ACTAS  
 
8/31/2016
Jantar-Conferência com Dr. Luís Marques Mendes
 
Dep.Carlos Coelho

Minhas senhoras e meus senhores, vamos dar início ao nosso jantar, como de costume com um momento cultural, protagonizado pelos grupos Encarnado e Castanho.

O Grupo Encarnado vai, através da Joana Grangeia, dedicar-nos "Cântico Negro” de José Régio. Referente ao último tema da ordem de trabalhos de hoje, "Ser social-democrata hoje”, a equipa Encarnada traz um poema que, mais do que um poema, lembra o ato de falar, lembra a voz. A voz de afirmação que o social-democrata de hoje deve demonstrar perante o mundo. Essa voz deve ser guiada – para além dos valores do partido – pelo inconformismo, autonomia e pautada pela valorização da individualidade.

A individualidade de cada um de nós que levará a política e o PSD rumo a possíveis novas ambições e caminhos ainda não desbravados.

Depois, o Grupo Castanho, através da Maria Pereira de Melo, vem-nos apresentar um poema chamado "O Tempo”. Este poema foi escolhido pelo Grupo Castanho e debruça-se sobre o jovem inserido em algo que o ultrapassa, seja o tempo, seja o ideal, podendo ser alvo de inúmeras interpretações.

É da autoria de Maria Pereira de Melo, que o vai declamar, e foi escrito especialmente para esta ocasião.

Vamos, portanto, ficar com os contributos das equipas Encarnada e Castanha.

 
Joana Bigares Grangeia

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces

Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: "vem por aqui!"

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)

E cruzo os braços,

E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:

Criar desumanidade!

Não acompanhar ninguém.

- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade

Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde

Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde

Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,

Redemoinhar aos ventos,

Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi

Só para desflorar florestas virgens,

E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós

Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem

Para eu derrubar os meus obstáculos?...

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,

E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,

Tendes jardins, tendes canteiros,

Tendes pátria, tendes tetos,

E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...

Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;

Mas eu, que nunca principio nem acabo,

Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou.

É uma onda que se alevantou.

É um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,

Não sei para onde vou

- Sei que não vou por aí!

[Aplausos]

 
Maria Pereira de Melo

O tempo – quem sou eu?

Queria abdicar de tudo pela inconsciência emotiva que alberga esses cadáveres.

Mas não o consigo fazer e o tempo passa – tique-taque.

Testemunha de uma fé herdada: imparcialidade?

Estou eternamente condenada ao condicionalismo extremo ciclicamente à volta da fogueira.

Quem sou eu?

As massas cobriram-me e cobrem tudo e não deixam nada.

As teorias de Leibniz só sustentam a virtualidade assustadora da existência efémera – tique-taque.

Cérebro, mundo, deus, o condicionado e o que se condiciona – não, não quero isso.

Mas tu? Tu não tens querer.

Quem sou eu?

O platonismo em que me apoio nega a manipulação, porque eu, eu amo o belo.

A dor da perceção da indiferença das pessoas gera em mim tremores, tremores irónicos.

Ser é realmente para as pessoas ser percebido.

Não, não concordo. O que já é sabido para mim, já é.

Inevitavelmente já não precisa de ser.

O meu idealismo rasga os conceitos da consciência humana.

Somos tão pequenos…

O meu trabalho intelectual observa o julgamento da pseudomoralidade que invade o dia e desvanece na noite.

Mas correndo francamente o risco de ser redundante, quem sou eu?

Sou uma jovem, um jovem, uma costureira, um gestor, uma qualquer coisa que nem eu sei bem o quê.

Embalada pelo sonho da transparência, do novo, da eficácia, da política nobre.

E na convalescença constante de inspirações poéticas que sustentam o meu viver político, morro na areia.

Mas o partido fica, porque esse tem de ficar.

E a obra é feita e nós… nós somos trespassados pelo tempo.

Tique-taque, o que sobra?

Escravatura mental arrastada pela rua, és meu, Portugal, ou sou eu que sou tua?

Massacres mundiais pousam na alvorada, assustam-me os finais a que damos entrada.

Tinteiro apaixonado que albergas o futuro, não te esqueças do passado e do quanto foi duro.

E entre a música de taberna que ilumina o coração, dança a ignorância eterna que salva a nossa nação.

Minha perceção tão profana que mete tanta pena, mandem descer o pano e acabar com esta cena.

E tique-taque, tique-taque passas tempo por mim, e comes e comes.

E ele come tudo… e não deixa nada.

Riam-se, é uma felicidade terrorista a vossa que passa – tique-taque, morre neste jantar.

Mas o partido fica porque esse tem de ficar.

[Aplausos]

 
Gonçalo Sousa Correia

Exmo. Senhor Diretor, Deputado Carlos Coelho, Exmo. Senhor Dr. Luís Marques Mendes, Senhoras e Senhores.

Numa noite em que recebemos como convidado especial o Dr. Marques Mendes, é com enorme orgulho e honra pessoal que tomo a voz da equipa cinzenta. O Dr. Luís Marques Mendes é um bom exemplo do que é ser um bom social-democrata.

Somos aproximadamente cem jovens social-democratas nesta sala e todo, quiçá, com ambições políticas. Na época em que o Sr. Dr. iniciou a militância na JSD, muito provavelmente, aliás, não haveria mesmo, esta iniciativa criada por uma outra enorme figura, o nosso Diretor, o Sr. Deputado Carlos Coelho. Mas, se houvesse, estou certo que teria sido um aluno brilhante. Aliás, a sua inesgotável carreira, tanto política como profissional, faz prova disso, não é verdade?

O Sr. Dr. Marques Mendes assumiu vários papéis governativos, em Secretarias de Estado, em Ministérios, foi Ministro-adjunto e Ministro dos Assuntos Parlamentares, e alcançou também lugar cimeiro no nosso partido, a presidência.

Julgo que, humildemente, elenquei algumas razões que nos fazem agradecer ao Dr. Marques Mendes o privilégio da sua presença neste nosso jantar e, como tal, em forma de homenagem ao nosso convidado com tão nobre caráter, proponho um brinde e que o façamos agora.

[Aplausos]

 
Dep.Carlos Coelho

Senhor Dr. Marques Mendes, Sr. Presidente da JSD, Sr. Deputado Cristóvão Crespo, Sr. Dr. Nuno Matias, Senhor Vice-presidente da Câmara Municipal, Senhor Presidente da Assembleia Municipal, Senhores Conselheiros, minhas senhoras e meus senhores,

Como o Gonçalo recordou, o Dr. Marques Mendes foi líder do PSD e, enquanto foi líder do PSD, não apenas deu todo o apoio à Universidade de Verão, como sob a sua orientação se criaram mais duas iniciativas de formação. Foi a liderança do Dr. Marques Mendes que fez criar a Universidade da Europa, de que já fizemos nove edições, e a Universidade do Poder Local, de que fizemos duas, uma em Paredes e outra na Curia.

E depois de ter sido líder do partido, o Dr. Marques Mendes várias vezes colaborou com a Universidade de Verão. Sempre que lhe pedi, aceitou generosamente ser uma das personalidades que respondiam à distância. Ele e o Dr. Durão Barroso foram as personalidades que, com mais frequência, nos responderam à distância ao longo das diversas edições.

Por sugestão do deputado Duarte Marques, tínhamos previsto uma surpresa para esta Universidade de Verão. A ideia é termos sempre alguma coisa de diferente e ele tinha sugerido na organização que fizéssemos almoços-surpresa, isto é, que convidássemos personalidades para aparecerem de surpresa no almoço e interagirem com os jovens da Universidade de Verão.

E tínhamos pensado em dois nomes, um não foi possível porque não estava em Portugal, e, quando estávamos a sondar o nome do Dr. Marques Mendes para ser um almoço-surpresa, aconteceu a impossibilidade da Joana, da maestrina, de estar aqui e, portanto, transformamos o almoço-surpresa no jantar inesperado.

Agradeço muito a disponibilidade do Dr. Marques Mendes. O nosso convidado tem como hobby ler e praticar desporto; diz que ambos contribuem para uma mente sã em corpo são. Tem como comida preferida o cozido à portuguesa, no quadro de muitas outras que aprecia. O animal preferido é o cavalo; diz que não tem nenhum, mas ambicionava ter. Não é exatamente o tipo de animal que se tenha facilmente em casa.

O livro que sugere é "D. Carlos” da autoria de Rui Ramos; diz que, lendo, percebe-se bem que os defeitos da sociedade portuguesa são hoje muito semelhantes aos de há um século atrás. E o filme que sugere, entre muitos outros, "A Lista de Schindler”; é pesado, cruel mas sempre importante.

E a qualidade que mais aprecia é a lealdade, um bem cada vez mais raro e precioso.

Dr. Marques Mendes, agradecendo uma vez mais a sua disponibilidade para estar connosco, gostaria de recordar a pergunta que a Diana Camões, do Grupo Roxo, fez hoje à tarde ao Prof. Dr. Miguel Poiares Maduro. Dizia-lhe ela, como podemos nós, jovens, pedir que acreditemos na política e nos políticos, quando assistimos a tantos exemplos que não credibilizam nem uma coisa nem outra.

Ainda o ano passado tivemos ocasião, nesta Universidade de Verão, de definir como trabalho de grupo a análise do estudo que o Presidente da República de então, o Prof. Cavaco Silva, tinha encomendado à Universidade Católica Portuguesa sobre a participação política e cívica dos jovens. E, nesse estudo, bem como na perceção que é evidente a todos nós, e que estava patente na pergunta que a Diana fez hoje, há a ideia de que há uma erosão muito grande da perceção do valor da política e da credibilidade dos políticos, não penas entre os jovens, mas entre a população em geral.

E essa é uma questão muito relevante porque pode acabar por erodir a perceção da valia da própria democracia entre nós.

Portanto, Dr. Marques Mendes, eu tenho o privilégio de lhe fazer a primeira pergunta e é exatamente esta mesmo: como é que considera, como é que analisa, como é que vê esta erosão da credibilidade da política e dos políticos e o que é que se pode fazer para impedir que a democracia seja prejudicada com esse fenómeno.

Minhas senhoras e meus senhores, no segundo jantar da Universidade de Verão de 2016, para responder à minha pergunta e às vossas perguntas, o comentador político mais respeitado em Portugal, o antigo líder do PSD, Dr. Luís Marques Mendes.

[Aplausos]

 
Luís Marques Mendes

Meu caro Carlos Coelho, ilustre… não, magnífico, diz-se Magnífico Reitor, na minha universidade era Magnífico Reitor da Universidade, meu caro Simão, Presidente da JSD, cara Margarida, caro Nuno, ilustres autarcas, deputados, Presidente da Distrital, caríssimos jovens que participam nesta Universidade de Verão, eu quero dizer que estou aqui com muito gosto.

Primeiro quero saudar o nosso Reitor, o nosso Magnífico Reitor, a quem vocês chamavam, há bocadinho, Diretor. Eu acho que com estes anos todos ele já merece esta ascensão – Reitor. A última vez que eu cá vim, ele estava de gravata rosa. Houve uma evolução, como vêm. [Risos] Estamos bem!

Mas, sobretudo, eu queria saudar o Carlos Coelho pelo seguinte: eu considero – já disse isto várias vezes – que esta Universidade é das coisas mais extraordinárias que se têm feito em Portugal no domínio da formação política – não é no PSD, é em Portugal. E isto só é possível, na minha opinião, por causa do Carlos Coelho. E não é ponta de exagero.

Porque ter boas ideias – e esta é uma ótima ideia –, felizmente, há muita gente em Portugal. Agora, ter boas ideias e capacidade de, todos os anos, as pôr em prática com o profissionalismo com que ele o faz, isso há muito, muito pouca gente.

O Carlos Coelho é, portanto, o corpo, a alma… eu ia dizer o espírito santo, mas não está muito na moda.

[Risos]

...É tudo aquilo que verdadeiramente marca esta universidade. E, por isso, acho que os jovens desta edição, das anteriores e do futuro, devem sempre, sempre, sempre esta homenagem ao Carlos Coelho, e eu agradeço-lhe do fundo do coração.

[Aplausos]

Meus amigos, até vos digo mais: o esforço é tão grande, tão grande de há anos a esta parte que vejam bem o estado de calvície a que ele chegou.

[Risos]

Em segundo lugar, eu queria agradecer muito ao Gonçalo Correia as palavras simpáticas e amigas que me dirigiu. Exageradas, meu querido amigo. Eu venho à universidade, mas não sou professor, nem dou notas, portanto esteja à vontade… [Risos] Mas quero-lhe agradecer a sua simpatia, as palavras amigas, um pouco exageradas, mas fico-lhe muito grato e muito sensibilizado.

Queria agradecer sobretudo esta oportunidade e, portanto, saudar todos os jovens – as jovens e as jovens – que participam nesta Universidade. E sobretudo para vos dizer o seguinte: eu desde que, há vários anos, abandonei a vida política, não tenho participado, participo mesmo muito pouco, em ações de caráter partidário. Lá acontece uma vez ou outra, numa campanha eleitoral, sobretudo autárquica, por causa dos amigos.

Mas nunca digo não a participar – quando sou convidado, evidentemente – numa iniciativa de formação política. A última, de resto, foi ali em junho, Margarida, em Leiria. E divertidíssimo, aquilo foi rir do princípio ao fim. E nunca digo não por uma razão, e quero aqui dizer-vos o seguinte.

Eu sou um privilegiado. O Gonçalo dizia que não havia esta Universidade, nem havia o Carlos Coelho, ainda andava em calções, quando eu comecei a fazer política – isso é verdade. Mas eu fui um privilegiado. Nos tempos em que eu comecei a fazer política no PSD, eu pude frequentar, felizmente, vários cursos de formação política, em Portugal e fora de Portugal. Eu tive essa oportunidade, eu beneficiei imenso com isso.

E hoje, sempre que posso, com o meu contributo modesto, mas o meu contributo sincero, eu gosto de ajudar outros que participam em ações de formação a poderem ter, de alguma forma, as mesmas oportunidades que eu tive. É a forma de retribuir o muito que fizeram por mim e o muito que me ajudaram nesses anos de 70 e 80.

E sobretudo… porque fazer um comício, eu percebo, é empolgante, é emocionante, também já fiz muitos, é investir na vitória. Participar num curso como este, é investir num futuro de qualidade. Se nós pudermos ter vitórias com qualidade, então isso ajuda muito à credibilidade da vida política, que é o assunto que vamos tratar hoje.

E antes de entrar no tema, só duas ou três prevenções. Eu não vou falar dos casos do dia-a-dia. Eu optei, quando o Carlos Coelho me fez este desafio, por pensar antes nalgumas causas - não casos, mas causas - que no dia-a-dia não são tratados nem discutidos, mas que deviam ser.

E sobretudo para vos falar de esperança e com esperança. Falar do problema que o Carlos Coelho aqui introduziu: o problema de credibilidade na política, o problema de credibilidade nos políticos, o problema de credibilidade nos partidos. Mas falar disso numa perspetiva de esperança, de alguém que acredita que, com soluções e com pedagogia, é possível dar a volta à situação.

Portanto, nós podemos olhar para este tema com preocupação, por um lado, mas com esperança, por outro lado. Hoje, de facto, - e o diagnóstico é relativamente simples, esse é o mais simples de todos – hoje, como já de há uns anos a esta parte, há um problema sério das pessoas, em Portugal, terem uma grande descrença e uma grande desconfiança da política. Terem uma grande descrença e uma grande desconfiança relativamente aos políticos, aos partidos.

E isso não se vê apenas nos atos eleitorais, com as abstenções, isso vê-se no dia-a-dia, nos comentários, nas opiniões, às vezes na revolta e até na indignação. E isto é um problema sério, é um défice muito sério. Porque isto é começar pelo princípio. Todos nós diremos: queremos ter uma ótima governação, queremos ter uma governação que ajude a dar confiança às pessoas, que melhore o emprego, que melhore o poder de compra, que nos dê uma educação melhor, uma saúde melhor. Mas a primeira coisa essencial é ter na política, enquanto deputados, autarcas e, sobretudo, governantes, os melhores.

E hoje há um problema sério – os melhores afastam-se da política. O problema, do meu ponto de vista, é especialmente preocupante no domínio dos jovens, e vocês sabem isso tão bem ou melhor do que eu. Eu acho que hoje temos a geração mais qualificada de sempre. Bons engenheiros, advogados, médicos, informáticos, cientistas… Mas, de um modo geral, felizmente com algumas boas exceções, a maior parte destes jovens abominam a ideia de uma carreira política – não querem!

Muitos de vós que, provavelmente, vão fazer participação e intervenção política, são uma exceção. Ainda bem, mas deviam ser muitos mais. Portanto, isto é preocupante, porque a política, que é a arte mais nobre que uma pessoa pode exercer, se não tem a participação de jovens, perde energia, perde utopia, perde sonho, perde imaginação, perde energia. Acomoda-se, é uma coisa de passado. Isso não é bom.

E por isso é que este é um problema sério. Os jovens afastam-se, em grande medida, porquê? Porque a forma como as coisas se passam, (é certo que muitas vezes injusta, mas é a ideia que passa), é que a política é uma coisa apenas de alguns. Que a política é um exercício de oportunismo, de carreirismo, de cartão partidário, e não de mérito.

E há que combater esta ideia. E, sobretudo, porquê? Porque isto tem depois outros riscos. Quais são os riscos? Uma vida política que não é credível é o caminho para nós podermos ter indiferença. E é mau. Nós temos que rasgar a indiferença.

E, sobretudo, o risco maior quando as pessoas se afastam da política, dos políticos, dos partidos, das instituições, é o risco dos populismos, dos extremismos, dos radicalismos. Ainda não temos muito disso em Portugal, comparado com outros países da Europa e do mundo. Mas há um ditado popular que explica tudo: antes prevenir do que remediar. Usar a sorte dá jeito, abusar é capaz de ser demais.

Dir-me-ão alguns: mas isto não é um fenómeno novo. Não, é verdade, têm toda a razão. Mas é um fenómeno que todos os anos tem vindo, de alguma forma, a agravar-se. Em que, de eleição para eleição, se nota um agravamento.

E, sobretudo, atenção a isto. A situação é mais séria, mais delicada depois destes últimos anos de crise económica, financeira e social em Portugal. As pessoas estão mais sensíveis, as pessoas estão mais exigentes e as pessoas toleram menos os maus exemplos. E, portanto, o problema, hoje, é mais sério do que era ontem.

Dir-me-ão, também: não é um fenómeno exclusivamente português. Têm toda a razão, não, não é. Felizmente que não é; não somos uma ilha. Isto sucede também na Europa e fora dela. Mas atenção, outro ditado popular: o mal dos outros não resolve os nossos problemas. Não estejamos à espera que os outros venham resolver aquilo que, de alguma forma, está na nossa mão ajudar a resolver.

E é por isso que eu vos falo deste assunto com preocupação, mas com esperança. Com a esperança de quê? De que há propostas. Eu tenho umas, outros terão outras, que, se forem refletidas, discutidas, debatias e depois levadas por diante, podem ajudar a alterar este estado de coisas.

E hoje quero partilhar convosco – porque não é de aula que eu quero falar, é de partilha de ideias convosco – cinco propostas.

A primeira é a seguinte: nós, no domínio das regras, temos que mudar as coisas no sentido de fazer um recrutamento dos políticos, dos responsáveis políticos, designadamente a nível de deputados, ou de governantes, que tenha uma preocupação reforçada, que é a preocupação do mérito, da competência e da qualidade.

Nós temos que, no fundo, fazer os possíveis e os impossíveis para escolher os melhores. Sendo que tudo isto é relativo, mas temos que fazer os possíveis e impossíveis para alterar o estado de coisas. E a primeira coisa essencial neste domínio é que nós precisamos de fazer um combate sério e construtivo para mudar as regras eleitorais que temos e que, de alguma forma, contribuem para que nós, hoje, não escolhamos os melhores.

E não há nada como dar exemplos - dou-vos um exemplo. Acompanhem-me neste exemplo, por favor.

Pensem em eleições autárquicas e a seguir em eleições em eleições legislativas. Pensem em eleições autárquicas, como vamos ter no próximo ano. O que é que acontece, normalmente, em eleições autárquicas? Os partidos são normalmente muito criteriosos e exigentes na escolha dos seus candidatos, sobretudo a presidentes de câmaras. Tentam escolher o melhor, o mais prestigiado, o mais conhecido, o mais competente, aquele que tem, do ponto de vista local, melhor nome.

E fazem isso porquê? Porque sabem que, numa eleição autárquica, conta mais a pessoa do que o partido. Sabem que, numa eleição autárquica, ser candidato, apenas por ser candidato, confiando no voto partidário, não chega. Ou seja, as pessoas, numa eleição autárquica, os cidadãos votam muito mais em pessoas do que em partidos.

Por isso é que, de resto, nós vemos concelhos em que, de um modo geral, o PSD ganha eleições nacionais e depois perde autárquicas. Ou o contrário: um concelho onde o PS é normalmente, sociologicamente, o partido que domina aquele concelho e depois o PSD ganha as autárquicas. É o fator pessoal. E vamos ser francos: é bom que haja este critério de exigência, de escolher os melhores. É bom! Porque significa que se está a apostar no mérito, na competência e na qualidade.

E é bom também este modelo porque as pessoas votam numa pessoa – sabem quem é o presidente. Portanto, ele sente-se motivado a trabalhar para elas. E, no final, as pessoas sabem a quem pedir responsabilidades, a quem pedir contas. Isto é bom. É, por um lado, a personalização da vida política; vida política com rosto. É bom! É a motivação. É bom! É a responsabilização. Ótimo!

Muito bem, passemos agora ao exemplo de eleições legislativas. Como os círculos eleitorais são enormes - 20 deputados, 30 deputados, 40 deputados numa lista - o que é que acontece? A maior parte das pessoas, numa eleição legislativa, nem conhece a maior parte dos deputados, 90% dos candidatos que estão em equação.

Ou seja, numa eleição legislativa vota-se em partidos, não tanto em pessoas. O que significa, depois disto: os mesmos partidos que têm muito cuidado e um grau de exigência elevado na escolha dos candidatos autarcas, já não têm o mesmo cuidado nem o mesmo grau de exigência em eleições nacionais.

Ou seja, naquele caldeirão das listas entra tudo. Entram candidatos que são bons, mas entram candidatos que já não são tão bons. Entram candidatos de muita qualidade, mas também já entra muita gente medíocre. Entra tudo no caldeirão. Porquê? Como se vota em partidos, aí estão, vamos satisfazer ali alguns apetites, e resolvemos tudo.

Ou seja, quando o grau de exigência devia ser ainda maior, porque estamos numa eleição nacional, eleição de um órgão de soberania, o grau de exigência, em vez de ser maior, é menor. O cuidado na escolha na escolha, em vez de ser grande, é pequeno. Isto descredibiliza. Depois o deputado não se sente verdadeiramente motivado. Ele não sente motivação para trabalhar pelo eleitor, porque ele é escolhido pelo partido, e não tanto pelo eleitor que quase nem o conhece.

Ou seja, ele sente-se muito mais tentado a ir à reunião na sede do partido do que ir ao seu círculo eleitoral. Isto é mau! Ele não sente, ao mesmo tempo, responsabilização. Quantos deputados fazem excelente trabalho no parlamento, mas o líder não gosta, correu com eles.

Ou seja, não há responsabilização. Ele não se sente verdadeiramente responsabilizado, a não ser pela lógica da fidelidade partidária, não tanto pela lógica do serviço à população. Não há, portanto, a preocupação da qualidade, do mérito, da competência e do prestígio, como há numa eleição autárquica.

E a minha proposta é esta. E não há nada como exemplos para se perceber. Eu acho que nós podíamos e devíamos ter um modelo eleitoral, como têm vários países por essa Europa e mundo fora, com os chamados círculos uninominais (um circulo, um deputado), compensados por um círculo nacional depois para garantir a proporcionalidade, em que, no fundo, no fundo, em linguagem simples, a eleição do deputado fosse semelhante - evidentemente semelhante – à eleição do presidente da câmara.

Ou seja, as pessoas saberem em quem estão a votar, as pessoas saberem quem estão a escolher, as pessoas saberem a quem pedem contas, e ao mesmo tempo ele sentir-se com a motivação e com a responsabilidade: se não presta um bom serviço junto do eleitor é corrido na próxima eleição.

Isto é o primado do mérito, da personalização e da responsabilização política. Agora dir-me-ão: mas se isto é assim tão bom, porque é que até hoje não se fez isto? Apesar de imensos políticos, antigamente, sobretudo antigamente, falavam muito disto?

Vou também ser muito direto. Isto só não se faz por duas razões. Até há dezanove anos atrás porque a Constituição não permitia. Mas desde 1997 a Constituição permite; desde há dezanove anos. Foi mudada para permitir isto.

E porquê? Por duas razões. Por um lado, porque a generalidade dos partidos não quer isto. Porque alguns chefes partidários, sobretudo locais, não são tanto os nacionais, perdem poder com isto. Perdem poder!

Quer dizer, hoje em dia escolhem como querem. Se, evidentemente, tiverem o grau de exigência de uma eleição autárquica, têm que escolher, mesmo, aquele que é capaz, aquele que é conhecido, aquele que é prestigiado, aquele que é competente, porque senão perdem a eleição. De resto, vejam bem que, numa eleição autárquica, os partidos que normalmente não gostam de recorrer a cidadãos independentes, muitas vezes em eleições autárquicas fazem-nos. Porquê? Se eu não tenho um militante com estes ingredientes cá dentro, vou buscar um independente lá fora, porque o meu objetivo é ganhar e, portanto, eu tenho que ter o melhor.

Ou seja, os partidos não querem muito mudar isto. Adoram falar disso no discurso, mas não gostam muito de mudar porque alguns chefes partidários – insisto, sobretudo locais – perdem poder com isto. Os pequenos poderes.

E depois, sejamos francos (sei que é um bocadinho cruel dizê-lo): alguns – sublinho-o sempre, alguns (eu nunca gosto de generalizar porque é muito injusto) – alguns deputados também olham para este modelo e dizem: se o modelo for aquele dos círculos uninominais eu não volto a ser deputado. E, portanto, como são os atuais deputados que têm de mudar a lei para futuros deputados… não o dizem, mas pensam.

Só que, caros amigos, esta é a forma pequena de fazer política. Eu costumo dizer em brincadeira que, para pequeno, já chego eu.

[Aplausos]

Para pequeno já chego eu… sendo pequeno, tento pensar em grande, ou pelo menos um bocadinho maior do que sou. Alguns chefes partidários que pensam desta maneira, sobretudo no plano mais local e regional, não pensam que esta é, de facto, uma forma um bocadinho mesquinha de ver as coisas. Porquê? Porque, desta maneira, a política continua sempre a descredibilizar-se. Porque desta maneira, manter tudo como está, os partidos têm hoje menos influência, amanhã têm menos influência. Lá existem, mas têm menos influência.

O que significa o quê? Com menos influência, aquele poder de colocar uma pessoa ou outra é um poder cada vez menos importante e cada vez mais residual. Ou seja, é importante fazer esta mexida para os próprios partidos ganharem outra força e outra credibilidade. Isto não é uma reforma contra os partidos. Isto é uma reforma pela credibilidade em geral dos partidos, dos políticos, dos responsáveis políticos e das instituições.

E agora, última nota de esperança. Dir-me-ão: mas então, há dezanove anos que a Constituição permite isso e não se faz. É verdade, é um exercício de hipocrisia. PS e PSD entenderam-se, em 97, e fizeram esta mexida da Constituição. Era o nosso querido Presidente da República líder do PSD e eu, modestamente, líder parlamentar, que fizemos esta reforma. É um bocadinho difícil de compreender que os mesmos partidos que se entenderam para fazer esta mexida na Constituição, não se entendem para depois fazer uma lei com meia dúzia de artigos para traduzir isto.

Agora, a minha esperança é a seguinte: há uns anos atrás aconteceu uma polémica do mesmo género no financiamento dos partidos. Era a chamada pouca vergonha, quando o financiamento era totalmente privado. Durante anos, muitos, entre os quais me incluo, andaram a defender o financiamento essencialmente público. Também lhe chamaram os nomes todos, mas essa reforma, finalmente, ao fim de muitos anos, fez-se.

Ou seja, foi preciso insistir, persistir, sensibilizar, fazer pedagogia, e a reforma fez-se. E hoje o sistema é muito mais transparente. É por isso que eu tenho esperança que também esta… desde que haja conhecimento da situação, desde que haja pedagogia, desde que, sobretudo os mais jovens, que são mais desempoeirados, e com outra capacidade de pensar em grande e de agir com ambição, ajudem a que um choque de fora para dentro ajude os partidos a perceberem que isto é bom para todos.

Segunda proposta: regime remuneratório dos políticos. Vou tocar num tema politicamente incorreto. Mas estou aqui para vos falar daquilo que eu penso e vos falar de questões que me parecem sérias. Não é do trique-trique e da demagogia.

Há um ditado popular – e eu adoro recorrer a ditados populares – que eu acho que explica bem esta situação. É aquele ditado que diz "o barato sai caro”. E eu acho que o que está a acontecer nos últimos anos nos responsáveis políticos é isto mesmo. Ou seja, paga-se pouquinho a um governante. Como se paga pouquinho, uma parte grande deles, competentes, prestigiados, credíveis, estão em boas profissões, não aceitam. Como não se aceita, vamos fazer segundas, terceiras, quartas ou quintas escolhas. Podem ser jeitosinhos, mas já não são os melhores.

Como não são os melhores decisores políticos, é muito difícil aceitar, compreender que, com decisores políticos que não sãos os melhores, tenhamos excelentes decisões políticas. Portanto, com menos bons protagonistas, as decisões políticas ressentem-se. E no final pagamos uma fatura: as coisas correm mal por desleixo, por incompetência, por falta de capacidade e, portanto, o barato no início sai caro no final.

Eu vou dar-vos um exemplo. Eu acho que se tivéssemos gente competente, à séria, à frente do país em 2011, o país não chegava ao ponto de pedir um resgate. Não chegava, porque aquilo não era um problema ideológico, era um problema mesmo de competência e de responsabilidade. E, por isso, hoje, nós temos esta situação.

Eu até estava a pensar dizer isto, mas é um bocadinho exagerado. No domingo estará aqui o Dr. Passos Coelho, para encerrar. Perguntar em público, não, que ele não pode responder a isso. Mas, se em privado, perguntarem isto, ele é uma pessoa correta e não vai desdizer. Há ministros que ele teve no governo que foram terceiras, quartas e quintas escolhas. Há secretários-de-estado que foram mais do que isso, quintas, sextas e sétimas escolhas.

Não estou a dizer que foi sempre assim por causa das remunerações, mas em grande medida foi. E António Costa, tanto quanto eu sei, já teve esse problema. Pelo menos tentou ter um número dois no governo e não conseguiu. Ou seja, ele tem um número dois, mas tentou uma outra pessoa e não conseguiu.

E este é um problema sério, não é uma questão de música celestial, em abstrato, em teoria. Não, é na prática. Eu acho que isto é muito sério porque, uma vez mais, em vez de termos os melhores, temos os menos bons, para não dizer que às vezes temos os medíocres, que também há.

E caros amigos, aqui chegados, eu julgo que é preciso ter a coragem também de alterar este estado de coisas. Mas alterar, evidentemente, com duas nuances – e aqui também serei politicamente incorreto.

Uma – não é tanto esta parte – com equilíbrio. Nem oito nem oitenta. Também não é passar de vencimentos como existem para vencimentos milionários, porque a política não é o sítio para fazer fortuna. Agora, entre o oito e o oitenta, há o trinta, o quarenta e o cinquenta. Tem que haver equilíbrio. Melhorar, elevar, mas com algum equilíbrio.

Segundo, esta sim, politicamente incorreta. Do meu ponto de vista, tem que haver uma separação de regime remuneratório entre governantes e deputados. Ou seja, esta questão que estou a colocar é sobretudo premente e urgente em relação aos membros do governo.

Três razões: exercem a função em regime de exclusividade, ao contrário dos deputados. O regime de responsabilidade é muitíssimo maior e o escrutínio é muitíssimo mais exigente. Portanto tem que haver um distinguo.

Mas há uma outra razão mais séria do que esta, e quero ir ao fundo da questão. É que, enquanto o sistema eleitoral não mudar, e for aquele que eu defini há bocadinho, se aumentarem os vencimentos dos deputados, não vai com isso aumentar a qualidade da escolha dos deputados. Vai aumentar, sim, é a competição dentro das sedes partidárias e, em vez de termos dez interessados no lugar, temos vinte, trinta, quarenta ou cinquenta. E portanto, é uma perversidade. Sejamos francos, ponhamos o dedo na ferida.

Agora, se um dia o sistema eleitoral mudar, designadamente na linha do que foi proposto, aí muito bem. Agora, esta questão é séria. E tenho alguma dificuldade em perceber que o governo e a chamada geringonça, que atuou agora – e do meu ponto de vista, bem – no sentido de rever os vencimentos dos gestores da Caixa Geral de Depósitos, no sentido de terem vencimentos mais elevados para os equiparar ao mercado, mas relativamente ao nobre da política, onde a responsabilidade ainda é maior, que são os responsáveis políticos, aí continua tudo na mesma.

Eu tenho muita dificuldade em compreender estes critérios de lógica e de coerência.

Em terceiro lugar, a minha terceira ideia, tem a ver com os consensos políticos, com aquilo que eu chamo a contratualização política ou, se quisermos, colocar o interesse nacional acima da lógica partidária. Em Portugal perdeu-se um hábito, um bom hábito, nos últimos dez anos, digamos assim, que era o hábito de os partidos, para além dos seus projetos diferentes, das suas ideologias diferentes, terem capacidade para dialogar e firmar consensos, estabelecer pontes, acordarem compromissos, ou seja, terem alguns pactos de entendimento.

Nos últimos dez anos perdeu-se esse hábito. E eu devo dizer que isto é das coisas que mais descredibiliza a vida política e descredibiliza os partidos. E não é só aqui, vejam neste momento o que está a acontecer em Espanha. É uma vergonha nacional o que acontece em Espanha. Depois de duas eleições em Espanha, o partido socialista espanhol não percebeu nem o significado da primeira, nem da segunda eleição e quer rejeitar novamente a investidura do governo, levando o país para uma terceira eleição no espaço de um ano.

Isto é exatamente a partidarite aguda, isto é exatamente o contrário do que a política deve ser. Sobretudo porque da primeira para a segunda eleição - goste-se ou não se goste – o PP subiu e o Sr. Rajoy subiu. Portanto, goste-se ou não se goste, os eleitores querem aquele governo. E aquele outro senhor nem sequer tem uma solução à portuguesa, ou seja, ele não tem nada na mão. Apenas a sua visão partidária, medo do Podemos que está ali mais à esquerda, e, portanto, aquela partidarite aguda. Eu espero que os espanhóis, um dia destes, lhe deem a lição a sério que uma pessoa destas merece. E se fosse da minha área política eu diria a mesma coisa.

Eu acho que em Portugal, também nestes últimos anos – dez anos – cometeram-se estes erros: pensar que fazer consensos é um sinal de fraqueza. Não, é o contrário. Hoje em dia, convergir é um ato de coragem. Divergir é mais fácil, hoje em dia.

Segundo, criou-se a ideia de que, chegado ao governo, é mudar tudo aquilo que vinha de trás. Como se todos os governos façam tudo mal ou tudo bem. Nem oito nem oitenta. E criou-se a ideia de que, justamente por tudo isto, aquilo que se faz num governo é tudo conjuntural, é tudo precário, é tudo provisório. Isto são erros de uma infantilidade sem descrição, e as pessoas sentem, de facto, isto.

Eu julgo que, uma vez mais, nós temos de reclamar – e não é preciso lei nenhuma. É preciso uma mudança de comportamentos e uma pedagogia política forte nesse sentido. Nós temos que mudar esta forma de fazer política e pedir aos responsáveis políticos – e isso já tem, como digo, dez anos – pedir aos responsáveis que tenham um bocadinho mais de humildade e um bocadinho menos de ego. Que sejam capazes de fazer pontes porque isso é do mais relevante, do ponto de vista do interesse nacional.

Agora, dir-se-á: mas vamos agora convergir em tudo? Não, há tempos de divergência, há tempos de convergência. E, do meu ponto de vista, há três critérios fundamentais para saber em que áreas é que se deve convergir.

Primeiro, a perenidade do Estado. Há áreas de Estado numa governação. Mudam os governos, mas as áreas continuam de Estado. Justiça, segurança, defesa, política externa. Aí deve haver consensos alargados. Ou seja, as questões de Estado mantêm-se independentemente da mudança de governo.

Segundo, a sustentabilidade financeira. A sustentabilidade financeira é um critério que se mede numa lógica de médio e de longo prazo. É o exemplo típico da segurança social. Se eu faço hoje uma reforma da segurança social, verdadeiramente eu só vou ter resultados daqui a dez, quinze, vinte ou mais anos. O que significa que passam vários governos; o que significa que uma reforma dessas tem que ser feita entre quem é governo e quem aspira a ser governo. Para que haja, de facto, sustentabilidade financeira.

Terceiro, aquelas áreas que têm grande sentido estratégico do ponto de vista do futuro do cidadão, em que, em primeiro lugar, está a educação. Esta ideia de que muda de governo e tudo muda na educação… o regime de avaliações de exames, os manuais escolares, o regime de colocação de professores – isto é uma coisa de uma infantilidade sem descrição.

E eu devo dizer isto, caríssimos amigos, com esta crueldade que vos vou dizer: os últimos entendimentos em Portugal, pactos de regime, como costuma dizer-se – e não tem ponta de autoelogio, queria só partilhar convosco – foram há dez anos, e foram celebrados entre o Eng.º José Sócrates, então primeiro-ministro, e eu, líder da oposição. Três casos: pacto para a justiça, lei de limitação dos mandatos autárquicos, que há vinte anos andava a ser discutida em Portugal e que não se conseguia fazer, e uma alteração constitucional para permitir o referendo europeu. Já quase ninguém se lembra disto, designadamente a limitação dos mandatos autárquicos que, como sabem, é sempre polémica dentro do PS e do PSD. Mas foi feita.

E o que eu quero dizer com isto é o seguinte: não é preciso os líderes gostarem um do outro, porque o Eng.º Sócrates e eu próprio não eramos suspeitos de ter nenhuma simpatia um pelo outro, e não é hoje, era já na altura. Vamos ser francos, nem ele me apreciava nem eu a ele. Nem um bocadinho. Mas acho que percebemos, nalguns momentos, que era preciso fazer estas convergências porque só os dois terços dos dois partidos permitiam fazer estas mudanças.

A seguir continuámos a ser oposição. E até, se me permitem, eu diria aos responsáveis políticos - e isto acontece de há anos a esta parte – isto dá credibilidade a um político, isto não o menoriza, isto só o eleva, isto só o valoriza.

Em penúltimo lugar, quarta proposta, no domínio do clientelismo na função pública. Se há outra matéria que contribui brutalmente para as pessoas se afastarem dos políticos é esta ideia de que a função pública é um campo de batalha entre quem está no governo e quem está na oposição. Está o PSD no governo, coloca lá os seus; está o PS no governo, saem uns e entram outros. É muito a ideia que existe na opinião pública.

E com algumas mexidazinhas para corrigir aqui e acolá, e uns têm mais pecadilhos do que outros, esta ideia é muito perigosa. É a ideia de que não se escolhem os melhores, mas escolhem-se em função do cartão partidário.

E eu, caros amigos, acho que era tempo de os partidos, de forma adulta, se entenderem, por exemplo, para estabelecerem esta regra muito simples: distinguir entre os cargos que são de confiança política dos governos daqueles outros cargos que são de natureza estritamente técnica. Cargos de confiança política dos governos mudam quando mudam os governos. Há "ene” países por esse mundo fora em que isto acontece. Cargos de natureza estritamente técnica são escolhidos por concurso e, quando mudam os governos, não mudam.

Ou seja, uma Administração Regional de Saúde, eu considero, nesta lógica, que é um cargo de confiança política do governo. Mas diretor de uma escola ou diretor de um hospital não tem que mudar quando muda um governo. Isto era muito mais transparente, isto era muito mais saudável. E acabava esta… especulação permanente.

Finalmente, uma questão que, ainda por cima, tem a ver com uma matéria que os deputados hoje em dia tratam na Assembleia da República – a questão ética. Regras éticas, designadamente, incompatibilidades, conflitos de interesses. Neste momento existe na Assembleia da República um grupo de trabalho, uma comissão, não sei como se chama (nem o nome é muito relevante para o caso) que estuda a revisão do regime de incompatibilidades dos políticos, designadamente dos deputados. Nada a opor da minha parte, acho bem.

Mas chamava a atenção para duas coisas antes que seja tarde. A primeira é que a tentação, sempre que se fazem leis desta natureza, é pensar que a lei vai sempre regular tudo. E portanto, mais uma alínea, mais uma vírgula, um ponto e vírgula, e depois, passado um ano ou dois, vê-se que a lei não regulou tudo, porque nunca pode regular tudo.

Segundo: é preciso também perceber que a ética vai para além da lei. A ética não é a lei. Há questões que são legais mas não são necessariamente moral e eticamente corretas. O que significa que eu julgo que, neste quadro de alterações que estão a estudar, deviam pensar em criar uma comissão de ética. Porque a Assembleia da República, não sei se sabem, tem uma comissão que se chama de ética, hoje em dia, mas que não tem competências no domínio da ética. É uma comissão que, depois, vai-se ler e é uma comissão de regimentos e mandatos. E eu estou à vontade porque quando fui líder o partido já propus uma comissão de ética nestes moldes que vou aqui referir.

Ou seja, uma comissão de ética que, para além das questões das incompatibilidades, regula a definição de códigos de conduta, faz pareceres, recomendações e, sobretudo, trata das questões de conflitos de interesses ou potenciais conflitos de interesses.

E vamos ser francos com um exemplo. Há uns anos atrás aconteceu um caso semelhante ao que aconteceu com a deputada Maria Luís Albuquerque há uns meses. Aconteceu com Pina Moura quando saiu de um governo e entrou para uma empresa de energia, e aconteceu com Jorge Coelho, uns anos mais tarde. Portanto, já aconteceram situações com várias pessoas. E depois há uns que acham bem e há outros que acham mal.

Não vou discutir o fundo da questão. O que vou discutir é sim: para bem do próprio deputado ou deputada, e para bem da credibilidade dos políticos em geral - porque depois a tendência das pessoas é acharem que são todos iguais, todos iguais, e portanto paga o justo pelo pecador – para bem e para defesa do deputado quando acontece uma questão dessa natureza - assume, por exemplo, um cargo, uma função profissional – para defesa dele e dos políticos, era muito melhor que, previamente, uma comissão de ética se pronunciasse, emitisse uma opinião, emitisse um parecer e uma recomendação – e isso tranquilizava toda a gente, acabava com as suspeições. Acham que isto é assim tão difícil. Acham que isto não é de elementar bom senso?

Como seria de bom senso que essa comissão não fosse integrada por deputados, para também não se cair naquela suspeição de dizerem: eles estão a julgar-se a si próprios. Dir-se-á (alguns, mais conservadores): mas uma comissão tem que ser com deputados. Eu dou-vos exemplos de vários parlamentos pela Europa fora em que há comissões desta natureza com uma composição que eu chamo senatorial, senadores. Por exemplo, ex Presidentes da Assembleia da República, ex Provedores de Justiça. Ou seja, pessoas acima de toda a suspeita que, com uma experiência e uma sabedoria especiais, poderiam ajudar a introduzir elevação, dignidade e bom senso na vida política. É uma última proposta que aqui deixo.

E quero concluir, para não vos maçar mais, porque já há bocadinho dizia, ali ao cumprimentar uma das mesas, vocês estão muito felizes porque já vão ter o jantar, o problema é a seguir ao jantar. E também já dizia ali a uma criança com quem estava a falar, ali havia computadores, dizia a mãe que ela gostava muito de me ver, e eu dizia: deve ser por causa daquele momento em não come a sopa; e a mãe diz: se não comes a sopa ponho-te a ver o Marques Mendes. [Risos]

Como eu não quero isso, queria terminar com a seguinte nota. Para além de tudo isto, que são propostas para gerar a esperança numa mudança que melhore a imagem da política, dos políticos, dos partidos, e com isso eles passam a ter outra influência na sociedade, eu julgo que muito importante é, também, uma boa cultura do exemplo. Alguém estava, sobretudo ali o Gonçalo, a falar disso. E esta não precisa de lei nenhuma, nem precisa de muitos discursos. O exemplo é das coisas mais importantes para suscitar credibilidade.

Isto tem muito a ver aqui convosco, esta parte é diretamente para os meus amigos e as minhas amigas, permitam-me falar desta forma.

Muitos de vós, provavelmente, vão ter a vossa vida profissional, e vão ter participação e intervenção política, poder local, Assembleia da República, governo, sabe-se lá… e eu, pessoalmente, acho isso excelente. Porque, com muitos defeitos, eu acho que a vida política é algo de muito desafiante.

Agora, na cultura do exemplo que eu defendo, há dois ingredientes que para mim são mais importantes do que todos os outros. Um é a independência e outro é a coragem. Ao longo da minha vida política, que foi longa, conheci muito boa gente cheia de qualidades, mas com pouca coragem. E muita gente com imenso talento mas com pouca independência. E vou também traduzir isto.

Ou seja, na vida política, das coisas mais difíceis é dizer não. Mas é muito importante saber dizer não.

E este ponto tem a ver convosco, porquê? Recomendo a todos, sem nenhuma ponta de paternalismo, que os meus amigos que queiram fazer política – e oxalá que sejam todos – não se esqueçam, primeiro, de terem uma profissão. Não se esqueçam primeiro de terem um curso, ou sem curso, de terem uma profissão, terem uma retaguarda. É esse o ingrediente, o pressuposto, o requisito mais importante para depois, ao fazerem política, seja na Assembleia da República, no governo, num partido ou numa autarquia, poderem ser independentes e poderem ter a coragem de dizer não ao chefe, quando se discorda, quando se tem uma opinião diferente.

Porque a grande questão é assim: não há nada como passar por elas. Com um primeiro-ministro com quem trabalhei, perante uma asneira que um dia cometi, cheguei à beira dele e disse-lhe: peço a demissão e saio. Ele, muito generoso, achou que não era motivo para isso, mas eu tomei a iniciativa.

Tal como em 99, era eu líder parlamentar, e acho que, modéstia à parte, não tinha feito um mau lugar, os jornalistas parlamentares até me tinham escolhido para melhor líder parlamentar da legislatura. Evidentemente que, é preciso dizer, porque tinha o Carlos Coelho ao meu lado como vice-presidente.

Discordando de algumas opções da liderança de então, entendi sair. Não aceitei os apelos no sentido de ficar. Mas quero dizer o seguinte: tenho a certeza absolutíssima de que, eu próprio, se não tivesse a minha retaguarda profissional – porque fiz a minha vida profissional antes de entrar na política – porventura não agia com a mesma tranquilidade – isto é humano. Alguns falam de cátedra e dizem que é sempre fácil. Não, isto é humano.

O que significa que, para uma pessoa ser independente, poder dizer sim, quando acha sim, não, quando acha não, para ter esta coragem, esta tranquilidade, para pensar pela sua cabeça, não ser um dependente, tem que ter a sua vida própria profissional, a sua independência.

E eu acho que isso é a melhor forma de valorizar a ação política. É a melhor forma de cada um estar de bem consigo próprio. E quando uma pessoa está de bem consigo próprio, faz bem as coisas na sua vida pessoal, profissional ou política. Foi por isso que resolvi terminar esta partilha de ideias com esta sugestão, uma vez mais insisto, sem paternalismo nenhum. Mas apenas com o conhecimento dos meandros da política.

Insisto: o mais difícil é dizer não a um chefe, porque é o chefe, é o receio de perder o cargo, o lugar, o emprego, mas no final perdemos a nossa dignidade e perdemos a nossa própria consciência. Para que isso não aconteça, temos que prevenir para não ter que remediar.

Muito e muito obrigado.

[Aplausos]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito obrigado, Dr. Marques Mendes. Vamos entrar agora na fase das perguntas; vamos fazer cinco grupos de duas perguntas, e dou a palavra, para a primeira ronda, ao Ricardo Calado, do Grupo Encarnado, e ao Gustavo Pereira, do Grupo Rosa.

 
Ricardo Calado

Boa noite a todos. Queria agradecer a presença ao nosso ilustre convidado, Exmo. Dr. Marques Mendes, ao Exmo. Deputado Carlos Coelho pela organização deste evento que, creio, todos estamos a adorar.

Passando agora à pergunta, vou-me focar num tema que foi focado no seu discurso, ainda agora, que é a Caixa Geral de Depósitos. Ou seja, no caso da dívida da Caixa Geral de Depósitos, que o Estado tem agora de pagar e que influenciará os impostos do povo português, qual será a melhor maneira de inverter esta situação, tentando minimizar ao máximo os danos que poderá causar ao povo português.

Obrigado e boa noite a todos.

 
Gustavo Pereira

Boa noite, Dr. Luís Marques Mendes. Antes de mais, obrigado pela sua presença e pela partilha de conhecimentos a que acabamos de assistir.

Eu prometo que não foi combinado, mas a minha pergunta também vai incidir sobre a Caixa Geral de Depósitos. O Dr. Fernando Medina, outro governante socialista que ocupa um cargo para o qual não foi eleito - já se torna hábito, vindo do Partido Socialista, mas infelizmente temos de nos habituar a isso -, disse que a solução para a Caixa Geral de Depósitos foi uma vitória para o atual governo e uma derrota para Pedro Passos Coelho e para o Partido Social Democrata. Eu não sei se o Dr. concorda com o Dr. Fernando Medina; eu concordo.

Concordo porque o Dr. Pedro Passos Coelho e o governo do PSD, quando se tratou do caso do BES, ainda que temas diferentes, optaram pela medida que foi menos gravosa para os portugueses e para o interesse público. Já este desgoverno vai injetar quase 5 mil milhões de euros na Caixa Geral de Depósitos - 5 mil milhões de euros. De facto, em números e em milhões, é uma vitória para o Partido Socialista e para a geringonça do Dr. António Costa.

A minha questão, de facto, é se nos pode explicar – a nós jovens interessados pela atualidade – se nos pode explicar como é que chegamos a este valor. A este valor dantesco e que vai certamente prejudicar muito o interesse público e vai afetar muito a vida dos portugueses.

Deixo ainda outra pergunta: será que se passa alguma coisa de errado, ou o quê que se passa verdadeiramente de errado com o nosso sistema bancário? Tem sido um banco atrás do outro: BES, Banif, Caixa Geral de Depósitos, entre outros, onde foi preciso o Estado injetar dinheiro, e os portugueses, eu penso, começam a ficar fartos desta situação. Por isso, a minha pergunta final seria: o quê que se passa e há algo que o poder político pode fazer para corrigir a situação em que hoje o sistema bancário se encontra?

Muito obrigado.

 
Luís Marques Mendes

Muito obrigado. Caro Ricardo Calado, muito obrigado; a sua pergunta é: o que se pode fazer para ir melhorar a situação da Caixa Geral de Depósitos e, digamos assim, contribuir para ir pagando esta dívida colossal que existe.

Eu diria três coisas. Primeiro… a ordem aqui não é importante. Primeiro, convinha investigar e esclarecer, tintim por tintim, porquê que se chegou até aqui. Já falarei sobre isso mais desenvolvidamente.

Segundo, é preciso reestruturar a sério a Caixa Geral de Depósitos, quer do ponto de vista de balcões, quer do ponto de vista de pessoas. Fazer isso com equilíbrio e com paz social, o mais possível, mas não deixar de fazer. E já é tarde.

Terceiro, em função de tudo isto, é gerir bem, gerir bem por forma a que a Caixa, em vez de dar prejuízos, como tem dado nestes últimos cinco anos, passe a dar lucros. Estas três questões, do meu ponto de vista, são absolutamente essenciais.

E a este respeito - vamos também já diretos à questão que o Gustavo colocou –, é o seguinte. Primeira questão: relativamente à forma de esclarecer e investigar como é que se chegou aqui. Eu acho que essa questão é nuclear. Mas devo já dizer-vos o seguinte: os meus amigos que querem fazer intervenção política e os políticos que estão sentados aqui ao meu lado, alguns dos quais deputados, deviam estar muito bem atentos a isto que eu vou dizer e lutarem com todas as forças contra isto.

Vai haver muito boa gente em Portugal, do PS e do PSD, interessado em que não se investigue nada e que não se esclareça nada. Porque, evidentemente, há responsabilidades do chamado bloco central de interesses na gestão da Caixa, sobretudo dos anos entre 2005 e 2010.

Ou seja, sendo mais simples e mais direto: toda esta situação tem a ver com prejuízos criados à Caixa, em grande medida porquê? Por dez, doze, quinze grandes operações de financiamento concedidas sobretudo nesse período. 2005-2010, sobretudo. Há dez, doze, quinze operações que foram absolutamente ruinosas. Porventura financiamentos que não deviam ter sido concedidos; porventura financiamentos que não foram concedidos com garantias minimamente eficazes; porventura financiamentos concedidos a troco de favores políticos.

A partir de uma dada altura, entra-se em dificuldade e as pessoas não pagam. E como não pagam, abre-se um buraco. E como se abre um buraco, o dono, que é o Estado, tem que meter dinheiro. Tão simples assim. Agora, tem que se meter este dinheiro; ao menos que se esclareça e se apure responsabilidades. Eu tenho falado nisso até à exaustão.

E até vos vou dizer o seguinte: no dia 23 de junho – já passaram dois meses – o governo decidiu em Conselho de Ministros, e anunciou, uma auditoria para esclarecer isto que eu estou aqui a dizer. O Presidente da República, no mesmo dia, e muitíssimo bem, veio dizer – até chamou auditoria forense, e se for forense, ótimo – disse: muito bem! E até acrescentou, se houver questões judiciais a esclarecer, que sejam esclarecidas.

A deputada Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, veio dizer: tem que ser feito. Alguém já viu esta auditoria a começar? Ninguém. Já passaram dois meses e ninguém fala do assunto. Falei eu, por acaso, no domingo passado. Peço desculpa, não é autoelogio, mas até parece.

Mas esta questão é essencial. Muito boa gente, de dois ou três partidos, vai querer que tudo seja varrido para debaixo do tapete. E eu acho que tudo deve ser bem esclarecido e escrutinado. Como no Parlamento, na Comissão Parlamentar de Inquérito que, muito bem, PSD e CDS criaram, estas matérias deviam ser tratadas.

Portanto, primeira questão, esclarecer como se chegou aqui. Até por isto: para não se repetirem no futuro os vícios e os erros do passado.

Segundo: é preciso reestruturar bem, por forma a que a Caixa comece a ter lucros. E a esse respeito devo dizer o seguinte: eu acho que o PSD não é por ser oposição que deve criticar tudo. Há nesta trapalhada que foi a Caixa Geral de Depósitos – então a nomeação da administração foi a chamada trapalhada monumental, pior era impossível –, mas no meio disto tudo, houve uma coisa boa. A administração escolhida a nível de equipa executiva, eu julgo que é boa, profissional, e é um bom princípio. Pela primeira vez não há políticos – bom. São profissionais. E acho que o presidente é um bom profissional.

Caríssimos amigos, não é por ter sido designado por um governo do PS que devemos criticar. Se a opção é boa, temos de ser assim. A seriedade é isto mesmo.

Agora, relativamente à questão que o Gustavo coloca, do Fernando Medina, se acha foi vitória de um e derrota de outro? Olhe, eu como não estou na vida política, posso falar com esta tranquilidade. Eu acho que houve uma parte que foi um desastre para o governo e acho que foi uma segunda parte em que o governo não saiu mal.

A primeira parte, em que foi um desastre para o governo, foi todo o processo de nomeação. Foi uma trapalhada completa. Incluindo aquela parte de oito administradores chumbados pelo Banco Central Europeu. Ainda por cima, chumbados com a humilhação de serem chumbados com base numa lei da República; como quem diz, o Banco Central Europeu dizer ao governo: então vocês não conhecem as leis que fazem? Uma coisa do outro mundo… do outro mundo.

Agora, esta parte da recapitalização, eu julgo que este é um processo com um resultado final positivo. Positivo.

Ninguém tenha dúvidas de que, se o PSD estivesse no poder, o resultado final seria o mesmo. E sabem porquê? É que este resultado final de 2,7 mil milhões de dinheiro público, que é o que entra; depois mil milhões de obrigações privadas; e depois o resto é um bocadinho mais engenharia contabilística – esta decisão foi de Bruxelas e de Frankfurt, esta decisão não foi de mais ninguém. De resto, os valores em liquidez de que se falava no início eram bastante diferentes. Porque, insisto, em valores de liquidez do público são 2,7. E, portanto, eu acho que a primeira parte foi um desastre, a segunda parte foi um resultado positivo.

Última nota, meu caro Gonçalo, você tem toda a razão… eu até iria mais longe do que você. Você diz que os portugueses estão a começar a ficar fartos do que acontece na banca. Eu acho que os portugueses já se saturaram disso. Desculpe, eu acho que é muito mais. Eu acho que já ninguém tem paciência para o BPN, o BPP, mais o BES, mais o Banif, mais não sei quê. Não, eu acho que é, sem descrição, é das coisas que mais descredibiliza a vida pública e a vida política.

Dir-me-á: porquê que isto aconteceu? É uma sucessão de factos. Há uns casos que são casos de polícia, como está à vista. BPN primeiro e o BES a seguir. Sobretudo esses dois. O BPP também, uma parte – casos de polícia. Há, no meio de tudo isto, falhas brutais da supervisão. Há casos de incompetências. Há aqui um conjunto de causas.

Há uma coisa que eu tenho a certeza, e com isto concluo. Há uma coisa que foi muito, muito positiva: foi que a supervisão dos grandes bancos tenha passado para o Banco Central Europeu. Eu considero isso muito positivo. Se isso não tivesse acontecido, esta questão da Caixa Geral de Depósitos não ia ter este resultado final. Nunca nenhuma autoridade em Portugal teria coragem de chumbar um daqueles nomes que foi chumbado para a Caixa Geral de Depósitos. Nunca ninguém teria coragem em Portugal.

E uma entidade exterior que analisa de uma forma muito objetiva, eu acho que é positivo. Ou seja, em matéria de supervisão, eu acho que é muito positivo o Banco Central Europeu passar a ter intervenção nesta matéria. Isto não dispensa a capacidade de, muitas vezes, bater o pé das autoridades nacionais. Mas é assim… em Portugal, somos um país demasiado pequeno, em que todos se conhecem e eu julgo que o distanciamento ajuda a decisões mais justas, mais objetivas e porventura mais transparentes. Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Segunda ronda de perguntas: Vânia Tomás, do Grupo Verde, e Gonçalo Armindo, do Grupo Cinzento.

 
Vânia Tomaz

Olá, muito boa noite. A questão do Grupo Verde é a seguinte: há pouco tempo o Dr. Luís Marques Mendes referiu na SIC que prevê mudanças de ministros e secretários de estado no governo, após a aprovação do Orçamento de Estado para 2017. Na sua opinião, acha essas mudanças relevantes para o atual governo, ou, pelo contrário, vão fragilizá-lo mais, dando razão às chamadas de atenção da direita e gerando guerrilhas na geringonça?

 
Gonçalo Armindo

Boa noite a todos. Antes de mais, queria agradecer a presença do Dr. Marques Mendes aqui na nossa Universidade de Verão 2016. No ano anterior passámos todos a encarar as legislativas de uma outra maneira. Assistimos um governo formado por uma espécie de acordo de cavalheiros com três partidos, bem… com isto não quero chamar cavalheiro à Catarina Martins.

[Risos]

Apesar de tudo, tenho de concordar com o nosso primeiro-ministro que, um pouco antes de formar governo, disse, e cito: "o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português são meros partidos de protesto.” Durante estes oito meses que decorreram, vislumbramos que a palavra dada nunca foi honrada pelo governo que, talvez para pagar as suas promessas eleitorais, esqueceu-se por completo dos números e da estabilidade. Os media alimentaram o ressabiamento da nossa parte relativamente ao panorama que se vive e esqueceram-se por completo das 222 medidas apresentadas pelo nosso partido para o Programa de Estabilidade em diversas áreas da intervenção do Estado. Esta epifania democrática da geringonça transferiu diretamente para a gaveta todas estas ideias apresentadas pelo PSD, aplicando apenas e só a sua política do desfazer, reverter e destruir. Gostaria de saber a sua opinião em relação à atitude do governo e se considera que o PSD deveria capitalizar melhor esta arrogância governativa a seu favor. Obrigado.

 
Luís Marques Mendes

Vânia, muito obrigado. Felicidades para a sua criança; já sei que vamos ter mais um jovem ou uma jovem. Parabéns e felicidades.

Quanto à questão que coloca da remodelação, é assim: eu não faço a menor ideia se o primeiro-ministro vai fazer uma remodelação, acho que não fala disso a ninguém. Mas uma pessoa percebendo um bocadinho do funcionamento da vida política, do funcionamento dos governos, sobretudo quem andou lá por dentro e sabe um pouco qual é a narrativa nestas ocasiões e a maneira de pensar… digo aquilo que disse há poucos dias na televisão, eu admito que haja reajustamentos, uma remodelação, mini-remodelação, como quiser chamar, no governo, lá para o final do ano, a seguir ao orçamento.

Ou seja, começando pelo princípio. Ao contrário de muito boa gente, eu acho que o próximo orçamento para 2017 vai ser aprovado. Eu não prevejo nenhuma dificuldade da chamada geringonça na aprovação do orçamento. É tudo fita, aquela coisa de que estão divergentes; vocês vão ouvir isso. Vão ouvir isso todo o mês de setembro – está em dúvida, pode cair, isto… não sabemos se damos a aprovação. Tudo conversa fiada.

Eu já no outro dia disse que eles lá dentro acertam tudo ao pormenor, até as divergências. Mas é mesmo assim. Portanto, vai passar. Depois se é com aumento das pensões ou se é com o fim das rendas na saúde, ou se é tudo isso e mais algumas coisas – vamos ter orçamento. Quem pensa o contrário, o melhor é já passar à fase seguinte.

Segundo: terminado o orçamento, eu julgo que, lá para o final do ano, princípio do próximo, eu admito que haja uma mexida no governo. Agora, até lá toda a gente vai desmentir. As remodelações são como as desvalorizações da moeda (quando existiam), negam-se até ao momento em que se fazem. Portanto, nunca ninguém vai confirmar e toda a gente irá desmentir.

Segundo: acho que há aí vários sinais. O coitado do Ministro da Economia, que foi o exemplo maior que eu dei, vai pagar as favas. A política tem uma componente deste género: quando as coisas correm mal, é preciso encontrar sempre um bode expiatório. E as coisas, neste momento, correm muito mal no domínio da economia. Perguntar-me-ão: é culpa do Ministro da Economia? Eu acho que não, eu acho que não… É culpa de várias outras coisas, mas não é do coitado do Ministro da Economia, apesar de ele ser uma figura, de facto, apagada. Boa pessoa, mas um ministro apagado.

Agora, o primeiro-ministro já o matou no último congresso. Foi o primeiro-ministro que o matou, não fui eu, nem… ao dizer que ele era muito tímido. Muito tímido, na palavra de um primeiro-ministro relativamente a um ministro, em público, ao mesmo tempo que estava elogiar aquele que é uma espécie de farol da geringonça, que é o Ministro da Educação, evidentemente que era matar o Ministro da Economia.

Segundo dado; quando se encontra um bode expiatório, também a segunda regra é assim: é sempre um independente e não um do partido. Porque é sempre mais fácil mandar borda fora um independente, que volta lá para a universidade, do que um homem do partido, porque um homem do partido que sai do governo fica ali a fazer mau ambiente. Fica ali a fazer um bocado de contravapor.

Essa é outra coisa que se aprende. Quem sai de um governo numa remodelação, mesmo que diga que é tudo normal e natural, fica sempre furioso, furioso, não é menos do que isso. E no PSD do passado há varadíssimos casos, que dão normalmente cortes de relações. Portanto, António Costa, isso ele não faz. A substituir é um independente.

Portanto, o Ministro da Economia tem essas vulnerabilidades. De resto, coitado do ministro… eu digo coitado, até com simpatia, porque acho que é uma boa pessoa, mas as coisas são como são. Ele, de resto, na semana seguinte a eu ter dito isto, ele desdobrou-se em entrevistas a explicar, designadamente, que faz muitos quilómetros pelo país, que o carro dele já tem 100.000 km. Como se a métrica da atividade governativa fosse o número de quilómetros. Eu acho que, de resto, se fosse por quilómetros, eu já tinha sido não sei o quê, não é? Às campanhas eleitorais que fiz e às sessões de esclarecimento e à vitela assada pelo país, e tal... Mas, enfim, coitado, é a insegurança.

E depois há outros reajustamentos que podem, eventualmente, ser feitos. Portanto, Vânia, eu não sei, mas vaticino isso e, portanto, veremos na altura própria se isso sucede ou não sucede. É tão simples quanto isto.

Agora, se você me pergunta se alguém tem vantagem ou deixa de ter vantagem, se o PSD, que está na oposição, vai ter vantagem… Eu acho que essas coisas não se colocam muito nestes termos. Sabe que uma remodelação é sempre uma arma de dois gumes. De resto, o primeiro-ministro já foi forçado a fazer duas, já mexeu em dois ministros, por razões diferentes, forçadas, mas teve que o fazer. Mas, em qualquer circunstância, uma governação é uma arma de dois gumes. Por um lado, pode ajudar a dar um outro fôlego; por outro lado, é um sintoma de que há um problema.

Portanto, depende de muitos ingredientes saber se, a existir, isso vai ter ou não vai ter sucesso. Isso depende.

Tenho para mim, sobretudo, um bocadinho como vi hoje num editorial num jornal económico, e que achei muito feliz: a geringonça há de acabar, só não se sabe é quando. Eu achei isto um título muito interessante, adaptando aquela frase do nosso querido Durão Barroso de há uns anos atrás.

Quanto ao Gonçalo, você fez aí o seu discurso, e muito bem feito, e pergunta-me: o PSD pode ou não pode capitalizar melhor? É a sua pergunta. É assim: nós estamos no início de um ciclo; passou apenas um ano. Há um tempo de adaptação. O PSD estava no governo, passou à oposição – há um tempo natural que é de adaptação. E não é fácil ganhar umas eleições – porque foram ganhas - e mesmo assim passar à oposição. A solução é legítima, mas não é de facto natural. Tudo isto introduz um certo choque e uma certa perturbação e, por isso, é natural que a oposição leve algum tempo até afinar exatamente o tom, a forma, a substância, o conteúdo. É sempre normal e natural.

Eu diria, em qualquer circunstância, que, começando agora a chegar a esta fase, há uma coisa que nós temos de ter sempre em atenção para o futuro, e que é uma das grandes lições das últimas eleições. Ou duas ou três lições, se quiserem.

A primeira é que o PSD não volta mais ao poder se não tiver maioria absoluta. Ou seja, ganhar as eleições, como aconteceu, com 38%, 39% ou 40% não vai chegar. Ganha as eleições, mas corre o risco de continuar na oposição. O que significa que aquela ideia: nós estamos aqui e vamos ganhar as eleições… Atenção, nós temos que fazer um pouco mais, porque não chega repetir o resultado nem chega subir mais um ponto ou dois. É preciso ter maioria absoluta. Não é preciso sozinho – sozinho ou acompanhado, evidentemente, numa coligação com o CDS. Mas isto é preciso.

Antigamente, podia-se ter governos minoritários. Eu acho que isso, no futuro, pelo menos no futuro imediato, acabou.

Segundo; isto caminha, cada vez mais, para que, à esquerda do PSD, Partido Socialista e Bloco de Esquerda formem um bloco governativo. Ou seja, o Bloco de Esquerda tenderá a ser, no futuro, uma espécie de CDS do PS, ou CDS da esquerda, se quisermos. Eles não gostam desta linguagem, mas é para todos percebermos. Ou seja, um bloco PSD/CDS e um bloco PS com o Bloco.

E as sondagens, hoje em dia, dizem que estes dois podem, sozinhos, descartando o PCP, ter maioria absoluta. Falta saber, no futuro, o que acontecerá.

Em terceiro lugar, em função destes objetivos que são mais exigentes do que no passado, nós porventura também vamos ter que ser, para ter sucesso, um pouco mais ousados e ambiciosos do que no passado. Ter propostas com ousadia, ter propostas com ambição. Ou seja, não chega já repetir o resultado. Não chega ganhar. É preciso ganhar com uma maioria e, para isso, provavelmente, não chega que a vida corra mal a quem está no poder, é preciso que a vida corra mal a "quem está no poder”, chamemos-lhe assim, entre aspas, e é preciso que do outro lado da alternativa as pessoas achem, sim senhor, estão aqui uns homens que, pelas suas ideias, pelas suas propostas, pela sua capacidade mobilizadora, merecem uma maioria absoluta. Este é um ponto absolutamente nuclear.

Meus queridos amigos, metam, por favor, na vossa cabeça (e desculpem a forma de o dizer): não chega, no futuro, ter mais votos do que os outros; isso pode reconduzir à mesma situação. É preciso uma maioria absoluta. E a maioria absoluta exige um esforço de mobilização bem maior do que uma vitória relativa.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito obrigado. Terceiro bloco de perguntas. Dou a palavra à Rania Barbosa do Grupo Bege e ao Tiago Carita do Grupo Roxo.

 
Rania Tamila Barbosa

Boa noite. Como abordou, anteriormente, o afastamento dos jovens da política como um acontecimento extremamente preocupante, desta forma, em nome do Grupo Bege, pergunto-lhe: onde está a falha? Será apenas desinteresse dos jovens, ou os agentes políticos estão a promover estes acontecimentos, graças às suas políticas? Obrigada.

 
Tiago Carita

Boa noite, Dr. Marques Mendes; boa noite a todos os presentes nesta sala. Permitam-me que comece por citar uma frase do fundador deste partido, porque é por causa dele que, se calhar, estamos aqui reunidos.

"O nosso Povo tem sempre correspondido nas alturas de crise. As elites, as chamadas elites, é que quase sempre o traíram, e nós estamos a ver mais uma vez que o povo português foi defraudado da sua boa-fé.”

Como é que este homem proferiu esta frase há alguns anos atrás e enquadra-se perfeitamente neste quadro político de agora? O Dr., numa entrevista à SIC, referiu que o governo, quando precisa de um ajuste financeiro, pensa logo em aumentar impostos. Eu digo que acho que tem sido uma política do governo nos últimos anos.

Tendo sido líder deste partido, pergunto-lhe: que reajustamento acha essencial neste momento para Portugal, para que no futuro chegue a um bom porto. E o que acha das propostas do Portugal 2020 para poder resolver este problema. Obrigado.

 
Luís Marques Mendes

Cara Rania, muito obrigado também pela sua questão que tem muito a ver, no fundo, com o descontentamento dos jovens. Há muitas razões que justificam o descontentamento que existe da parte dos jovens, ou de uma parte significativa dos jovens. Vou apenas aqui elencar algumas.

Evidentemente que algumas já referi. Os jovens são daqueles, porventura, mais críticos relativamente à forma de funcionamento do sistema político - já falei disso. Eu acho que os jovens são muito críticos e, por isso, afastam-se muito da política, dos partidos, das instituições. Acho que os jovens, sobretudo, perderam muito de esperança nos últimos anos.

O desemprego jovem é muito elevado. As perspetivas de um jovem sair da escola e ter um emprego… as perspetivas são bastante sombrias. E, portanto, o problema do emprego é um problema sério. E isto faz com que os jovens, de um modo geral, ou saem do país, que é o seu espírito aventureiro e a sua capacidade de dar a volta às situações - porque isso têm -, ou então vão perdendo um pouco, de facto, a esperança.

Não é por acaso que naquele tema que pediram para abordar, considero que, das coisas mais preocupantes, são os jovens. Eu faço hoje muitas palestras desta natureza, sobretudo em escolas, instituições e universidades e tenho encontrado jovens de grande, grande qualidade. E também na minha vida profissional encontro.

Mas tenho muita, muita dificuldade em encontrar jovens com vontade, por exemplo, de participar na vida política. Até, muitas vezes, são curiosos em querer saber o que se passa, porquê que se passa. Porquê que é assim, que é assado. Mas têm uma má ideia da política, mas muito má, de um modo geral. E são jovens, muitas vezes, com altas qualificações.

E depois, evidentemente, que é esta ideia de que o país não é bem governado, que o país é desgovernado, e que tem muito, muito a ver com o trauma da situação económica e da situação social. Um bocadinho aquela ideia: casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.

O que significa, o quê? E de alguma maneira tem a ver… já respondo à pergunta seguinte do Tiago Carita, tem a ver com os impostos e o que se pode fazer para, no fundo, alterar este estado de coisas.

Bem, não há soluções nem fáceis, nem milagrosas, meu querido amigo. Mas eu diria o seguinte: em termos de orientações estratégicas, as três orientações estratégias que, se eu mandasse – coisa que eu não quero que suceda, e vocês estão livres disso –, mas as três orientações que eu prosseguiria eram estas:

Primeiro, credibilizar a vida política – já falei sobre isso, eu atribuo uma enorme importância a isso. Enorme, enorme importância. E antes prevenir do que remediar. Quando um dia tivermos - eu espero que não tenhamos – uma solução à italiana, vamos começar todos a ficar preocupados. Ou seja, exemplos de populismos, como já temos em Espanha, como já temos na Itália, como temos na generalidade dos países da Europa, começamos a ficar preocupados.

E, portanto, acho que a credibilidade na vida política é essencial e algumas das coisas são de elementar bom senso. E outras são de necessidade de vontade política. Primeira orientação.

Segunda, no domínio económico. Nós temos que ter um país com competitividade económica. Dir-se-á: isso é muito difícil. É muito difícil mas não é impossível. Nós tivemos um período em Portugal, entre 1985 e 2000, um período de 15 anos, em que Portugal era um país competitivo. Em que Portugal criava riqueza, gerava emprego, atraía investimento nacional e estrageiro e era considerado a moda na Europa.

Meus caros amigos, não é do vosso tempo, mas em 1990 veio a chamada Autoeuropa, aquela grande fábrica que está em Palmela, para Portugal. Tem hoje um contributo decisivo para as exportações nacionais. Pois bem, sabem como é que a Autoeuropa veio para Portugal? Houve três países que durante mais de um ano disputaram aquele investimento – a Hungria, a Áustria e Portugal. Mas a Autoeuropa decidiu vir para Portugal. E a Áustria não era um país qualquer a competir connosco. Portugal era um país competitivo; o investimento estrageiro queria vir para Portugal. E a Autoeuropa não é o único exemplo.

Ou seja, Portugal foi, e não foi há cem anos, um país competitivo. E do ano 2000 para cá estamos permanentemente em crise. Porque, na prática, estamos em crise desde o virar do século. E agora perguntar-me-ão: mas é por causa dos problemas na europa e no mundo? Mas é por causa dos portugueses, que perderam qualidades? Não. É por causa das políticas que passaram a ser erradas.

Os portugueses não perderam qualidades. Até são melhores, porventura, em termos de qualificações, de vontade e de capacidade de risco do que eram na altura. Os problemas na Europa são grandes, mas não foi por causa disso que se alterou radicalmente este estado da arte. Foi por causa dos erros nas políticas e, de um modo geral, por causa do facilitismo. Por causa do facilitismo. Taxas de juro muito baixas, pronto, podemos gastar à grande e à francesa. Está tudo a correr bem, a função pública, em vez de ter 500 mil pessoas, 600 mil pessoas...

E, portanto, cresceram os défices, cresceu a dívida. Portanto, passamos a viver, sobretudo em termos de Estado, acima das necessidades. Não é muita gente em concreto. Muitas pessoas em concreto continuaram a viver abaixo das necessidades. O Estado é que passou a viver acima das possibilidades.

Portanto, enquanto não se inverter esta situação… esta situação está a ser invertida, neste momento? Tenho dúvidas. Ou melhor, acho que não está. Mas, enfim, é a vida. O governo existe, as instituições funcionam, é a vida.

A prova provada são os dados de hoje do Instituto Nacional de Estatística relativamente ao crescimento da economia durante o segundo trimestre. É a maior bofetada política que quem dirige o país pode apanhar. Porque é a previsão de um crescimento que é metade daquele que o governo tinha previsto no Orçamento. Já não falo do que tinha prometido antes das eleições.

O que significa que mandaria o bom senso, primeiro, que se desse uma explicação sobre aquilo que está a acontecer. E em segundo lugar que se refletisse um pouco se é possível mudar de política. O problema é que para mudar de política, porventura tinha que mudar a geringonça, e como não pode mudar a geringonça, não muda de política. E nesta parte eu já não tenho saída.

A terceira orientação é no domínio social. Portanto, credibilidade política, competitividade económica e responsabilidade social. E neste domínio, eu julgo que a tarefa, absolutamente essencial, é um acordo de regime para uma reforma da segurança social.

É preciso dizer com muita clareza: hoje o problema da segurança social não é um problema de ideologia, é um problema de demografia. São coisas completamente diferentes. O Sr. Jerónimo de Sousa, a Sra. Catarina Martins, toda a gente, à direita e à esquerda, tem que perceber que quando a questão é demográfica, já não é ideológica, não há uma razão séria e pragmática para não se sentarem à mesa e entenderem-se. Este é um problema sério. Discute-se agora no Orçamento, taticamente, se se deve aumentar ou não aumentar as pensões mais baixas. Toda a gente concordará com isso, da direita à esquerda, quem é que não tem coração?

O problema sério é que, sem tocar neste assunto, o problema da segurança social é um problema de rutura ou de queda abrupta das pensões dentro de dez ou quinze anos. E este é que é um problema sério.

Tenho imensa pena que se desperdicem as oportunidades todas, porque este é o problema mais sério, embora haja um outro que começa a ser sério – que é no domínio da saúde.

Devo dizer o seguinte: que como cidadão, como português, estou muito preocupado e acho que os próximos anos só vão mostrar, infelizmente, isso, o seguinte: eu sou um grande defensor do Serviço Nacional de Saúde. Tirando também defender princípios de liberdade de escolha, eu sou muito defensor do Serviço Nacional de Saúde público. E o Serviço Nacional de Saúde público, que é uma grande, grande conquista, está, nos últimos anos, incluindo este ano, a entrar num processo de grande degradação. Ou seja, com as políticas da troika e com as políticas que continuam nesse momento, mudou o governo, mas continuam, é exatamente a mesma política nessa área. Ou seja, não há dinheiro, é que não há dinheiro e a política não muda substancialmente.

E é assim; há anos que não se investe no Serviço Nacional de Saúde e ele perde qualidade. Investimentos em equipamentos na saúde, são muito caros, não há dinheiro, não se fazem. Portanto a saúde perde em termos de qualidade e de competitividade nos seus serviços.

Medicamentos inovadores, são caros, não se entra no mercado, porque o Estado não tem dinheiro para comparticipar.

Profissionais, como são pagos assim, começam a sair do público e vão para o privado. Portanto, isto está a degradar o Serviço Nacional de Saúde. É um setor que me preocupa. Porquê? Porque acho que uma das coisas mais e mais importantes é termos um Serviço Nacional de Saúde com qualidade, capaz de servir a generalidade da população. Portanto, esta situação merece, de facto, atenção.

Numa palavra, seguiria estas três orientações: credibilidade política, competitividade económica, responsabilidade social, e, sobretudo, com este tipo de prioridades.

Meu querido amigo, deixei aqui um bocadinho para satisfazer a sua curiosidade. O resto fica para a conferência do próximo ano, se for convidado.

 
Dep.Carlos Coelho

Quarta ronda. Bernardo Barbosa, do Grupo Azul, e o Hugo Mendes, do Grupo Amarelo.

 
Bernardo Barbosa

Antes de mais, boa noite. Gostava de começar por cumprimentar o nosso convidado, o Dr. Luís Marques Mendes, e agradecer pela sua presença aqui na UV de 2016. Na mais recente entrevista ao Observador, o Dr. Luís Marques Mendes referiu que, durante todo o seu curso de Direito, trabalhava e que só ia a Coimbra realizar os exames. Eu gostava de perguntar se os sacrifícios que teve de realizar para concluir o seu curso lhe trouxeram alguma mais-valia na sua vida, tanto política, como na vida pessoal e profissional futura.

E, fazendo um paralelismo com a realidade atual, acha que é uma vantagem, para um jovem, trabalhar e estudar ao mesmo tempo, como o Dr. fez no seu tempo? Obrigado.

 
Hugo Mendes

Muito boa noite. Queria, primeiro, cumprimentar o Dr. Marques Mendes, pelas suas honrosas palavras que nos deu hoje. Cumprimentar o Deputado Carlos Coelho pela organização desta Universidade de Verão. De certeza absoluta que é uma experiência grandiosa para todos. E cumprimentar todos os restantes.

A minha pergunta recai sobre os fundos comunitários europeus. Primeiro, porque acho que o Dr. Marques Mendes tem uma visão ampla do país e pode-me ajudar, a mim e a todos os meus colegas que tenham a mesma pergunta que eu e a mesma dúvida que eu.

A minha pergunta, como eu referi, é sobre os fundos comunitários europeus. Eu penso que os fundos europeus são importantes para Portugal, para o desenvolvimento de Portugal e para a economia, para a criação do próprio emprego e para a criação de riqueza. Fico muito contente, hoje em dia, porque os fundos europeus, hoje, estão mais controlados, estão mais fiscalizados do que há dez anos atrás, em que alguns deles eram investidos em bens supérfluos, às vezes em investimentos pessoais, e às vezes não eram investidos na produção.

Vou falar num tema que, para mim, é a agricultura. Eu nasci no interior e acho que a agricultura, no interior, como outras áreas, pode ser uma arma de combate à desertificação, pela criação de emprego.

Eu tenho falado com pessoas conhecidas da minha zona, potenciais candidatos a estes programas, e elas dizem-me que às vezes têm problemas, e os problemas são pela demora da aprovação do programa, pela demora da transferência de capital. E depois também me dizem pela falta de terrenos. E eu olho para o lado e vejo terrenos ao abandono.

Este ano, este trágico verão, todos nós reparamos e sentimos, uns mais do que outros, pelos incêndios. Queria também perguntar ao Dr. a sua opinião, se não acha que neste momento temos força política, também, para fazermos uma reforma na floresta e que os terrenos que estão ao abandono passem para bancos de terras. Isto pode permitir a criação de investimento e, sobretudo também, para evitarmos mais problemas como este verão, que foi os fogos, a limpeza dos terrenos.

Em suma, a minha pergunta era: como podemos agilizar mais facilmente estes processos de candidaturas a fundos europeus? E se estamos preparados para fazermos uma grande reforma na área da floresta e passarmos os terrenos que estão, muitos deles, ao abandono, que podem estar prontos para serem produzidos, e passarem para bancos de terras. Muito obrigado.
 
Luís Marques Mendes

Eu começo já aqui, não levam a mal por fazer esta inversão, e respondo já aqui ao Hugo Mendes e depois vou ao Bernardo.

Três notas muito breves relativamente ao Portugal 2020 e aos fundos comunitários. Eu acho, no essencial – eu conheço relativamente bem aquele programa – e acho que foi um programa bem concebido, bem dirigido, bem negociado em Bruxelas e que, desde logo, começou por ter, logo no seu início, taxas de execução muito e muito significativas.

Segundo dado. Relativamente a algumas áreas e alguns setores - eu não sei se é verdade –, mas, de alguma forma aquilo que se vai dizendo, um pouco a vox populi , é que há atrasos em pagamentos, e que não são atrasos necessariamente decorrentes de burocracia. Serão atrasos, de alguma forma, deliberados ou propositados. Não sei se é verdade mas alguém devia esclarecer, porque há quem diga que isso tem um pouco a ver com questões de natureza financeira e orçamental.

Terceiro. A agricultura pode dar um contributo grande para combater a desertificação? Claro que pode, sem dúvida nenhuma. Não sei se é um contributo suficiente, mas é um contributo necessário.

Finalmente, relativamente à questão da reforma florestal e dos incêndios. Eu já desconfio um bocadinho das promessas neste domínio porque acho que todos os governos, sejamos francos, incluindo vários apoiados pelo PSD ou da responsabilidade do PSD, prometeram muitas coisas no domínio florestal, no tempo de fogos, e esqueceram depois, no inverno, quando estas reformas verdadeiramente se fazem. Portanto, agora diz-se que vai haver um Conselho de Ministros extraordinário em outubro e, finamente, é que vai ser. Não sei, já estou um pouco como São Tomé - só vendo!

A única coisa em que acredito verdadeiramente é naquilo que disse o Presidente da República na semana passada, que disse que vai estar atento ao que se passar em outubro e ver se, de facto, neste inverno, se trata dos problemas do verão. Portanto, espero e estou convencido que o Presidente da República vai ser vigilante, ativo e atento nesse domínio e acredito mais que essa hipótese vai ter resultados.

Quanto à questão das terras, que não são utilizadas limito-me, neste momento, a constatar o seguinte. Há três semanas, sensivelmente, li uma manchete no Expresso a dizer que isso ia acontecer. Na semana seguinte, vi o Ministro da Economia, no mesmo jornal, a dizer que isso só iria acontecer se os municípios o desejassem. Portanto, aquilo que parecia uma orientação impositiva passou a ser uma orientação facultativa, o mesmo é dizer que passamos do oitenta para o oito no espaço de uma semana, com a vantagem de ter sido, apesar de tudo, no mesmo jornal.

Isto não me dá garantias de grande segurança e de grande coerência na matéria. Temos que ver.

Caro Bernardo, o meu amigo leu, nessa entrevista, e é verdade, que eu fiz o meu curso como estudante e trabalhando. Uma pequena precisão: trabalhando em cargos políticos, felizmente não era trabalhador-estudante no sentido tradicional da palavra. Fui adjunto num Governo Civil e depois fui vice-presidente e vereador a tempo inteiro na Câmara da minha terra e, durante esses anos, fiz o curso. Tenho que acrescentar, meu querido amigo: fiz durante esses cinco anos e não chumbei.

Perguntar-me-á se isso é complicado ou não é complicado. Eu vou dizer o seguinte: não acho nada de transcendente. Acho que não fui nenhum herói, nem nenhum super-herói, nem sou nenhum tipo superdotado, nem coisa que se pareça. Devo dizer que tive tempo para tudo. Tive tempo para estudar, como se viu, que não chumbei. Tive tempo para trabalhar, acho que as coisas não correram mal. Tive tempo para namorar, e bastante. Tive tempo para ir às discotecas, porque eu sempre gostei disso, sempre gostei disso. Por exemplo, se eu dirigisse a Universidade de Verão, às tantas o local seria outro, apesar de este local ser simpático, não é?

[Risos]

Mas, enfim, só quando vocês remodelarem o diretor, ou o reitor. Mas não tenho nada contra Castelo de Vide, evidentemente, isto é simpático.

Quero eu dizer que tive tempo para tudo isso. É tudo uma questão de organização, de disciplina. E há uma coisa muito mais importante: é preciso gostar daquilo que se faz. Quando se gosta daquilo que se faz, faz-se com mais gosto. Cansa à mesma, mas cansa, apesar de tudo, um bocadinho menos.

Agora a sua última questão é: e beneficiou com isso? Isso sim, acho que beneficiei imenso com isso. Ganhei uma experiência nalgumas áreas que porventura iria levar muitos anos a ganhar ou que até, eventualmente, nunca conseguiria ganhar. E depois, sim, e depois disso tudo, então, deixei os cargos públicos oficiais e dediquei-me à minha atividade profissional, até que um dia, mais tarde, aconteceu aquilo que já é público e notório.

Numa palavra, não advogo nem deixo de advogar. Cada caso é um caso e cada um é que sabe. Não vou dar lições de moral sobre se é melhor ir por este caminho ou se é melhor ir por aquele. Lições de moral, não. Nunca gostei que me dessem a mim indicações do que eu devia fazer e, portanto, também não vou dar a ninguém. Cada situação é um caso diferente. O importante é que uma pessoa faça as coisas com convicção, com coragem, com vontade e com gosto. Com gosto! Ou seja, ter autoestima, ter alegria, boa disposição.

Deixai-me dizer o seguinte: eu sou um otimista, não daqueles irritantes. Um otimista! E acho mesmo que, mesmo nos momentos difíceis, mesmo nas situações complicadas, eu acho que vale a pena ter um espírito de autoestima alto. É preciso ter uma capacidade de otimismo, de entusiamo, boa disposição, eu acho que é assim, sinceramente, eu acho que é assim.

Por exemplo, eu acho que o nosso Presidente da República, com a sua forma – independentemente, agora, das decisões –, a sua forma de agir, eu acho que tem uma importância enorme para a sociedade portuguesa, não é politicamente importante para este ou para aquele, é para a sociedade portuguesa. Aquela lógica do afeto, da simpatia, a política precisa muito disto também, e sobretudo depois dos últimos anos. Isso é importante, também ajuda – não é preciso nenhum decreto, não é preciso nenhuma lei – mas ajuda a elevar a autoestima.

Nós costumamos dizer, em tudo na vida, aqueles tipos lá fora é que são bons. Porque nós temos sempre uma certa tendência para achar que aquilo que fazemos cá dentro é péssimo. Aquilo que os outros fazem lá fora é ótimo. Olhamos aqui para os vizinhos espanhóis e dizemos: fantástico! Eu acho que a única coisa que os nossos queridos espanhóis têm melhor do que nós é o ego. Ego!

Eles têm um ego do outro mundo, do tamanho do mundo. O nosso, coitadinho, anda assim cá em baixo. Também não é preciso termos um ego tão grande como o deles. Mas aqui no meio-termo, entre a sorte grande e a terminação, eu acho que as coisas andariam melhor.

E portanto, neste quadro, respondendo à sua questão, que agradeço imensíssimo, é assim: cada um faz como entende mais adequado, cada um segue a vocação, o caminho que considera mais adequado. Deve fazer as coisas é com empenho, com vontade, com convicção e, sobretudo, com gosto. Com gosto!

Eu gosto hoje em dia daquilo que estou a fazer, como gostei, no passado, daquilo que fiz. E saí dos cargos bem comigo e bem com toda a gente. Bem com toda a gente. Sem amargura, sem angústia, bem com a vida, e por isso é que estou bem. E a minha presença aqui, hoje, é apenas um sinal da simpatia que tenho convosco, não é nenhum sinal de qualquer outra natureza. Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Dr. Marques Mendes, nós temos uma tradição na Universidade de Verão que é dar, por razões de cortesia, a última palavra ao nosso convidado. Portanto, eu não tenho outra oportunidade para usar este microfone, senão esta, para lhe agradecer, uma vez mais, todas as respostas que já nos deu e as respostas que ainda vai dar ao último ciclo de perguntas.

E já que fez uma referência ao ego, agora nesta resposta, gostaria de partilhar consigo a única, ou das poucas anedotas portuguesas que nós conseguimos dizer a todos os nossos companheiros no Parlamento Europeu, nas diversas línguas, que todos compreendem e que é uma definição. É a definição exatamente de ego. Pergunta-se a qualquer deputado, de qualquer nacionalidade, o que é o ego, e a resposta é: o pequeno espanhol que vive dentro de nós.

[Risos]

E para a última ronda, dou a palavra, do Grupo Laranja, agradecendo o simpático convívio durante este jantar, ao Rodrigo Passos, e depois ao Grupo Castanho, à Nicole Lourenço.

 
Rodrigo Passos

Desde já boa noite. Agradecer a presença do Luís Marques Mendes; é uma honra tê-lo aqui, é com o todo o gosto que o recebemos, e passo a citar uma citação sua com semanas. "Há uma coisa que o PSD aprecia, independentemente de outras características, gente corajosa, gente que corta a direito, gente que fala com convicção”. E isso foi algo que foi feito hoje, e o Dr. Luís Marques Mendes falou da importância da credibilidade e da verdade na vida política.

E aqui vou de encontro à minha pergunta: como é que lidou, em 2005, salvo erro, com o afastamento de Isaltino Morais e de Valentim Loureiro, acho que foi das listas às autárquicas? Foi uma decisão difícil de tomar ou tomou-a sem dificuldades, sem medo do que poderia acontecer a seguir a isso? Obrigado.

 
Nicolle Lourenço

Boa noite a todos. Caro Dr. Luís Marques Mendes, tendo em conta a afirmação do nosso caro Diretor da Universidade de Verão, que afirmou como tendo sido o comentador político mais mediático da atualidade, e tendo em conta que o Presidente da República atual também o foi, considera – permita-me que que lhe pergunte – equaciona candidatar-se às presidenciais, ainda que seja daqui a dez anos? Obrigada.

[Risos e aplausos]

 
Luís Marques Mendes

Eu acho que a Nicole era ótima para… assim comentadora, agitadora… Nicole, posso começar pelo Rodrigo?

Rodrigo, a sua pergunta é fácil de responder. Eu admito… isto já foi há dezasseis anos. Esta questão já dirá pouco a alguns. Só recordando a situação, nas autárquicas de 2005, era eu líder do PSD, de facto, o partido, através de decisões minhas afastou alguns autarcas. São conhecidos, não foi apenas o que referiu, foi esse e mais um ou dois, por entender que não eram a escolha política adequada na altura.

Deu muita polémica, deu muita controvérsia. Dentro do partido, fora do partido. Era uma situação inédita, nunca tinha acontecido, e as situações inéditas têm essa questão.

Você pergunta: foi difícil? Eu vou-lhe responder de forma completamente franca, sincera e direta. Não, não foi nada difícil.

Primeiro, porque quando estava em campanha eleitoral para a liderança do partido já tinha isso na cabeça. Há várias pessoas que o sabem, a começar pelo atual líder que era, à época, meu vice-presidente.

Segundo, porque é um pensamento político que eu já tinha expressado em vários momentos na vida do partido. Eu entendo que a escolha de candidatos, designadamente nas autárquicas, mas não apenas aí, é um exercício muito importante. E acho que, entre os critérios que devem ser levados em atenção, como há bocado referi, a competência, a qualidade, o prestígio e tudo isso, está, também, a credibilidade; não é por acaso que eu falei muitas vezes dessa palavra, e associada a essa a dimensão ética.

E eu considerei na altura, e continuo a considerar hoje, que pessoas que têm casos, digamos, sérios em termos de investigação no quadro da justiça, não devem ser candidatos. E se estão nos lugares, devem sair dos lugares. Eu tive, tenho e continuarei a ter o mesmo ponto de vista. Evidentemente que, se uma pessoa tem um caso na justiça por uma questão de liberdade de imprensa, não é questão que se coloca. Mas se uma pessoa está a ser investigada – mesmo que depois até seja absolvida – está a ser investigada, por exemplo, ou por corrupção, ou por branqueamento de capitais, ou por fraude fiscal, por crimes especialmente graves, independentemente do desfecho final, que esse compete à justiça, mas acho que não devem ser candidatos. E se estiverem nos lugares, devem sair. E explico porquê. Por uma razão que todas as pessoas entendem.

Uma pessoa que está em funções, por exemplo, num cargo de presidente de câmara, de deputado, ou de governante, mas que está a ser investigado por crimes especialmente graves como estes, essa pessoa está diminuída na sua autoridade para o exercício da função. É ou não é verdade? Está diminuída. Os poderes são os mesmos, mas a pessoa está diminuída, está sob suspeita, o que significa que não tem a mesma autoridade para agir, nem sobre os seus subordinados, nem relativamente aos cidadãos cá fora. Eu acho que isto é óbvio. Só não percebe isso quem está nos lugares. Porque quem está fora percebe isto, que é óbvio. É um problema de autoridade. Não é apenas um problema de imagem associada, mas é sobretudo um problema de autoridade.

E portanto, foi com base nessas razões, que continuo hoje a sustentar, que considero que esses autarcas teriam que ser afastados. Não tem nada de pessoal. Insisto: não tem nada de pessoal. Eu acho uma coisa horrorosa, uma pessoa tomar decisões por razões pessoais, não gosto deste ou daquele, isso é uma mesquinhez. Não, é uma questão política.

Terceiro lugar. Constatei, agora que você recordou, que, à época, ninguém dentro do partido fez uma declaração pública a defender os meus pontos de vista. Mas constatei também que não houve quase opinion maker em Portugal, nos jornais, nas rádios e nas televisões, que não tivesse apoiado as minhas decisões. O que dá bem a ideia, muitas vezes, do desfasamento que há entre a vida partidária e a vida da sociedade. E dá para refletir. E dá para refletir…

Posto isto, só dar-lhe o resultado final. O resultado final de tudo isso foi que este vosso querido amigo liderou um partido que, apesar de ter tido estas situações, e portanto ter perdido algumas dessas câmaras, o que era quase inevitável, fazendo isto (eram autarcas marcantes, em princípio iria perder). Mas isso deve ter tido um efeito noutros lados, de tal forma, que o PSD teve a segunda maior vitória autárquica de sempre. Apenas ficando a uma câmara – uma apenas - da maior de sempre. E estava o Eng.º Sócrates em alta, porque tinha acabado de chegar ao governo há seis meses. O que significa que os cidadãos não terão achado mal.

E a leitura que tiro disto é o seguinte: na vida política, às vezes, é preciso perder uma eleição para afirmar uma linha política. Ganhar por ganhar, de qualquer forma, não é o melhor critério nem a melhor solução. É importante saber ganhar e, às vezes, antes perder com dignidade do que ganhar sem glória. É aquilo que eu penso.

[Aplausos]

A outra nota que eu digo com este sorriso, é que não há bela sem senão. A bela sem senão é que, pouco tempo depois, fui corrido da liderança. Pronto, mas é a vida. Tudo na vida tem um preço. Tudo na vida tem um preço. Maior, menor, um preço que a gente gosta mais, porque é simpático, outro que a gente gosta menos, porque é elevado. Evidentemente que, dentro do partido, tudo isto tem as suas coisas. E portanto, deixou mazelas, deixou mossas, e tudo isso… e teve este resultado final.

Você pergunta aqui baixinho: se voltasse atrás fazia o mesmo? Rigorosamente, sem tirar nem pôr. De resto, noutras situações que surgiram no entretanto, tenho advogado o mesmo ponto de vista, embora, muitas vezes, sem um grande sucesso. Porque é mais fácil dizer que se faz do que fazer. No meu caso, comecei por fazer antes de estabelecer a doutrina.

Mas deixem-me dizer o seguinte: é por tudo isso que abordei o que abordei, há bocado, no tema inicial. E achei graça que, onze anos depois, você, que é um jovem, ainda se tenha lembrado dessa situação. Eu considero que é um bom caminho, é um bom caminho esse, desde que as questões não tenham nenhuma marca pessoal, mas só uma marca política.

E termino com a… o que é que a Nicole perguntou?

[Risos]

Nicole, já respondi há bocado. Agradeço imenso a sua atenção e a sua simpatia, mas eu já respondi, no fundo, no bloco anterior à sua questão. Eu estou muitíssimo bem com a vida, não tenho nenhum propósito nem nenhuma intenção, mesmo, de qualquer regresso à vida política, e a circunstância de ser comentador e de um comentador poder ser isto, aquilo ou aqueloutro, devo dizer-lhe o seguinte: acho que a história não se repete e vai ver que a história não se vai repetir.

Muito obrigado.

[Aplausos]