdem completamente o contacto… quer dizer, não fazem notícias sobre o desporto ele mesmo. E no caso disto, as pessoas foram lá para dar conta de um festival, e não dão conta de mais nada.

Nós vivemos anos a contar a anedota daquele jornalista que tinha ido a um país para entrevistar um presidente; como o presidente tinha sido deposto, então ele já não tinha mais nada para fazer, e não fez reportagem alguma. Mas é um pouco isto que deixou de ser uma anedota. É o jornalista que vai pela farmacêutica e não conta mais nada. É o outro que vai pelo futebol clube não sei do quê, e também não vê mais nada.

E há política. Basta ver o futebol em Espanha para perceber a política – o Barça, o Real Madrid… e as notícias chegam do outro lado.

Portanto, eu acho que o problema não é haver interesses; é alguns interesses não estarem representados.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Salvador…

 
Salvador da Cunha

Eu aqui tenho que discordar complemente do que disse a Helena, porque eu conheço os órgãos de comunicação social muito bem, trabalho com eles todos os dias. Nós fazemos, por exemplo, para além do Paredes de Coura, fazemos a assessoria de imprensa ao Rock in Rio, temos lá oitocentos jornalistas, eu não pago um único transporte a um único jornalista, como não pagamos um único transporte a um único jornalista do Paredes de Coura.

Portanto, primeira questão, os jornalistas não pagos. Os de desporto não faço a mínima ideia, porque…

 
Helena Matos

É muito mais complicado porque ficam sem acesso às fontes.

 
Salvador da Cunha

Claro. Eu nunca comprei um jornal desportivo na vida, peço imensa desculpa. Sou do Sporting, e soube agora que o Slimani…

[Aplausos]

Curiosamente, trabalho com o Benfica, portanto…

[Aplausos]

Para dizer o seguinte, ao Vasco. A verdade não é responsabilidade do Presidente da Câmara de Paredes de Coura. A verdade, como a Helena disse, é responsabilidade da comunicação social.

Agora, a questão é da relevância. É relevante eu cobrir todos os incêndios que existem em Portugal, com abertura de Telejornal, durante 25 minutos, em cada um dos canais. É relevante, isto? Eu pergunto. Isto é relevante?

Caramba, nós sabemos que o país está a arder. Não precisamos de estar a ver toda a gente a lamentar-se que o país está a arder. É evidente que podemos ajudar, que pode haver solidariedade, e tudo o mais.

By the way , quando foi o festival não havia incêndios. Os jornalistas que lá estiveram não foram cobrir outras coisas porque, para já, são jornalistas especializados – e isso também existe -, mas não houve incêndios naquela altura, houve incêndios nas semanas anteriores. E o Presidente da Câmara estava cheio de medo que as pessoas não fossem ao festival por causa dos incêndios.

Como eu acho que os incêndios não são uma notícia muito relevante, são relevante do ponto de vista de dar a notícia, mas não de filmar o drama todo associado ao incêndio, eu acho que ele fez muito bem. Mas não é o papel dele estar a dizer ou não dizer a verdade. Porque a verdade é: há incêndios muito grandes em Paredes de Coura. O que é um incêndio muito grande? Um incêndio muito grande são dois hectares, três hectares, cinco hectares, vinte hectares, quarenta hectares? Se calhar não! São interpretações da verdade.

Incêndios muito grandes foi o que aconteceu no Canadá, que durante três meses esteve a arder uma refinaria. Isso é um incêndio muito grande. Ou os que acontecem na Califórnia todos os anos. Em Portugal, de facto eu estive lá, e não vi nada ardido. E ardeu muito. Quanto à verdade é isso que eu queria dizer.

O Gonçalo perguntou sobre os reality shows. Para além da política ser um reality show , nós temos também outros reality shows na comunicação social portuguesa, exatamente pelas razões que a Helena evocou, por questões financeiras.

Eu não sei se vocês têm consciência ou não, mas o ano passado 40% das receitas da SIC foram SMS, não foi publicidade. SMS de domingo. Portanto, ao domingo há aqueles reality shows , há aquelas meninas a dançar nos palcos, e há malta a mandar SMS à barda. 40% das receitas da SIC, é um bocadinho menos no restante grupo Impresa, mas estamos a falar de 40% das receitas da SIC, dos concursos. E estamos a falar, também, em trinta e muitos por cento das receitas da TVI, que está um bocadinho abaixo, está menos dependente disso, mas também tem, e a RTP deixou de fazer isso, portanto deixou de ter essa receita, porque passou a ter outra vez a subvenção dos Estado, portanto está mais confortável.

E vocês não sei se sabem o que é que se passou esta semana, mas saiu o Luís Marinho a dizer que aquilo é uma fantochada. E o PSD ainda não ainda não aproveitou isso, não sei porquê. Mas enfim.

Tendo dito isto, é óbvio que a verdade é uma interpretação. A verdade não é um valor absoluto, a não ser que seja um facto que esteja à nossa frente. E o São Tomé dizia ver para crer. Tudo o que não é ver para crer são interpretações dos factos. E é isso que são as narrativas, e é isso que tem que ser equilibrado. Não pode ser só um partido, ou só uma área ideológica a ter narrativas. Ou as duas têm narrativas ou nenhuma tem narrativas. Mas se elas existem em todos os países do mundo, têm que existir em Portugal, têm que existir em Portugal e têm que ser bem feitas.

 
Duarte Marques

Obrigado, Salvador. Dava agora a palavra ao Rodrigo Dias de Almeida, do Grupo Castanho, e de seguida à Raquel, do Grupo Encarnado.

 
Rodrigo Dias Almeida

Boa tarde. Começar por cumprimentar todos os presentes, e em especial os nossos oradores.

A reforma da Segurança Social, um tema caro ao nosso partido, continua a ser um tabu para o atual governo. Será que o facto de uma reforma essencial ser uma bandeira de um partido é suficiente para a tornar um tabu e um tema não grato? Estamos a ser efetivamente reféns de uma jogada política e a ver os "geringonços” fugir à sua responsabilidade, para não se renderem às evidências e avançar com uma reforma que defendemos há praticamente uma década?

Obrigado.

 
Duarte Marques

Muito bem, obrigado. Raquel Silva.

 
Raquel Silva

Boa tarde a todos. Todos os portugueses ficaram chocados com o contorno e a dimensão do caso Panama Papers. Contudo, ao contrário de outros casos mais localizados sobre os quais não faltam notícias, este desapareceu tal como apareceu, e até agora nada. O que podemos fazer contra a não notícia, ou seja, aquela que não é transmitida, e como podemos garantir a boa prática jornalística?

Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Salvador, quatro minutos.

 
Salvador da Cunha

Rodrigo, em relação à reforma da Segurança Social, aqui a grande questão do PS é uma questão de sobrevivência política, não é uma questão de fazer ou não fazer grandes reformas. Eu acho que não há nenhuma grande reforma a ser feita neste momento pela geringonça. A não ser que vocês me digam – eu não sou político, não estou completamente dentro do que se passa todos os dias na política, gosto de ver o que acontece – mas não me parece que eles estejam muito preocupados em fazer grandes reformas estruturais do ponto de vista político. Estão muito mais preocupados em ter alguma popularidade que lhes permita, com o Bloco de Esquerda, ter uma maioria absoluta, ou não, mas ter uma maioria absoluta nas próximas eleições, se as houver, se alguém deitar este governo abaixo. E portanto não me parece que eles estejam muito preocupados em fazer uma reforma.

E o que é que eu acho que vai acontecer? Acho que eles vão, com certeza, encontrar uma narrativa para explicar porque é que não fazem. Isso vai acontecer. E aí, claramente, alguém tem que fazer a contraposição dessa narrativa. Mas é um tema que o PSD pode lançar para cima da mesa de forma estruturada. E aí tem que haver especialistas que desconstruam a questão da Segurança Social.

E depois tem que haver outra coisa que é: vocês estiveram lá quatro anos, porque é que não fizeram também a reforma? E há razões para que isso não tenha acontecido, há muitas razões para que isso não tenha acontecido. E portanto é preciso explicar essas razões. E muitas vezes essas razões não podem ser explicadas ao público de chofre. Têm que ser explicadas primeiro em privado a um conjunto de pessoas, para que elas compreendam efetivamente o que se está a passar, para que possam ter dados suficientes para absorver essa opinião com esses argumentos.

E aí é uma das falhas que eu verifico. Vamos muito para a televisão explicar uma coisa que as pessoas não compreendem, quando se calhar é mais eficaz explicar ao Nicolau Santos, explicar ao José Gomes Ferreira, explicar aos opinion makers que estão lá todos os dias, para que eles possam ficar com a opinião bem fundamentada e que possam fazer dessa opinião também a sua opinião. E isto é uma influência indireta que é muito importante fazer.

Em relação ao Panama Papers, claramente acho que a montanha pariu um rato em relação a Portugal. Acho que não há grandes escândalos em Portugal em relação ao Panama Papers, e acho que aqui houve muitos interesses de muita gente, de muitos países, que fizeram com que o caso começasse a ser abafado internacionalmente. Também louvo um bocadinho o consórcio de jornalistas que investigou este caso, mas eu acho que eles investigaram mas não foram ao fundo do caso e, portanto, não conseguiram fazer com que aquilo fosse uma coisa estruturante do ponto de vista internacional.

Em Portugal, como há muito poucos casos que possam ser interessantes, eu nem sei se o Ministério Público levantou algum auto em relação a algum caso que fosse lançado pelo Expresso. Agora, o que eu sei é que o Expresso perdeu muito mais tempo do que devia com isso.

 
Duarte Marques

Obrigado. Helena, quatro minutos.

 
Helena Matos

Eu, na verdade, só me lembro de um nome que era o senhor Idalécio, no caso dos Panama Papers, foi o único que fixei.

Os Panama Papers, aliás, remetem para coisas muito mais complicadas. Eu tenho grandes reservas, cada vez mais reservas em relação a uma coisa que hoje se chama jornalismo. É claro que o jornalismo sempre dependeu de fontes e sempre precisou de fontes. Mas tornarmos os órgãos de comunicação dependentes de fugas de informação é exatamente a mesma coisa que torná-los absolutamente dependentes das agências de comunicação. Não quer dizer que a informação não seja boa, não seja relevante e não seja séria. Mas quer dizer que estamos a ficar nas mãos de outrem; e ninguém dá uma informação desinteressadamente. Portanto, eu acho que se pode e deve publicar. Agora, tornarmos os jornais - e não só, a comunicação -, viciados, neste caso, em fugas de informação, coisa muito mais facilmente manipulável do que se possa pensar, acho que é um risco extraordinário.

Depois acho, particularmente em relação aos Panama Papers, que em Portugal a não divulgação da lista que tinha sido prometida é muito reveladora do país que somos. Acresce a isto que se meteu tudo no mesmo saco. Violadores, pedófilos, empresários que tinham ganho o seu dinheiro normalmente e pago os seus impostos. O caso do Messi, que é óbvio, no caso espanhol, que se percebe como é que ganhou o dinheiro, não foi em nenhuma atividade ilícita – podemos discutir se deve ganhar tanto ou tão pouco, não me interessa.

E aquele ódio latente que existe na sociedade, e que é muito fácil estimular, em relação a ganhar dinheiro, de repente estava tudo e está tudo no mesmo saco. O senhor que ganha dinheiro a vender droga do México e a pessoa que tem uma empresa de móveis, de medicamentos, de sapatos e que resolveu pôr o seu dinheiro, depois de cumpridas as suas obrigações fiscais, resolveu pôr o seu dinheiro num local ou num procedimento que ele entende ser mais seguro.

Portanto, eu acho que, para além do mais, os Panama Papers incentivaram o que há de pior em nós na relação que temos com a riqueza e com os bens, lícita ou ilicitamente adquiridos, que são coisas completamente diferentes.

Em relação à questão da segurança social, eu penso que a questão é muito simples. O assunto é gravíssimo. Não consegue passar sem um acordo de regime.

Quero chamar a atenção que não é justo, de alguma forma, acusar o Partido Socialista de ter sido insensível à questão. A tentativa mais séria para se perceber a situação da segurança social em Portugal começa com o chamado Livro Branco que foi feito a pedido do então governo Guterres. E aí começou a perceber-se logo o que é que ia acontecer na sociedade portuguesa. Um homem que os jornais crucificaram na época como liberal, que se chama Correia de Campos, foi apresentado como o adepto do plafonamento, do lóbi das seguradoras. Portanto a ideia de que se queria privatizar a segurança social.

E a grande questão é: ou os principais partidos, e aí claramente tem que ser também o Partido Socialista, o PSD e o CDS, têm um discurso sério sobre esta matéria, ou nós estamos, de facto, a lavrar naquele que pode ser um dos maiores crimes da sociedade portuguesa. Aquilo que não se vai poder assegurar aos atuais jovens contribuintes, condenados de facto a terem pensões de reforma e miséria, é absolutamente criminoso.

E acho que aí, ou o PSD e o CDS perdem o medo de ter um discurso muito sério nesta matéria e de denúncia nesta matéria, do crime que se está a cometer em nome dos direitos adquiridos dos atuais reformados, ou temos um problema seriíssimo dentro de alguns anos. Ele só se resolve – como se viu pela atitude do Tribunal Constitucional – com um pacto de regime.

É de facto o que existe de mais impopular para qualquer líder. Eu sei que morrer cheio de razão ou perder eleições cheio de razão deve ser terrível para o líder de qualquer partido. Mas, nesta matéria, ou se faz um discurso de verdade dentro em breve ou a situação é absolutamente desastrosa. Aí penso que as juventudes partidárias podem ter um papel importante.

[Aplausos]

 
Duarte Marques

Obrigado, Helena.

Adriano Silva, do Grupo Rosa, e a Vânia Tomás do Grupo Verde.

 
Adriano Silva

Boa tarde. Desde já quero dizer que sou solidário com o Salvador; também sou do Sporting. Quero agradecer a presença aos dois oradores.

O Salvador distingue verdade de interpretação da verdade. Mas será que tudo o que passa nos media é verdade? Vou-vos contar um caso. Há uns tempos jantei com um senhor da RTP 1, onde ele próprio disse que nem ele sabe se o que se passa nos media é verdade. Isto vai de encontro ao que o Salvador disse quando afirmou que o interesse se sobrepõe à verdade. Já sabemos um bocado a sua opinião e também gostaria de saber a opinião da Dr.ª Helena.

Obrigado e bom debate.

 
Vânia Tomaz

Boa tarde. A questão do Grupo Verde é a seguinte: o que se pode fazer para melhorar a imagem política em Portugal e no estrageiro?

Obrigada.

 
Helena Matos

As duas questões não são propriamente muito divergentes. Em primeiro lugar, em relação às questões da verdade, eu acho que a aproximação mais real ou mais próxima da realidade resulta, não de um jornal ou de uma televisão nos dizer a verdade, mas de existirem muitos jornais, muitos canais de televisão e, neste momento, a própria participação das pessoas. É completamente diferente viver numa sociedade que tem um canal de televisão ou numa sociedade que tem vários canais de televisão e acesso a canais internacionais de televisão.

A perceção das coisas torna-se completamente diferente, se quisermos, mais complexa. Uma das coisas que é muito constrangedora no século passado é, muitas vezes, uma visão quase unidimensional dos conflitos, como se de um lado estivessem bons, do outo lado estivessem maus. Isso às vezes nota-se um pouco agora, por exemplo, nestas questões dos refugiados… é sempre uma imagem que enternece todo o mundo, e que comove, e que nos choca, e que é terrível, que é a imagem das crianças nos conflitos. Mas nós temos que perceber que, para lá das crianças nos conflitos, das crianças refugiadas, das crianças que sofreram um bombardeamento, temos de perceber o que é que está. E a realidade é sempre muito mais complexa do que isso.

Eu não creio que haja algum órgão de comunicação que dê, de facto… é claro que alguns são mais aproximados do que os outros. São proverbiais as notícias da Reuters sobre a Palestina e o Estado de Israel. Mas, para lá desses casos de enviesamento óbvio, a verdade resulta não de alguém a dizer, mas das parcialidades de cada um. É como as sociedades. As democracias resultam da regulação dos interesses dos diferentes grupos e de cada grupo aceitar os interesses dos outros. E aqui é exatamente a mesma coisa.

Eu tenho essa perceção, que resultará da soma das parcialidades, ou da visão de cada um, nós conseguirmos construir uma visão mais aproximada da realidade e dos conflitos. Isso é particularmente evidente quando nós olhamos para alguns conflitos que acompanhámos no passado e que só tínhamos um dos lados. E isso é muito redutor.

Portanto, várias parcialidades, nunca tenhamos a pretensão de que nós estamos a transmitir a verdade. E muitas vezes aquilo que é a verdade única para nós agora, não o é daqui a muitos anos. Quando nós vemos estas questões, por exemplo, dos burquinis, dos niqabs, dos véus islâmicos, e tudo isso, nós percebemos como o facto de durante muito tempo não se ter dado atenção a essa questão, aquilo a que os políticos da área democrática não dão atenção, porque acham que não interessa, que não vale a pena, acaba mais tarde por explodir à disposição dos radicais e dos populistas.

E aí, pegando naquela pergunta que foi feita, como é que se pode melhorar a imagem dos políticos, eu acho que há uma coisa que tem de se perceber.

Em primeiro lugar, há uma grande dificuldade dos políticos das áreas de centro, centro-direita e centro-esquerda, em afirmarem-se de uma forma positiva. Digamos que as elites europeias - sobretudo mais europeias que norte-americanas, nos Estados Estados muito mais as suas universidades, e no caso europeu muito as suas elites culturais – não há nada que adorem mais do que um bom líder radical.

Um líder radical é sempre uma pessoa inteligentíssima, esforçadíssima, com enorme consciência intelectual e social. Os líderes do centro têm, em geral, um lindo enterro e grandes textos depois de mortos. Isto pode tornar-se uma evidência trágica para grandes líderes que a Europa teve e que, mesmo quando acabaram o seu percurso político de uma forma que foi um calvário - estou a pensar, por exemplo, no caso do Aldo Moro -, acaba por só depois de morto se perceber… ou o caso do Adolfo Suárez. Houve uma entrevista do Adolfo Suárez ao El Pais – hoje toda a gente adora o Adolfo Suárez, não é? Um grande líder espanhol, não é? Um grande político, o maior político espanhol da transição. Há uma entrevista dele ao ABC onde ele diz à jornalista: eu sou o homem mais desprezado de Espanha. O título foi tão forte que a assessoria de comunicação conseguiu que não fosse publicada. Só foi dada a conhecer depois de ele ter morrido.

 
Salvador da Cunha

Adriano, interpretação da verdade. Os equilíbrios estão em todos nós. Há a realidade, e essa realidade é interpretada pelos Gate Keepers , e depois é interpretada por quem lê os Gate Keepers. Ou seja, temos aqui três níveis e aqui criam-se as perceções.

Portanto, há uma realidade e há alguém que explica essa realidade, há alguém que contrapõe essa realidade. E depois cabe a cada um de nós descobrir qual é que é a nossa verdade em relação a esse facto.

O miúdo que foi agora agredido pelos iraquianos, nós tivemos a possibilidade de ouvir várias versões. A primeira versão que eu vi no observador foi que um santinho, que estava a ir tomar um café, foi abordado por dois iraquianos e que lhe deram um enxerto de pancadaria e que ele foi parar ao hospital, e se era legítimo ou não que quem tivesse imunidade diplomática pudesse fazer isso sem ser…

E depois, de repente, os iraquianos vieram falar à SIC e começamos a mudar um bocadinho a perceção. Agora os pais da criança já não querem pôr um processo em tribunal, querem é dinheiro.

Onde é que está a verdade nesta brincadeira toda? Ele era santinho, não era santinho? Fez mal, não fez mal? Quem é que fez mal, quem é que não fez mal? A verdade não existe. A verdade é uma interpretação das vossas perceções.

O Carlos Cruz é ou não é culpado de pedofilia? Alguém tem a certeza absoluta de que ele é culpado ou não é culpado? Ninguém tem. Portanto, a verdade é uma coisa que cada um de nós vai criar a sua.

O que é uma verdade coletiva? É uma perceção coletiva de que… começa-se a perceber que toda a gente, a determinada altura, tem a mesma opinião sobre determinado assunto. Então essa passa a ser a versão mais democrática da verdade. Agora a verdade em si, desculpem lá, não existe. A não ser que caia uma árvore e a verdade é que a árvore caiu. Isso é um facto indesmentível, real. São coisas que acontecem, que podem ser relatadas e que estão lá.

Quando tem a ver com interpretações de várias versões, que é o que nós estamos aqui a falar, são as narrativas de partes opostas, a verdade não existe, a verdade está lá no meio. Como dizia um amigo meu, no meio é onde está a virtude, ou pelo menos onde já esteve.

Agora, como é que se melhora a imagem dos políticos? Vânia, eu acho que a imagem dos políticos tem que melhorar muito com… não quero que me interpretem mal, eu sou um fortíssimo adepto da comunicação, mas sou um fortíssimo adepto da substância por trás da comunicação. Um fortíssimo adepto da substância por trás da comunicação.

Tem que haver líderes fortes, tem que haver lideranças fortes, tem que haver lideranças com ideologia que expliquem a sua ideologia, mas que a saibam explicar. Tem que haver lideranças que não se autocondicionem, e que não façam o mínimo denominador comum. Eu acho que o Estado tem que ter dignidade. Eu acho que os governantes não têm que andar de Fiat Punto, peço imensa desculpa. Não têm que andar em segunda, também peço imensa desculpa. Podem utilizar o Falcon à vontade. E têm que se marimbar para o que os jornalistas dizem nessa altura. E nem sequer responder a essas provocações. Mas isso, lá está, é comunicação.

Mas no fim tem que haver substância. Tem que haver ideologia e substância por detrás e lideranças fortes. Se isto acontecer e se as pessoas forem honestas e se as pessoas demonstrarem que não têm interesses nenhuns para além daqueles que são ajudar o seu país, a imagem dos políticos melhora.

Mas também passa muito por vocês, que aqui estão, dar o exemplo à vossa geração de que estão interessados neste tema. Eu tenho imenso prazer em falar com cem pessoas que estão muito interessadas no tema da política, porque eu dei várias aulas a várias turmas nas áreas da comunicação, e ninguém estava interessado em saber de política. As pessoas fartam-se desse assunto, não querem saber e alheiam-se um bocadinho desse tema.

Portanto, acho muito interessante que vocês estejam interessados. Mas, lá está, o fundamento e a substância é o que faz melhorar a imagem na política.

 
Duarte Marques

Obrigado. Agora vou dar a palavra ao João Pedro Luís, do Grupo Cinzento, e ao Ricardo Grilo, do Grupo Bege, e vamos ter tempo para fazer duas perguntas em catch the eye.

 
João Pedro Luís

Muito boa tarde a todos. Gostaria de começar por saudar a Mesa, em especial os nossos convidados, a Dr.ª Helena Matos e o Dr. Salvador da Cunha, assim como todos os deputados presentes.

A questão do Grupo Cinzento é a seguinte: na vossa opinião, quais são os principais fatores que contribuem para que a comunicação social portuguesa seja tendencialmente de esquerda?

Muito Obrigado.

 
Ricardo Grilo

Boa tarde. A minha dúvida é: nós, em dezembro de 2015, tivemos a notícia da TVI sobre o Banif, e para mim esse é um caso bastante paradigmático daquilo que é a influência dos media na sociedade, mas também esses interesses que os media têm. E a minha dúvida é: o que é que justifica esta dificuldade em assumirem os seus interesses? E a ser importante assumi-los, quem é que deveria garantir que são assumidos? Se são os próprios órgãos de comunicação social, se são os media concorrentes, se é a ERC, se deveria ser a Assembleia da República, enfim, quem são os responsáveis por garantir que esses interesses são revelados de forma transparente.

Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Salvador, quatro minutos.

 
Salvador da Cunha

Eu tenho uma interpretação relativamente pessoal sobre esta questão dos órgãos de comunicação social serem tendencialmente de esquerda. Tem a ver com questões históricas e tem a ver com questões históricas de uma inteligência absolutamente brilhante de um ex-ministro do PS chamado Jorge Coelho, que, de facto, no final da década de noventa, conseguiu eliminar todos os jornalistas de direita, e todos os diretores de direita de todos os jornais – eu falava disto, ao almoço, com o Duarte – conseguiu fazer com que eles fossem eliminados.

No fundo, houve aqui uma limpeza dos jornais de direita, e houve uma limpeza dos jornais que poderiam contestar, o que fosse algum jornalismo mais de direita. Eu lembro-me que o Independente, que não era nem de direita nem esquerda, era só um jornal que contestava, deixou de existir. O Liberal deixou de existir. O Semanário deixou de existir. O Europeu deixou de existir. Todos os projetos de jornais de direita deixaram de existir, e isso teve efetivamente uma pessoa que teve um papel ativo nesse tema. Eu na altura não era já jornalista, mas assisti muito de perto a essa questão.

Mas não é só essa questão que influencia o facto de o jornalismo ser de esquerda. Eu não sei se vocês têm ideia de quanto é que ganha um jornalista, mas um jornalista ganha menos de mil euros por mês. E quem ganha menos de mil euros por mês não percebe porque é que alguém ganha três mil euros, ou quatro mil ou cinco mil euros por mês. E acha que quem ganha cinco mil euros por mês é milionário. É mentira. Quem ganha cinco mil euros por mês não é milionário.

Portanto, é muito difícil que um jornalista consiga defender uma pessoa como o Eng.º Jardim Gonçalves, por exemplo, que ganha cento e sessenta mil euros por mês, porque fez seguros nesse sentido. E é muito difícil que o Eng.º Jardim Gonçalves consiga justificar porque é que ganha esse dinheiro em reformas e em seguros.

Portanto, objetivamente, há aqui – e aí também a Helena há pouco falou sobre isso – há aqui um país que tendencialmente não gosta do rico. Alguém dizia que em Portugal temos que acabar com os ricos. Em Espanha diziam: não, mas nós aqui em Espanha gostávamos era de acabar com os pobres. E é isto que eu acho que, ideologicamente, nós temos que defender.

E a direita, e o centro-direita, tem vergonha de assumir que é de centro-direita. E isso também é uma questão que faz com que os jornalistas sejam tendencialmente de esquerda.

Em relação à questão do Banif, é uma questão bastante complicada. Eu conheço muito bem o Sérgio Figueiredo, é meu amigo há muitos anos, que é o diretor da TVI que depois foi à Comissão de Inquérito explicar este caso.

Isto tem a ver, clarissimamente com uma fonte muito interessada em que aquela notícia saísse para que houvesse uma resolução na sexta-feira seguinte do tema do Banif. E ninguém me convence do contrário, tenho a certeza de que isto aconteceu. A questão do Banif foi uma narrativa do PS para justificar o défice, e uma narrativa do PS que custou quatro mil milhões de euros aos portugueses, e que não foi rebatida pelo PSD.

E aqui eu acho que isso é muito importante. Não foi rebatida suficientemente. Puseram, desculpe lá, a Maria Luís Albuquerque a autodefender-se, em vez de explicar porque é que aquilo estava mal feito.

Aquilo foi entregue de mão beijada a outro banco e foi para explicar o défice. E isto, ninguém me tira da cabeça que não foi assim.

Aqui está um caso claro de que há uma realidade que se ajusta a uma narrativa. Eu preciso de ter uma narrativa para justificar o défice e, ao mesmo tempo, preciso de resolver um problema chamado Banif. Então bora lá resolver o problema desta maneira. E ninguém desconstruiu isto, ninguém desconstruiu isto à séria. Porquê? Porque efetivamente existiam problemas no Banif, como existem problemas em todos os bancos, e agora também se vê na Caixa Geral de Depósitos.

Mas esses problemas não têm que ser postos na praça pública, porque esses problemas podem ser resolvidos com tempo. Agora, quando se põem na praça pública, não há nada a fazer. E o que aconteceu foi isso. Alguém disse ao Sérgio Figueiredo, ao próprio diretor do jornal, o Banif na segunda-feira vai fechar as portas, e ele, como bom jornalista, tinha que escrever, porque acreditava naquela fonte. Perguntam-me: continua a acreditar naquela fonte? Eu tenho algumas dúvidas.

 
Duarte Marques

Obrigado. A fonte não estava errada, que ele fechou mesmo. Resta saber é quem é que teve interesse nisso. Passo a palavra à Helena, e faremos o debate a seguir.

 
Helena Matos

A questão que o Salvador aqui colocou em relação aos vencimentos dos jornalistas, nós temos de perceber que não explicarão, de modo algum, tudo. E não explicam tudo porquê?

Porque, de facto, os jornalistas hoje ganham muito mal, mas, por exemplo, nos anos setenta eles ganhavam bem. Não ganhavam assim tão mal, comparativamente com os outros portugueses. E eu creio que, ao contrário da imagem que nós temos cultivado muitos dos jornalistas, sobretudo porque vemos muitos filmes americanos, é a ideia de que o jornalista é alguém que vai contra a corrente, ou que tem uma capacidade ou um interesse, muitas vezes, em investigar para lá do óbvio.

Eu não creio que isso seja assim tão verdadeiro, e, aí, a minha experiência com jornais dos anos setenta é, de facto, muito, muito perturbante. Porque eu encontro umas pessoas que escreviam umas coisas até ao dia 25 de abril de 1974, e a censura portuguesa não acrescentava nada, só cortava. Nunca acrescentou aquelas coisas maravilhosas sobre o senhor Presidente do Conselho. E que depois estão a escrever exatamente as mesmas coisas sobre o Dr. Álvaro Cunhal. Ou o caso do General Spínola, que tinha sido um grande, grande Governador da Guiné, e depois tinha sido um grande, grande líder do 25 de Abril, e depois tinha sido um tremendo fascista – isto tudo, coitado, entre janeiro de 1974 e setembro de 1974.

E portanto, como algumas notícias estão assinadas, temos de perceber que, muitas vezes, os jornalistas, porque são humanos, digamos que se adequam aos tempos e às verdades de cada tempo. Portanto, temos também de perceber que os jornalistas, além de notícias, também fazem as verdades de cada tempo. Para lá desta questão de que eles fazem parte da verdade de cada tempo – e os próprios precisam dessas verdades para viver – temos de perceber uma outra coisa, que é aquilo que a Estrela Serrano (que foi assessora do Sampaio, do Guterres) uma vez escreveu que é: mais importante do que, às vezes, a ideologia, é a questão do chamado sentimento de pena do líder. Ela escreve sobre isto num dos livros que faz.

E nós temos de perceber o seguinte: como é que se explica, a não ser por sentimento de pena do líder, ou se quisermos de algum amparo, notícias como aquela que tivemos hoje, sobre o primeiro-ministro António Costa que pensa levar à Conferencia dos Líderes dos Países do Sul da Europa, uma proposta para combater o terrorismo islâmico, que o Público apresenta como uma coisa extraordinária, maravilhosa e encantadora, que passa por uma questão imobiliária de construção de raiz dos bairros periféricos. Quer dizer, nenhum terrorista, me parece, que até hoje tenha ido pôr bombas porque não tinha casa. Isto é uma coisa que não bate certo com a realidade.

Ou a questão, por exemplo, daquela entrevista ao Secretário de Estado do Ambiente sobre as rendas, e em que ao longo de toda a entrevista nunca se fala… que ali é sempre apresentada como a questão do prolongamento do congelamento, para a proteção do inquilino. Para a proteção do inquilino? Mas a legislação, o que previa, é que a renda, a diferença que o inquilino não pudesse pagar passava agora a ser paga pelo Estado. E a única coisa que mudou, nesta alegada proteção ao inquilino, é que continua a ser paga pelo senhorio. E a pessoa que fez a entrevista, que é uma pessoa claramente informada, como é que nunca perguntou: então foi revogada aquela legislação que previa que, a partir de determinado momento, o Estado assumisse o pagamento das rendas daqueles inquilinos com determinada idade, com determinados graus de deficiência.

Para lá da questão ideológica, há também este fazer parte de uma verdade, em que tudo o que se diz que tenha as palavras proteção, solidariedade e dar é como uma coisa mágica e encantatória. Para lá daquela questão do sentimento de pena e de apoio ao líder, que leva a coisas anedóticas como acreditar que se vai combater o terrorismo islâmico derrubando bairros de raiz e construindo-os, que me parece ser um ótimo slogan para o J. Pimenta, mas não mais do que isso.

 
Duarte Marques

Fez lembrar aquela tirada do Dr. Almeida Santos sobre as pontes que estavam em perigo.

Vamos ter só duas perguntas de catch the eye. Nós optamos, daqueles que pediram e que eu consegui anotar, pelos alunos que têm menos perguntas em plenário feitas.

Portanto, vou dar a palavra ao Gonçalo Armindo, do Grupo Cinzento, e ao António Domingos, do Grupo Bege.

 
Gonçalo Armindo

Antes de mais, cumprimentar os oradores. É sempre bom virem pessoas de fora para dentro do partido, e neste caso aqui a esta Universidade, para podermos, nós internamente, refletir, melhorar e entender formas de agir.

O Dr. Salvador disse que, de facto, vamos a caminho do seguindo resgate. E que o PSD não consegue passar essa mensagem. E temos, de facto, uns media que desvalorizam e descredibilizam o PSD, ou pelo menos tentam. E o PSD, com os outros partidos que passam a vida mais preocupados em desfazer a nossa comunicação do que governar bem um país, em explicar as medidas aos portugueses.

Nós comunicamos a verdade e a esquerda esconde a verdade, mostrando que só com eles é que as vacas voam. Sabendo que o PSD tem esta postura, será que por muita comunicação que o PSD invista, conseguimos obter resultados dessa comunicação? E sabendo que, infelizmente, a classe política está descredibilizada, como devemos, no vosso entender, atuar, para voltar a ter os portugueses interessados e ativos na política?

 
Duarte Marques

Obrigado, Gonçalo. António Domingos, Grupo Bege.

Então passo a palavra ao Bruno Santos, do Grupo Amarelo.

 
Bruno Dias Santos

Boa tarde. Introduzo esta questão com uma história em que faço um inquestionável mea culpa.

Corria o ano de 2014 e estávamos em vésperas de eleições europeias. Em conversa com um ex-aluno da Universidade de Verão, queixei-me de conhecer mal os candidatos e de, numa lista nacional, provavelmente nem ter ninguém do meu distrito. Acontece que eu sou – ou era na altura – de Santarém.

Como me é agora evidente, tal como eu e todos nós aqui faremos daqui em diante, ele, orgulhoso ex-aluno, passou a meia hora seguinte a defender o mérito, a valia e o trabalho reconhecido do Carlos Coelho.

Eu tento informar-me em cada eleição, mas dada a quantidade de candidatos e de ideias, que existem, sinto que é difícil avaliar a verdadeira valia de pouco mais do que os cabeças de lista a cada eleição, sejam elas autárquicas, sejam elas legislativas, sejam elas europeias.

Feita esta confissão, a minha pergunta é: a sociedade como um todo consegue garantir o reconhecimento devido a pessoas de enorme valia, de créditos firmados, como o próprio Carlos, ou é uma questão que só se resolve com círculos de eleição uninominais, de um para um, ou passa por uma reforma da narrativa dos próprios partidos, de forma a garantir o destaque devido às pessoas e às ideias que se distinguem pelo mérito e não apenas pela visibilidade do que fazem, ou simplesmente por serem mais histéricos do que os outros.

Obrigado.

 
Helena Matos

Em relação à questão da reforma eleitoral em Portugal, penso que tudo aquilo que possa levar à aproximação aos eleitores será essencial. Mas, de qualquer forma, devemos sempre pensar que não é por nós mudarmos muitas vezes o quadro legislativo, embora a questão dos círculos uninominais possa parecer apelativa em determinados momentos, eu creio que em Portugal, a depreciação da política e a depreciação dos líderes - e não só em Portugal - faz também, muitas vezes, parte do discurso de sociedades de que as pessoas se habituaram a ser usufrutuários, mas partem em posição não responsável.

Não há atitude mais prática, mais cómoda e mais simpática do que a pessoa que quer sempre fazer de conta que não tem quaisquer responsabilidades, sem abdicar de quaisquer das vantagens. É uma atitude muito cultivada, só que nós não temos nenhum discurso de censura sobre isso. Ou seja, se alguém nos disser eu não me interesso por política, mas depois aquelas pessoas têm reforma, beneficiam de tudo o que é desta sociedade, do seu Serviço Nacional de Saúde, embora passem a dizer mal dela.

Mas vocês vêm isso nas reuniões de condomínio, nas associações de pais. Não há coisa pior do que aquele condómino que nunca pôr os pés na reunião de condomínio, e que depois protesta todos os dias por todas as coisas. Com a empresa que gere o condomínio, com a senhora que limpa as escadas. Mas depois nunca quer ser administrador, porque nunca tem tempo, e porque nunca pode ter qualquer responsabilidade.

Se quisermos, a reunião de condomínio é um bom símbolo daquilo que às vezes somos como sociedade. Ou as associações de pais. Portanto, nós temos, na prática, uma sociedade civil muito inventada, muito artificial. A maior parte daquelas associações que aparecem, e que as pessoas passam a vida a dizer que estão nas mãos da esquerda, o SOS Racismo, o LGTB, o não sei quê, mas a verdade é que ninguém constituiu outras. E quando se constitui elas ficam muito frequentemente vazias.

Eu sempre que me vêm com a ideia de que as pessoas não podem estar nas associações de pais, ou que não querem ir às reuniões de condomínios, presumo que as pessoas abdicarão de todos os privilégios e direitos que isso lhes dá. E tenho um discurso muito censório em relação a isso. Mas noto que estou bastante isolada porque não é uma atitude nada simpática. O que é simpático é entrar imediatamente no "ah, pois são todos iguais, não querem saber…”.

Há, na prática, uma grande tolerância em relação a este tipo de discurso, que não é neutro. É um discurso profundamente egoísta. Talvez se ficássemos um bocadinho menos tolerantes em relação a este discurso, talvez as coisas começassem por mudar. Acredite, não é apenas na política, é muito em todo o lado. Não nos admiremos que depois, sobretudo os setores mais ativos politicamente, que são tradicionalmente de esquerda, multipliquem as associações e as comissões disto e daquilo. Mas vai lá mais alguém sem serem eles? Pois, provavelmente não.

Esta é uma das questões. Em relação às questões da comunicação, é uma pergunta que recorrentemente se faz, sobretudo o PSD - porque o CDS, até por outra história e pela personalidade do seu antigo líder, o Paulo Portas, tem uma relação completamente diferente com a comunicação social, e se quisermos muito mais eficaz, nesse sentido -, que é porque é que a nossa mensagem não passa?

Bem, eu não sei, como vos disse, não estou filiada em partido algum. Mas a mim parece-me que enquanto as pessoas tiverem dificuldade em assumir claramente o que são, e que são o que são, não apenas porque não há dinheiro para serem mais socialistas, mas porque são assim, porque defendem outro modelo de sociedade. É certo que o PSD se constituiu como um partido sem ideologia, no início, mas ou apresentam de facto um modelo de sociedade, ou viverão sempre a achar que aquilo que são é porque não podem ser outra coisa.

E apenas para acabar, acho que o medo de não ser popular é a coisa pior que pode acontecer a um líder. Os líderes melhor sucedidos são aqueles que são capazes de enfrentar o medo… eu presumo que deve ser um terror, o medo da impopularidade. Não imagino o que seja. Não imagino o que seja estar uma noite à espera do resultado de umas eleições. Não imagino o que seja estar no fim de um debate a ouvir aquelas pessoas, como eu, que escavacam as que participaram no debate. Não imagino o que seja, e acredito que são pessoas que têm de ter um determinado perfil.

Mas como as pessoas escolheram ir para lá, eu acho que o essencial é pensar em duas, três ou quatro coisas que acreditam ideologicamente certas, com o seu perfil; isso é válido da direita à esquerda.

E saberem que o momento mais importante não é o da vitória, é como é que se consegue reagir a uma derrota e a uma má notícia. Eu penso que o medo da impopularidade é hoje algo que faz com que muitas pessoas se afastem da política e tenham medo da política. Porque nós somos, na prática, educados para o sucesso, e não percebemos que do sucesso, penso eu, faz parte o sermos capazes de lidar com as derrotas. Aí o Salvador poderá explicar isto melhor do que eu.

Mas eu penso que muitos dos nossos líderes, hoje, até porque as lideranças são muito breves. Reparem como o PSD despacha líderes sucessivamente. Como, por exemplo, mesmo tendo um líder que ganhou eleições já acham que têm de ter outro líder. Reparem como o António José Seguro sai.

Tudo isso, de alguma forma faz, para ser líder, a questão do tempo. Quanto tempo é que um homem pode estar à frente de um partido? E aí Portugal é completamente diferente, porque se vocês virem o Mariano Rajoy está à frente do PP há vários ciclos eleitorais, perdeu eleições. Temos agora o caso da França em que o Sarkozy se recandidata outra vez, tendo perdido eleições.

Digamos que Portugal dá pouco tempo – estou a falar, claramente, do PSD e se quisermos mais do PS; os outros partidos, até porque são pequenos partidos, não se podem permitir isso -, dá pouco tempo, ou seja, não lhes permite uma derrota.

Como eu penso que a maior parte de vocês serão militantes do PSD, ou simpatizantes, talvez valesse a pena ter esta pergunta: que tipo de pessoas é que não podem ter como líderes, quando na prática não lhes admitem uma derrota. Eu penso que isso condiciona claramente o perfil.

 
Duarte Marques

Muito obrigado. Salvador…

Eu peço desculpa, vou aproveitar para dizer isto. Vamos ter mais algumas perguntas de catch the eye , e portanto avisava os senhores oradores de que ainda têm de responder a mais algumas perguntas.

 
Salvador da Cunha

Respondendo ao Bruno, eu não sei muito bem o que lhe diga. Eu não sou político, sou um especialista em comunicação, portanto eu aqui não lhe consigo dar uma resposta clara em relação à sua pergunta. E portanto vou responder essencialmente ao Gonçalo.

Como é que o PSD pode fazer uma melhor comunicação? No fundo, esta é a questão que está subjacente à pergunta que fez. Como é que a mensagem pode passar? Primeiro tem que acreditar na comunicação. Tem que acreditar que a comunicação é essencial.

O PSD quando foi governo acreditou que tinha que governar, não acreditou que tinha que comunicar enquanto governava. E depois acreditou que tinha que ser honesto e tinha que explicar aos portugueses o que se estava a passar. Evidentemente que tem de ser honesto, mas como eu disse há pouco, a transparência não é nudez, e portanto dizer tudo não vale a pena. Dizer que as pessoas vão ter que enfrentar a maior austeridade de sempre, e depois aplicar-lhes a maior austeridade de sempre, não é eficaz.

Eu lembro-me, na década de oitenta, com o Mário Soares, em que tínhamos inflação de 15%, isso era austeridade à séria, só que as pessoas não faziam a mínima ideia. Porque as pessoas não percebiam a inflação. E a inflação é austeridade. A austeridade, como a Helena disse há bocado, não é o Estado tratar bem do nosso dinheiro, é nós perdermos rendimento.

 
Helena Matos

Mas havia um mecanismo que permitia camuflar a austeridade, que era a moeda própria.

 
Salvador da Cunha

Que era a moeda própria, exatamente, que não temos neste momento. Portanto, graus de liberdade diferentes. O fundamento disto é: a política faz-se de governação, quando se está no governo, e comunicação. Faz-se de ideologia e comunicação, quando se está na oposição. Mas não pode deixar de se fazer comunicação.

E comunicação não é aparecer no Telejornal, comunicação não é dar uma entrevista à Judite de Sousa, comunicação não é dar uma entrevista ao Público. Comunicação é estar todos os dias, a todas as horas a combater as narrativas do adversário. É estar todos os dias, a todas as horas a impor a nossa ideologia e a explicar a nossa ideologia a todas as pessoas que a podem entender e que a querem entender. Trazer pessoas para o nosso lado.

Eu pergunto: qual é o comentador político, da área do PSD, que neste momento está numa televisão de grande audiência? É o Marques Mendes? Não. O Marques Mendes não é do PSD, é dele próprio. Peço desculpa dizer isto, mas esta é a verdade. O Marques Mendes não defende o PSD.

É o Pacheco Pereira?

[Risos]

Risos, não é? Aquilo chama-se a quadratura do círculo porque é suposto ter lá um elemento de cada um dos principais partidos. Enfim, o Pacheco Pereira não representa o PSD, pelo contrário.

Foi o Marcelo, durante algum tempo? Não foi o Marcelo.

Portanto, o PSD não tem ninguém, não tem ninguém objetivamente, numa televisão de grande audiência a defender os seus temas. Mesmo o Pedro Santana Lopes, que está, salvo erro, na SIC Notícias (não sei se é SIC Notícias se é TVI 24) também não é um porta-voz do PSD.

Portanto, o PSD tem que ter alguém de grande craveira a fazer comentário político permanentemente. Não tem.

Qual é o ponto que eu quero significar? É alguma ingenuidade deste partido em relação aos temas de comunicação. Há alguma perceção de que não vale a pena, que os jornalistas não vão pegar. Há alguma perceção de que eu explico mas eles não entendem. E isto é uma coisa que dá muito trabalho, tem que ser feito diariamente, horariamente, e com uma equipa grande.

Portanto, tem que ser uma aposta estratégica do partido, não pode ser uma coisa que tenha ali três ou quatro assessores de imprensa a tratar de um assunto. Tem que ser uma coisa que seja coordenada, que seja coordenada por vários especialistas, esteja coordenada por vários produtores de conteúdos, que saibam escrever, que saibam o que estão a dizer, para que as mensagens efetivamente passem.

E eu não sei se o PS tem isto tão bem organizado como isso. Enfim, vendo o Manuel Caldeira Cabral, que por acaso é amigo de infância, é a maior nulidade de comunicação que eu já vi na minha vida. O que acontece é que o António Costa é um perito em comunicação e consegue fazer as coisas à maneira dele.

 
Duarte Marques

Mas ele faz muitos quilómetros, o Ministro da Economia, diz que faz muitos quilómetros. No carro dele.

Gustavo Pereira, do Grupo Rosa, e o José Guilherme, do Grupo Azul.

 
Gustavo Pereira

Boa tarde. Nós hoje vivemos um grave problema, a descredibilização da classe política, que afasta os jovens desta, da política. Nós estamos aqui um pouco para contrariar essa ideia, mas com base naquilo que nos disse, o caro Salvador, eu fiquei pelo menos com a ideia de que nós não devemos fazer política séria, ou seja, no seguimento do que disse relativamente ao PSD, que não deve tocar nos pontos onde dói, não deve falar em austeridade.

Se não devemos ter uma postura séria, e se eu estou aqui é também, em parte, pela postura séria do partido, devemos fazer aquilo que este governo faz? Mentir aos portugueses?

 
José Guilherme Sousa

Agradeço, naturalmente, o contributo dos dois oradores neste debate.

Por várias vezes, neste debate, já vimos apontados alguns defeitos à estrutura de comunicação do PSD, mas se nos recordarmos - mesmo sendo perito em comunicação, como disse, o António Costa – a verdade é que, se nos recordarmos das últimas eleições legislativas, tiveram também alguns erros, e portanto eu gostava de não sobrevalorizar tanto esse ponto.

E a minha questão seria então até que ponto o cerne da questão não está na comunicação de políticas de esquerda ser um fardo menor em relação à comunicação de políticas de direita? Políticas de esquerda essas que mostram muito mais claramente, e de uma forma mais direta, essa solidariedade e proteção, como muito bem apontou a nossa convidada.

 
Duarte Marques

A narrativa da Helena convenceu os últimos alunos.

 
Salvador da Cunha

Eu acho que nós, pelo contrário, temos que ser muito sérios. Temos é que comunicar. Efetivamente, a esquerda apropriou-se de um conjunto de temas que lhes são muito queridos, que têm a ver com proteção social. E isso interessa muito às pessoas e, de facto, são talvez muito mais humanistas, ou são percecionados como muito mais humanistas do que os partidos mais de centro ou mais de direita, que são muito mais individualistas e muito mais vocacionados para o empreendedorismo e para outras situações.

Agora, as pessoas têm que ser sérias, as pessoas têm que ser sérias. Eu nunca vou tirar a substância da comunicação. O que eu digo é que não tem que se dizer tudo e não temos que nos autocondicionar. Um líder do partido não pode, a primeira coisa que faz, dizer eu não vou andar nunca em classe executiva num avião, porque a primeira vez que ele andar em classe executiva num avião, vai ser criticado por toda a comunicação social e por toda a oposição. Isso é um autocondicionamento claríssimo que aconteceu uma vez, mas que aconteceu imensas vezes ao longo da vida do governo do PSD.

A questão do enorme aumento de impostos. Para que é que eu vou dizer que há um enorme aumento de impostos? Eu tenho que ser tão claro assim? Se nós estamos numa democracia em que as pessoas votam em nós, e se eu vou dizer às pessoas "eu vou-te dar estaladas todos os dias e tu vais votar em mim daqui a quatro anos”, as pessoas não votam. Porque as pessoas não acreditam naquilo que lhes faz mal. Não querem aquilo que lhes faz mal.

Mesmo que racionalmente – e eu tive imensos exemplos disto – mesmo que racionalmente as pessoas pensem assim: o PSD, ou melhor, a coligação PSD/CDS, vai levar o país para um sítio melhor onde ele já esteve. Quer dizer, vai conseguir conduzir o país no sentido em que nós vamos melhorar todos a nossa condição de vida. Mas com tanta austeridade e com tantos impostos e com tantas questões negativas que foram sendo postas ao longo do tempo, também por condicionamentos europeus e por condicionamentos da Troika, havia pessoas que já não podiam olhar para o PSD, e que sabiam racionalmente que o PSD é que nos ia safar deste tema. Essas mesmas pessoas são aquelas que continuam a saber que o PS nos vai enterrar outra vez. Mas enquanto o pau vai e volta, folgam as costas. E é isto que acontece.

Nós temos que ser, desculpem lá, um bocadinho de nada cínicos. Nós temos que ser um bocadinho de nada demagógicos. Não muito, não muito, mas um bocadinho de nada.

Se a substância e a seriedade e as políticas estiverem cá, e se as coisas forem bem feitas, se não houver corrupção, se não houver apropriação de situações complicadas, portanto, se a substância for genuinamente boa, nós não podemos dizer a um povo que não percebe o que nós estamos a dizer que lhes vamos tirar tudo para não lhes dar nada.

E eu aí, peço imensa desculpa, mas vocês vejam o que está a acontecer nos Estados Unidos. Temos um facínora como o Trump que tem umas sondagens absolutamente inacreditáveis. Vocês acham que aquilo é sustância? Pergunto: o que é que interessa, é ganhar as eleições ou… e aquilo é um produto de comunicação. E eu não acredito nada naquilo. Sendo que a esquerda nos Estados Unidos é igual à direita em Portugal; e a direita nos Estados Unidos é igual à extrema-direita em Portugal. É a minha opinião.

Mas vocês vêm o que é um produto de comunicação sem substância. E eu não acredito nisso. Eu acredito no produto de comunicação com substância. Eu acredito primeiro na substância, mas acredito muito na comunicação a seguir à substância. Porque se não comunicar ou se disser toda a verdade, isto é, vamos ter um brutal aumento de impostos, as pessoas zangam-se.

[Aplausos]

 
Duarte Marques

Obrigado. Helena…

 
Helena Matos

Eu creio que há duas coisas. O problema é mesmo quando a relação com a comunicação começa a determinar o resultado eleitoral. Isso é particularmente visível não apenas nos Estados Unidos – podemos falar de um produto de comunicação – mas nós temos aqui, no caso europeu, provavelmente nas próximas eleições francesas estaremos perante uma discussão não muito diferente com a questão da Marine Le Pen.

Quando nós lemos as caixas de comentários dos jornais franceses ficamos claramente aterrados. Temos de perceber: o sítio mais importante das nossas sociedades é uma recriação do antigo confessionário das igrejas, é a urna de voto. Ninguém vê em quem é que nós votamos. O voto secreto.

E quando as pessoas passam a votar não para escolher quem os quer governar, mas como se estivessem a escolher o maior português de sempre, que era um concurso televisivo e não contava para nada, na realidade – estão a dizer: eu quero vingar-me disto.

Isso nota-se muito nos jornais franceses quando nós percebemos porque é que a Marine Le Pen pode vir a ganhar as eleições, que é: os jornais não falaram da selva de Calais, os problemas das pessoas que têm aquele afluxo enorme de imigrantes; é a velhinha que perdeu a casa; é o outro que vive nos tais bairros que o nosso primeiro-ministro acha que têm de ser arrasados de raiz, mas que são umas magníficas casas, e que de repente, viviam ali não sei quantas pessoas, não sei quantas nacionalidades diferentes, e agora tem o problema de uma vizinha que anda tapada dos pés à cabeça, apesar de a burca ser proibida; e depois mais o problema da insegurança e do carro que foi partido e ninguém fez nada.

E quando as pessoas transformam o seu voto numa forma de vingança, numa forma de repúdio, e quando os políticos do chamado centro democrático – e eu, no centro democrático, incluo claramente os socialistas democráticos e o centro-direita – deixaram esses assuntos nas mãos dos radicais. E aí, de facto, é muito fácil um populista cavalgar este tipo de comunicação social que temos. Um tipo de comunicação que, claramente, penaliza mais os líderes de centro e não consegue enfrentar os chamados líderes radicais.

Eu há bocado dei-vos o exemplo da condescendência, da enorme admiração, que a nossa classe jornalística tem tido desde o Arnaldo de Matos ao Francisco Louçã. Aquele discurso nunca foi, na prática, muito desmontado. E se quiséssemos, em Espanha, poderíamos prosseguir aí para outras figuras ainda mais complicadas e controversas, sobretudo das áreas dos independentismos e das questões dos terrorismos e tudo isso.

E depois, de repente, o monstro apareceu à direita. E portanto, quando o monstro apareceu à direita, pareceu muito estranho e toda a gente ficou muito indignada. Nós, na verdade, vivemos vários anos com eles à esquerda. E agora que existe esta possibilidade à direita, percebeu-se, de facto, os líderes dos partidos democráticos têm de perceber que não há temas tabus, porque o populismo é como os gases: ocupa todos os espaços vazios.

Em relação à questão da dificuldade e da questão dos interesses, governar bem, governar mal e da mensagem que não passa, eu creio que de facto aquilo a que nós estamos a assistir hoje é algo que eu não sei se os partidos estão mais ou menos preparados para isso. E que é: nós passamos da tradicional luta de classes, que fazia movimentar a História, para uma coisa que é, se quisermos, uma divisão etária. A geringonça, na prática, o que tem feito é assegurar os direitos dos mais velhos, dos funcionários públicos que estavam no fim de carreira, dos topos de carreira. Se quisermos, é uma questão etária e corporativa, do chamado setor Estado, e dentro do setor Estado, aqueles que já tinham atingido o topo das carreiras, ou que tinham tido as suas reformas calculadas de forma particularmente generosa.

E temos do outro lado uma sociedade que está no setor privado e dos mais jovens. Houve aqui uma mudança: o discurso político continua a ser muito eficaz na solidariedade, no apoio aos pobrezinhos, no dar, e tudo isso, mas aquilo que nós temos hoje, se quisermos, é: a geringonça é claramente um governo para defender os interesses do setor Estado, e dentro do setor Estado, dos privilegiados do setor Estado.

 
Dep.Carlos Coelho

Obrigado. Vamos então sim para a última ronda de perguntas, e vou dar a palavra ao David Luís, do Grupo Verde, e ao Rodrigo Azevedo Mendes, do Grupo Encarnado.

 
David Luís

Muito boa tarde a todos. A minha pergunta é naturalmente para os dois oradores, mas gostaria posteriormente que outros que tiverem interesse na matéria que me dessem também a sua opinião, porque me toca mesmo diretamente.

Faz agora cerca um ano que um projeto caiu-me no colo, uma associação de solidariedade, e no início foi fácil, era uma coisa nova, era de iniciativa universitária, que não é comum, quem estava à frente era um miúdo, e tivemos muita atenção dos media regionais e alguns nacionais, também.

Agora, passados seis/oito meses, estamos a trabalhar e a ajudar verdadeiramente, e precisamos de voluntários, parceiros, patrocinadores, essa atenção desapareceu, porque já não é novidade, já não é fashion.

E eu queria perguntar se esta tendência sensacionalista dos media , noticiar só aquilo que é uau, que é diferente, que nos chama a atenção, se isso é um fenómeno perpétuo, e se nós devemos aceitar a nossa impotência e assimilar essa realidade, ou se podemos contrariar isso de alguma forma.

Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Rodrigo.

 
Rodrigo Azevedo Mendes

Boa tarde. O senhor Salvador da Cunha a certa altura, em certos momentos do debate, disse umas seguintes frases, que não sei se era exatamente isto que queria dizer, mas pelo menos foi o que eu interpretei.

Primeiro que devíamos confiar que existe alguma honestidade no governo. Depois também disse que o senhor António Costa diz uma coisa e depois faz exatamente a outra. E também disse que o governo não tem obrigação de falar sobre défice e esses sistemas chatos.

O que eu gostaria de perguntar, primeiro uma introdução…

Nós vivemos numa democracia e todos sabem o que significa democracia – poder no povo. E toda a gente provavelmente já ouviu que o saber é poder. Então, para nós podermos exercer corretamente o nosso poder, temos que saber, temos que saber o que se passa. E se nós não soubermos o que se passa e a única coisa que ouvimos é o senhor António Costa a dizer: está tudo bem, vai correr tudo bem, a culpa não foi minha. E ainda ontem disse que a política de anti austeridade estava a melhorar a nossa economia…

 
Dep.Carlos Coelho

Rodrigo, e a pergunta é…

 
Rodrigo Azevedo Mendes

Sim, vou chegar agora, vou começar agora. Se só ouvimos isto, este nosso poder que nós temos obrigação de exercer, não se torna corrompido? Não se torna um poder corrompido este poder que temos que exercer?

 
Dep.Carlos Coelho

Para as últimas respostas, Helena Matos, primeiro, Salvador da Cunha, depois. Quatro minutos a cada um.

 
Helena Matos

Em relação à questão que foi colocada de início, eu creio que esse é o problema dos gatinhos no Facebook. De facto, uma pessoa interroga-se muitas vezes sobre isso. E isso tem a ver com uma questão que eu aqui referi já, que é: o tempo da comunicação é muito breve. Muito, muito breve, é muito fugaz. Como é que se consegue permanecer… se quisermos, o exemplo máximo disso é a liderança do vosso partido, que tende a ser muito combustível.

Como é que se consegue sobreviver e transmitir uma mensagem de forma continuada – penso que o salvador poderá explicar como é que isso se faz bem –, mas como é que se consegue transmitir uma mensagem de forma continuada sem andar com gatinhos ao colo ou, na política, criando factos que são o equivalente aos gatinhos. Esse é, de facto, um drama.

A convicção que eu tenho é que, quando se aposta numa estratégia de médio e longo prazo, acaba por compensar. Agora, é preciso conseguir chegar ao médio prazo. E se nas associações se consegue chegar ao médio prazo, e se continuarem a trabalhar dentro de algum tempo verão o vosso trabalho reconhecido, na política, o político pode não sobreviver o suficiente, particularmente se esse político for, até agora, do PSD - não sei qual será o caminho que o CDS vai tomar nessa matéria –, que é em que medida é que um líder consegue permanecer no cargo o suficiente sem ter de criar fenómenos todos os dias.

E aí, é claramente diferente ser Presidente da República, do que ser candidato a primeiro-ministro. Porque um Presidente da República, pela natureza do cargo, tem uma capacidade de criar acontecimentos, sobretudo se lhe estiver no ADN, do que um primeiro-ministro, até pelos constrangimentos dos factos, as coisas são diferentes.

Eu creio que isso, a questão dos gatinhos, não é irrelevante. A questão que colocou em relação à associação, transposta para a política, é um problema muito sério. E é um problema mais sério ainda em Portugal, em que se habituou a que um líder vai a umas eleições, perde, sai. Vai a outras… mesmo um líder que ganhou, pode ter de sair. Ou temos o caso do PS onde tinha sido uma vitória por poucochinho do António José Seguro.

Esse é um problema que eu acho que temos de debater de uma forma muito séria em Portugal, porque eu não acredito que seja possível ter pessoas de qualidade, na política, com estas circunstâncias. Esta é uma circunstância da política portuguesa que eu penso que marca claramente as opções que têm de ser tomadas.

Penso que já esgotei o meu tempo…

 
Salvador da Cunha

David, em relação à sua associação, a pergunta que eu lhe vou fazer a seguir é: por que razão é que você necessita de estar na comunicação social?

 
David Luís

Nós temos uma necessidade enorme, como eu referi, de voluntários, parceiros, em termos, neste caso, como nós é no âmbito da comida, a restauração, e também de patrocinadores, porque nós não temos qualquer tipo de financiamento público, e portanto precisamos mesmo dessa ajuda.

 
Salvador da Cunha

Então, sugiro que faça isso diretamente e não vá pela comunicação social. Porque a comunicação social interessa-se por notícias. Você foi notícia quando criou, deixou de ser notícia quando continua a fazer. Portanto, enverede por outras estratégias de marketing que não comunicação.

Eu estou-lhe a dizer isto, mas nós ajudamos, por exemplo, o Banco Alimentar Contra a Fome, ajudamos a Caritas, ajudamos uma série de instituições nacionais, IPSS que têm programas muito específicos. A Caritas, ajudamos na altura dos peditórios, o Banco Alimentar, ajudamos na altura da recolha de alimentos, mas obviamente têm interesse mediático porque são coisas de âmbito nacional. Coisas de âmbito regional, quando não são relevantes do ponto de vista jornalístico, vai ter muito mais dificuldades em lá chegar.

Portanto, eu sugiro que faça coisas nas redes sociais e que faça protocolos diretos com os parceiros certos e que vá crescendo devagarinho. Esta é a minha sugestão, do ponto de vista do marketing.

Falando do Rodrigo. O Rodrigo está a confundir uma coisa, na minha perspetiva, que é a sua possibilidade de se informar quando quiser… você tem toda a informação à sua disposição, toda. Vai à internet, vai aos programas dos partidos, pode ouvir os telejornais que quiser, pode ler os jornais que quiser, pode ouvir as opiniões que quiser, e pode formar a sua opinião da forma como quiser. Todos os portugueses têm esta possibilidade. Isto é uma coisa.

Vocês não se deixem, nunca, manipular pela comunicação social. Vão sempre à procura de fontes alternativas de informação para formarem a vossa opinião. A comunicação social não é, não pode ser nunca a vossa única fonte – principalmente na área política -, não pode ser nunca a vossa única fonte de informação e a vossa única fonte de formação de opinião. Isto é uma coisa.

A sua capacidade democrática de escolher em quem quer votar, depende muito de si, depende muito de vocês todos. Da forma como vocês vão, ou não vão, à procura de informação, ou vão ou não vão interpretar essa informação, e como é que vocês se reveem nas ideologias que estão escritas em determinadas situações.

A experiência diz-nos que muito pouca gente lê, na íntegra – talvez alguns jornalistas o façam para fazerem resumos – os programas dos partidos. Isto efetivamente não acontece. Agora, devia acontecer. Por isso é que os programas dos partidos têm tendência a ser cada vez mais curtos e cada vez mais incisivos. Acontece é em áreas diferentes. Você pode-se interessar por uma área e não se interessar por outra. Pode-se interessar pelo Serviço Nacional de Saúde, mas não se interessar pela área do empreendedorismo, por exemplo.

E portanto, eu acho que a sua capacidade democrática não está em causa. Ninguém está a querer que você seja manipulado, porque você só é manipulado, numa sociedade de informação como nós a temos hoje, se quiser. Porque tem acesso a todas as fontes. Nunca ninguém teve tanto acesso a tantas fontes como nós temos hoje.

A Helena já falou aqui muitas vezes do que se passava na década de setenta. Na década de setenta, de facto, as pessoas não tinham acesso à informação. Não tinham. Tinham muito pouco acesso à informação. Havia radionovelas, não havia novelas na RTP, havia novelas na rádio. E havia uns fascículos, que também traziam umas telenovelas em fascículos.

Portanto, vocês estão a ver que a informação na altura era completamente diferente daquela que nós temos hoje. Se nós partirmos do princípio de que nós não nos deixamos manipular pela comunicação social, temos que perceber que temos todas as nossas liberdades intactas, e que não há nada melhor do que termos essas liberdades intactas.

Tendo dito isto, eu acho que, de facto, o que a geringonça está a fazer é desonesto do ponto de vista estrutural. Mas que está a comunicar muito bem, está. É a minha opinião.

Eu não sei se isto vai durar muito tempo, porque eu acho que as pessoas não conseguem enganar toda a gente durante todo o tempo. Conseguem enganar muita gente durante muito tempo, mas não conseguem enganar toda a gente durante todo o tempo. A determinada altura vai-se perceber as fragilidades de tudo o que está a acontecer, até porque eu acho que se vai desfazer por dentro. Às tantas o PCP, o Bloco, vão… Mas o problema deles é que eles não querem governar o país. O principal objetivo deles é que a direita não volte ao poder. O principal objetivo deles não é que o país esteja bem, é que a direita não volte ao poder.

E portanto, se eles mantiverem essa narrativa e se mantiverem tudo dentro dessa narrativa, vão engolir sapos e vão-se arrepender todos os dias, mas o objetivo está intacto – a direita não vai voltar ao poder enquanto eles tiverem maioria na Assembleia da República.

 
Dep.Carlos Coelho

Eu peço ao Nuno, ao Pedro Esteves e à Margarida para virem continuar os procedimentos aqui. O Duarte Marques e eu vamos acompanhar os nossos convidados à saída.

Em nome de nós todos quero agradecer aos nossos dois oradores o muito interessante debate que nos proporcionaram.

Muito obrigado.

[Aplausos]