Muito bom dia a todos. O Dr. Rodrigo Moita de Deus, que
esteve cá ontem, além das suas funções profissionais que foram apresentadas, é também
-, creio que o Simão fez referência a isso – Diretor do Museu das Notícias, que
abriu recentemente. E ele trouxe-nos três filmes que acha que podem ser úteis
para a Universidade de Verão, que são o resumo de um debate histórico entre
Mário Soares e Álvaro Cunhal; um filme sobre a história do período
pós-revolucionário, chamado "Reacionários versus Revolucionários”, e uma
história da propaganda.
Esses três filmes estão já na intranet, na parte da
mediateca, e quem tiver interesse por essas matérias pode fazer o seu download.
Eles não vão estar disponíveis depois na internet, na nossa página, por razão
de direitos de autor. Quem quiser pode copiá-los, mas eles só existirão aqui
durante a edição da Universidade de Verão, na intranet, quando nós passarmos
depois para a rede UV, que é o depósito da internet de tudo aquilo que se passa
na Universidade de Verão, esses três filmes não estarão disponíveis. Presumo
que estarão talvez disponíveis para consulta no site do museu, não sei se ele
já está ativo- provavelmente estará -, mas quem quiser ficar com eles terá de
descarregá-los da nossa intranet.
O nosso orador no tema desta manhã – Clima, ambiente e
energia – é alguém que já tem colaborado várias vezes com a Universidade de
Verão. O Eng.º Carlos Pimenta foi presidente do Congresso Nacional da JSD, foi
dirigente da JSD, foi dirigente estudantil, da Associação de Estudantes do
Técnico, foi Secretário de Estado do Ambiente, foi Secretário de Estado das
Pescas, foi Deputado europeu, foi dirigente do Partido, foi Vice-presidente do
PSD, é um homem com uma vasta experiência ao nível de Portugal, da Europa e do
mundo, nestas matérias, e como vocês vão ter ocasião de ver, é um poço de
energia.
É alguém que fala de energia com energia, fala de
ambiente com paixão e fala de clima com preocupação.
O nosso convidado de hoje tem como hobby a música
clássica e jazz e a leitura. Como comida preferida a italiana, portanto é um homem
das pastas. O animal preferido é o cão, embora, em casa dele, os animais são muitos
e diversos. O livro que sugere é um grande livro, "As Memórias de Adriano”, de Marguerite
Yourcenar. O filme que sugere é "2001, Odisseia no Espaço”. E a qualidade que
mais aprecia é a verdade, na generosidade, face ao outro.
Deixo-vos então com o Eng.º Carlos Pimenta, a quem
agradeço muito o facto de estar entre nós.
[Aplausos]
Carlos Pimenta
Bom dia a todos. Muito obrigado, Carlos, é um gosto
grande estar aqui. Hoje, a apresentação, espero que não seja um bocadinho
pesada, embora o assunto seja pesado. Vamos começar por falar do clima, depois
falamos um bocadinho de ambiente mais global e depois também de energia.
Duas coisas antes de começar. Primeiro, os slides estão
muito carregados porque eu fi-los com muitos links, que estão lá escritos, para
quem tiver curiosidade de depois aprofundar os temas. Como os slides vão ser
dados em formato PowerPoint podem usá-los para vossos trabalhos, desde que
citem as fontes, uma vez que tem muitos dados, tabelas, etc., que são de fontes
que estão lá sempre indicadas, mas que são públicas, sites universitários
sobretudo, o que pedem é que citem as fontes. E em todos os slides há links, há
os endereços, para quem tiver mais interesse.
Nas apresentações, não vou entrar no detalhe profundo de
cada slide, porque senão estávamos aqui até ao fim da semana a falar só do
clima e do ambiente.
Quais são as três mensagens que estão nestes 36, 37
slides? São três mensagens só. O resto é o desenvolvimento mais técnico.
A primeira é que a Terra, tal como o nosso corpo, é um
ecossistema, é um sistema muito complexo, que tem muitas variedades – não sei
se há aqui alguém de medicina ou de biologia, se houver sabe o que eu estou a
dizer. Portanto, ao ter muitos fatores, muitas variáveis, que reagem – e
estamos a falar de milhões de variáveis –, que reagem umas com as outras,
significa que o sistema tem, automaticamente, uma certa adaptabilidade e
capacidade de resiliência, de resistir às mudanças e à agressão. Se nós
tivermos uma festa, uma almoçarada, em que a gente coma mundo, e beba muito, não
é por isso que vamos ficar com colesterol elevado, com diabetes ou que vamos
ter um AVC.
Agora, se fizermos disso o padrão de vida, e todos os
dias forem chispalhadas, cozidos à portuguesa, bem regados com vinho tinto, e
depois seguidos pela noite fora com cervejas e bebidas alcoólicas mais duras,
se isto fizer o padrão de vida, o risco de diabetes, colesterol, cirroses e
outro tipo de doenças aumenta, até ao momento em que a resiliência e a
capacidade de o sistema voltar à ressaca e voltar ao normal, não está lá mais.
E ao não estar mais, vai haver um dia em que esse sistema de equilíbrio, que é
o nosso corpo com saúde e com normalidade, há um dia em que ele já não volta
atrás com saúde e com normalidade.
E, ou acontece uma rotura para um estado de equilíbrio
totalmente diferente – a morte. Porque a morte não é um estado estático, é um
estado também vivo, o corpo vai-se decompondo. Mas é outro equilíbrio que não
volta atrás.
Ou então, pode entrar com uma rotura, um AVC, a pessoa
fica paralítica de um lado, e depois tem anos para tentar recuperar com
fisioterapias e coisas do género.
O ecossistema da Terra está assim. A Terra, o ecossistema
planetário está à beira de um AVC. Ele não vai acabar, não vai entrar em morte,
não. A Terra já passou por ciclos dramáticos, de extinção global de espécies, e
de mudanças totais, muito quentes, muito frios, com grandes fenómenos. O
problema põe-se quando há uma espécie, que é a nossa, que olha para uma escala
de tempo que é a da nossa vida, como o tempo mais importante.
Porque se nós pensarmos na Terra como – há uma corrente
filosófica como Gaya – como um sistema que tem quatro mil milhões de anos, e
que depois se recompõe, a espécie humana é um epifenómeno que só tem cento e
cinquenta mil anos sobre a Terra, com mais de quatro mil milhões de anos.
Mas como nós prezamos a nossa vida, a dos nossos filhos,
a da espécie humana, e temos solidariedade intergeracional, para nós, termos o
planeta à beira de um AVC, é algo que é dramaticamente importante. Portanto,
vamos falar um bocadinho sobre isso.
A segunda mensagem - que eu vou ter muito pouco tempo
para falar, são os últimos slides, mas recomendo irem ao site da Plataforma
para o Crescimento Sustentável, a PCS, que depois, na versão final dos slides,
vai lá estar - é que o mundo está a passar por uma revolução científica e
tecnológica como não há memória na história da humanidade. E é de uma
profundidade tão grande que nós não conseguimos avaliar hoje as suas
consequências.
São as tecnologias da informação, são as tecnologias da
vida, da biologia sintética e muitas outras. São muitas… são novos materiais,
etc.
Na PCS vocês podem descarregar um relatório que foi
produzido este ano por uma equipa da PCS e da Universidade Nova, a pedido da
PCS e com apoio da PSC, chamado Game Changers. Está um relatório em inglês em
80 páginas e depois há um resumo em português de meia dúzia de páginas que foi
escrito pelo Jorge Moreira da Silva, que resume bem o relatório e é gratuito,
podem usá-lo e está um belíssimo relatório. A partir daí podem ver.
É que isto é dramaticamente importante. A gente ouve
falar das Uber e ouve falar de coisas dessas, que são epifenómenos da mudança
em curso. O mundo não vai voltar a ser como é e isto é realmente uma mudança
total. Desde o fabrico em três dimensões, na nossa casa, do objeto que dantes
tinha que vir da China ou de outro sítio qualquer, com materiais que não
existiam – é outro mundo.
Aquilo que vocês hoje estão a estudar na universidade é a
vossa base, não pensem que é a vossa habilitação profissional para a vossa
vida. Esqueçam. Vocês vão ter que se reinventar, e eu também, várias vezes ao
longo da vida. Aquilo que estão agora a aprender é só a escola primária. É só a
base para poder aprender mais e poder reinventar mais. Porque aquilo que vocês
conhecem, as empresas que existem, a fazer os produtos que existem e que a
gente consome da forma como consome, isso é passado daqui a dez anos. É outro
mundo.
A terceira mensagem é que, como cidadãos e como
dirigentes associativos, políticos, sociais, empresariais, o que seja, vocês vão
ter que tomar sempre as duas primeiras coisas que eu disse em consideração. A
primeira é que os constrangimentos de rutura ambiental vão ser cada vez mais
presentes, em tudo, no desenho das cidades, no desenho da mobilidade, etc. E
que as mudanças tecnológicas e as novas capacidade de organização da sociedade
por via disso, vão implicar políticas e formas de resolver os problemas que não
têm nada a ver com a forma como eu estudei na escola ou vocês ainda estudam
hoje.
Portanto, são as três mensagens, basicamente, que estão
aqui neste conjunto de slides, onde depois estão muitos links para poderem
aprofundar mais.
Então vamos começar. A primeira coisa que eu vos quis
mostrar é uma noção de como a unidade mudou. Se nós tomarmos a contagem dos
anos desde o tempo de Cristo até agora, nos primeiros mil e setecentos anos,
praticamente, o nível de vida das pessoas, a maneira como as pessoas viviam, em
termos de riqueza, de bens materiais, esperança de vida, etc., não mudou muito.
E o número de humanos no planeta também não mudou muito.
Mas isso mudou tudo com o advento da Revolução
Industrial, o século XIX e o século XX. De repente, a população explodiu,
passou de seiscentos milhões, que era há duzentos anos, para os sete mil
milhões que é hoje. Os demógrafos dizem que nós vivemos hoje no mundo 1114, que
é mil milhões na Europa, mil milhões na América, mil milhões em África e quatro
mil milhões na Ásia. Mas daqui a trinta anos estamos no mundo 1125, que é mil
milhões na Europa, mil milhões na América, dois mil milhões na África e cinco
mil milhões na Ásia. É mais ou menos por
aqui que se pensa que a população pode eventualmente estabilizar. Embora isto
da demografia seja um pouco de bruxaria, também, porque há muitos fatores que
influenciam a natalidade, a mortalidade, etc.
Seja como for, há uma explosão brutal da espécie humana.
Em duzentos anos aconteceu o que não aconteceu nos setenta mil anos anteriores.
E ao mesmo tempo que há esta explosão brutal, há uma explosão enorme do consumo
que as pessoas fazem de bens naturais. Porque o Produto Interno Bruto, o PIB, a
riqueza que é gerada através da indústria, através do comércio, através de
novas técnicas agrícolas, etc., explodiu desde a Revolução Industrial até hoje.
Portanto, a pressão sobre o planeta aumentou imenso. E
também a pressão sobre a espécie humana, porque passou a haver de repente
zonas… as cidades explodiram, começaram a explodir no século XIX, hoje
explodiram metrópoles de trinta, quarenta milhões de pessoas, com todos os
problemas – não sei quem é que daqui já visitou Deli, por exemplo, ou a Cidade
do México. Nós temos a noção do que é a humanidade concentrada, com todos os
problemas que a humanidade concentrada tem, de falta de espaço vital, de falta
de zonas de lazer e de zonas verdes, de falta de tratamento de esgotos e de
lixo, de falta de acesso a água potável. Pensem três vezes Portugal concentrado
numa área do concelho de Lisboa, ou da Grande Lisboa ou do Grande Porto. É
outra escala.
Obviamente que isso leva à degradação da natureza em
escalas muito grandes. E aí temos os desafios de sustentabilidade. Como é que
nós podemos imaginar um mundo que dê condições de vida, de felicidade, de
realização pessoal, de alguma equidade, pelo menos nas oportunidades e também
de rede social, aos seres humanos, mantendo um equilíbrio que não destrua o
planeta. Continuando a haver rios, continuando a haver biodiversidade,
continuando a haver atmosfera para respirar.
Eu fui a Beijing, à China, a Pequim, rapidamente, no mês
de agosto. Uma das coisas que me impressionou foi que não vi… vocês saem daqui,
olham para as plantas, e vêm verde vivo. Aquele verde está cheio de pó. E isto
vê-se mal se sai do aeroporto. As árvores são baças. O primeiro choque que se
tem é sair do aeroporto de Pequim e ver a natureza coberta de poluição.
Eu vivi no Barreiro, saía às seis e quarenta e cinco de
casa para tomar o comboio para Setúbal, e saía com um lenço assim à volta da
cara, porque a poluição era tão grande que, mais o nevoeiro, fazia cair o ácido
sulfúrico das fábricas. Ao ponto que, lembro-me de ser miúdo, e ver cair o
candelabro numa casa em que estávamos a jantar de uns amigos, cai o candelabro,
porque o ar era tão ácido que corroía o metal das argolas que seguravam… e os
pulmões, não é?
Desde que eu nasci até hoje, a esperança de vida em
Portugal, apesar de tudo, aumentou vinte anos. Portanto, era muito mau. Mas uma
coisa é o micro… que era no Seixal, era no Barreiro, era em Estarreja, depois
mais tarde em Sines. Uma coisa eram coisas localizadas, outra coisa é ter uma
metrópole que tem muito mais gente do que Portugal, e durante o tempo em que lá
estive nunca vi uma nesga de céu. E não é porque estivesse a chover. É que não
se vê uma nesga de céu. É que as coisas, passa-se o dedo, e ninguém limpou, na
rua, nem na planta.
Portanto, os desafios da sustentabilidade são desafios
complexos, porque pedem uma coisa que é olhar para o planeta Terra e pensar que
a atmosfera, os oceanos, a biodiversidade, são os chamados global commons , são bens comuns, mas no entanto ninguém gere o que
é comum.
Nós cá em Portugal tínhamos esta má expressão de dizer
"isso é um baldio não é de ninguém". Não, não é de ninguém, é de todos. É
a filosofia ao contrário. É de todos.
Depois está aqui uma definição de climate change , que é a definição técnica, que diz que a mudança
climática é o aspeto mais estruturante da mudança em curso. São muitas mudanças
em curso ao mesmo tempo, infelizmente nenhuma delas é boa. Esta é a mais
estruturante de todas porque condiciona as outras todas. O clima muda tudo.
Conforme seja uma zona árida, temos um deserto. O Saara já foi uma floresta, e
estava lá, no mesmo sítio, só que o regime de chuvas era outro. Não era uma
floresta tropical, mas era uma savana com bosques, com água… não tinha nada a
ver com o deserto de areia que está lá hoje. Isto condiciona tudo.
Mas também não é só as condições médias num único lugar.
É também a ocorrência, maior ou menor, de furacões, tufões, fenómenos extremos,
cheias, secas. Portanto, fenómenos que, de uma forma dramática, podem ter um
impacto enorme naquela região.
Cá em baixo, o link é para o site que é do IPCC, Intergovernmental
Panel on Climate Change, é a maior rede mundial de cientistas que alguma vez
houve no mundo. Foi criada pelas Nações Unidas já há uns anos largos. Nós temos
vários institutos portugueses e vários cientistas portugueses lá. E faz em
conjunto a monitorização da Terra. Tem vários modelos matemáticos, tem várias
secções, secções mais económicas, secções mais políticas. E isto é o relatório
para políticos, para decision makers ,
que foi feito antes da Cimeira de Paris para que as pessoas que vão à Cimeira
de Paris e que não são científicas, mas que possam ler e terem. São mais de
dois mil do mundo inteiro, estão representados aqui todos os países que estão
nas Nações Unidas. Isto é credível, podem descarregar e ler, eu recomendo.
Este slide, não vou entrar nele… vem de lá, e é uma
mostra de como o planeta funciona. E é simples perceber. Se nós não tivéssemos
atmosfera à volta da Terra, a energia que vinha do Sol aquecia a Terra, era
refletida de volta para o espaço. É Marte. Não é preciso olhar para mais,
Marte. Pensa-se que Marte já teve uma atmosfera e que, eventualmente, até teria
tido condições de vida. Vamos ver. Os americanos já estão a treinar astronautas
para uma primeira missão humana a Marte. Os robôs, é fantástico ver aquele
"robozinho” a andar em Marte e a fazer amostras, e a fazer análises e a mandar
os resultados.
Se não houver atmosfera, tudo o que entra – aquela grande
seta amarela da energia do Sol – é refletido para fora. Se as nuvens à volta do
planeta forem demasiadas, se houver um número de gases que conseguem absorver a
energia e mantê-la dentro das suas moléculas, é Vénus – é uma sauna.
Nós estamos no meio. Entre aquilo que é tudo mandado de
volta para o espaço, e não fica lá energia nenhuma que permita vida, e os
processos complexos da nossa vida, e aquilo, como é Vénus, em que fica demais,
e que torna-se tão quente, tão inóspito, com reações químicas… que não são
compatíveis com uma vida, pelo menos baseada no carbono, como nós somos.
Portanto, a Terra, ao longo dos seus quatro mil milhões
de anos, já conheceu períodos em que o cobertor foi mais espesso e houve mais
calor, e até nem houve gelo, e o mar tinha mais cento e sessenta metros de
altura do que tem hoje, e havia muito menos massa de terra à vista. E também já
esteve quase toda coberta por gelo e o mar estava lá no fundo. Natural.
O que nunca aconteceu foi com sete mil milhões de homens.
Aliás, não havia homens nenhuns. E portanto isso é completamente diferente,
olharmos para o planeta.
O que está a acontecer é isto: é que desde que começamos
a queimar carvão… o carvão, o petróleo e o gás o que é? São as florestas do
passado. São as florestas do tempo do carbonífero de há quatrocentos milhões de
anos e de outras. As árvores e as plantas cresceram, absorveram o carbono que
estava na atmosfera, na sua estrutura, morreram, foram para baixo, foram
ficando soterradas, com o tempo foram fermentando, na sua fermentação foram
criando os combustíveis fósseis. O CH4 do metano, que é o gás natural, o
petróleo e os carvões de vários tipos. Portanto, é a fermentação da matéria.
Qual é o problema de, em cento e cinquenta anos,
queimarmos as florestas dos últimos quatrocentos milhões? Qual é o problema? O
problema é uma overdose gigantesca para a qual não há antídoto. Porque nós
estamos a deitar para a atmosfera, de repente, o carbono que foi puxado nos
últimos quatrocentos milhões de anos. E não há maneira…
E depois, ainda por cima, o que é que fixa o carbono de
volta? Duas coisas, principalmente; muitas coisas, mas há duas.
Uma, é o crescimento de mais florestas. O problema é que
estamos a derrubar as florestas. Portanto, estamos a queimar as esponjas. É
verdade que elas crescem mais depressa, porque, com mais CO2 na atmosfera, as
plantas crescem mais depressa, é como uma estufa. Só que nós estamos a destruir
as floretas tropicais e outras, pelo mundo inteiro, que são a maior fonte, em
terra, de absorção.
A segunda é o mar. Já vamos ver o que está a acontecer ao
mar e porque é que o mar está a deixar de ser uma esponja, também.
O resultado disto é o aumento da temperatura. Está aqui.
Este trabalho é muito engraçado, esse sítio também é muito bom, é o sítio da
Universidade de Berkeley, Berkeley Earth, e é muito interessante porque este
professor, o professor Muller - ele não é de clima, nem nada disso, ele é
matemático -, e este homem é um dos melhores matemáticos que há no mundo e
costumava ser um climate sceptic. E
porquê? Porque ele analisava os modelos de previsão do que acontecia ao clima
com estas injeções maciças de CO2 e de outros gases lá para cima, e encontrava
sempre problemas nos modelos, porque os modelos não são perfeitos. Eu não
consigo modelizar o meu corpo – pode ser que um dia teha um robô ou um clone
aqui ao meu lado, só construído a partir de modelos matemáticos.
Os modelos matemáticos, por mais sofisticados que sejam, são
sempre uma representação - pelo menos por enquanto, enquanto não houver
computação quântica e outras coisas do género - que é aproximada. E, além
disso, os fatores são muitos. Então o professor Muller costumava ser chamado
pelo Tea Party, a ala republicana que nega a mudança do clima – o senhor Trump
e companhias – e costumava chegar ao Senado e à Câmara dos Representantes e
dizia: o modelo tal da NASA tem este problema, o modelo da… enfim.
Mas como é um homem sério, e está numa das melhores
universidades do mundo, a Universidade da Califórnia, em Berkley, juntou um
conjunto de colegas lá da Universidade e com os meios que a Universidade tem,
criou um projeto chamado Terra. E então foi ver o que é que aconteceu em 45 mil
estações, que são todas as que existem com continuidade de recolha de dados.
Mas todas, não apenas as científicas. É o aeroporto de Lisboa, é boias que
estão a flutuar no mar por todo o mundo, desde a Antártida ao Ártico. Recolheu
1,6, salvo erro, biliões (mil milhões) de dados. Isto é dados, isto não é
ciência – é dados. As séries: temperatura, pressão, humidade, pluviosidade,
essas coisas. E depois disse: eh pá, isto afinal era a sério, o clima está mesmo
a mudar. E viu-se que os vários modelos convergem todos.
Então um dia foi convocado pelo presidente da Comissão de
Energia da Câmara dos Representantes, um tipo da ala direita dos republicanos,
um tea party , lá da senhora Palin, e
chegou lá e foi uma barraca: I was wrong,
climate change is for real.
E foi uma barraca. Recomendo-vos este site …
Agora, vejam isto: os dois gráficos são de junho, mas
julho já foi mais quente, e se andarem para trás maio, e se andarem para trás
fevereiro, e se andarem para trás dezembro… Do lado superior esquerdo mostra as
zonas do globo que estão a aquecer mais, e vejam no Norte, e o Norte é muito
importante, porque há o derretimento dos gelos da Gronelândia, do Ártico e da
tundra. E a tundra é uma bomba, porque ao derreter o gelo do permafrost , no verão, por baixo estão
milhares de anos de tundra fermentada, e aquilo fermentou e há metano.
Eu vi, com os meus olhos, fogo em cima de água. Porque as
bolhas de metano que saem dos lagos da Sibéria, no verão, quando está a
aquecer, qualquer faísca, qualquer relâmpago provoca a ignição daquilo, e então
vocês vêm fogo andante por cima da água. É um fenómeno… E o CH4, o metano, o
gás natural, é vinte e uma vezes mais forte, em termos de reter a energia que
vai para cima, refletida da terra, para baixo, ou que vem do Sol. Portanto, tem
vinte e uma vezes mais o poder de mudança climática que tem o CO2. Portanto,
uma fuga de gás natural, mais vale queimá-lo. Porque é passar de CH4 para CO2.
Agora vejam o mapa inferior direito. São os
acontecimentos extremos. Toda a gente se lembra quando Nova Orleães ficou
debaixo de água, quando Nova Iorque teve aquele problema, quando Portugal teve
já alguns problemas graves. Isto é o Canadá este ano, também podia ser
Portugal. Eu usei esta porque é uma floresta do Norte. Estas eram florestas
frias. Aqui não faz quarenta graus normalmente, como fez cá no mês de agosto.
Estamos a falar do norte do Estado de Alberta. Estamos a falar de latitudes
muito altas. E hoje em dia os fogos na Sibéria e os fogos no Norte do Canadá
acontecem muito frequentemente.
Isto é para vos acordar. Há quarenta anos que esta é a
minha preocupação fundamental. E eu há trinta anos que me dedico a isto. Eu
acho que as pessoas ouvem, de vez em quando, estas coisas na televisão e depois
a seguir passam para a notícia seguinte. E não percebem que isto é estruturante
do quotidiano de tudo. De tudo. Não há nada tão importante.
A guerra da Síria há de acabar. Crises económicas, há
cimeiras do G7 e do G20 e do não sei o quê, podem-se resolver. Estes fenómenos,
que estão postos em marcha, não há nenhuma cimeira que os reverta. Porque o
tamanho do planeta, das correntes, dos ventos, da energia, do derretimento dos
gelos, dos glaciares em movimento, não é parado por nenhuma cimeira de Chefes
de Estado. E é preciso ter a noção da escala do tempo e da escala da potência
da natureza. Para saber que estamos a mexer, tipo Frankenstein, em algo que
depois não volta.
Não é que a Terra acabe! O que acontece é que é outra
Terra com outros equilíbrios. E nós temos sete mil milhões de pessoas, das
quais metade vive com os pés dentro de água, à beira-mar, numa cotazinha
baixinha.
É Lisboa, é Xangai, é Nova Iorque, é Hong Kong, é Miami – you name it , digam –, é Bangladesh.
Para onde é que vai esta gente? O que estão a ver nos refugiados é uma
brincadeira para o que vai haver. Isto é só para termos a noção. Porque não é
parável por nenhum cessar-fogo.
O oceano está cada vez mais ácido – é isso que eu há
bocado estava a dizer. O oceano é a segunda fonte de absorção dos gases. Aquilo
que muda mais o clima é a relação entre o oceano e a atmosfera. E o ar ao tocar
no mar tem trocas de energia – calor que vai para cima, de baixas pressões,
altas pressões… - mas também tem trocas químicas, iónicas. O gás dissolve-se na
água. Ora, o CO2 é um óxido. Quem se lembra da química, um óxido com água, o
quê que dá? Dá um ácido. O pH é cada vez mais ácido.
A vida dá-se mal com o aumento da acidez. Por exemplo, o
ciclo do cálcio. As conchas, as ostras, bivalves, em vários sítios começam a
ficar mais magras. Os ossos dos peixes, ou espinhas, são feitos de quê? De
cálcio.
Além disso, isto tem a ver depois com um conjunto de
reações químicas mais complexas dentro do mar. As extinções anteriores maciças
que houve, passaram sempre por uma alteração não apenas da temperatura, mas da
química do mar. Essa está em marcha. Vejam a temperatura do oceano a aumentar
desde 1860.
Isto são dados, isto não é ciência. É dados.
Os gelos, não é só porque derretem, é porque também
chegam mais depressa. Porque lubrifica por baixo, a água entra e derrete por
baixo e o gelo ao entrar na água, faz subir. É como porem uma pedra de gelo num
copo: Enquanto ele derrete ou não derrete, o nível já subiu.
E isto é muito visível quer numas partes da Antártida
quer na Gronelândia, e o problema é que a Antártida e a Gronelândia são
continentes. Ou seja, o Ártico – vamos ver no slide a seguir, está aqui –, o
Ártico é gelo em cima de água. Ele ao derreter, não aumenta a altura do mar,
aqui na praia. O gelo da Gronelândia e o gelo da Antártida, ao derreter ou ao
deslizar para dentro de água, com lagos que estão a aparecer, com poços
profundos em que a água doce derrete e vai até lá abaixo, e a três quilómetros
de profundidade com três quilómetros de gelo por cima – eu vi, na Gronelândia,
o gelo em movimento.
É impressionante ver o glaciar a chegar ao mar. Para já o
barulho, que é um barulho que nos faz sentir muito pequeninos. É um barulho
profundo… Não sei, é algo que não se sente de outra maneira.
Agora vejam, o risco que era o nível médio do gelo no
verão do Ártico, e agora vejam… isto, salvo erro, é de 2014, eu daqui não
consigo ver, mas quando tive a preparar, salvo erro é de 2014. Agora vejam o
seguinte: o gelo é branco. A radiação solar, quando bate no gelo, é quase toda
refletida para cima. O mar não é branco. O mar absorve o calor. Portanto, o
derreter do gelo é um processo autoalimentado. Quanto mais gelo derrete, mais
agua há. Quanto mais água há, mais a energia do Sol fica absorvida, mais aquece
o mar, mais gelo derrete.
Reparem que os países que não se conseguem entender sobre
uma estratégia para termos um novo mundo, uma nova energia, uma nova forma,
estão-se a disputar – até os Estados Unidos e o Canadá – sobre a exploração do
petróleo no fundo do Ártico ou a navegação que se torna possível. Reparem que a
maneira mais rápida de ir da Europa ou dos Estados Unidos para a China, é pelo
Ártico. Por isso é que os aviões vão por cima. A Terra é redonda, é mais fácil
passar por cima do que ir pelo Equador. É mais pequeno.
Portanto, pela primeira vez, começa a haver navios a
fazer a carreira do Ártico. Já existem todos os verões. Coisa que, aqueles que
gostam de livros da história sabem o que é que foi, os mortos para fazer a
passagem do Noroeste ou a passagem do Nordeste, equipas norueguesas, europeias.
Um grande fetiche do século XIX era ir a pé até à Antártida, até ao Polo Norte,
e fazer a passagem à volta… Hoje em dia passa-se de barco, no verão. Estão a
ver.
E depois o nível médio do mar… há várias previsões, estão
aqui.
Bom, agora, o que é que a parte política tem estado a
fazer sobre isto? Na Conferência do Rio, em 1992, foram aprovadas várias Convenções
- uma sobre a biodiversidade, outra sobre o clima - que, basicamente, dizia
temos de parar a degradação e, ao mesmo tempo, combater a pobreza. Como
resultado disso, uns anos depois, fez-se o Protocolo de Quioto. E depois,
agora, a Conferência do Rio de dezembro do ano passado. Antes da Conferência do
Rio houve estes relatórios do IPCC que eu ponho aí.
E houve posições públicas muito importantes de líderes
religiosos, eu saliento o Laudato si'.
Quem gostar de aprofundar um bocadinho mais esta visão global sobre a
sustentabilidade, e não apenas sobre o clima, eu recomendo a leitura da Laudato si'. O documento, a encíclica
papal, está muito bem escrito, muito, muito bem escrito. A versão portuguesa
não é tradução, é um original. É uma das cinco versões originais, é a
portuguesa. E o Papa Francisco rodeou-se de uma equipa do melhor que há no
planeta. Alguns, aliás, eram ateus, outros eram de outras religiões, isso não
sei. Mas do melhor que trabalhou nisto durante bastante tempo, e ele
pessoalmente reviu isto, e o texto está muito bom. Eu faço aí uma transcrição,
mas está aí o link, podem descarregar.
Então, na Conferência de Paris, as nações chegaram a um
acordo. Basicamente disseram: o mundo não pode continuar assim. E o assim é,
vejam, é o azul, é o azul que está ali. É a temperatura do planeta a aumentar
quatro graus e meio. Aí é a rotura completa. É as inundações, é as tempestades,
é o Ártico sem gelo, é a catástrofe.
Eles até foram mais ambiciosos, foram para um grau e
meio, dizendo que para já eram dois. Vejam o que é dois. Qual é o problema? Em
Paris, os compromissos que os países tomaram é a linha encarnada, que dá um
aumento de temperatura previsível, com os modelos atuais, de 3,6 graus, o que
já é totalmente insustentável em termos do mundo que conhecemos.
Mas além disso, disseram que isso tinha que ser um
processo transparente e, portanto, pela primeira vez, ia-se estabelecer uma
contabilidade sobre a poluição, sobre os gases de efeitos de estufa, o CO2 e os
outros. Que essa contabilidade ia ser acessível por toda a gente, para a
próxima década.
E depois é assim: um país que hoje seja industrializado
queimou, nos últimos cento e cinquenta anos, imenso petróleo, imenso carvão,
imenso gás. Um país qualquer de África, um país da América Latina, um país mais
pobre, em termos de consumo de recursos, não queimou. Eu agora vou aqui e digo
assim: sabem uma coisa? Isto está a aquecer, estamos na linha azul, temos que
passar para baixo da linha verde…
É como eu e este colega aqui de branco, que é magrinho, e
dizer assim: isto não dá, não há comida para todos, temos os dois que reduzir
50%. O problema é que o tipo que é gordo, e come um frango inteiro, reduzir 50%
ainda é meio frango. Agora ele, que já só comia a asa do frango, se nós vamos
dizer isto está mau, temos de reduzir os dois 50%, ele já só comia a ponta da
asa do frango, fica mesmo só a chupar o osso. E eu ainda fico a comer meio
frango. Além disso, eu já andei a comer frangos nos últimos cento e cinquenta
anos. Já tenho muito frango acumulado. E ele vai dizer: eu não aceito esse
acordo. Que história é esta? Você vai mas é deixar de comer o frango inteiro e
passa a comer só a perninha, e já vai com muita sorte, porque eu o que quero é
passar da ponta da asa para metade do frango, e durante os próximos muitos
anos.
Esta equação não é solúvel sem novas formas de economia,
sem novas formas de tecnologia, sem novas formas de organização social. Porque
nunca o pessoal que está a comer os frangos - nós – vai aceitar deixar de comer
os frangos, e mesmo que deixasse, não havia frangos suficientes para os outros.
É tão simples como é isto. Isto pede uma nova sociedade, uma nova economia, uma
nova política.
Só tenho pena de não conseguir transmitir-vos, de uma
forma tão verdadeira, como isto é verdade.
Quando eu dava aulas, e havia (havia e ainda há) aquelas
lâmpadas de filamento, as lâmpadas antigas, eu perguntava sempre aos alunos – e
nunca ninguém acertou – qual era a parte do carvão queimado em Sines, na
central térmica de Sines da EDP, que dava luz na sala.
Diz… [Aparte não audível na gravação]
sim, é isso. Foste o primeiro que acertou. É isso!
Parabéns, em muitos anos, nunca ninguém acertou. Os mais prudentes diziam vinte
a trinta por cento. Depois eu dizia-lhes assim: não, porque o carvão é queimado
em Sines. Entram três toneladas, sai uma equivalente de energia elétrica. As
outras duas é CO2, cinzas e água quente para os surfistas da praia ali em
frente à central de Sines, que está sempre cheia de surfistas. Aliás, porque é
mais quente.
Só sai uma equivalente em eletricidade – 33% de
eficiência. Depois perde-se 10% nas linhas, ficam 30%. Depois eu uso uma
lâmpada de filamento –acho que quase toda a gente deve ter em casa ainda
algumas lâmpadas de filamento – que aproveitam 10%, 7%, 5% desses trinta. Ora,
10% que fosse, que não é, é menos, eram 3%. Quer dizer, não há mundo… eu
carrego no botão para ler um livro, ligo a luz e estou a pôr 97% de desperdício.
Um carro normal como aquele que eu vim hoje – porque em
Lisboa eu ando de carro elétrico -, um carro normal como o que eu vim hoje para
aqui, ele tem uma eficiência de 20%. Tem no motor, depois perde no ar, perde
nas rodas, perde na mecânica. Ou seja, a gasolina está muito barata. Porque
vocês usam uma tecnologia, eu uso uma tecnologia, em que meto cinco litros de
gasolina e uso um. Os outros quatro são poluição no tubo de escape.
Ora, isto não dá. Se pensarem que, para terem aqueles
cinco litros que eu meti para andar um, quantos litros é que se perderam na
extração, no transporte e na refinaria? Portanto, eu para ter a energia
equivalente a um litro de gasolina, que é a energia útil da mobilidade que
aquele litro me deu, eu deitei fora nove litros. Eh pá, não dá! Não dá! É que
não dá!
Pensem na comida. Um bife. A conversão do que é
necessário de pasto, de ração, de água, de energia, para ter um bife. E depois,
a seguir, em todo o processo, o que se perde. Basta ver nas traseiras de cada
supermercado, todas as semanas, o que é atirado fora. A seguir, nos
restaurantes, sobre aquilo que é utilizado, é ainda é atirado fora outra
metade, vocês no bife, no prato, o que têm é o equivalente de energia que dava
para alimentar algumas centenas de pessoas durante um ano. Portanto, não dá.
Nós temos que pensar, para sete mil milhões de pessoas,
como é que podemos arranjar mecanismos, sistemas, soluções que garantam
qualidade de vida, realização pessoal, saúde, para os sete mil milhões, sem com
isso destruir o planeta. É este o desafio das políticas públicas de hoje.
Isto é um resumo das coisas que já temos vindo a falar. E
esta é uma piada aos economistas e às taxas de desconto, que é… para dizer
assim: mas eu posso fazer mais esse projeto que queima petróleo, ou queima
combustível ou que usa este recurso da forma tradicional, porque os benefícios
de eu fazer isto de outra maneira… em vez de utilizar um aquecimento com gás,
isolar melhor a casa e pôr painéis solares no telhado, por exemplo. São duas
alternativas de resolver o problema. A outra pode ser um custo marginal
ligeiramente mais caro no investimento. Como é que eu desconto os benefícios
futuros? É uma brincadeira para economistas.
Agora vamos entrar no lado da biodiversidade, da vida.
Eu gosto muito deste cartoon. Saiu aqui há uns anos
quando houve uma grande polémica sobre a extração de petróleo numa zona
tropical protegida. E temos aqui o homem da companhia petrolífera a dizer: não
esperamos ver espécies ameaçadas na zona onde vamos furar. E o outro pergunta:
antes ou depois de começarem a furar?
O problema é que, depois de começarem a furar, deixa de
haver espécies ameaçadas, já lá não estão. Eu, aliás, lembro-me que uma vez -
isto aconteceu-me comigo - estava com uns búlgaros depois de a Bulgária entrar
na União Europeia, e estava-se a discutir um projeto e diz o homem: aqui há um
problema, vão chumbar o projeto porque há lá umas águias, mas eu já tratei
disso. …ao matar as águias. E isto é a história triste de grande parte do
mundo, vejam agora o que está a acontecer no Peru ou no Equador.
Depois há uma noção, a nível dos ecossistemas, que às
vezes não temos presente. É a tal noção da resiliência. É que eu posso mudar
muita coisa e o ecossistema consegue recuperar, até um determinado limite. Há
um momento em que eu extingui espécies que são necessárias na cadeia alimentar.
E eu, matando este pequenino peixe, que é comido pelo outro, que por sua vez é
comido pelo outro, que por sua vez é comido pelo outro - é todo o edifício que
desaba. E o que foi extinto era uma petinga qualquer pequenina a que ninguém
dava valor. E pode ter sido extinta, não porque eu tenha feito uma pesca
excessiva, mas porque eu tenha, sei lá, mudado a temperatura, ou mudado a
acidez, ou ter feito poluição baseada em terra que tenha afetado aquele
ecossistema. E depois é todo o dominó.
A vida é interligada, as espécies dependem umas das
outras. Eu não posso pensar que vou proteger o lobo ibérico, por exemplo em
Portugal, se não tratar de todo o ecossistema à volta do lobo ibérico, da floresta.
Que, se for monocultura de eucalipto ou de pinheiro bravo, obviamente não tem a
diversidade para haver corças, para haver gado, para haver toda a vida, da
interligação da vida. A não ser que eu alimente o lobo à mão, aí pode ser,
tenho um lobo de cativeiro e alimento-o à mão. Agora, pensar que tenho um
ecossistema vivo não é possível se não for olhar para o ecossistema.
Isto é um estudo da Universidade da Califórnia. A zona da
Península Ibérica é das zonas onde, em percentagem - não em valor absoluto; em
valor absoluto, um hectare de floresta tropical tem maior diversidade do que
milhares de hectares em Portugal –, mas em percentagem temos mais espécies em
risco. Eu pus este slide de propósito, porque um dia, ao trabalhar sobre isto, li
este relatório que foi encomendado pelos serviços geológicos dos Estados Unidos
e é bom.
Agora vejam. Isto também não é ciência, são factos, são
dados. Nós estamos a viver a sexta extinção maciça de espécies no planeta,
desde que há vida. A última foi dos dinossauros; pois agora os dinossauros
somos nós.
Vejam a barra azul, o número de espécies que foram
extintas nos últimos tempos, desde que a nossa civilização industrial tomou
conta do planeta. Houve um poeta que escreveu uma coisa: é como se estivéssemos
a queimar as bibliotecas do mundo, sem ao menos guardar o índice dos livros que
estão a ser queimados.
E não deixa de ser curioso que, no momento em que o DNA
vai ser uma das chaves da revolução científica em curso - porque hoje já se faz
DNA artificial, já há três bactérias, já vai na terceira geração de bactéria
nova, feita totalmente por computador, jogando com as quatro letras do DNA, o
ACTG – mas no momento em que o DNA, que é a base do código da vida, é uma das
bases da revolução, das mais importantes. Mexer no DNA, alterar o DNA, com tudo
o que isso também tem de problemas éticos, Frankensteins, etc. O que é a vida?
Não tenham dúvidas, a filosofia vai ser chamada outra vez
à baila, porque nós estamos a mexer naquilo que é essencial, nós estamos hoje a
inventar materiais novos e vida nova.
Quando eu era da vossa idade havia um programa, era o
Viva o Gordo, do Jô Soares, em que ele tinha um sketch de um brasileiro que
fazia uns cruzamentos de rãs com vacas e coisas assim do género. Fazia umas
coisas dessas…
Hoje faz-se! Eu vou buscar genes de um peixe de fundo do
Ártico, que desenvolveu a capacidade de resistir à muito baixa temperatura, e
meto-os num tomate. E já resiste à geada. E com isso posso produzir o tomate no
inverno. Estou a falar de coisas verdadeiras, não é?
Agora, quando se fala do zika e de outras coisas, o que
é? Alterar o gene, por exemplo, do mosquito, para o mosquito não se reproduzir.
E depois largá-los na natureza… Agora, com isso entramos noutro debate.
Mas no momento em que o DNA é uma das matérias-primas da
revolução científica e futura da medicina, da produção de alimentos, de tudo, é
o momento em que estamos a destruir o DNA, que demorou milhares de milhões de
anos a evoluir e que, obviamente, tem lá dentro a sabedoria da evolução, da
adaptação… a vida é uma coisa maravilhosa, e vocês vejam a forma extraordinária
como a vida se adapta a sítios que são impensáveis, desde aqueles buracos, lá
em baixo, nos Açores, a três quilómetros de profundidade, onde não entra um
raio de luz, e ela vive das emanações sulfurosas, vulcânicas que vêm, e
consegue basear uma vida nesse tipo de energia. É extraordinário. E nós o que
estamos a fazer?
Mas não é só a extinção. Eu pus ao lado um caso das
alforrecas. Por um lado, porque é uma coisa que chateia na praia. Uma pessoa
vai para dentro de água e de repente aquela coisa gelatinosa, ainda por cima
têm uns químicos que nos causam alergia, algumas delas até são fatais e têm o
nome "Portuguese men of war”, não sei se sabiam. Pareciam a carapaça dos
soldados portugueses da marinha do século XVI. Então, os ingleses, esse tipo de jellyfish , este tipo de medusa, é
conhecido como "Portuguese men of war”. Na
época quente, onde ele está, por exemplo, nas zonas tropicais, como no Norte da
Austrália, durante o período quente não se pode ir à água, a não ser com um
fato que parece um cavaleiro medieval, porque aquilo toca e provoca uma alergia
geral que pode levar à morte.
Mas o jellyfish ,
que é muito resiliente, explode quando há a extinção de outras espécies. E isso
leva a um empobrecimento do ecossistema. Isto que está aqui, é um caso concreto
de uma zona que está bem estudada, e em que, vejam, numa das partes há todo o
ciclo da cadeia da vida, desde o plâncton, até mamíferos marinhos, passando por
peixes que comem outros, predadores, etc., e do outro o sistema já está muito
mais reduzido porque há alforrecas.
Portanto, não é só a extinção, é também o empobrecimento
e a sua monotonia.
Só um slide para vos lembrar que o problema da água doce
não está resolvido. Há mais de mil e quinhentos milhões de pessoas que não têm
acesso à água doce de uma forma regular e com qualidade.
E depois uma coisa que é aquilo que me motiva talvez mais
fora do clima, neste momento. Eu, se voltasse à política - e não volto, já me
reformei.
Senhor deputado Carlos Coelho eu vinha a pensar que vinha
fazer este número (o orador mostra uma garrafa de plástico que está na mesa),
isto é proibido. Meu amigo, isto é o maior cancro que nós produzimos. Plástico.
A vários níveis.
A porcaria desta garrafa, para ela não se partir e ser
flexível, tem aditivos que o nosso corpo percebe como hormona feminina, como o
estrogénio. E afeta a uma concentração de zero, depois nove zeros, um. Vocês
vejam, os testes para ver se os alimentos são cancerígenos ou tóxicos, é zero,
zero, zero, um. Portanto, é miligramas. Eu aqui estou a zero à menos nove ou a
zero à menos onze, porque são endocrine
disruptives. São substâncias que fazem o mimetismo das nossas hormonas.
Ora, as hormonas são substâncias que provocam… por
exemplo, strike once effects for life.
Uma mulher grávida é exposta ao bisfenol A e a outros químicos destes. Aquilo
afetou o feto para a vida toda do feto. Porque os genes expressam-se e o
metabolismo do organismo muda, conforme o sinal que as hormonas dão. Eu se receber
uma injeção de adrenalina, fico nervoso. Adrenalina numa pequena dose, muda-me.
Assim como as outras hormonas.
E sabem o que é pior do que isto? Fraldas descartáveis.
Quinhentos anos para decompor uma fralda descartável. Oitenta por cento da
poluição que chega ao mar é baseada em terra. No Pacífico, eu mostrei-vos aqui
estas correntes do Pacífico, há uma área, que é este garbage patch , de lixo, que tem a superfície equivalente à Europa.
E não é só na superfície, em profundidade.
Depois isto, que não se degrada, com a exposição ao sol e
com a energia, parte-se em microplásticos. Microplásticos que hoje já temos nas
pastas dentífricas, daquelas do branqueamento, que lava mais branco que o
branco, ficam os dentes mais brancos que o branco, aquilo é microplástico para
ser abrasivo, e depois vai direito para o esgoto, vai direito para o mar. O
peixe come aquilo, está na cadeia alimentar, nós comemos o peixe.
O plástico não reciclável, não degradável, devia ser
interdito, ponto. Enquanto não é, o primeiro passo, usem garrafas de vidro que
são recicláveis, não usem garrafas de plástico. Bebam água da torneira que em
Portugal é boa. Coisas muito concretas. Nós podemos fazer tanta coisa nos
gestos do quotidiano. Isto não tem sentido.
Deixo-vos aqui uma nota, para aqueles que são mais da
parte económica, sobre a economia circular, a integração de todo este mal que
fazemos na nossa vida. Como é que a gente pode repensar os circuitos
económicos. Tem a ver também com a fiscalidade verde que o Jorge Moreira da
Silva tanto falou quando foi Ministro do Ambiente.
Porque isto que eu falei sobre a energia, sobre o lixo,
vejam a extração dos minerais e dos metais … não é só a energia.
Portanto, é preciso pôr um preço no lixo, na poluição que
produzimos, para ver se nos consciencializamos de que temos de viver de uma
forma diferente.
É preciso estabelecer objetivos vinculativos para as
energias renováveis, para a eficiência energética. É preciso estabelecer
objetivos para a mobilidade. Não falamos hoje de mobilidade, mas a mobilidade,
o trânsito, a mudança tem um impacto monstro no planeta e há maneiras de
resolver.
Depois, o problema da gestão dos bens comuns do universo,
da Terra, que têm de ser geridos em comum.
E depois a questão do novo tipo de economia, de uma nova
formação de preços.
Sobre a energia, vou ser muito rápido, depois nas
perguntas podem dizer… Posso-vos dar boas notícias. Aliás, agora vou puxar a
brasa à minha sardinha. Neste momento, os engenheiros estão a fazer o seu
papel, e os cientistas. Quem não está a fazer são os políticos e os
economistas. Peço desculpa.
Neste momento, por exemplo, para quem more numa vivenda –
porque para o condomínio já devia ter saído legislação para resolver o problema
e ainda não saiu, porque aí é mais complexo, porque há várias pessoas a viverem
em andares, umas em cima das outras, e é preciso gerir isso em conjunto, mas
também tem solução -, mas para quem vive numa casa isolada, não há nenhum
investimento que seja tão rentável e tão seguro do que gerir bem a sua energia.
A começar, ter eficiência no consumo. Portanto, lâmpadas
velhas, tudo fora. Isolar janelas e paredes, isolar o telhado. Essas coisas.
Segundo, meter painéis solares no telhado. Olhem, um
painel fotovoltaico que vocês ponham no telhado produz eletricidade, desde o
primeiro dia, mais barata do que aquela que vocês compram da rede. O consumidor
são vocês e a segurança do consumo é total, porque o que vocês estão a consumir
do painel é o que não compram à rede. Nem sequer pensem em estar a vender. Isso
é muito complicado, esqueçam. É só para autoconsumo. O que significa que têm
que dimensionar mais pequeno.
Eu quando instalei o primeiro painel fotovoltaico em
minha casa, há dez anos, não foi há muito tempo, custava um quilowatt seis mil
euros. Fui um dos primeiros a instalar. Foi de tal maneira que a EDP esteve um
ano para me ligar aquilo, e eu, a certa altura, chateei-me tanto que fiz uma
ligação clandestina, anunciando a eles que estava a fazer a ligação
clandestina. Telefonei a anunciar que estava a fazer a ligação clandestina,
portanto avisei o Diretor-Geral da Energia e avisei o diretor da EDP que estava
há um ano a olhar para os painéis como decoração do meu telhado e a meter a
energia no chão. Eu disse: acabou, é hoje.
Então apareceu-me um carro, na altura, com cinco
engenheiros, um deles tinha sido meu colega no Técnico. Eu disse: eu devo ser o
gajo mais importante de Portugal, tenho um engenheiro por quilowatt. Eram cinco
engenheiros para cinco quilowatts.
[Risos]
Mas hoje é comum. Hoje já há trinta mil famílias em
Portugal que têm isto. Trinta mil, já não é pouco.
O que é que vai mudar tudo? O que é o telefone portátil
da energia? É a bateria. A bateria, a maneira de armazenar a energia elétrica
que nós produzimos em nossa casa, muda completamente a nossa relação com a
energia. Porque eu posso produzir a eletricidade durante o dia, quando há sol,
guardá-la e consumi-la à noite.
O meu carro pode ser uma bateria sobre rodas. O carro do
futuro não recebe só energia para carregar, também descarrega. O carro tem uma
enorme potência. Se eu amanhã não vou para Castelo de Vide e vou limitar-me a
ir ao emprego, que são vinte quilómetros, eu posso usar parte da energia
elétrica que está no carro e que foi carregada durante o dia para me iluminar à
noite.
Eu posso produzir e vender a si. Vocês os dois podem-se
juntar porque, sei lá, são gerentes de um clube desportivo e, em cima do
ginásio e dos balneários, cobrem aquilo de painéis: autoconsumo para si e
vendem à vizinhança que está ao lado.
Vocês pensem: um motor elétrico num automóvel tem uma
eficiência de 95%. Contando as perdas todas do carro elétrico, eu utilizo 75%
da eletricidade que está dentro da bateria. Se eu produzir essa eletricidade de
forma renovável - se produzir de forma térmica, tenho as perdas na central
térmica, tudo o que falei há bocado – mas se eu produzir, como eu produzo lá em
minha casa, eu agora lá em casa já tenho oito quilowatts, e depois tenho os
painéis solares para a água quente, e depois tenho a biomassa, portanto eu sou
energia positiva.
Portanto, comprei um carro elétrico. Fiz trinta mil
quilómetros em dezasseis meses, não gastei um tostão de manutenção, não parou
um minuto para manutenção, porque aquilo é muito mais simples, não tem
radiador, não tem mudanças, não tem embraiagens, não tem nada dessas coisas. E
calculei que, cada cem quilómetros, sai-me a um euro e quarenta. Não… se
comprasse eletricidade à EDP, como eu produzo a minha própria eletricidade
sai-me a menos de um euro por cem quilómetros.
Há soluções hoje em dia… nós temos que pensar de uma
forma diferente. Para aqueles que são vereadores ou que ambicionam ser
vereadores, eu dou-vos uma sugestão: olhem para o CO2 como critério de gestão
urbana. Vejam o Porto tão bem classificado ali nas listas das cidades da
Europa. Sabem porquê? Muitas das medidas nem sequer têm nada a ver com energia.
Por exemplo, a medida que mais poupou CO2 no Porto, e dinheiro, foi mudar o
sistema de distribuição de água potável.
Há dez anos o Porto tinha o esquema que tinha tido nos
últimos cem, que era: a água vinha das serras, do Norte, sistema do Paiva e
Douro, e tinha os depósitos, a estação de tratamento e de bombagem junto ao
Douro. E depois era, com eletricidade, tudo bombado para cima, porque há umas
casas ao pé do Douro, ali na Ribeira, mas o resto está tudo a cotas mais altas,
dos dois lados.
Então, a água vinha até à baixa e depois era bombada para
cima. Agora pôs-se os depósitos e o tratamento junto à origem, a uma cota mais
alta, e ela desce por gravidade. São mais de quatrocentos mil euros de poupança
por ano, só em energia elétrica, da empresa de águas do Porto. E o CO2.
O Metro do Porto, ao evitar milhares de carros por dia a
entrar na cidade, teve um outro impacto brutal. Muitas das medidas que aumentam
a sustentabilidade, poupam dinheiro. Há uma convergência, na nova economia,
entre o desenvolvimento sustentável, em termos ambientais, sociais e
económicos.
Eu termino com este slide. Portugal tem aqui um grande
desafio, que pode perdê-lo, como já perdeu muitos desafios no passado, mas eu
espero que não o perca.
Estando nós a viver um momento de grande mudança em todas
as frentes, é o momento em que vamos reinventar, temos que reinventar o mundo e
a sociedade. E se é assim…
Vocês pensem, por exemplo, na Kodak. A Kodak, cinco anos
antes de falir, empregava cento e setenta mil pessoas, era brutalmente
lucrativa e tinha 88% do mercado da fotografia no mundo. Cinco anos depois já
não há. Faliu.
Pensem na Nokia. Uma empresa já das novas tecnologias,
que liderava uma tecnologia nova – telefones móveis – mas que não percebeu que
esta história dos smatphones e de
fazer nos telefones outras coisas além de falar… Eles disseram: isso é para
ricos, ou para techies , eramos uns nerds , umas coisas assim. Isso não é
para gente normal. Pois não. Fecharam a porta. Agora estão a tentar-se
reinventar, foram comprados pela Microsoft, etc. praticamente quase que
faliram.
E quando pensam nas empresas que hoje são grandes, há
vinte e cinco anos elas não existiam. Vão à lista das maiores empresas do
mundo; onde é que estava a Google há vinte e cinco anos? Onde é que estava o
Facebook há vinte e cinco anos? Onde é que estava a Apple há vinte e cinco
anos? A Apple já existia mas era uma coisinha muito pequenina.
E o mesmo se passa em todos os ramos. O aparecimento de
novas ideias é possível hoje… nós caminhamos para um mundo em que o valor da
cabeça, o brain , tem um valor enorme.
O brain são vocês. E nunca houve
tanta capacidade de criar riqueza, de criar soluções em todos os domínios da
economia, como há hoje, porque a informação é acessível.
Essa é aquilo que não me faz desesperar, perante as más
notícias todas, é a minha fé de que a humanidade saberá ultrapassar os momentos
de rutura que tem hoje. Mas eu digo-vos: hoje é mais uma questão de fé do que uma
questão de raciocínio, porque se eu somar tudo o que disse para trás, não é
bonito.
Agora, um país como Portugal, que tem dez milhões e meio
de pessoas, e que tem algumas vantagens que são reais. Temos estabilidade
interna, não temos problemas culturais, em termos de nacionalidade, como
Espanha tem. Espanha não é uma nação, é um conjunto de nações; não resolveu o
problema da Catalunha, não resolveu o problema do País Basco, não resolveu o
problema, em menor escala, da Galiza. Não conseguiu encontrar um modus vivendi.
Portugal tem uma História que se abriu ao mundo, criou
uma língua que está presente nos continentes todos, que tem mais de duzentos
milhões de pessoas que falam a nossa língua e que, portanto, permite um
intercâmbio cultural e uma presença em espaços muito diversos. Isso é uma
riqueza muito grande. Por outro lado, houve uma explosão de educação como nunca
tinha havido.
Quando eu era da vossa idade, eu morava em Setúbal, no
Barreiro. O Barreiro tinha as CUF, a UFA, que eram as maiores fábricas químicas
do país; a Siderurgia no Seixal; a Lisnave em Almada; a Setenave e o papel em
Setúbal. Era o maior centro de indústria pesada do país. Tinha um Liceu, que
tinha menos de dez turmas do sétimo ano, que é o décimo segundo ano agora.
Ou seja, em meio milhão de pessoas – e não era uma zona
agrícola, lá atrás do sol-posto; não, era ao lado de Lisboa, com a indústria
toda – tinha um Liceu. Efetivamente, os poucos, como eu, que tiveram a sorte de
conseguir chegar a esse Liceu e acabar esse Liceu… nós não tivemos nenhuma
dificuldade em entrar na universidade, claro, não havia numerus clausus , éramos tão poucos. É autêntico. E a malta que
acabava o curso, tinha alguma dificuldade em arranjar emprego? Nenhuma, éramos
tão poucos. Quem entrava no Liceu tinha a autoestrada aberta. Os outros, zero.
Isso mudou.
E isso aliado à difusão da informação, à internacionalização,
a todo este fermentar, permite-me a mim pensar que nós temos alguma esperança
de poder dar a volta a esta crise sistémica que temos desde 1520/1530.
Terminei.
[Aplausos]
Simão Ribeiro
Muito obrigado, Eng.º Carlos Pimenta. Primeira questão da
manhã, Filipa Portela, Grupo Laranja.
Não se esqueçam da recomendação que fiz ontem. E queria
dizer outra coisa. A próxima pessoa cá dentro que me trate por você, vou ficar
muito chateado.
Filipa Portela
Bom dia a todos. A pergunta que o Grupo Laranja tem para
pôr ao Eng.º Carlos Pimenta é a seguinte: a partir de 2025, a Noruega deixará
de vender carros a gasóleo e a gasolina, tentando ter apenas carros dependentes
de energias renováveis. Algum dia Portugal terá a coragem de implementar estas
medidas?
Obrigada.
Carlos Pimenta
Boa pergunta. Sabe o que é que me fez pena não termos
conseguido mais? Foi há quatro, cinco anos, um grupo de pessoas (e eu era
apenas lateral a esse grupo, apenas apoiava) tentou apostar na mobilidade
elétrica, a duas e quatro rodas, e mais rodas. Sobre duas rodas, por exemplo, Portugal
é o quinto país da Europa produtor de veículos de duas rodas. Ora, os veículos
de duas rodas também se estão a eletrificar. O ano passado venderam-se mais de
trinta milhões de bicicletas elétricas no mundo.
Tentar fazer o que se fez com a eólica. A eólica em
Portugal permitiu criar um cluster, um conjunto de mais de trinta empresas, que
produzem mais de 90% dos aerogeradores. E que criaram, em plenos anos da
troika, quinze fábricas, quase três mil novos empregos industriais. E, para
além da produção para as máquinas, que a gente vê aí, como aqui ao pé, exportam
por ano quase quatrocentos milhões de euros de equipamento. No ano passado, em
2015, o número anda muito perto dos quatrocentos milhões de euros de exportação
de equipamentos, os chamados bens transacionáveis.
Porque Portugal tem uma tradição de duas rodas; quatro
rodas, desde a década de sessenta, e também de autocarros, com o Salvador
Caetano e companhia. Portanto, nós temos uma tradição de fabrico de
componentes, não temos nenhuma marca de automóveis portuguesa, nem vamos ter,
mas temos muitas empresas que fazem componentes e assemblagens e temos, sim,
marcas portuguesas que fazem bicicletas e também temos quase marca de
autocarros, nomeadamente, até, os autocarros elétricos da Salvador Caetano para
aeroportos.
Não houve capacidade política para juntar os vários…
fazer um cluster.
Sob o lado do consumo, eu acho que Portugal só tem a
ganhar se fizer o que a Noruega fez. Nós importamos todo o petróleo que
queimamos nos carros. E já vimos há bocado que, por cada litro que se
transforme em movimento, queimamos cinco. Há anos em que a importação de
petróleo é dez mil milhões de euros. É o maior peso na balança de pagamentos. E
podem ter a certeza do seguinte: o eurozinho que vocês dão ao árabe para mandar
o petróleo, não volta. Saiu e não volta. É saída líquida de divisas e
empobrecimento direto, porque é menos dinheiro que não circula cá.
O dinheiro que é pago aqui ao lado, ao tipo que produz
eletricidade eólica, e o outro produz a fotovoltaica, e o outro produz com a
mini-hídrica, e o outro produz com a geotermia, etc., ele fica com o dinheiro.
Com esse dinheiro manda reparar a máquina, adjudica o arranjo do caminho. Ou
seja, circula cá dentro, cria empregos diferentes. Depois há um que estuda a
biodiversidade, para ver se aquilo chateia a águia, ou chateia o lobo, ou outra
coisa qualquer. Tem emprego para biólogo, para arquiteto paisagista, para
botânico, para geólogo. Portanto, a riqueza de profissões que são envolvidas,
optando pela sustentabilidade.
A Noruega, no ano passado, 25% dos carros matriculados
foram 100% elétricos. E aqueles que são mistos, híbridos, que têm os dois motores,
são mais de 25%. Mais de metade dos carros vendidos… e eles produzem petróleo e
vendem-no. Só que vendem-no aos outros. 90% da eletricidade da Noruega é de
origem renovável: hídrico, eólico e biomassa.
Mas por isso é que eles são ricos. Vejam a Dinamarca, com
cinco milhões. A Noruega ainda tem o petróleo e tem aquela riqueza toda do
grande litoral, etc.. A Dinamarca é uma coisa pequenina. E vejam o nível de
vida que tem. E vejam Copenhaga entre as dez melhores cidades do mundo para se
viver. É a mobilidade elétrica, é a mobilidade coletiva, muito bem gerida, e
até gerindo com Apps em que estou em casa, quero ir para o emprego, quero ir ao
cinema, consigo ver imediatamente a melhor combinação de bicicleta, tram,
metro, carshare, enfim, mil e uma maneiras…
Porque, no fundo, esta discussão… Ó Carlos, deixa-me
contar esta. Vocês vejam como as políticas públicas são importantes.
Em termos intelectuais, a maior guerra que eu perdi na
minha vida foi em 1988, quando teve que se inventar em Portugal, para apresentar
a Bruxelas, qual era a matriz dos parâmetros de sucesso da aplicação dos fundos
europeus. Porque Bruxelas exigia, mandava para cá o dinheiro, e tinha que se
ver se o dinheiro rendia, se era bem aplicado e se dava resultados. Portanto,
tinha que se arranjar uma maneira de medir esses resultados, e depois dizer:
vocês mandaram tanto do Fundo Regional, do Fundo Social, do Fundo Agrícola, o
Fundo de Coesão apareceu mais tarde. E o quê que isto deu? Como é que isto se
mede?
Há mais pessoas na escola; a esperança de vida aumentou;
há menos mortalidade infantil, etc. Como é que isto se mede?
E houve duas escolas de pensamento, e eu estava numa, que
perdeu, que era a do "complicómetro”. A gente dizia, por exemplo, na
mobilidade, nos transportes. Nós queríamos, como indicadores de sucesso da
aplicação dos fundos estruturais, o tempo que um passageiro ou uma tonelada de
mercadoria, em circuito urbano e interurbano, de longa distância, demorava a
fazer um quilómetro médio no país. E a energia que gastava para fazer esse
quilómetro. Dois indicadores. Ou seja, sistémico como o sangue circula.
Sabem o que é que ficou? Quilómetros de infraestrutura
construídos. Eu tive uma zaragata com o tipo que era ministro na altura, que
era meu colega, com quem a gente se tratava bem, eu era Secretário de Estado do
Ambiente. Isto começou nessa altura e acabou quando eu já estava em Bruxelas. A
dizer-lhe: Joaquim, eu estou-me nas tintas que o tipo vá de burro, a pé, de
bicicleta, de autocarro, de helicóptero, de táxi, de comboio, ele vai como ele
quer. Eu quero saber é, para segurança dele, produtividade, conforto, tudo isso,
quanto tempo é que ele demora para ir do ponto A ao ponto B e quanta energia
gasta, porque a energia vem toda lá de fora, é toda importada, e é toda
poluente.
O resultado está à vista. Eu hoje saí de casa, que moro
na periferia de Lisboa, e vim na A16, que passa ali em Sintra, Queluz, à qual
se seguiu a A10 que passa em Arruda dos Vinhos, e eu vinha a conduzir no
autódromo, com três faixas de rodagem, a cortar curvas e a vir à vontade,
porque não havia mais ninguém. E eram sete horas da manhã de um dia de semana.
Vocês olham para aquela infraestrutura das "As” não sei
quantos, que há cá em Portugal, com cada quilómetro. E a manutenção daquilo? E
os custos financeiros dessas PPPs e os swaps e essas porcarias todas? E se se
tivesse pensado melhor a mobilidade?
Nós não podemos pensar só no aparelho, temos que pensar
no sistema. Eu fui despachado dizendo-me: ó Carlos, não ligues o
"complicómetro”! Eu não quero ser injusto, eu percebi a lógica. A lógica é
apresentar resultados muito bons a Bruxelas para eles mandarem mais dinheiro.
Porque construir quilómetros de autoestrada é fácil. É projeto de engenharia,
com sondagens geotécnicas e não sei o quê, caderno de encargos, concurso,
adjudicação, construção, inauguração. É um sistema linear. Depois a autoestrada
fica vazia; não era a autoestrada certa no sítio certo. Isso era o problema.
Nuno Matias
Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Castanho,
o Miguel Marques.
Miguel Marques
Bom dia a todos. A pergunta do Grupo Castanho é a
seguinte: nos últimos anos, com a volatilidade dos preços dos combustíveis
fósseis, e com as constantes alterações climáticas, qual o impacto que se
sentiu ao nível do investimento e consumos de energia em Portugal? Não acha
excessiva a carga fiscal sobre a incidência nos preços finais dos combustíveis?
E qual, na sua opinião, o rumo a seguir nos próximos anos nesta matéria? Obrigado.
Carlos Pimenta
Muito boas perguntas, também, como a outra.
É assim: neste momento, o que o consumidor paga da
energia final, que é a energia que compra, seja ela combustível seja ela
eletricidade, o consumidor está a pagar mais de metade do que paga na conta, em
imposto. Nos combustíveis até é mais do que isso.
A energia é uma grande fonte de alimentação dos cofres
públicos, do Estado central, regional e local. Além disso, a energia dá para
muitas capelas, desde a taxa da televisão… tudo coisas muito úteis, com
certeza, só que estão mal financiadas.
Impacto no consumo. Foi muito sentido a nível dos
combustíveis, houve uma diminuição brutal - brutal, não foi brutal, mas
sensível, visível – durante os piores anos da crise: 2012, 2013. Que tem vindo
a voltar ao antigamente aos poucos. Mas há uma distorção também grande
provocada pelo turismo, eu não tenho os dados de 2015.
Na eletricidade estabilizamos entre os 48 e 50
terawatts/hora de consumo anual.
Qual é aqui o segredo que temos que ganhar? É a chamada
intensidade energética do produto, ou seja, eu tenho que produzir – e produzir
pode ser viver, não quer dizer só produzir, unidade de PIB – mais, com menos
energia. Quando em 1984 se elaborou o PEN, Plano Energético Nacional, tinha
três modelos matemáticos: o DFI, o MEDEE e o WASP. E eles partiam do princípio
de que a intensidade energética ia ser sempre superior a um.
Ou seja, - estávamos em 84 – que por cada unidade a mais
de riqueza que fosse produzida, gastava-se mais de uma unidade de energia. Ou
seja, que íamos ser, perpetuamente, cada vez menos eficientes. Porque estou
hoje com o produto que tenho; para o ano, em vez de ter cem, tenho cento e um,
mas tinha gasto cento e dois de energia. E no ano seguinte passava de cento e
um para cento e dois de produto, mas de energia passava para cento e quatro.
É claro, o que é que isto justificava: brutos
investimentos do lado da produção; quatro centrais nucleares, que era o que
estava em cima da mesa. Em 1984 foi duas vezes a Conselho de Ministros. Viana
do Castelo, Figueira da Foz, Sines e Vila Real de Santo António. Não estava
escrito isso no documento, mas era para onde iam. Era uma catástrofe para nós.
De acordo com o PEN, nessa altura, porque tinha essa
lógica, hoje estávamos a consumir 60% mais de eletricidade do que estamos. E
não somos nenhum modelo de eficiência. Eu aqui neste hotel, se fizesse uma
auditoria, acho que lhes baixava rapidamente o consumo de energia. Porque já vi
ares condicionados a fazer barulho que parecem uns tratores a extrair outras
coisas, etc.
Por isso, a sua pergunta é muito justa. As tecnologias
existem? Existem.
Eu tenho uma fotografia – que não consigo ligar o meu
computador aqui, mas eu mando ao Carlos, junto mais esse slide. Que é um slide
que eu costumo fazer este trocadilho de brincadeira, que é voltar-me, quando
estou com gente mais jovem, com mais energia, digo assim: vocês já foram a
Fátima ver a igreja nova? Não foram? Vão a Fátima.
A igreja nova de Fátima, a Catedral nova que lá está, é o
bom exemplo… posso depois, a seguir, mandar-vos ir a algumas escolas do Parque
Escolar verem o mau exemplo. Escolas que fizeram, em que as janelas nem abrem,
e depois não há dinheiro para o ar condicionado, então fez-se uma estufa lá
dentro durante o verão.
A igreja nova de Fátima – eu tenho ali uma fotografia,
que eu vou juntar um slide com essa fotografia, e na versão que vocês vão
receber para a semana já vem isso –, foi o caderno de encargos – cá está,
brainwear, riqueza de profissões -, foi a Faculdade de Engenharia do Porto, com
a Faculdade de Arquitetura, que fez o caderno de encargos, a pedido da
Conferência Episcopal. E, então, fizeram uma coisa muito simples: minimizar os
consumos de iluminação, de aquecimento, arrefecimento e arejamento. Foi a
concurso já com estas normas. Os gabinetes de arquitetura e engenharia que
quiseram responder ao concurso e apresentar projetos bonitos para a igreja… e a
igreja é uma coisa muito mais difícil do que a vossa casa ou do que a minha
casa. Ou do que um pavilhão gimnodesportivo, ou como esta sala de hotel, porque
daqui a uma hora está vazia, mas depois está cheia. Portanto, eu tenho consumos
assim… enquanto que em casa, tenho um padrão muito mais assim…
Foi um grego, um professor da Universidade de Atenas, que
ganhou. Fez um trabalho absolutamente extraordinário. Ele dizia-me uma vez,
numa conferência no Estoril: para mim, a arquitetura é a arte de moldar a luz
natural. Ou seja, eu tenho a luz, que entra, e eu vou moldar a luz. Vou-lhe pôr
umas paredes à volta, umas janelas, umas portas, por onde a luz entra. E vocês
entram naquela igreja à hora do pôr-do-sol e parece que está mais claro lá
dentro do que cá fora. E tem um arejamento natural em que a circulação forçada
de ar e ar condicionado é mínima. E consegue a luz chegar à cripta. E ele faz
isto em escritórios, em edifícios industriais, em casas. É uma escola. Como há
escolas parecidas na Alemanha, na França, etc. Em Portugal também já começa a
haver. Houve um progresso sensível.
Portanto, a resposta é: não temos que ter a passividade
do mau consumo. Um bom autarca, hoje, tem que pensar a mobilidade da sua cidade
como uma coisa sistémica.
Eu termino esta resposta – porque senão o Carlos mata-me
– com uma história que um professor do Técnico, o Professor Viegas, contou no
mesmo seminário em que o grego estava. Dizia ele: o problema da Carris é o
problema da minha sogra e do meu filho. Porque o autocarro da Carris, no dia de
semana, tem uma velocidade média de 16 Km/hora. Mas ao domingo de manhã, que
não está ninguém na cidade, tem 14. Não está ninguém, mas pára muito.
Ele dizia assim: a minha sogra, que está reformada, e não
tem nada que fazer, vai para a paragem. O que é que ela quer? Muitas paragens.
Porque ela anda mal, é coxa. Quer é entrar e sair do autocarro ao pé de onde
vai. Portanto, temos um autocarro deste tamanho, meio vazio, a maior parte das
horas, a parar tique, tique, tique. Consumo de energia tique, tique, tique.
Tempo de percurso tique, tique, tique. Ela pode esperar meia hora, porque não
tem nada que fazer.
Dizia ele: o meu filho, que tem boa perna, não se importa
nada de andar quinhentos metros, quer é o transporte pouco espaçado. Isto não
se resolve da maneira tradicional. Isto resolve-se, hoje em dia, com Apps, com
veículos mais pequenos, mais modulares, que façam… tipo Uber. A oferta da
capacidade de transportar pessoas, com a necessidade de ser transportado. Não é
ter aquelas paragens todas, em que autocarros deste tamanho têm que parar.
Vejam o caso do aeroporto de Lisboa entre os dois
terminais. Estão autocarros deste tamanho, a gasóleo, com o motor ligado o dia
todo, porque, se é de verão, o motorista que lá está à espera tem o ar
condicionado ligado, se é de inverno tem o aquecimento, e portanto tem o motor
ligado o tempo todo, ali a queimar petróleo e a poluir, e depois tem três
autocarros por hora entre os dois terminais.
Está-se mesmo a ver que aquilo que foi proposto por um
grupo de pessoas, onde eu também estive, que ainda não teve vencimento, eram
coisas mais pequenas, mais modulares, com motor elétrico, carregado por
indução, nem cabos tinha, era uma placa magnética por baixo, e a saírem de cada
vez que tivessem navete. A servir o passageiro, a necessidade de transporte, a
gastar pouca energia e com poluição zero.
É um bom exemplo de uma aplicação prática do princípio da
sua belíssima pergunta.
Simão Ribeiro
Joana Granjeia, Grupo Encarnado.
Joana Bigares Grangeia
Muito bom dia, Eng. Carlos Pimenta. Também saúdo a Mesa.
Muito obrigado pelo tema que nos trouxe. De facto, fiquei bastante surpreendida
pelos temas que acabou por falar acerca do ambiente. De facto, existem imensas
questões ecológicas que são muito importantes nesta altura.
Mas, tendo em conta a primeira frase que disse, que foi o
que ficou mais presente em mim – onde estamos, para onde vamos? E tendo em
conta o que se tem passado este verão, em que metade de Portugal acabou por
ficar completamente em cinzas, cento e um mil hectares foram ardidos, cento e
um mil campos de futebol, em termos de área.
Tendo em conta isto, e tendo em conta que é um tema,
apesar de muito recorrente, e já ser um cliché - se é que me permite usar esta
expressão -, acaba por estar bastante descontrolado, ainda.
A minha pergunta, então, é: que políticas, que medidas
ativas, é que acha que devemos implementar para conseguir travar, ao máximo, os
incêndios que têm devastado o nosso território nacional.
Obrigada.
Carlos Pimenta
Muito obrigado. Eu não sou especialista em fogos, mas há
coisas que são…
Olhe, quando eu estava lá no ambiente, tentaram deitar
abaixo o último espaço de mata com diversidade biológica antes da última
glaciação, que é ali na Mata da Margaraça, na Serra do Açor, concelho de
Arganil. E lembro-me, éramos novos, eu e o Fernando Nogueira, pusemo-nos à
frente dos camiões. Aquilo foi uma situação um bocado estranha, estavam os
madeireiros parados, com dois Secretários de Estado novinhos, e a população
atrás, a não deixar os camiões de madeireiros passar. E foi por um triz.
A floresta de produção tem que existir, e a floresta de
produção significa espécies de crescimento rápido, alguns esquemas de
monocultura, etc. A forma como está a ser feita em Portugal é muito mau. E é
muito mau – e até vou ajudar à sua pergunta, porque vou dizer que ainda é pior
do que disse.
Porque é assim: Portugal é diferente dos outros países da
Europa porque a floresta é toda privada. Se vocês forem a um país como a
Irlanda, que está no outro extremo, três quartos da floresta é pública. Se
forem à França, um quarto da floresta é pública. Vão a Portugal, 3% da floresta
é pública. Depois há mais 5% dos baldios, que são geridos aí já melhor pela
população que lá está. E o resto é privado. E a maior parte do que é privado
está abandonado, porque as pessoas emigraram. Ou foram para Lisboa ou para o
Porto, ou foram para França, para a Alemanha ou para o Canadá.
Eu sou da celulose, chego ao pé da família do tipo que
está no Canadá ou que está em Lisboa, que vai lá à terra uma vez por ano, e
digo: você não se chateia, eu planto-lhe o eucalipto, ainda por cima é só uma
espécie, o globulus globulus ,
alterado geneticamente, que é o chamado Tasmanian Gum, e você não tem chatice
nenhuma; eu meto-lhe o dinheiro no banco, faço-lhe a transferenciazinha
certinha todos os anos, e você está lá na sua terra, a trabalhar emigrado, e
vai ganhar o dinheiro.
E o primeiro corte de eucalipto ocorre ao fim de meia
dúzia de anos, antes de dez. Mas depois aquilo volta a nascer e o segundo corte
já são entre os dez e os vinte. O terceiro corte já está muito perto dos vinte,
ou nos vinte e poucos. E depois acabou. E depois quem é que vai tirar o toco.
Se me dissessem, o que é que aconteceu com aquilo? O pau não nasce só do ar.
Aquilo não é uma floresta, aquilo é uma monocultura de árvores. Uma floresta é
um ecossistema, tem muitas espécies que estão relacionadas entre si.
Agora, eu tenho que ter alguma floresta de produção,
tenho. Tenho que ter. Eu não posso é ter desta maneira. O capital natural, a
produtividade primária do solo, a erosão que está a ser provocada por cortes
sucessivos do eucalipto, e não haver, no final do dia, alguém que se
responsabilize para arrancar a raiz, arrancar o toco daqui a quarenta anos, e
iniciar um processo de replantio de espécies mais autóctones que possam fazer,
primeiro um povoamento primário, e depois ao longo dos anos o ecossistema volta
a permitir, então, plantar já espécies de outra geração, que já não apenas
aquelas que vão recuperar o solo.
Portanto, nós, praticamente, o que temos feito, é não
termos tido política florestal, nenhuma. Temos deixado as coisas a um mercado
que não incorpora nem o risco de incêndio, e os seus prejuízos, nem sobretudo o
que vai acontecer daqui a quarenta anos. E isto é sacar cheques sobre o futuro
e sobre o presente. E não tem solução nesta lógica. Pode-se melhorar e deve-se
melhorar, mas não tem solução nesta lógica.
Portanto, é preciso uma
política florestal que tome em conta aquilo que eu disse, na minha modesta
opinião, que não sou silvicultor.
Simão Ribeiro
Obrigado. José Pedro Simões, Grupo Rosa.
José Pedro Simões
Agradeço desde já ao senhor Eng.º Carlos Pimenta pela sua
aula. Foi muito esclarecedora dos novos desafios.
Num mundo em constante mudança, especialmente climática,
é importante continuar a pensar cuidadosamente nas formas possíveis de anular
os impactos das nossas ações de degradação do ambiente. Isso foi claro na sua
apresentação. Temos de ter a coragem de implementar medidas de proteção
ambiental para garantir a saúde do nosso planeta. Vivemos numa época em que
deitar lixo para o chão já é moralmente condenável, mas ainda não é a nível
jurídico tanto quanto seria desejável.
Não haverá aqui uma necessidade de oficializar esta
preocupação generalizada dos pequenos gestos, como sugeriu há pouco com as
garrafas de água?
Por outro lado, temos vindo a assistir a um crescimento
da importância das energias renováveis em Portugal, de tal forma que, nos
primeiros meses de 2016, existe uma produção de energia renovável da ordem dos
80%, a nível médio, da energia total exigida para consumo.
Porém, segundo modelos de extrapolação temporal, continua
a haver uma previsão global também da temperatura média em Portugal, e no globo
terrestre, também muito preocupante. E nas regiões que têm maior
continentalidade isso ainda é mais gravoso.
A culpa é nossa, realmente? Até que ponto podemos
melhorar a nossa pegada ecológica? A responsabilidade é mais nossa do que
deles? Não será mais eficaz exigir aos verdadeiros culpados deste problema
global uma resposta concreta?
Obrigado.
Carlos Pimenta
Muito obrigado… agora já me estragou uma frase. Agora já
não posso dizer que nunca ninguém acertou no consumo de energia primária numa
lâmpada. Olhe que são para aí vinte ou trinta anos a dar conferências.
Parabéns.
Os pequenos gestos são insubstituíveis. Se eu andar
trinta anos para trás, eu saía de casa e cheirava mal, porque tinha uma lixeira
ao pé do caminho que eu tinha que atravessar todos os dias, e estamos a fala da
Grande Lisboa, ao pé do Barreiro. Uma lixeira a céu aberto.
Nós conseguimos resolver os problemas locais mais
visíveis do ambiente. E isso, de certa forma, diminuiu o impacto da contestação
pública à poluição. Foi ótimo termos resolvido isso porque eram problemas que
se traduziam em saúde pública. Água inquinadas, doenças, etc.
Mas como os problemas globais… estávamos a falar que 80%
da poluição do mar tem origem em terra. É o que nós mandamos para o mar. Isso
já nós não vemos; e o que não se vê não se sente.
Eu vou contar uma história verdadeira para mostrar como a
mente humana funciona. Eu quando cheguei à Rua do Século, em 83, não havia leis
sobre poluição. Nós não tínhamos. Sobre as águas havia uma da Primeira
República que dizia é proibido poluir.
Então o Vale do Ave, ali ao pé de Vila do Conde, estava
muito poluído, o têxtil. Então havia duas fábricas de dois homens que eram rivais,
inimigos, não se podiam ver, eram concorrentes, aquilo era uma zaragata. Só que
um estava a jusante do outro. E naquela altura não havia nenhumas normas,
estamos a falar em 1984/85, e o de cima ia buscar a água ao Ave, que ainda
estava em condição minimamente aceitável, tingia os panos e os tecidos das
cores como estava a produzir, e mandava aquilo a ferver – porque era produção
aberta quente – para o Ave. O de baixo recebia a água azul, encarnada, amarela,
etc., conforme a produção do dia, e a ferver, completamente poluída, já não a
podia usar.
De maneira que o homem fazia petições, queixava-se, ia lá
à Rua do Século, chateava, eu mandava inspetores, mas aquilo arrastou-se, e a
certa altura o homem de baixo deixou de lá aparecer. Eu disse para a minha
chefe de gabinete: ó Dra. Odete, aquele senhor do Vale do Ave nunca mais
apareceu. Será que ele fechou a fábrica, desistiu? Passado uns dias apareceu o
outro. O quê que o de baixo fez? Comprou a quinta acima da fábrica do outro.
Fez um cano para buscar água, antes da fábrica do outro. Mas a seguir fez um
cano para levar o esgoto dele antes da fábrica do outro. Portanto, para ele
resolver o problema dele, implicou castigar o outro, que era o inimigo dele.
[Risos]
Esse problema era visível para os dois. Enquanto o Ave
não se despoluiu – ainda não está totalmente despoluído -, mas enquanto não
melhorou francamente de qualidade, com a introdução de normas que implicaram
que eles não podiam estar em regime aberto, tinham de reciclar a água, não
podiam mandar água quente para o rio, etc., etc., etc., eles sentiam o
problema. No dia em que deixaram de sentir o problema, mas continuam a mandar
substâncias tóxicas para o rio que não se veem, elas vão parar ao mar. Ninguém
vê, ninguém protesta.
Por isso é que eu digo, nós, hoje, melhoramos nos países
da OCDE, e com os fundos estruturais e com os investimentos, muito daquilo que
eram causas agudas de problemas de poluição.
Por exemplo, a Costa do Estoril, cartão de visita de
Lisboa, em 1986, quem tomasse lá… a zaragata foi tão grande, porque Lisboa
estava a despejar o esgoto não tratado diretamente no Tejo. De Algés até
Cascais, era cólera, hepatite A, hepatite C, coliformes fecais, etc. Ao ponto
de recebermos uma intimação da Organização Mundial de Saúde para pôr lá umas
placas com as caveiras a dizer "proibido ir à areia”, porque a areia estava
contaminada também.
Hoje temos bandeiras azuis por todo o lado. Isso é o lado
positivo. O lado negativo é que o ambiente global piorou todo. Porque
consumimos muito mais energia, mandamos muito mais coisas para o ar. Consumimos
muito mais produtos, mandamos o lixo todo para o mar. Mesmo o lixo partido aos
pedacinhos. Isso não dá. Temos o problema que aquela colega estava a falar
sobre os incêndios, da biodiversidade, e da natureza mais erodida, mais
simplificada, etc.
Portanto, a nossa aproximação já exige mais raciocínio.
Porque quando cheira mal, quando a gente vê a lixeira ao lado, vê a ribeira
totalmente poluída, a gente sente o problema e as pessoas mobilizam-se para
resolver o problema.
Eu uma vez pedi uma audiência ao Cavaco, quando ele era
primeiro-ministro, e isto melhorou imenso desde essa altura. E fui lá ter com
ele e ele deu-me a audiência, e ele disse: então Pimenta, ao que é que vem? E
eu disse: eu venho dar-lhe os parabéns. Ele olhou para mim: vem dar-me os
parabéns? Está a brincar comigo. Parabéns de quê? – O senhor é
primeiro-ministro de um país muito rico. – País muito rico? – Sim, o senhor vai
buscar a água de Lisboa a Castelo de Bode, que está a cem quilómetros, bomba a
água até Lisboa com energia elétrica, e depois rega jardins, lava casas, lava
ruas, apaga fogos, lava barcos, faz usos industriais, com água que veio de cem
quilómetros e que obedece a sessenta parâmetros de qualidade da União Europeia.
Bacteriológicos, biológicos, de clareza, de gosto, disso tudo. Que custa uma
fortuna, e depois, além disso, ainda perdia na altura 40% nos canos.
Hoje – foi um trabalho notável que a EPAL fez, notável –
hoje a cidade de Lisboa perde nos canos 8%. Está melhor do que Barcelona, está
melhor do que Madrid, está melhor do que Londres. E tem uma App, e tem um
sistema eletrónico com sensores que está a vender – era aquilo que eu falava há
bocado –, está a vender esse know-how, passámos de uma situação que era uma
catástrofe, metade da água que chegava a Lisboa, tratada, bacteriológica e
quimicamente, tudo, era perdida nos canos debaixo de água.
Agora, atenção, ainda há muitos municípios do país que ainda
perdem metade da água que está nos canos. Há muitos municípios do país que
regam espaços públicos… Olhe, fazer uma rotunda com espécies que têm que ser
regadas. Digam-me lá que não arranjam uma despesa, e depois não há orçamento
que chegue. Nós temos que olhar para espécies, nomeadamente nos espaços
públicos, mais visuais, falei em rotundas mas há outros, eu tenho que fazer o
planeamento de aquilo ser sustentável, espécies naturais. Olhe, uma oliveira,
precisa de muito menos água do que aquelas que é preciso estar sempre a regar.
Uma planta tipo catos, ou oleandros, que têm o problema de serem venenosos, mas
resistem a tudo.
Se eu não pensar nestas coisas, nos pequenos atos, eu não
resolvo problema nenhum. E depois não há orçamento que chegue, nem jardineiros
nem canteiros. Depois, é assim: se o meu amigo, amanhã, está na direção de uma
escola, se está na direção de uma empresa, se está na direção de um clube de
futebol, se está numa autarquia, se fizer a análise do que gasta em água, em
energia, em consumíveis, em lixo, e se fizer um plano de sustentabilidade, vê
que isso tem retornos de 4-5 anos. Portanto, está a libertar meios para poder
investir na saúde, no treino, no que seja, e que hoje é desperdício.
Portanto, esta combinação virtuosa é a única que é possível.
Simão Ribeiro
Muito obrigado. Rafael Augusto, Grupo Verde.
Rafael Augusto
Muito bom dia a todos. Em nome do Grupo Verde, a nossa
pergunta é: observamos uma luta crescente por parte dos partidos políticos para
com a central nuclear de Almaraz, na Espanha, e que posição toma perante esse
acontecimento e que soluções é que pode apresentar para resolver essa situação?
Obrigado.
Carlos Pimenta
Uma vez perguntaram ao Humberto Delgado o que é que ele
faria, se fosse eleito Presidente da República, em relação ao Salazar. E ele
disse: obviamente "demito-o”. E eu aqui, em relação a Almaraz, é obviamente "fecha”.
Estava eu na Rua do Século, já lá vão trinta anos, e
entra-me o diretor-geral do ambiente, o Eng.º Ascenso Pires, pela porta, e
diz-me assim: oiça, há aqui um problema, estamos a detetar radioatividade aqui,
no Tejo, em Constança e em Vila Velha de Rodão. Perguntámos para Espanha e eles
dizem que está tudo bem. Eu disse OK, monte-me aí um esquema de amostragens a
cada seis horas, ou quatro horas, uma coisa qualquer dessas. E depois passe-me
a vir aqui todos os dias, às oito horas da manhã, dar o relatório. E realmente,
no dia seguinte, e no dia seguinte, e no dia seguinte… Eu aí tive que ir falar
ao primeiro-ministro, ao Cavaco, e dizer, nós estamos à beira de cortar o
abastecimento de água a Lisboa. O abastecimento a partir de Castelo de Bode
ainda não estava a funcionar, ainda não estava acabada a construção. A água de
Lisboa vinha sobretudo dos poços no Alviela, que é diretamente do Tejo, e os
espanhóis estavam com… Almaraz não tem solução.
Começa que é uma central que teve um problema técnico de
origem, que há uma vibração no permutador de calor, entre o sistema primário e
secundário, entre a água que banha o núcleo radioativo, depois passa o calor
para um circuito secundário. Esse problema técnico nunca foi resolvido, não tem
resolução possível, só deitando abaixo a central.
Depois ela tem uma baía de retenção que tem água. Essa
baía de retenção, em princípio, devia reter se houvesse a eventualidade de uma
fuga. Tem havido imensas fugas, as fugas têm passado para o Tejo.
Almaraz, um, não é económico. Funciona menos de um terço,
eu acho que a média deve andar pelos trinta e tal por cento de horas de
funcionamento. O resto está fechado com avarias várias. Tem uma série de
avarias, é endémico, é estrutural, é uma coisa mal feita, é uma coisa que teve
erros de fabrico de origem.
Segundo, não é seguro. Nem pela tecnologia utilizada, nem
pelos impactos no ambiente próximo.
Terceiro, não é estanque, o sistema de arrefecimento da
baía de retenção em relação ao Tejo.
Eu tive com os espanhóis uma guerra brutal com Aldeiadávila
por causa dos resíduos nucleares que eles queriam pôr la em cima ao pé de
Mirando do Douro, onde queriam enterrar os resíduos radioativos de Almaraz e
das outras sete centrais, a setecentos metros da fronteira portuguesa, na
província de Salamanca. E essa guerra conseguiu-se ganhar. Essa de Almaraz é
preciso tê-la. Aquela central não tem remendo. É fechar, ponto.
Sabe qual é o problema de fechar? Quem é que paga o
desmantelamento? O meu amigo sabe quantos anos demora o desmantelamento de uma
central nuclear? Mais do que a nossa vida. São dezenas e dezenas e dezenas de
anos. E o custo? O Tribunal de Contas francês fez uma análise às cinquenta e
oito centrais nucleares que há em França, das quais dezoito estão com um
problema grave, tem um defeito na fundição, e disse que precisava que o fundo para
desmantelamento daquela coisa, tinha que ter pelo menos duzentos mil milhões de
euros, que é mais do que o PIB português - tem vinte e quatro mil. Em Espanha
não tem nada, praticamente nada, é residual. No momento em que fecha, deixa de
ser um ativo em operação, tem que ser um ativo em desmobilização, em
desmantelamento. Onde é que está o orçamento para pagar aquilo? Depois alguém
há de pagar a conta.
Mas não posso estar mais de acordo consigo. Por todas as
razões, obviamente feche-se.
Simão Ribeiro
Diogo Oliveira, Grupo Cinzento.
Diogo Oliveira
Em primeiro lugar, muito bom dia a todos, em especial ao
Eng.º Carlos Pimenta. É um gosto ouvi-lo, uma das pessoas mais especialistas na
área do ambiente e da energia, cá em Portugal e na Europa.
Na nossa opinião, o autoconsumo acaba por ser a
verdadeira democratização da energia. É a partir do autoconsumo que eu, um dia,
vou poder pôr o meu carro a andar com energia que não comprei a ninguém.
Não considera que seria útil utilizar alguns dos fundos
estruturais, por exemplo, para criar uma espécie de um banco de fomento que
permitisse a todas as famílias, ou às famílias que têm possibilidade técnica de
instalar isto em casa, fazerem este tipo de instalação, tal como existe na
Alemanha e noutros países mais desenvolvidos?
Carlos Pimenta
Eu sou tão favorável ao autoconsumo que já o faço. Agora
estou a pensar experimentar o passo seguinte. Neste momento a produção autónoma
é competitiva com a rede, mas desde que a rede funcione como bateria. A boa
notícia é que as baterias estão a melhorar 15% a 16% ao ano, o que é uma coisa
brutal.
Eu há bocado falei nos preços dos painéis que baixaram
dez vezes em dez anos, e continuam a baixar. E portanto, o preço da autogeração
continua, nos próximos anos, a baixar.
A eletricidade é uma coisa diferente das outras todas. É
que na rede a produção e o consumo têm que se equilibrar em cada segundo, em
cada momento. Eu quando faço autoconsumo, funciona desde que eu tenha o
contador ligado à rede para que a rede me forneça o que eu não estou a produzir
naquele momento em que estou a consumir. É claro que eu, agora com o telemóvel,
já controlo… Por exemplo, um frigorífico, um congelador, não tem que estar
ligado vinte e quatro horas por dia. Imagine – estávamos a falar há bocado dos
pequenos gestos –, o meu amigo é dono de uma mercearia, ou de um pequeno supermercado,
tem três arcas congeladoras. Se eu tiver as três ligadas ao mesmo tempo, tem um
pico que está a pedir à rede, o que significa que tem um quadro mais caro, e
tem uma despesa mensal fixa. Se puser um controlo de tempo, só tem uma, no
máximo duas, ligadas ao mesmo tempo. Porque se tiver uma desligada uma hora,
aquilo não descongela durante uma hora.
Portanto, o autoconsumo implica uma gestão de energia. E
essa gestão pode ser hoje uma coisa muito simples. Até há empresas portuguesas,
vou dar mais um exemplo de uma outra história de sucesso, há bocado dei da
EPAL, agora dou uma da Universidade de Coimbra, a ISA. É uma história de
sucesso. Eu tenho esse contador, o Cloggy, que está ligado lá. Não só vejo os
meus consumos como, pelo telefone, posso ligar e desligar o frigorífico, ou
programar. E então é automático, faço os parâmetros, o setting, e pronto.
Portanto, o caminho é esse, a política deve ser essa,
devemos fazê-lo de forma faseada, porque a evolução… As três coisas que vão
mudar a energia são: em primeiro lugar, a capacidade de armazenamento, quer
local, quer a nível da rede, quer central. Nós em Portugal temos o central, que
é as barragens reversíveis. Agora vamos precisar de armazenamento regional, a
nível do município, a nível de uma estação. Para grupos de consumidores
agrupados: um parque industrial, um condomínio grande, um hotel grande, etc. E
depois local, na sua casa, do qual o carro já é uma fonte de armazenamento
sobre rodas.
Isto está a melhorar a 15% ao ano. Portanto, eu não devo
fazer os dez milhões das pessoas hoje, mas devo começar a fazer gradualmente,
de uma forma mais ativa.
Segunda, é a interligação entre as tecnologias de
informação e a energia. As tecnologias de informação é o que permite gerir
melhor a energia e haver menos desperdício.
Agora, as vossas perguntas são muito boas… Aquilo que
aconteceu este mês de agosto na América, em que o Elon Musk, o fundador da
Tesla, dos carros elétricos mais performantes – aquilo é mesmo bom. Não tive
dinheiro para comprar um, mas fiz um test
drive , ali no Campo Grande, com o Estádio de Alvalade por trás. O meu filho
está ali a assistir, também estava comigo. Não havia trânsito, foi a uma hora
morta, em que não havia trânsito. Nós sentamo-nos no carro, o representante da
Tesla sentou-se ao meu lado e eu sentei-me ao volante. E eu… carreguei. Foi
como nos desenhos animados, fui atirado para trás. É que aquilo tem um binário,
faz dos zero aos cem em meia dúzia de segundos. O arranque é igual ao de um
Ferrari; portanto, quem não está habituado a conduzir Ferraris…
[Risos]
A capacidade de controlar o fluxo de energia… O que é que
fez o senhor Elon Musk? Como ele tinha a tecnologia das baterias e está a fazer
uma fábrica de baterias, e está a fazer uma fábrica de baterias, também tinha
fundado uma empresa, que é a Solar City, para instalar painéis fotovoltaicos
nos telhados das pessoas, fundiu as duas, e oferece hoje uma solução integrada
de mobilidade, baterias muito bem desenhadas, que na publicidade da Testa até
se podem pôr na parede da sala de jantar - pôr a bateria na parede da sala de
jantar como se fosse um quadro, porque é toda estética, toda minimalista - e o
software que permite fazer a maximização do consumo e do armazenamento no
carro, e na bateria da sala, a partir da produção dos painéis.
E depois, mais a venda aos vizinhos. Ainda ontem estive a
ver um artigo na Austrália, de uma primeira experiência numa cidade na
Austrália. Vizinhos, o clube de ténis, e o centro da terreira idade, e etc.,
todos eles são como uma micro EDP. Produzem, vendem, trocam.
E isto permite aumentar a eficiência e poupar. Se toda a
gente fizesse hoje a máxima potência que precisa em painéis no telhado,
estávamos a pôr muitos mais painéis do que vão ser necessários amanhã, com esta
troca, em que o meu amigo põe e eu também ponho, eu consumo a umas horas, o meu
amigo consome a outras, trocamos energia, porque quando eu tenho a mais você
precisa, quando você tem a mais eu preciso. Está bem?
E isto evita que tenha que pôr painéis a mais na sua casa
e eu painéis a mais na minha casa. Estamos a ir no bom caminho. Agora, qual é o
segredo para Portugal? É nós não sermos só consumidores. É termos políticas que
permitam criar valor, criar empregos, criar start-ups, criar… senão somos só
consumidores.
É como um gajo que olha para o Multibanco e diz: a minha
relação com o Multibanco é só meter o cartão e ver se aquilo dá notas. Não… mas
para dar aquele sistema, há um mundo por trás daquele ecrã. O mundo do
hardware, o mundo do software, o mundo da organização. Ora, nós somos dez
milhões e meio, hoje em dia, com o nível, apesar de tudo, de educação e de
formação e de inteligência distribuída que existe, temos a capacidade de ser
atores, não ser só consumidores.
Simão Ribeiro
André Soares, Grupo Bege.
André Soares
Desde já muito bom dia a todos. Eu gostaria de perguntar
ao senhor engenheiro como é que explica a camada de ozono ser mais fina nos
polos? Ou seja, se nós somos a principal fonte de diminuição da camada, porquê
que nos polos é mais fina?
Gostaria também de saber qual a relação da maior poluição
com o crescimento da população. Ou seja, terá alguma coisa a ver? Porque mais
população significa necessidade de mais recursos, etc.
E gostaria de saber também a sua opinião quanto ao que se
está a passar no Algarve, sobre o que poderá vir a ser – penso que ainda está
em estudo, se não estou enganado –, os recursos que poderão existir, penso que
de gás já é certo, e petróleo se é uma boa aposta nesta altura do campeonato?
Carlos Pimenta
Ozono. Ozono é uma boa história, porque é uma história de
sucesso em relação à humanidade que deveria ser seguida, embora com muito mais
dificuldade, na mudança climática. O ozono é o O3, como sabem, é um isótopo do
oxigénio. Por exemplo, quando há uma trovoada e há uma descarga elétrica de
muita energia, o O2, o oxigénio que nós respiramos, há uma parte que se
transforma em O3.
O quê que aconteceu? A seguir à guerra, a indústria
química apareceu com umas substâncias químicas que eram miraculosas. Os CFCs. E
eram miraculosas porquê? Porque eram gases que não explodiam, que não eram
tóxicos, que eram inertes, não reagiam com nada. Fantástico!
Desde o creme da barba, até à ampola do medicamento, até
ao extintor, eu podia meter aquilo que aquilo servia de propulsor. Eu metia o
gás sobre pressão lá dentro, e depois metia-lhe o que quer que fosse, fosse o
meu creme da barba, fosse um medicamento, um spray para a asma, ou um extintor
com espuma de carbono, o gás estava lá comprimido, quando eu carregava cá em
cima no botão, saia-me o creme, lá fazia a minha barba e ficava magnífico.
É claro que quando eu fazia assim, e aquilo fazia "fsss”,
saía o creme e saía o CFC, aquilo subia e como era incolor, inodor, inerte, não
inflamável, não tóxico, era um produto artificial, feito pelo homem, milagre.
Não fazia mal a ninguém e tinha uma montanha de utilizações. Aquilho
espalhou-se por todo o lado - nos frigoríficos, nos ares condicionados… O
problema é que, quando subia, e depois pela circulação das correntes da alta
atmosfera, esses CFCs concentravam-se nos polos. E aí reagem com o O3, e o
problema é que não reagem uma única vez, pois provocam uma reação em cadeia que
dura dezenas de anos – sobretudo lá em baixo na Antártida.
Portanto, a concentração de ozono na alta atmosfera,
sobretudo na Antártida, começou a diminuir. Aí, o cobertor de ozono, o número
de moléculas de ozono numa massa de ar, diminuiu. Logo, o que é que aconteceu?
Aquilo servia de escudo protetor ao comprimento de onda de ultravioleta da
radiação solar – os cancros da pele na Austrália aumentaram quatro vezes.
A minha família é australiana. A minha mulher é
australiana, ali o Thomas é luso-australiano. Quando nós vamos lá, visitar o
resto da família, podem estar 20 graus, nós estamos na praia e sentimos a picar
como se tivessem trinta e muitos, quarenta graus. Sente-se a maior percentagem
de ultravioletas na radiação solar incidente. Os cancros da pele aumentaram
brutalmente.
Mas aqui, a coisa boa, foi que havia um culpado, e a
gente sabia qual era. Enquanto para a mudança climática, eu desde que me
levanto até chegar aqui já gastei gás de todas as maneiras possíveis e imagináveis
– CO2, CH4, energia, tudo isto atirou para cima. Há muitos culpados, é mais
difícil.
Então houve um acordo, Montreal, e uma convenção, e proibiram-se
essas substâncias. E a indústria química teve de produzir produtos menos
poluentes.
E a história de sucesso é que começa a haver uma
recuperação da camada de ozono. É talvez, o único – a sua pergunta –, é a única
história de sucesso a nível global – há boas histórias de sucesso a nível
local, falámos há bocado do vale do Ave, mas podemos falar de outras áreas que
se salvaram, regionais, ou até mesmo entre países, na fronteira – mas a nível
do planeta, permitir que a camada de ozono recupere, lá em cima, na alta atmosfera,
para os seus níveis normais, é a melhor história de sucesso da política de
ambiente global, e de acordo entre os países, mas isto não é fácil.
Eu não vou contar a história, senão o Carlos… Mas há mais
duas perguntas. Qual era a segunda, a terceira eu lembro-me.
André Soares
Era sobre o Algarve e a sua opinião do efeito da
população.
Carlos Pimenta
A população é simples. É a combinação de duas coisas.
Primeiro, é mais pessoas. Mais pessoas, obviamente, precisam de mais comida,
precisam de mais roupa, consomem mais coisas… E a segunda foi que não só a
população explodiu, portanto, há mais pessoas… Uma pessoa ocupa espaço, tem que
viver… Conhece o conceito da pegada ecológica? Neste momento, a pegada
ecológica dos sete mil milhões de pessoas já é maior do que a Terra. Nós já
estamos a usar mais do que uma Terra. Como a Terra é só uma, quer dizer que
estamos a usar a Terra dos nossos filhos. É tão simples como isso. O número de
pessoas, mais o consumo…
Repare no seguinte: os meus avós viviam numa aldeia ali
do concelho do Cartaxo. Pense na pegada ecológica deles. Era quase nenhuma.
Eles andavam sobretudo a pé, não tinham carro. Quando tinham que se deslocar ao
Cartaxo ou a Santarém, iam em transporte público ou em carroça puxada por
animais. Como o meu bisavô que trazia vinho para Lisboa numa carroça puxada por
cavalos. Portanto, quase nada.
A comida, era com o seu esforço manual que plantavam as
coisas, com a água que tiravam do poço. Os resíduos deles eram quase todos
recicláveis pela terra. Era tudo compostado. Eram resíduos orgânicos, eles não
tinham plástico, eles não tinham iphones, eles não tinham nada do que a gente
tem. Portanto, a vida deles estava em linha, em harmonia com o planeta. Quando
os meus pais se mudam para Lisboa, onde eu moro… Agora pense: a comida passou a
ser produzida algures no mundo, desde mangas do Brasil, até aqui o isco, que
vem não sei de onde, etc.
São muitas delas processadas, embaladas, refrigeradas –
tudo isto é energia, tudo isto é gasto – transportadas. Depois metidas num
supermercado onde eu vou de carro. E agora, felizmente, acabou-se o saco
plástico, mas até isso vinha. E tem um desperdício enorme entre a quantidade
que é produzida e o que eu, finalmente, como. A água que eu bebo vem de Castelo
de Bode, a cem quilómetros, com energia.
Está a ver o que é a mudança da pegada. A passagem da
sociedade rural para a sociedade urbana, para o mesmo nível de vida - mesmo
pensando que a pessoa que vai para a cidade não vai ficar rica, só por mudar do
campo para a cidade, e até continua remediada em termos do consumo que faz –
mas o tipo de consumo não tem outra hipótese.
Quando vai ali ao Continente comprar coisas, aquilo já
tem tanta energia, tanta poluição, tanto químico metido, tanto transporte
metido, enquanto o que outro estava lá, ia à couve, matava a galinha, buscava
os ovos. Depois aproveitava a lenha e as podas para a lareira.
Esse é o desafio. Como fazer uma sociedade moderna, uma
sociedade urbana, uma sociedade sofisticada, em que o lixo não seja lixo que
está quinhentos anos, porque as fraldas – na altura não tinham fraldas
descartáveis – não fiquem quinhentos anos, no mar ou na terra, a decompor-se;
para que as garrafas plásticas não fiquem quatrocentos e cinquenta anos; para
que a molécula de CO2 não fique vários séculos lá em cima na atmosfera. A minha
viagem de Lisboa, hoje, para Castelo de Vide, vai ficar lá em cima, pelo menos,
cinco séculos.
Por isso, eu penso que nós temos que ir por outro
caminho.
Simão Ribeiro
Nuno Gaspar, Grupo Roxo.
Nuno Gaspar
Cumprimentar o senhor engenheiro e agradecer pelo seu
tempo; este tema, para nós, foi muito interessante.
Falou de um assunto que é o facto de as pessoas, quando
vêm uma notícia sobre o clima mudam logo e ignoram totalmente o assunto.
A pergunta do Grupo Roxo: o que é que os governos e os
partidos poderão fazer para que a política ambiental possa ser mais ativa no
país e possa ter o mesmo ritmo que as políticas económicas, por exemplo, e se é
preciso uma terapia de choque, por exemplo, como fizeram com o tabaco e pôr as
imagens nos maços, para que as pessoas se interessem mais sobre o assunto. E se
estas políticas realmente têm algum futuro ou se vão continuar a ser esquecidas
pelo país.
Obrigado.
Carlos Pimenta
Tem que ter futuro, porque senão o futuro é negro. Senão,
como era a canção do Chico Buarque, a coisa aqui está preta. Portanto, não dá,
tem que ter futuro.
O Jorge, quando ele foi Ministro do Ambiente agora o ano
passado, fez aquele Pacto para o Crescimento Verde. Foi uma boa iniciativa;
mais de oitenta associações, desde associações ecológicas, municípios,
associações industriais, participaram nos grupos de trabalho e assinaram esse
pacto.
Veja, por exemplo, eu não consigo gerir a energia de
Lisboa sem ser em conjunto com os municípios à volta. Porque eu também não
consigo gerir a mobilidade de Lisboa… Lisboa tem seiscentas mil pessoas, não
chega. A Grande Lisboa tem dois milhões e meio. A água de abastecimento é
comum. Os movimentos pendulares das pessoas para trabalhar ou para se divertir,
ou para ir às compras, ou ao médico, ou ao hospital, ao que seja, são comuns.
Eu, obviamente, não posso dizer: Cascais é um município
que tem mais meios, tem mais dinheiro, tem mais turistas, tem uma Câmara mais
preocupada com isso, a gente olha para o concelho de Cascais e vai fazer do
concelho de Cascais o melhor concelho do mundo, em termos de ambiente.
Então, e ao lado? Eu tenho que ter, para um sistema de
reciclagem de lixos e de compostagem global, para um sistema de mobilidade que
faça sentido, para não ter sempre uma A5, e um IC 19, todos engarrafados todos
os dias. E eu não quero uma A5 engarrafada de carros elétricos. Isso não
resolve a mobilidade. Melhora, porque há menos poluição, mas continua a ser um
desperdício de tempo, de recursos, de tudo.
Portanto, a resposta é coisas do género do Pacto para o
Crescimento Verde. E entre nações, não dá, porque eu não posso resolver o meu
problema exportando a poluição, que era a história há bocada das duas fábricas
têxteis.
Eu, uma vez, aqui em Alcanena, havia um problema muito
grande com o crómio nos curtumes. Havia uma grande guerra - chegaram a boicotar
as estradas e eleições -, porque as águas vinham das fábricas de curtumes, iam
para o rio, aquilo é cancerígeno, é do pior. Depois fez-se a estação de
tratamento, mas depois há o problema das lamas. Eu não posso transferir um
problema de poluição das águas para um problema de lamas que depois, a seguir,
deito num sítio qualquer… e depois queimavam o resto das peles com crómio.
Ou seja, passava um problema de produção de águas para um
problema de poluição de solos (as lamas da estação de tratamento) e um problema
de poluição de ar, que era… tudo o que sobe desce, como dizia o Newton.
Eu tenho que olhar de uma forma integrada, como é que eu
posso resolver o problema dos curtumes, usando menos crómio, e reciclando mais
o crómio que fica. É desta abordagem integrada, procurando minimizar o uso e
minimizar a produção de resíduos de uma forma integrada, e não apenas uma
solução daquilo que é o problema mais evidente, que naquele caso era poluição
de águas, quando o problema estava na origem, na fábrica, e nas tecnologias
usadas na fábrica.
Simão Ribeiro
Vamos fazer agora um grupo de duas questões para que
possamos cumprir o nosso horário.
Bernardo Barbosa, do Grupo Azul, e em seguida, Bruno Dias
Santos, Grupo Amarelo.
Bernardo Barbosa
Antes de mais, bom dia. A minha pergunta é muito
resumida: como já foi aqui dito, cerca de 80%, ou cerca de 70%, da energia em
Portugal é produzida através de energias renováveis. A minha pergunta é no
sentido de quando é que realmente se vai executar as linhas já planeadas, que
vão interligar Portugal-Inglaterra, Portugal-Marrocos, e se vai fazer a
interligação dos Pirenéus com França, para realmente conseguir tornar Portugal
um país exportador ao nível da energia.
Depois tem outra vertente. Em 2015 foi assinado um
protocolo energético a nível europeu, com os seguintes objetivos: para 2020,
20% de redução das emissões de gases com efeitos de estufa. 20% de energia
obtida através de fontes renováveis. 20% da melhoria da eficiência energética.
E para 2030, 40% das reduções de emissões de gases; 27% da energia produzida
através de fontes renováveis na União Europeia; 27% de eficiência energética e
15% na interligação energética.
A minha pergunta é: com estes números altamente
ambiciosos – e para 2020 já só faltam quatro anos – como é que se vai realmente
conseguir atingir estes números, e se existe atualmente, tanto a nível
português como a nível europeu, alguma tecnologia altamente inovadora que
permita atingir estes números.
Simão Ribeiro
Bruno Santos, Grupo Amarelo
Bruno Dias Santos
Bom dia. Eu queria começar por saudar a Mesa e agradecer
ao engenheiro Carlos Pimenta a belíssima apresentação que nos trouxe.
A minha pergunta vai no sentido de tentar perceber um
pouco acerca da economia sustentável em Portugal. Quando falamos de economia
sustentável, Portugal é sempre descrito como um país de enorme potencial. Temos
uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo, mas exploramos apenas uma
ínfima parte da chamada economia azul.
Temos uma das maiores exposições solares da Europa e, no
entanto, produzimos menos energia solar do que países do Norte da Europa que
têm três horas de sol no inverno.
Se temos todo este potencial, o que nos falta para
finalmente termos uma Swatch no nosso mar ou uma Samsung no nosso solo.
Muito obrigado.
Carlos Pimenta
One billion
euros question.
Esta última pergunta é a pergunta que eu me faço há quarenta anos.
Isto agora não tem nada já de técnico nem de científico…
Nós, olhando para trás, nós tivemos realmente na nossa História, que já vai em
novecentos anos, momentos brilhantes, nomeadamente o século XV, mas tivemos
dois acontecimentos absolutamente trágicos, que não nos desculpam hoje, porque
já aconteceram há muito tempo, mas os efeitos foram muito perversos ao longo de
muitos anos.
Uma foi nas cortes, em 1520, salvo erro, D. João III, a
expulsão dos judeus. E a segunda foi quando o Marquês de Pombal expulsou os
jesuítas e no dia seguinte havia vinte mil crianças sem professor.
Um país que primeiro expulsa o dinheiro e depois expulsa
o saber, é obra. Outros com o dinheiro e com o saber fizeram as revoluções a
que a gente assistiu. E a gente conseguiu passar à margem; fomos nós que demos
o fogo que alimentou o Renascimento.
Garcia da Hora, daqui, Castelo de Vide, estamos a falar
no sítio certo, Tratado das Cousas da
Índia : "hoje já não vale mais o que diz o grego e o romano, só vale aquilo
que diz a experiência”. Isto antecede, em muitos anos, o espírito científico e
o Bacon. Como sabem, foi perseguido, a irmã foi torturada, porque era de origem
judaica, etc.
Portanto, o que de brilhante se fez no século XV não teve
continuação depois no século XVI. A mesma história com o Século das Luzes; no
século XIX, a Revolução Industrial, passámo-la ao lado, andamos aqui entretidos
na Maria da Fonte, nas guerras entre os Liberais e os Absolutistas, etc. E
depois acabou tudo na falência, na bancarrota do início de 1890, que o avô deste
Oliveira Martins, ou bisavô, previu num discurso notável nas cortes, quando era
ministro das finanças; além de historiador foi ministro das finanças.
Portanto, nós temos tido uma incapacidade de gerir com
continuidade políticas públicas que tenham em linha de conta a modernidade que
vai acontecendo. E isso tem sido o grande problema.
Em relação à outra pergunta que foi feita, pegando nesta;
Barbosa, não é, o colega… deixe-me só acertar-lhe uma coisa. Nós estamos com
60% da eletricidade. A eletricidade é só 25% da energia final. Portanto, nós de
renováveis temos 60% de 25, são 15. Se eu lhe juntar mais um bocadito de lenhas
que são utilizadas diretamente no aquecimento das famílias, ou nas fábricas de
celulose, eu não tenho 20% de renováveis na energia final dos consumidores.
Portanto, o caminho em Portugal, e o ataque que falta
fazer, é à mobilidade, voltamos à mobilidade elétrica, e aos edifícios, que
ainda são muito.
Portanto, a parte de eletricidade tem de aumentar, estou
100% de acordo consigo, a sua pergunta é boa, e tudo o que aumentar para entrar
nas áreas que hoje são resolvidas, em termos energéticos, pelos combustíveis,
para serem resolvidos pela eletricidade, esta eletricidade a mais tem que ser
toda de origem renovável. Portanto, ainda bem que me faz essa pergunta, porque
quando a gente ouve na rádio que o país esteve quatro dias só a renováveis. Eu
oiço, fico contente, mas a seguir tenho que lhe pôr o grão de sal. E o grão de
sal é que eu estou a falar de um quarto da energia, que é a eletricidade hoje.
Os outros três quartos é gasolina, gasóleo, carvão, etc. Para usos que não são
de geração de eletricidade; para usos diretos. Combustível para queimar nos
motores, combustível para aquecer casas, combustível para fornalhas de cerâmica
ou o que quer que seja.
Portanto, o desafio que eu tenho pela frente não é passar
de 60 para 100. É passar de 15 (ponha-lhe 18, 19 com as lenhas) para 100. O
desafio que eu tenho, é esse o desafio da substituição dos combustíveis
fósseis. Porque enquanto eu centrar apenas a minha política na produção de
eletricidade, seja ela descentralizada, seja ela no parque eólico, eu só estou
a atacar uma parte pequenina do problema.
Portanto, em primeiro lugar eu tenho que olhar para o
problema também do lado do consumo – eficiência. Depois tenho que olhar o
problema do lado do sistema – município, interligação dos sistemas de água, de
luz, de mobilidade, etc. Resíduos, produção de comida, tudo isso.
E depois, aquilo que falou e bem, na parte da
eletricidade, as interligações. É óbvio que isso é muito importante, senão é
uma jangada de pedra. E em termos de eletricidade, a Península Ibérica é a
jangada de pedra em relação à Europa. Agora, não brinquem comigo.
Os franceses disseram durante anos que o problema da
interligação com a Península Ibérica era o urso dos Pirenéus. Não é
brincadeira, era a desculpa oficial. Porquê? Porque para fazer as linhas de
muito alta tensão, para ligar a Europa, a França, à Península Ibérica, tinha
que se entrar pelos Pirenéus adentro e o parque natural tem ursos e aquilo é
protegido – aliás, aquilo é um parque muito bonito.
É mentira! Então a Inglaterra não está ligada à França? E
há lá algum urso e alguns Pirenéus? Então o cabo não passa por baixo do mar?
Então e entre Bayonne e São Sebastião é assim tão longe? Aquilo não faz assim
uma curva? Então e Barcelona, lá em cima, também não faz uma curvazinha assim?
Não é preciso passar pelos Pirenéus. Há um relatório do ex-comissário Monti que
foi assessorado pelo ex-regulador português, Prof. Jorge Vasconcelos, que
mostra as capacidades.
Os franceses nunca quiseram porque eles têm 70% da
eletricidade de origem nuclear, e o nuclear não tem qualquer flexibilidade; o
nuclear não se pode ligar e desligar. Quando eu vivi na Bélgica, à noite, nas
autoestradas, podia-se ler o jornal, porque, como eles não podiam desligar o
nuclear, então tinham que queimar eletricidade. E uma das formas de queimar era
fazer poluição luminosa. O que é um problema para um tipo que quer ver as
estrelas, os astrónomos e as pessoas que gostam de astronomia, e não conseguem
ver porque o clarão refletido da cidade e das infraestruturas esconde-nos o
céu, que aqui no Alentejo é um recurso…
É um recurso natural que Portugal ainda tem. Tem zonas
importantes em que se consegue ver o céu. Isto não é brincadeira. Isto é como o nature walking e coisas do género. A
diversificação da oferta turística é o que permite ter turistas diferentes o
ano inteiro. E com pessoas diferentes a ganhar dinheiro, a ter carreira
profissional, porque este sabe mostrar o céu, sabe as constelações, sabe os
fenómenos, etc.
Um país rico é um país que se diversifica, é um país que
tem muita riqueza, e a riqueza está na diversidade. E a energia tem a ver com
isso, também.
Primeiro, nós estamos a 60% da eletricidade, estamos a
menos de 20% da energia que consumimos. Portanto, temos um enorme caminho a
fazer a nível das renováveis. Para fazer esse enorme caminho temos que jogar
com pequenos gestos como este colega falou há bocado.
Autoconsumo, produção descentralizada, interligações,
ligação da inteligência, das telecomunicações com os usos. Olhar para o lado da
eficiência. Eu costumo dizer nas aulas, quando dou: eu não posso beber
petróleo, não como carvão, não respiro gás natural, porque se fizer uma destas
três coisas morro. O que eu preciso é de luz (falei na catedral de Fátima em
que grande parte da luz é luz natural), eu preciso é de calor, eu preciso de
frio, eu preciso é de mobilidade.
E a maneira de resolver a luz, o calor, a mobilidade é
que dá a maneira da eficiência. E isso tanto se resolve com sistemas passivos
como com sistemas ativos. Não se resolve… é a mesma coisa que plantar uma
planta. Eu posso plantá-la de uma forma em que para ela crescer eu tenho que
estar sempre a meter adubo e água e não sei o quê; ou posso plantar jogando
também com a natureza.
Portanto, eu peço-vos que pensem que nós não temos outra
hipótese do que sermos cidadãos ativos. E que o país, se quer, por um lado,
contribuir para a diminuição dos problemas gravíssimos a nível ambiental. E,
por outro, criar carreiras profissionais, criar riqueza e criar emprego, é
navegar, surfar, esta vaga de mudança que tem em conta o ambiente, tem em conta
a tecnologia, e tem em conta a necessidade de redesenhar as políticas
económicas e sociais para termos um mundo mais sustentável e mais solidário.
[Aplausos]
Dep.Carlos Coelho
Eu vou com o Simão Ribeiro acompanhar o nosso convidado à
saída. Vocês continuam com os procedimentos com o Nuno Matias e com os
conselheiros e eu regresso dentro de um minuto para três informações
importantes. Até já.
Carlos Pimenta
Muito obrigado a todos. Foi um gosto muito grande estar
aqui hoje.