Jantar-Conferência com Mónica Ferro e Nour Machlah (refugiado sírio em Portugal)
Dep.Carlos Coelho
Senhora Professora Mónica Ferro, caro Nour Machlah (senhor
arquiteto), minhas senhoras e meus senhores, vamos começar o nosso jantar com o
momento cultural do costume.
Primeiro, vamos ter, do Grupo Roxo, pela voz da Diana
Camões, um poema de Florbela Espanca, chamado "Ser Poeta”. O Grupo Roxo
escolheu este poema pois, metaforicamente, ser poeta é comparável a ser
político ou estadista. Tal como o poeta, o verdadeiro político é mais do que um
simples mortal, experimenta vontades, tem luz própria, astro que flameja.
Tal como o poeta, o verdadeiro político anseia ser
completo, atingir a totalidade do seu ser. Vive numa constante batalha,
desejando atingir o infinito, utilizando como proteção o que de mais precioso
tem, ouro e cetim, ou seja, a sua imaginação.
Numa nota final, tal como o poeta, o verdadeiro político
atinge a totalidade do seu ser, a plenitude, ama profundamente, e não tem medo
de se mostrar a toda a gente.
O Grupo Cinzento escolheu o poema "O Sonho”, de Sebastião
da Gama; vai ser declamado por Bárbara do Amaral Correia.
O Grupo Cinzento fez esta escolha a pensar num dos
convidados desta noite, Nour Machlah. Um poema curto, mas que transmite uma
mensagem clara: não adivinhando o que o futuro reserva, deixemos que nos cresça
a esperança, a força e a fé de que é possível concretizar os sonhos que nos
motivam. Quando estamos em caminho, somos.
Fiquemos, pois, com as vozes da Diana Camões e da Bárbara
do Amaral Correia.
[Aplausos]
Diana Camões
Ser Poeta
Ser Poeta é ser
mais alto, é ser maior
Do que os
homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e
dar como quem seja
Rei do Reino de
Aquém e de Além Dor!
É ter de mil
desejos o esplendor
E não saber
sequer que se deseja!
É ter cá dentro
um astro que flameja,
É ter garras e
asas de condor!
É ter fome, é
ter sede de Infinito!
Por elmo, as
manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o
mundo num só grito!
E é amar-te,
assim, perdidamente...
É seres alma e
sangue e vida em mim
E dizê-lo
cantando a toda gente!
[Aplausos]
Bárbara do Amaral Correia
O Sonho
Pelo sonho é
que vamos,
comovidos e
mudos.
Chegamos? Não
chegamos?
Haja ou não
haja frutos,
pelo sonho é
que vamos.
Basta a fé no
que temos.
Basta a
esperança naquilo
que talvez não
teremos.
Basta que a
alma demos,
com a mesma
alegria,
ao que
desconhecemos
e do que é do
dia a dia.
Chegamos? Não
chegamos?
– Partimos.
Vamos. Somos.
[Aplausos]
Tiago Lorga
Minhas senhoras e meus senhores, muito boa noite.
Neste jantar somos agraciados pela presença da Sr.ª
Professora Mónica Ferro, doutoranda em Relações Internacionais, e deputada à
Assembleia da República no XXII Governo Constitucional. Atualmente, Mónica
Ferro é membro da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas.
É também presidente do grupo parlamentar português sobre população e
desenvolvimento.
Especialista na área de relações internacionais, esta
ávida leitora conta no seu currículo com inúmeras publicações em variadas
revistas, bem como livros e artigos publicados sobre a Organização das Nações
Unidas. Mónica Ferro faz também parte da Amnistia Internacional.
Outra presença também bastante representativa esta noite
é a de um jovem sírio, estudante de arquitetura, residente em Portugal, e que
se descreve como public speaker. De
seu nome Nour Machlah, dá inúmeras conferências sobre direitos humanos e também
palestras em universidades e escolas europeias, sempre muito no enfoque das
migrações e da crise dos refugiados, que é um problema que acompanha de perto e
que terá certamente moldado a sua vida.
Participou também em missões de voluntariado e fomenta a
promoção da integração e, acima de tudo, o diálogo entre diferentes culturas e
religiões.
Como sabemos, hoje em dia, a Europa é um continente que,
cada vez mais, olha para o seu umbigo, que se fecha, que constrói muralhas, que
ergue muros. E que tenta, a todo o custo, ignorar que o mundo em seu redor se
está a desmoronar – é um mundo que está a ser consumido pela gangrena da
guerra. Através das ações da Europa, de certa forma, transformamos mares em
cemitérios, deixamos cidades serem arrasadas e ocorrer uma carnificina diária.
A situação da Síria, em particular, é uma situação que já
se arrasta há muito tempo. Mas, para a Europa, esta situação é vista através de
uma atitude indiferente – uma Europa impávida e serena.
Isto é motivo de vergonha. É inadmissível que num
continente, o seio de valores tão nobres e tão prezados, como a liberdade, a
igualdade e a fraternidade, se verifiquem estes atentados, estes movimentos
xenófobos, racistas, este nacionalismo exacerbado que tem medo do futuro, que
tem medo da diversidade e da mudança. Verifica-se, portanto, na Europa, uma
imensa inércia à ação.
Apesar deste sombrio panorama, aqui, nesta sala, neste
preciso momento, temos um triunfo. Temos a virtude da humanidade. Por maiores
que sejam as diferenças culturais, sociais, políticas, económicas, religiosas,
prevalecerá sempre o valor da humanidade que nos é intrínseca. Que é a base e o
eixo de toda a civilização.
Este é o momento de agir. É o momento que nos põe à prova
e em que é necessária coragem. Este é o momento em que nos mostramos
solidários, dignos da nossa condição, da humanidade que tão bem nos carateriza,
que tão bem nos define, que nos dá um nome.
Assim sendo, eu, em nome da equipa verde, gostaria de
propor um brinde à promoção dos direitos humanos. A nós todos, cidadãos do
mundo, brindemos.
[Brinde e Aplausos]
Dep.Carlos Coelho
Senhora professora Mónica Ferro, senhor arquiteto Nour
Machlah, senhor deputado Duarte Marques, senhora deputada Margarida Balseiro
Lopes, senhor Presidente da Câmara Municipal de Sousel, senhor presidente do
Conselho Nacional de Juventude, senhora professora Conceição Fronteira, senhor Dr.
Nuno Matias, minhas senhoras e meus senhores;
Temos dois convidados neste jantar-conferência, duas
pessoas especiais, pelo seu trajeto e pela sua experiência. A Prof.ª Mónica
Ferro é uma repetente, já esteve várias vezes aqui na Universidade de Verão a
nosso pedido. É claramente das pessoas que mais sabe sobre ONU em Portugal, é
uma das melhores especialistas de âmbito internacional. Foi nossa deputada. É
membro do conselho de administração do Instituto Sá Carneiro.
Tem como hobby ler, diz que é uma leitora compulsiva.
Como comida preferida o sushi, levava para uma ilha deserta (se calhar, na ilha
deserta bastava pescar, não precisava de levar); o animal preferido são todos
os que voam (portanto, nós, seres rastejantes, não estamos nas preferências da
nossa convidada); o livro que sugere, "A Guerra do Fim do Mundo”, de Mario Vargas
Llosa; o filme que nos sugere, "Ágora”; e a qualidade que mais aprecia é a
perseverança que acha, e bem, que não devemos confundir com teimosia.
Nour Machlah é arquiteto, está em Portugal no âmbito de
um programa encabeçado pelo antigo Presidente da República, Jorge Sampaio. Tem
vários hobbies, gosta de ler. Tem como comida preferida os spaghetti com carne
de vaca e tomates (há também outros pratos sírios típicos que gosta muito). O
animal preferido é o mais comum na Universidade de Verão, é o cão, mas também
os pássaros. O livro que nos sugere é "Start with Why”; o filme que sugere
"Pursuit of Happiness”; e a qualidade que mais aprecia é a confiança, a quality of trust.
Antes de fazer as primeiras perguntas a estes nossos dois
convidados, convido-vos a ver um pequeno filme do nosso convidado sírio a
estudantes da Universidade Nova de Lisboa.
So my name is
Nour, I’m Syrian from Aleppo, I am 23 years old, and this is Lisboa. This is my
story.
You know,
maybe the hardest part in my life here that’s when I walk in the street and I
see the people how they have their normal life, how they are enjoying their
life and I remember our life before the war. We had the same.
Maybe we have
different cultures, Syria and Portugal, different religions, but believe me we
are not so much far from your life here. We have our dreams, we have our life,
we had a good life before, we were not perfect but we had a good life.
I was studying
in the University, in architects and engineering. I had a lot of friends, I had
my family. Do you know, when you have everything and suddenly you lose
everything, and I lost friends, I lost family, I lost the people, I lost my
home, I lost my work. And do you know that after three years I can see clearly
that the only think I always think about is the people I lost. If you lose the
money maybe you can… it’s not that important, but how I can have the old people
again? It’s hard.
When I came to
Portugal, I was in Lebanon, in Turkey, and they were good people there but I
didn’t feel home never, because they say East or West, home is better. And wherever
you’ll go you not feel the feeling that you are in your home, in your country,
in your city.
When I arrived
in Évora, I was mad because I want a big city like my city in Syria. So much
people, it’s different from Évora, it is not even a city, is a town. But since
the first day I was walking and I remember that my mother called me, she was
worried about me, she said: are you fine? And it was the first time since the
beginning of the war that I told her: "Don’t worry, I am home.”
She didn’t
understand me, but later she discovered that I really feel home in Évora. Not
just because of the people – the people are great – but also the city, it’s old
and wherever I walk on the city I remember everything in my city in Syria. So,
every time new people meet me and they ask the same question: tell us what you
feel. What you feel it’s just the words, and if I want to talk about, I need
three years, like the three years I was far of my country.
But what I
really feel is that whatever was your life complicated, and whatever you have a
dream and is hard to be real, don’t feel the meaning of that things you have until
you have to lose it. Because I never think that I loved my country that much
until I lost it. I never felt that I love my mother, my father, my family until
now. I never felt that I will be broken inside when I will be far away from my
friends, and it’s real.
It’s something
that annoys me every day. I have good friends here, I have a new family here,
they are trying the best to make me fell home, but it’s not about them, it’s
about me. I believe that the time will fix everything and now I’m better than
yesterday, and tomorrow I will be better than today.
I don’t know
how to say thanks to Portugal. But I want to say something. Few years ago,
before the war, we received many refugees from Iraq, from Palestine, from
Lebanon. And we were helping them with everything. We felt we must help them
because we are all humans, you know, and what was worth for us is that we watch
them smiling, when you give the happiness for someone. That was what Portugal
gave me. I was lost in Turkey and I was searching, in any way, to complete my
studies. It’s hard because it’s closed everywhere you go, they don’t give you
visa to go. Even in your country, even in Europe.
When they
called from Portugal and they said "you are accepted in the scholarship and we
want you to study here”, and I still remember that I was telling to the
responsible that: "are you sure, me?” She said: "yes”. And I said: "well, It’s
difficult, I don’t have the money of the tickets and I don’t want to ask my
family anything more, I feel it’s enough”. And she said "don’t worry about
anything, just come; we will give you the chance to complete your studies”.
I am happy
now, and if Portugal needs anything I can do for it, I will do it without
thinking. You did the things that the Arab countries didn’t do; and I am saying
the Arab counties because they are closest for us more than Portugal. I mean,
we have the same language, we have the same culture, we have the same religion,
but I discovered that alike is not like that. It’s not about what is your
religion, it’s not about what is your culture, it’s about what is you. That’s
why I love Portugal.
Now everything
is fine. I am trying to be fine. Sometimes I close the door on my room and I
watch the news. It’s something so much bad, everyday people die there, and the
problem is that you can’t do anything. It’s my past life and it still with my
new life. Is not like a page you turned off and you start a new page. I can’t
do that. I have people I love there, I love my country and I am worried about
it.
The problem is
that what is happening is not our fault, not the Syrian people fault, so I hope
everything will be fine.
Thank you for
today, I enjoyed the lunch, I like Lisboa. I really want to come again because
two days is not enough to see the city.
So thank you
everybody here. I love your land, I love Portugal.
[Aplausos]
Eu tenho o privilégio de fazer as primeiras perguntas.
Faria primeiro uma pergunta ao Nour, depois outra pergunta à Mónica. As
perguntas vamos fazer em português; o Nour percebe o português, ele dará as
respostas em inglês porque, para ele - embora fale português -, está mais à
vontade em responder em inglês. E a Prof.ª Mónica Ferro falará em português.
Nour, uma das perguntas que fazemos, sobretudo depois de
ver este testemunho eloquente de quem entrou em Portugal e ficou com uma boa
imagem do nosso país, é porque é que isso não sucede com outros refugiados
sírios. Temos notícias de muito refugiados sírios que preferem outros países da
Europa e praticamente não há nenhum a querer vir para Portugal.
Porque é que os seus compatriotas não escolhem Portugal
como destino do seu refúgio?
Minhas senhoras e meus senhores, no nosso jantar na
Universidade de Verão de 2016, Nour Machlah.
[Aplausos]
Nour Machlah
Boa noite. Obrigado a todos. Thank you a
lot for inviting me, for introducing me and for this nice dinner with this
young people. I feel happy when I attend events with the young people because I
believe you are the future. So I am with the new leaders of the world.
It is a really
important question. This video was recorded more or less after one year I
arrived in Portugal. So everything I’ve got about Portugal was during this one
year. So I had the time to know more about your culture, about your way of
living, about your food, about you music; how you deal with the foreigners,
with the immigrants, with the refugees. That took time for me.
And as I
always say, what I knew about Portugal was really few things. I always mention
these things every time I speak. Like I am studding architecture, so it was
really normal to know Álvaro Siza Vieira, like everybody knows Cristiano
Ronaldo. It’s really main things. But to know about the life in Portugal, I didn’t
know that until I experienced that in your country, until I live with the
Portuguese.
And I was
lucky because, as I said, I was not happy in the beginning when I went to
Évora, because I wanted a big city. But the first day in Évora when I found the
people are waiting for me and I start to meet them, I start to know more about
the Portuguese people and being in a small city is really something good for
the new arrivals, because it’s easier for them to be integrated faster.
So yes, after
I got my time enough, I knew the culture, the people, I felt now I am feeling
happy here, like is home for me.
Those people
who are now in Greece or in Turkey or in Lebanon or still in Syria, they don’t know
that about Portugal, and I got that questions every day in my Faceebook, like
what are you doing in Portugal? - I am living here! – Why are you not in
another country? - Because I have my life here.
And I try to
show my life on Facebook, because I want to show my people that I have the same
life I had before. I go to parties, I have the classes at university, I do
"Queima das Fitas”, I do all the events you do.
I am trying to
be integrated in the community. That doesn’t mean – and this is really
important point – doesn't mean I forgotten about my culture. No, I am the same;
I am that Muslim who prays five times a day. But at the same time, I am living
fine here.
So that was
important, and this is the missing link between those people who are not in
Portugal and between me and Portugal – I knew about Portugal after I arrived.
So I think
Portuguese people, like you are the young, you need to work more to show the
big image of your country in the world. I don’t know if you accept but I feel
myself Portuguese. So I think your country has great history, I read about that
a lot. You need to show the big image of your country better than you show now.
Portugal - and
this is a report I read three days ago – is the must easy integrated country in
Europe for the foreigners. Porto, for example, was the most visited destination
in 2014. We are talking about Europe, it is not one, two countries. I think
Portugal deserve working more in the image of Portugal, what is Portugal, the
culture of Portuguese people. These things that refugees don’t know. Why are refugees
going to Germany or prefer Germany? Because we already have Syrians in Germany
even before the war. We had a lot of scholarships studying in Germany. I have
my cousins, for example, studying in Germany before the war. We had a good
community in Germany. And people in general prefer what they know for what they
don’t know.
So they know
the Syrian community in Germany, they are living fine, so let’s go to Germany.
Also something
else – I am not going to talk about politics here – but when the person who
represents the country and the media said "I want to help refugees”, that was
something, a good sign, the refugees feel more save – ok, there is someone
wants to help. This is different. It’s maybe small details but it’s all… that’s
why people when they know nothing about Portugal, I was telling ”senhor aqui”
that (sorry for mixing the languages, this is happening always).
I got a call
from a Syrian in Greece telling me that with the resettlement process the
country chosen was Portugal. And he told me: I come or not? And I was like: "I
really don’t know; if I tell you to come, and you will not enjoy your life
here, you’ll say: you told me to came and is not a good country. And if I tell
you don’t come, you know the situation in the camps”. Then I ask him: "do you
have anybody with you?” He said: "I have a kid”. And I said: "what are you
waiting for, come. It’s a safe place, good people, everybody will help, and you
have a chance to do something new in your life”.
I am a student.
I was lucky because I’ve got a lot of help from international students, that’s
why I joined my system network working with them because I found it very good
to help other coming to Portugal to be integrated faster.
So I think
this is the point. Thank you.
[Aplausos]
Dep.Carlos Coelho
Senhora Professora Mónica Ferro, há muita confusão sobre
o que são refugiados, há quem confunda refugiados com emigrantes económicos. Há
muita manipulação relativamente aos números, há muito exagero relativamente à
dimensão deste fenómeno.
Ainda hoje, na visita a Castelo de Vide, aqueles que a
fizeram, o antigo Presidente da Câmara, que nos serviu de guia, recordava o
momento em que Portugal aceitou os judeus de Espanha e corresponderam a dez por
cento da população portuguesa da altura. Isso significa que se quinhentos
milhões de europeus tivessem a mesma generosidade que Portugal teve na altura
para receber os judeus vindos de Espanha, estaríamos prontos a receber
cinquenta milhões de refugiados, e parece que é um escândalo quando um milhão cruza
as fronteiras.
E há a ideia de que isto é facultativo, que nós não temos
obrigações. Que a comunidade internacional não é obrigada a aceitar refugiados.
Qual é, para uma especialista de Direito Internacional, a verdadeira realidade
da questão dos refugiados e deste fenómeno em Portugal e na Europa?
Minhas senhoras e meus senhores, neste jantar da
Universidade de Verão de 2016, uma vez mais convidada da Universidade de Verão,
a Prof.ª Mónica Ferro.
[Aplausos]
Mónica Ferro
Boa noite a todos e a todas. Posso só agradecer, Carlos?
Queria agradecer mais uma vez, e fá-lo-ia na pessoa do Reitor Carlos Coelho, o
convite para cá estar hoje. É sempre um gosto muito grande, aprendo sempre
imenso, saio daqui sempre muito provocada pelas vossas questões, e isso é bom
porque nos faz pensar e é isso que também nos faz crescer.
O tema de hoje - e nós ouvimo-lo na primeira pessoa, e
portanto não há muito mais que se possa acrescentar – por isso vou tentar só
maçar-vos com alguns detalhes jurídicos, mas que são pormenores de muita
importância. O Carlos Coelho começou exatamente pelas questões que, para mim,
são as mais fundamentais, que é as palavras importam e os números importam
muito também.
E portanto eu queria começar apenas com uma premissa, se
me permitirem, até pode ser uma declaração de interesses. Eu digo, muitas
vezes, que o meu coração é azul. E é azul por todas as razões que estão a
pensar, também do Futebol Clube do Porto. Eu ainda hoje vi uma fotografia do
Nour com uma camisola do Futebol Clube do Porto, que acho que lhe ficava
muitíssimo bem. Mas eu, quando digo que o meu coração é azul, é exatamente o
azul das Nações Unidas, é o azul da União Europeia. Ou seja, eu acredito em
organizações internacionais, eu acredito no Direito, eu acredito no multilateralismo,
e acredito que os problemas, quando são globais, têm que ser resolvidos
globalmente. Portanto, a minha solução para este problema e a minha visão para
este problema é azul. Aí não tenho dúvidas nenhumas.
E pelo muito que eu já trabalhei com estas matérias, e
com a população, há algo que eu gostava de vos dizer já, que é: se pensarem que
nós somos sete vírgula três mil milhões pessoas no planeta, e se pensarem,
dizem as Nações Unidas, que trinta e três por cento destas pessoas moram num
sítio distinto daqueles em que nasceram, nós facilmente percebemos que a
humanidade é uma humanidade em movimento. Faz parte do nosso código, da nossa
maneira de estar. Nós movemo-nos, vamos à procura de uma formação melhor.
Quantos de vocês vivem em cidades diferentes daquelas em que nasceram…
Eu vim do Porto para Lisboa para estudar. E depois, adoro
o Porto, mas a luz de Lisboa encantou-me, e perdoem-me, não saí mais de Lisboa.
Mas a verdade é que a nossa vida é feita de movimento, nós somos um povo em
movimento. E portanto, quando nós pensamos nestes fenómenos, nós imediatamente
pensamos que está na nossa natureza o movimento.
E a verdade é que, nos últimos tempos, nós fomos
assistindo a uma chamada de atenção, é como se o foco da nossa atenção fosse
desviado, felizmente, para realidades que nos eram relativamente próximas, e
que estavam a acontecer há muito tempo, mas que nós, pura e simplesmente, não
olhávamos para elas.
A crise dos refugiados, este drama humanitário que nós
temos, que, como alguém dizia, transformou o Mediterrâneo num grande cemitério,
estava a acontecer há muito tempo. A Europa sabia que estava a acontecer,
tardámos na resposta. Mas a verdade é que nós nos deixamos muitas vezes
confundir com as palavras. E a verdade é que quando nós falamos de migrante,
nós estamos a falar de alguém que se move, alguém que mudou do sítio onde
nasceu para outro sítio.
Dentro da categoria de migrante, nós falamos muitas vezes
de pessoas internamente deslocadas. São pessoas que foram forçadas a sair do
sítio onde nasceram, onde viviam, por razões que podem ser razões de conflito,
razões de crise. E agora arriscava aqui um bocadinho – não sei se tenho aqui
juristas, esta é sempre a parte complicada – até por razões de degradação
ambiental.
E quando nós falamos de refugiados estamos a falar de
pessoas que têm um regime jurídico específico previsto. Há regras que nos
permitem classificar o que é um refugiado e há regras que também nos dizem qual
o leque de direito e obrigações que estas pessoas têm.
E para não falhar, a Convenção diz – Convenção é de 1951
– diz que que um refugiado é uma pessoa que, em consequência de acontecimentos
ocorridos antes de 1 de janeiro de 1951, e receando com razão ser perseguida em
virtude – e agora notem – da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, filiação
em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país
de que tenha nacionalidade e não possa, em virtude daquele receio, não queira pedir
a proteção daquele país.
Portanto, estamos a falar de um número de pessoas que se
moveram, estamos a falar de um número de migrantes – moveram-se – de pessoas
deslocadas, não internamente, porque o migrante pressupõe a passagem de
fronteiras - é isto que nos permite distinguir uma pessoa internamente
deslocada de um refugiado -, mas é sobretudo uma pessoa que, por razões
fundadas, sabe que não pode contar com a proteção do seu país e tem receio de
voltar ao seu sítio de origem, exatamente por temer pela sua vida, por temer
pela sua existência.
Portanto, quando nós olhamos para o elevado número de
pessoas que têm tentado atravessar o Mediterrâneo, que vêm pelas rotas
terrestres europeias, nós sabemos que muitas dessas pessoas, na realidade, não
são migrantes, são refugiados. São pessoas que fogem dos seus lares, sabendo
que a eles não podem voltar por guerras, conflitos, perseguições, violações de
direitos humanos e, embora isto não esteja plasmado nas convenções
internacionais, podemos até dizer que muitas das pessoas fogem das suas terras
por as alterações climáticas terem tornado impossível a vida nesses sítios. Ou
muitos que fogem das suas terras porque não têm possibilidade de ter uma
subsistência para si e para as suas famílias, podemos dizer que essas pessoas
são, de uma certa forma, também elas refugidas porque não podem ficar no seu
país. Mas a Convenção não prevê estas pessoas.
Portanto, nós podemos ouvir falar de refugiados
económicos - o conceito não existe. É um conceito que visa chamar a atenção
para o facto de haver pessoas que são forçadas a fugir do seu país porque não
têm maneira de se sustentarem no país de onde são originários; e podem também
ouvir falar de refugiados ambientais, embora o conceito também não exista.
Para quem gostar desta matéria – e não quero fugir ao
tema de hoje – há uma experiência que está a ser levada a cabo na Nova
Zelândia. É uma experiência muito interessante de um senhor chamado Ioane
Teitiota, ele é do Quiribati, estão a ver um daqueles Estados do Pacífico, um
daqueles Estados que se está a afundar. À medida que o nível médio das águas do
mar sobe, o país está-se literalmente a afundar. Ele trabalhava na Nova
Zelândia, o seu visto de trabalho expirou e o seu advogado decidiu que ia fazer
dele um caso de estudo, e então sugeriu-lhe que ele se propusesse a ser o
primeiro refugiado ambiental do mundo. Ou seja, dizendo à Nova Zelândia eu não
posso voltar para o meu país, porque eu estou a deixar de ter país. E portanto
eu não posso voltar para um território que daqui a uns anos vai estar submerso.
É um estudo interessante, é um dossier muito
interessante. Não está a correr muito bem, para ser totalmente honesta, mas é
uma tentativa muito interessante esta a de podermos consagrar refugiados ambientais
e, neste caso concreto, creio que até é fácil de explicar. Ele vai deixar de
ter país, e como vai deixar de ter país, tentou este argumento. Ele agora está
a tentar um argumento novo; como no Quiribati a mortalidade infantil é muito
alta e ele tem dois filhos, e está a dizer que não pode voltar para o Quiribati
porque vai sujeitar os seus filhos a um nível de mortalidade inaceitável e
portanto não quer correr esse risco. Mas de facto não está a correr muito bem.
Portanto, na realidade, quando nós falamos de refugiados
não estamos a incluir estas pessoas. É claro que alguns de nós, entre os quais
eu me incluo, de vez em quando temos uns ímpetos otimistas e dizemos por que
não reabrir a Convenção? A Convenção é de 51, é complementada por um protocolo
adicional da década de setenta, e por várias diretivas – porque é que não vamos
abrir a Convenção? Vamos incluir estes casos novos. Estava muito otimista com
isso, até com o nosso Gonçalo Matias – creio que muitos de vós o conheceis –
até de lançarmos uma plataforma para abrir isto à reflexão, quando numa
entrevista a António Guterres, como sabem o candidato português a
Secretário-geral das Nações Unidas e que está a fazer uma campanha
absolutamente brilhante… próxima votação para a semana, mantenham-se atentos. E
para a próxima semana parece que já vai haver boletins com cores, portanto já
vamos saber em que é que os membros permanentes do Conselho de Segurança vão
votar ou não – isso já nos dá mais alguns sinais.
Mas quando lhe perguntaram porque que não se reabria a Convenção,
ele responde, muito simplesmente, porque o nível de solidariedade dos Estados,
hoje, é menor do que era em 51, e se nós abríssemos a Convenção, se calhar, nem
conseguíamos o que tínhamos conseguido em 1951. E portanto, é este o estado da
arte. É nós termos consciência de que a solidariedade internacional, hoje, é
menor do que a que era no fim da Segunda Guerra Mundial, quando o drama
humanitário é maior hoje do que algum dia foi desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
E é com isto que nós somos confrontados na nossa ação
política. E nós somos todos atores políticos. É nós sabermos que a
solidariedade internacional, que não é um direito, é uma obrigação, é uma
obrigação internacional. Esta Convenção, da qual Portugal também é subscritor,
torna-nos obrigados, pelo menos a aceitar e a fazer entrevistas a candidatos à
proteção internacional. Portugal tem neste momento 478 requerentes de proteção
internacional – e pedi para me confirmarem os números – que foram recolocados em
Portugal. 171 oriundos de campos na Itália e 307 oriundos de campos na Grécia.
Esta reflexão é interessante. Pensarem porque é que o
Direito Internacional não acompanha as necessidades sociais e políticas a que
nós temos que dar respostas. E como os números importam, e o Carlos Coelho usou
o número mais importante de todos, nós não estamos a falar – e esta linguagem é
altamente desumanizante, e eu espero ter aqui alguns especialistas em
comunicação social, estudantes desta matéria –, nós não podemos nos referir a
estas pessoas, que arriscam a vida a atravessar o Mediterrâneo, como horda,
vaga, fluxo, enxame – não podemos! São pessoas que fogem, não a procurar uma
vida melhor, mas porque não têm vida no sítio de onde saíram. Portanto, pelo
menos alguma dignidade nas palavras com que os tratamos. Isto desumaniza as
pessoas.
E se querem que vos diga, muita da resposta negativa que
nós recebemos das pessoas tem a ver exatamente com o uso repetido desta
linguagem. Nós tratamos estes candidatos, estes requerentes de proteção
internacional, como se fossem menos humanos do que nós – e não são. São pessoas
que têm exatamente os nossos pulsares, têm exatamente as nossas ambições, e
muitos deles – desculpem a parte pessoal, eu tenho duas filhas – muitos deles
arriscam-se a atravessar o Mediterrâneo num bote de borracha com os filhos.
Garanto-vos que um pai e uma mãe têm que estar muito desesperados para fazerem
isto, trazendo os filhos consigo.
Portanto, o discurso da securitização também, que nos diz
que virão jiadistas infiltrados no
meio destes botes, mais uma vez cito o nosso António Guterres: esses vêm de
avião, ou esses já cá estão.
Para quem acha que os meus números são sempre números de
ONGs de direitos humanos, como se isso tivesse alguma coisa de negativo, vejam os
números da Europol. O diretor da Europol disse, ainda este ano, que há na
Europa cerca três a cinco mil jovens, homens, radicalizados, prestes a cometer
atentados. Fechar as fronteiras não resolve nada. A ameaça está dentro de nós,
e a ameaça tem de ser combatida cá, desta maneira.
E só para vos dar um cheirinho dos números, nós temos,
hoje, cerca de 16,1 milhões de refugiados, é o número mais alto desde o fim da
Segunda Guerra Mundial. O número total é de 21,3 porque 5,2 milhões são
palestinianos que vivem em cerca de sessenta campos no Médio Oriente, e esses
não estão no mandato do ACNUR, e eu estava a usar os números do ACNUR.
Mas para quem acha que a Europa está a ser invadida pela
tal horda de refugiados, a verdade é que há algo que nos permite desde logo
distinguir o objetivo de um refugiado de um migrante. O migrante,
tradicionalmente, migra para onde há uma oportunidade de emprego. Os refugiados
ficam nos países vizinhos. Porque ficam nos países vizinhos à espera que a
situação na sua terra se altere para poderem regressar.
Portanto, quem é que quer adivinhar onde estão a maior
parte dos refugiados? No Médio Oriente e em África. Onde estão as crises que
mais estão a provocar esta vaga de pessoas em fuga. Portanto, a maior parte dos
migrantes estão no Médio Oriente e no Norte de África. Portanto, não será
surpreendente se eu vos disser que 54% dos refugiados são sobretudo oriundos de
três países: da Síria, 4,9 milhões de pessoas, do Afeganistão 2,7 milhões de
pessoas e da Somália 1,2 milhões de pessoas. Isto quer dizer que, todos os dias,
mais de trinta e três mil pessoas deixam os seus lares, fugindo da guerra, da
perseguição e da violação dos direitos humanos.
E o que é que nós temos a ver com isto? Porque é que
vieram para a Europa? A primeira coisa que me ocorre – e ninguém vai ficar
zangado – é responder como o outro respondeu: é a geografia, estúpido. De
facto, é a geografia, não é? Para quem gosta de geografia, eu aprendi que o
Mediterrâneo era um mar que nos unia. Porque é um mar pequeno, é um mar que
aproxima a Europa do Norte de África, e portanto é fácil chegar à Europa.
E vocês têm estes conflitos nas margens da Europa, a
olhar para um continente que é o continente do bem-estar, é o continente da
segurança e, vejam lá… estas pessoas até se acreditaram que nós eramos o
continente dos valores. E acreditaram que, para nós, o humanismo, de facto, era
um valor importante, e que os iríamos receber e que iríamos aplicar as normas
de direito internacional, das quais nós somos, na sua maior parte, os
fundadores. E portanto, não se podem surpreender por estas pessoas terem
escolhido a Europa, porque, de facto, nós lhes prometemos que éramos o espaço
mais avançado de bem-estar, de segurança e de promoção de valores. E é com isso
que nós temos de lidar.
E muitos deles, como dizia o Nour, porque têm família cá.
Muitas destas pessoas têm família a viver na Alemanha, a viver na Suécia. E
isto também testou o sistema de Dublin, o sistema europeu de tratamento destas
questões, que diz que os refugiados, ou os requerentes de asilo, têm que ficar
no país onde entram na União Europeia. Mas a maior parte destas pessoas não
quer ficar na Itália e não quer ficar na Grécia, mas são estes os países que
estão a ser o mais sobrecarregados com estas chegadas.
Imaginem a Grécia, no meio de uma crise económica
terrível, que tem milhares de ilhas – como o Carlos dizia numa conferência -,
mesmo que quisesse pôr um funcionário da Frontex em cada ilha, não chegava. Não
há tantos funcionários da Frontex quanto ilhas europeias. Imaginem-se agora ter
que lidar com este grande número de pessoas que querem tratar com dignidade. É
impossível.
E o que é que a Europa fez à Grécia? Disse-lhes: atenção,
vocês não conseguem aguentar o sistema de Schengen, se calhar vão ser excluídos
do sistema de Schengen. E foi isso, também, que levou Tsipras a dizer - numa
declaração já bastante acalorado -, a dizer que a Grécia não admitia ser um
armazém de almas, por muito dinheiro que nós lhe dessemos para o fazer.
E, portanto, a Europa vai tentando estas várias
respostas, vamos tentando negociar com a Turquia um acordo que, na minha
opinião, é apenas a externalização de um problema que é nosso. Eu tenho muitas
dúvidas se a Turquia é um Estado seguro – podemos depois falar sobre isso, se
quiserem -, se a Turquia é um Estado seguro para efeitos da Convenção, se a
gente pode dizer à Turquia: vocês fiquem com os refugiados e tratem deles com a
dignidade que eles merecem, e várias outras respostas europeias, como agora
esta multa de solidariedade… Não se chama, chama-se contribuição de
solidariedade. O sistema europeu agora diz que cada Estado vai recebendo
candidatos requerentes de proteção internacional, e quando atingir um limite
que vai ser tablado dispara um sistema informático que diz que esses candidatos
passam para outro país.
Até aqui tudo bem. Parece-me aceitável. É a
comunitarização deste sistema. Aqui o grande problema é que o Estado onde o
requerente ia cair a seguir pode-se recusar a fazê-lo, desde que pague – e
agora vocês escolhem o termo – uma contribuição de solidariedade ou uma multa.
Eu acho que é uma multa. Na realidade, é dizer aos Estados: vocês podem não ser
solidários, desde que paguem uma multa.
E só para terminar, para não ser demasiado chata nesta
primeira intervenção, eu gostava que pensassem numa coisa comigo.
Primeiro, não há provas de que os migrantes e os
refugiados baixem o nível salarial das economias onde se vão hospedar. Não há
provas disso. Esta ideia de que as pessoas vêm para Portugal e vão fazer com
que todos nós recebamos menos pelos nossos trabalhos, não há provas nenhumas,
não há nenhum estudo que comprove isso.
Por outro lado, a Europa está envelhecida, Portugal tem
um défice demográfico. Nós temos menos gente do que aquela que precisávamos
para manter o nosso Estado Social a funcionar como gostamos. Temos duas
soluções: ou aguentamos ou deixamos abrir as portas à migração. Aliás, a nossa
crise demográfica só se verificou quando ucranianos e brasileiros voltaram a
casa, porque as crises nos seus países tinham amenizado.
E portanto estamos a falar de pessoas que nos podem vir
ajudar a equilibrar a demografia do nosso país. Estamos a falar de mão-de-obra,
na sua maior parte, qualificada. Aposto que muitos de vós foram surpreendidos
pelo facto de muitas destas pessoas terem qualificações. E alguns até dizem:
até trazem telemóveis e Ipads. São coisas distintas, não é? São coisas, esta
ideia, a imagem que nós tínhamos de um refugiado.
E não se esqueçam de outra coisa. Cada dólar, cada euro
que o Estado gasta no acolhimento destes refugiados é um dólar que alguém na
sociedade ganha também. Até pode ser um bom negócio acolher estas pessoas. Este
é o argumento que eu uso quando os argumentos de direitos humanos já me
falharam todos. Mas decidi também tentar esse, pensem também na economia.
Portanto, há muitos mitos que têm de ser desmontados, há
muitas realidades que têm de ser conhecidas de outra forma, e acho que o facto
de nós termos tido aqui hoje um depoimento na primeira pessoa do Nour, que nos
veio mostrar como é que nós somos – na realidade, o que ele fez foi mostrar-nos
o que é ser português –, acho que nos pode inspirar a todos para partilharmos
um bocadinho mais desta humanidade que, afinal, é igual, independentemente do
lado do Mediterrâneo em que nós possamos viver.
Muito obrigada.
[Aplausos]
Dep.Carlos Coelho
Vamos pois passar para o primeiro ciclo de perguntas.
Vamos ouvir as perguntas do Grupo Cinzento, através do Gonçalo Sousa Correia, e
do Grupo Bege, através da Mariana Roque da Cunha.
Gonçalo Sousa Correia
Exmo. Senhor Reitor Carlos Coelho, Exma. Prof.ª Doutora
Mónica Ferro, caríssimo Nour, senhoras e senhores;
Começo a minha intervenção, que será naturalmente uma
pergunta, por tentar fazer aqui um exercício de comparação. Nós há pouquíssimo tempo,
há pouquíssimas semanas, tivemos no centro da Europa, pertíssimo de nós, um
gravíssimo terramoto em Itália, em Amatrice, que, talvez pela proximidade, por
estar tão perto de nós, e por nós sabermos desse acontecimento, tivemos os
nossos corações cheios de pena, com muita tristeza – eu pessoalmente, por
razões que me são muito pessoais, mesmo.
Mas, não sei se sabem, na Birmânia tivemos um terramoto
exatamente no mesmo dia, mas muitos de nós, se calhar a grande maioria, não
tivemos conhecimento disso. Talvez por a Birmânia ser um país longínquo, a que
não estamos habituados a ouvir falar, e, como tal, não soubemos dessa
informação, portanto, não tivemos o tal sentimento de pena, como tivemos dos
italianos.
Feita esta comparação, falo-vos agora do caso dos
refugiados. Como sabem, a guerra na Síria já está em curso, se é que posso usar
este termo, há imenso tempo, mas só no ano passado, com a imagem brutal que o
mundo assistiu, o mundo viu, do bebé na praia grega ou turca, não consigo
precisar agora, e as imagens também violentíssimas dos refugiados a tentarem
entrar nas estações de comboio – lembro-me da estação de Budapeste, na Hungria
–, foram imagens que nos chocaram particularmente, e creio que só aí o povo do
velho continente conseguiu acordar para esta trágica, esta duríssima realidade
que é a crise dos refugiados.
E lembremos que os refugiados são pessoas tão dignas
quanto nós, com tanto direito à vida quanto nós, que largam, que deixam,
abandonam tudo, aliás como tivemos conhecimento hoje do caso do Nour, que é
tristíssimo. Nós não conseguimos estar no lugar dele porque só mesmo quem
passa, certamente.
São pessoas que vêm à procura de uma vida nova, que têm
como assunção máxima a fuga à guerra e a procura pelas necessidades básicas,
como a saúde e a educação, e muitas outras coisas, que lá perderam e aqui as
tentam encontrar.
Mas feita a comparação com o que aconteceu em Itália, e
com esta questão dos refugiados, e fazendo uma análise introspetiva, creio que
há até aqui um certo tipo de hipocrisia, não sei se partilhável por vós, de
perceber que nós vimos a situação próxima e, aí sim, tivemos pena do que se
passa lá fora.
E a minha pergunta, que dirijo naturalmente ao Nour, é se
ele acha que a União Europeia está a responder corretamente, da melhor forma, a
esta gravíssima crise dos refugiados.
Muito obrigado.
[Aplausos]
Mariana Roque da Cunha
Boa noite. Queria saudar a Mesa e queria agradecer, mais
uma vez, a oportunidade de estarmos todos aqui, acho que é um privilégio
incrível. E lembrar também que somos mesmo privilegiados na vida que levamos.
Eu gostava de fazer uma pergunta para a Prof.ª Mónica e
outra para o Nour, mas estão bastante relacionadas, por isso acho que são
perguntas rápidas.
Então para o Nour era: tendo estado lá, em campo, mesmo,
qual é que acha que é a medida mais urgente que a Europa deveria tomar.
E para a Prof.ª Mónica, por outro lado, estando deste
lado, qual é que acha que seria a medida mais imediata que a Europa poderia
tomar.
Obrigada.
[Aplausos]
Nour Machlah
Gonçalo, sim?
Thank you, the beginning was really important to remind us of what’s going on.
Because even me, I’ve never said I am a refuge in Portugal until I see the
picture of that kid. Every time I gone in the media I say I am a student, but
when I see that picture, I start to feel proud to be a refugee, you know?
Did Europe respond
in a good way for the crisis? I think the delay of the response of Europe is
one of the causes of what we have now. If Europe – and I am not blaming the
people, as I’m blaming the governments – if the governments seek in the
beginning to solve this war, or stopped or even try to fix it in the beginning,
we do not have this war. Like you said, the war is not something recent; it’s
almost six years now. And we only start to see the refugees’ crises two years
ago or three years ago. Why? Because those people were waiting, were keeping a
chance that maybe peace will happen, maybe things will be better. So they were
sitting and waiting. But they were wanting to see air force to bomb their
houses.
I have my
mother – she only left one year ago. She prefers her kids to leave but she
wants to stay there. It’s not easy that people leaving their houses; don’t
think ever it’s easy to leave your memories what you gain all of your years
there.
So I think
Europe is responding in a really good way related to the people like you. But
when we are talking about the people who are in the power place, that they can
change something, they are not. Because instead of think about this war as a
humanitarian way, we are thinking about it in a political way.
And this is a
problem. You can´t deal with a war in a political way and in a humanitarian
way, at the same. Look to Turkey, for example. The crises in Turkey are huge.
We have millions of refuges. Jordan is the same. People are under pressure.
Don’t think that people are coming into Europe because it their first option.
It’s the last option and they don’t have more options.
So I would
answer the next question, to Mariana.
I think people
need to be a lit bit more… back to their humanity, because I had an accident in
Athens, I will never forget all my live this. I spent two days in some camps,
and then I decided to go to Victoria Square which they told me that in that
square all the refugees who arrive they stay there few hours till they got the
buses to go the Macedonian borders. I went there and I found families, around
25 families, with their babies, like every family five/six people, most of them
are woman and babies. I am not saying kids – babies, two/three years old.
And I didn’t
see any doctor; I didn’t see anyone, I saw just some police; and I ask a
photographer where the doctors and the nurses are. And they say the police
denied then from coming here. I said ok.
And I decided
with a group of the Portuguese volunteers that we go and we see what kind of
clothes these people need so we buy for them. When we went to the first family,
I saw a baby with the blue face, he was sick. I was feeling ashamed to ask the
mother what kind of clothes this kid wants; instead of cloths I could bring him
medicines. We went to the pharmacy and brought a lot of medicines. We brought
that things that we can buy as we are not doctors, like controller of
temperature, allergen and that kind of stuff.
We bought them
the medecines and we went to something like "Pingo Doce”; we bought some milk
and this sort of stuff. And because we have a huge amount of things we put it
inside the building. We enter inside the entrance; we put the things inside, to
put for every family inside a bag. And because I don’t look like Syrian – that’s
what the Europeans really say, I don’t know how the Syrians look like – some of
the guys, that is owner of the house, the ground floor, he went out of his
house and he look at us and thought are you Europeans? They are Europeans with
me. And he was smiling. After two minutes he back and he said: what are you
doing here? And we say: we are just preparing these things to the help refugees
outside. He kept us out the building. We didn’t do anything bad. We are taking
corner of the building; we are just preparing the things for them. And I was
telling him just: why? Said, if you can take those people outside with you just
do it. I just didn’t understand why.
I remember
there was a girl; she is like eight years old. I don’t understand her
nationality – she’s not Arabic. When she saw me giving some medicines to some
families, she came to my side and she put her hands on her nose and she’s
trying to tell me she has a pain here. It is really cold, you know.
And I didn’t
have any more medicines, so I told her: wait, we are sending some people to
bring more medicines from the pharmacy. Fifteen minutes, and nothing came yet,
we were waiting. Then her father came to us and he took her. In five minutes
the medicines and I spent one hour with my friends searching for the girl. And
until today sometimes I can’t sleep at night because I imagine her face telling
me: I have a pain in my noise. And I couldn’t help her.
I can not
understand how those people are left alone in the square without any treatment,
without any help; just because they are refugees?
I mean, this
is a shame, I think. I said few months ago in the European Parliament that we,
the eastern people, we think that Europe achieved really good levels in
humanity. But sometimes, when we see like these accidents, we think again
what’s going on?
So I think people just need
to be more humans, or back even to their original, to be humans. We don’t need
more. We are not asking about magical solutions. We can all fix this crises –
stop the war.
Mónica Ferro
Basicamente é isso, é ajudar a parar a guerra, é usar a
influência que a União Europeia tem, e ainda tem. A União Europeia é um grande
ator das relações internacionais, é um gigante da política externa, e começa,
timidamente, a mostrar que pode ter uma política externa comum, e usar
exatamente todo esse peso para mostrar às partes envolvidas no conflito – e é
um xadrez muito intrincado – que essa questão tem que ser prioritária. E
entretanto aumentar, fazer escalar, o nível de resposta humanitária.
Eu vou dizer a que é que me estou a referir, embora não
me possa esquecer que nós vamos tirar aqui algumas notas e vamos poder dá-las
ao Duarte Marques, porque algo que nos deve fazer orgulhar a todos – e eu sou
amiga do Duarte Marques há muitos anos – é o facto de o Duarte Marques ser o
relator do Conselho da Europa para a questão dos refugiados. Portanto, as
ideias que tenham, as soluções que tenham, é favor passar aqui ao Duarte Marques,
porque ele vai poder expô-las num relatório, e vai-nos poder ajudar também a
chegar… (eu tenho várias ideias, Duarte, já sabe como é que é aqui).
Não deixa de ser interessante do ponto de vista político,
e do ponto de vista cívico, ser um português que vai fazer esse relatório.
Portanto, acho primeiro que devemos estar todos orgulhosos do Duarte, e depois
devemos todos usar este acesso ao Duarte para lhe darmos sugestões e garantir
que esta nossa visão humanista também se vai refletir no relatório do Duarte.
Ó Mariana, eu estava a ouvi-la, e estava a ouvir o
Gonçalo também, e estava-me a lembrar que nós estávamos à espera disto, na
realidade. Quando nós olhamos para os campos… vocês sabem que as pessoas
fugiram das suas cidades natais, foram para os países limítrofes e ficaram nos
campos, com o dinheiro que tinham. Venderam muitas das coisas que tinham,
porque não se iludam, um refugiado não é uma pessoa sem posses. Um refugiado é
uma pessoa que não consegue viver no seu país e que não pode pedir proteção ao
seu país porque é perseguido, e porque teme pela sua vida.
Portanto, muitas destas pessoas tinham dinheiro, tinham
algum dinheiro que lhes permitiu viver nos campos com alguma qualidade durante
algum tempo. Entretanto, à medida que o número de pessoas nos campos se ia
avolumando, o que é que muitos países da União Europeia foram fazendo, e países
de outras paragens também? Diminuíram – atentem nisto – diminuíram o dinheiro
que davam ao programa alimentar mundial que era quem, em muitos casos, sustentava
estes campos. E nunca chegaram até ao limite de financiamento que o ACNUR lhes
pedia.
Portanto, aquilo era aquilo a que os ingleses chamam the gathering storm. Isto era uma
tempestade perfeita que se estava a formar, que nós fomos vendo, e no entanto
fizemos aquilo que em política externa nós sabemos que se pode fazer muito
poucas vezes – que é fazer nada. Porque ficamos à espera que a situação se
fosse resolvendo. A situação não se resolveu e as pessoas vieram para a Europa.
O que é que nós podemos fazer? Lidar com estas pessoas
com humanidade. Reconhecer que o fluxo de necessidades é avassalador e é
preciso solidariedade europeia. Mas nós também estamos a falar de um momento em
que nós sabemos que a solidariedade intraeuropeia também é baixíssima. Portanto,
precisamos, por um lado, de aumentar os nossos níveis de financiamento,
precisamos de reconhecer que há ali necessidades.
Eu vou falar-vos de uma necessidade muito específica, que
é uma necessidade à qual eu me dediquei muito tempo na minha vida parlamentar.
E agora o meu coração fica cheia de orgulho porque temos lá a Margarida
Balseiro Lopes que também se dedica a esta matéria – que são as matérias da
saúde sexual e reprodutiva.
Se a União Europeia já tarda em lidar com aquelas
questões e com as questões médicas, como o Nour dizia, o apoio jurídico… tudo o
que é preciso para um campo de refugiados, não imaginam o que acontece quando
nós estamos a falar das necessidades específicas das mulheres em idade
reprodutiva. Estas mulheres que estão nos campos continuam a engravidar e a ter
filhos, continuam a ter necessidades de contracetivos, continuam a ter
necessidade de pensos higiénicos. Nada disto tem sido fornecido com a
quantidade que é precisa.
Eu escrevi um artigo no Natal – que foi publicado na véspera
de Natal – em que eu dizia que as respostas humanitárias têm falhado às
mulheres. E têm falhado nestas questões. O artigo chama-se "Crianças e Mulheres
Primeiro”, e é claro que é uma ironia, porque as crianças e as mulheres estão
no fundo das respostas humanitárias. E escrevia que havia muitas coisas que
eram precisas, entre as quais pílulas, contracetivos, coisas para fazer partos
e pensos higiénicos. E recebi um e-mail de uma senhora muito chateada que achou
que era de mau gosto eu falar de pensos higiénicos por altura do Natal. Para
quem acha que é de mau gosto eu estar a falar de pensos higiénicos por altura
do jantar, saibam que, nestes campos, as meninas e as raparigas não vão à
escola se não tiverem pensos higiénicos. Por isso, nós não podemos perder esta
geração. Nós temos que, além de tudo, garantir que esta geração vai à escola
mesmo nos campos.
É isto que a União Europeia pode fazer para já. Acabar
com a guerra, mas garantir que as pessoas que cá estão, e estão nos campos,
continuam a ter um simulacro de normalidade. Não posso usar outra expressão, é
mesmo isto, é um simulacro de normalidade.
[Aplausos]
Dep.Carlos Coelho
Segundo bloco de perguntas. Tiago Carita, do Grupo Roxo;
Catarina Marquês, do Grupo Azul.
Tiago Carita
Tiago Carita -
Grupo Roxo
Boa noite. A minha pergunta dirige-se à Dr.ª Mónica
Ferro. Referiu a Convenção de 1951, que define os direitos dos refugiados. Num
mundo já evoluído, já passados sessenta anos, não acha que estes direitos já
estão desatualizados? Não acha que devia haver uma renovação de direitos? Pois
nós que estamos na União Europeia, os nossos direitos estão a ser sempre
atualizados. Esses senhores vêm para a nossa terra, também deviam ter alguma
manutenção, ou seja, renovação de direitos, pois não são nenhuns cães, digamos
assim.
Muito obrigado.
Catarina Marquês
Boa noite a todos. Exmo. Senhor Reitor Carlos Coelho,
Exma. Doutora Mónica Ferro, Exmo. Arquiteto Nour Machlah;
Agradeço do fundo do coração, e penso que em nome de
todos os meus colegas, o testemunho que aqui nos foi dado. É algo que nos toca
verdadeiramente.
Quero colocar uma questão à Dr.ª Mónica Ferro. Se acha
que será possível após o término do conflito, da guerra, ser instaurado de vez
um regime democrático ou se haverá o risco de ocorrer novamente uma ditadura
militar.
Obrigada.
Nour Machlah
Obrigado. I want to be honest. I really
like history, because history always stays at the truth. Show me one country that
has a democratic government after what’s going on now, for example. Look to
Libya, for example. Look to Iraq, or look to…
I wish if we
could have that, but the things on the field doesn’t show any sign that we will
have that later. Not at all. I wish, I really want that, it’s like a dream for
me. But nothing shows us that one day we will have that.
When we look
to Libya, what is going on Libya now? Just before the war in Libya starts the
goal was certain, we need to do this and everything will be fine. What is going
on now in Libya? People start to wish if they live in the old days. This is bad.
This is really bad. We are talking about the less bad.
It’s a right
for people to dream about the good always, the best – not the less bad thing.
This is horrible.
I am really
someone thinking in a positive way, but I don’t think we will have that. Now, I
am watching a war keeping after a war, after a war… I am watching countries, politic,
and needs, and power – like you are talking -, and money, selling weapons…
That’s what is going on.
But in my
opinion, I really would like to have a democracy, not only in my country.
I feel sorry,
even when we were in Syria before the war - I said it in the video - we
received a lot of refugees from Iraq and Palestine. We know very well what is
war. Even knowing what is war, when we had the war we were shocked. Because is
different when someone it’s telling you what is war and when you experience the
war.
Mónica Ferro
Vou começar pela pergunta do Tiago. Eu acho que,
infelizmente, Tiago, nós devíamos rever a Convenção, não só porque as
categorias estão hoje diferentes… Reparem, a Convenção é de 51, portanto é uma
convenção que é feita a pensar no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. E hoje as
situações que geram movimentos de refugiados são já distintas. E eu não digo,
porque é uma discussão muito embrionária, a ideia do refugiado ambiental e a
ideia do refugiado económico. São ideias que estamos agora a experimentar como
é que as haveremos de codificar em Direito Internacional.
Mas abrir a Convenção significaria convocar uma
conferência de Estados, significaria negociar um novo Tratado, e significaria
ficar à espera que o Tratado tivesse o número de assinaturas necessário para
poder entrar em vigor. E o que temos assistido, nos últimos anos, é a um grande
receio dos Estados em fazer isto. Eu posso dizer-lhe que, por exemplo, dois dos
grandes tratados, das declarações internacionais, melhor dito, que fizeram anos
em 94 e 95 – a Declaração do Cairo, que trata da população e desenvolvimento, e
o ano passado a Declaração de Pequim, que trata dos direitos das mulheres, nas
várias áreas –, uma das coisas que se pensou, e eu pertenci a alguns desses
grupos de reflexão, foi: vamos abrir estas declarações e vamos fazer
declarações novas.
No fim, concordámos todos em fazer um anexo a estas
declarações porque sabíamos que, na melhor das hipóteses, conseguiríamos o
mesmo que tínhamos conseguido há vinte anos, o que diz muito sobre o estado da
solidariedade internacional. E, sobretudo, os Estados estão muito avessos a que
se abram precedentes, a que fiquem codificadas, positivadas, situações que no
futuro possam ser usadas em relação a si também.
Lembro-me que quando se criou o conceito da
responsabilidade de proteger, que diz que a comunidade internacional pode
intervir quando há quatro crimes muito graves – o crime de genocídio, o crime
de limpeza étnica, crimes de guerra e crimes contra a humanidade -, foi uma
grande conquista, e achávamos que o documento estava fechado e depois houve
países que começaram a dizer: e no caso em que os povos estão a passar fome?
Isso também não será um crime internacional?
E a verdade é que se decidiu não mexer naquilo que já
estava, porque se nós começamos a abrir os tratados internacionais temos a
noção de que podemos não os fechar, porque a solidariedade dos Estados está
muito esboroada e os Estados estão muito preocupados com a sua própria
segurança, estão muito preocupados com estas narrativas securitárias.
Eu acho que, e isto ligando à pergunta que a Mariana
tinha feito há pouco, uma das opções da União Europeia não é renacionalizar as
políticas migratórias. Isso não pode ser opção. Mas é algo que constantemente
está em cima da mesa, e o Carlos Coelho, o eurodeputado, poderá dizer-vos todas
as démarches junto do Parlamento Europeu que, ciclicamente, se assistem neste
sentido, de se querer renacionalizar estas políticas.
E em relação à questão muito, muito pertinente da
Catarina, que tipo de regime é que vamos ter a seguir a esta guerra,
infelizmente o que a História nos tem demonstrado é que o fim de um conflito
como este costuma trazer regimes muito musculados, vamos dizer assim. Regimes muito
musculados que possam, de alguma forma, repor a ordem.
É claro que nós queríamos um regime democrático, mas eu
lembro-me, há pouco tempo, numa interpelação que nos fizeram no Parlamento,
quando estava no Parlamento, de nos ter dito que teríamos que ficar preparados
para coisas que nunca tínhamos visto, como, por exemplo, eleições na Síria
provocarem coligações de partidos laicos com partidos teocráticos. E isso, para
nós, no nosso quadro mental, é algo que é difícil quase de pressupor. Mas é
para estas soluções que nós temos que começar a estar abertos.
A ideia de que estes modelos que nós temos aqui na
Europa, onde nós vivemos, não são os únicos. Eu lembro-me de que esta ideia de
uma coligação entre partidos teocráticos e partidos laicos foi algo que me
ficou a trabalhar na cabeça, a pensar como é que isso se faz.
Mas temos que estar, de
facto, abertos para estas soluções.
Dep.Carlos Coelho
Terceiro bloco de perguntas. Do Grupo Amarelo,
agradecendo o convívio simpático que tivemos aqui na mesa durante esta noite, o
Tomás Caldeira; e do Grupo Laranja, o Pedro Venâncio.
Tomás Caldeira
Boa noite. A minha primeira pergunta vai para a Prof.ª
Mónica e para o nosso convidado de hoje, e consiste na vossa visão sobre o
impacto que os Estados Unidos da América e a NATO tiveram nesta calamidade e
desastre no Médio Oriente.
Começando primeiro com uma muito breve exposição, para
respeitar o tempo das perguntas. Desde 2003, com a invasão do Iraque, os
Estados Unidos comprometeram uma bomba cujo rastilho ainda não estava ateado. O
Iraque era o país do Médio Oriente com as taxas de alfabetização mais elevadas,
e também com as taxas de progresso económico maiores.
Invadiu o Iémen, um país aliado, e faz parte da
conjuntura geopolítica dos Estados Unidos, e isso fez com que os Estados Unidos
seguissem para a ação militar, arrasassem completamente o Iraque – e citando as
palavras de Henry Kissinger, que foi, para mim, o maior agente político do
governo de Nixon –, e o que ele disse foi: os Estados Unidos avançaram pelo
Iraque adentro e esqueceram-se de olhar, quando saíram, para trás. Podiam ter
feito a intervenção, muito bem, mas podiam ter também testado novas medidas que
permitissem o progresso económico nesse país, e nos outros, porque é óbvio que
um país com a influência como a do Iraque ia causar um rastilho nos outros
todos.
Portanto, a minha pergunta é, como eu disse, relacionada
com a NATO. Até que ponto é que a presença de Portugal na NATO faz sentido,
sendo esta uma instituição de cariz, e assumidamente, bélico, e que, para mim,
já devia ter sido colocado um fim há vinte e sete anos, com a queda do muro de
Berlim e do Pacto de Varsóvia, em 1989.
Como segunda pergunta, e agora em especial para o nosso
convidado, o Nour, como é que ele vê a presença dos curdos e a sua luta, como é
que os sírios vêm toda a posição dos curdos, que estão a ser atacados pela
Turquia, pela Rússia, pelos rebeldes, pelo governo, portanto, basicamente, por
toda a gente.
E por último, para não maçar mesmo mais, uma pergunta
para a Dr.ª Mónica, desta feita relacionada com a ONU, e eu quero saber, e
penso que toda a gente aqui gostaria de saber, o que é que a ONU pode fazer, ou
não está a fazer, para corrigir e para pôr um fim o mais rápido possível a esta
guerra.
Muito obrigado.
Pedro Venâncio
Boa noite, queria cumprimentar toda a Mesa.
A Dr.ª Mónica Ferro tem vários livros sobre a ONU. Eu
queria perguntar-lhe se acha que António Guterres poderá vir a ser o próximo
líder da ONU.
Nour Machlah
I just want to
remind you that I am an architect, I am not an international relations student;
I am not any kind of political thinks. So I will answer how I feel, it’s my
opinion.
When I left
Syria, I spent one year thinking why we have a war. They told me it is a religious
war. And when I remember all the days before the war how we live with the
Christians, I said: no, they are the liars; it is not a religious war.
Then they told
me: it is a revolution. And I know how is my people, I am Syrian, I lived with
the Syrians, I know who are the Syrians. It’s not normal that suddenly we are
like a zombie. Something was missing. That’s why I had to read a lot. And I
said in the short biography that I read a lot, and it is not always happened,
it’s something that happened after the war. Because I had to know what is going
on. And I don’t believe in media, sorry. I am really active on Facebook, but I
don’t believe everything I read.
Let’s say that
the problem didn’t start from Iraq. The problem started from Afghanistan. When
the civilians payed the price of what groups of people did. Those groups of
people that we create and we support them one day, to fight the Russians, in
the cold war. And suddenly those people came as enemies now.
To punish
them, we killed millions of Afghanistan’s young people. Why? Did we finish the
terrorism in the world? No. We make it bigger. It’s like when you fight the
cancer. If you are not a good doctor, you lose the person.
I think the
problem is that it’s a favourite game of the United States of America. We
created the monster, I put it in your house and I tell you: I will save your
life.
It’s always
happening. It’s happening in Afghanistan, it’s happening in Iraq, when they
said Iraqi having the dictatorship. And I don’t care about they have or not,
but that what they said. They said they have nuclear weapons, chemical weapons,
and they said a lot of things.
And they used
the media and everybody was talking about you must go to this war. Sorry, I
would remind you, are you Europeans. Iraq war got support from all the Europeans,
right? Everybody was OK, this war must happen.
And how many
civilians died? Does the Iraqis live now in peace? The Iraqis in the Saddam
time were living better than now. I am not saying he is good or bad, but look
for the facts in front of you now. So the problem, as you said also, Iraqis
people are one of the most educated, and not just only Arabs, they have some
expert, don’t know the specific word, but they are an educated people.
I have a
friend from Libya; I met him in Turkey, and his father is a pilot, and he told
me that when the war in Libya started, the pilots were killed one by one. They
were killed in their houses. So those people were chosen to die. So there is
something wrong happening.
About NATO… I
am not European, so I cannot express how I feel but I tell you my opinion. I
think the refugees’ crisis put on the table how much the European Union is
weak. You have really strong strategy as European Union related to Schengen and
travelling, but when you face a real problem like the refugees crisis you saw
how the European countries are responding as individuals, not as a union.
So I think
NATO is also the same problem. I think you, Europeans, need to think again what
is the aims of the NATO. Why you have the NATO? What are the priorities of the
NATO? Not just NATO, everything else, but answering your question.
About the
Kurdish… I have a lot of Kurdish friends, we always lived together. I always
say that Kurdish people didn’t have the right they must have about their
language, to be a formal language in the country. I agree with that. But I
don’t agree that my country to be cut as a part, to say this is a country,
another country, like what happens in Iraq.
My Kurdish
friends understand my point of view here. I respect them and I respect what
they want, as a right. But I don’t understand when you want to cut a part of a
country to say this is my country. We always live together. If they have
problems with the government, it’s something else. With the Syrians they never
had a problem. We always lived in peace with the Kurdish. You can ask any
Kurdish, even they will say no, but we live in peace together.
I have a lot
of Kurdish friends. We always lived together, everything was fine. So we didn’t
have problems as civilians and people. They have a problem with the government,
ok. But that doesn’t mean we divide the country part for them. This is not
normal.
I don’t
believe in borders, by the way. Even in Syria, the borders how old are? When
Europe occupied the Middle East they cut us as a part – this is recent borders.
I believe that we are on Earth and it’s our responsibility to save this planet
together. But I don’t like when it’s time to be united and we are thinking to
divide each other more and more. This is really wrong.
And back to
the first point you said, what is the interest of America in the Middle East?
Ask Russia.
The problem is
that sometimes I tell the people you need to do zoom out a little bit to see
what is going on. Some people thinking it’s a war in Syria. Ok, but just do
zoom out, you see something more. And do zoom out, you see something more. The
war in Syria is not something happening now. It’s part of old game and now is
time. Kissinger was talking since nineteen eighty and something about this war.
Not just this, about Iraq war. And I am expecting something similar in Egypt
to. They tried always but didn’t work yet.
So I think this
is an interest of countries in Middle East, it’s the same that America want to
kick Russia out, like they kicked them out from Libya, they kicked them out of
Iraq. The place for them now is Syria, so they will not leave Syria alone.
It’s the
politic again and… it’s America – the great America.
Mónica Ferro
I got chilled.
I thought (…) how can make America great again. Is a kind of scaring.
Vínhamos a brincar no carro com estas coisas, à vinda
para cá.
Portugal na NATO. Faço já outra declaração de interesses,
até porque vem no meu currículo. Eu faço parte da direção da Comissão
Portuguesa do Atlântico que é a ONG que em Portugal serve de interface à nossa
relação com a NATO. E acho que isto torna muito claro que eu acho que Portugal
deve continuar na NATO.
Eu lembro-me da queda do Muro de Berlim – é uma das
vantagens de se ter mais de 40 anos, é que a gente se lembra destas coisas a
acontecer -, e lembro-me que, na altura, uma das grandes questões era que a
NATO andava à procura de um papel novo, porque tínhamos ficado sem a grande cola
agregadora da NATO.
Portanto, o ficarmos sem a grande ameaça que era o Bloco
Soviético poder-nos-ia ter – à NATO – retirado os papéis. Lembro que na altura
até se dizia "NATO will either go out of area or go out of job”, porque de
facto havia aqui um vazio.
E a NATO, nos últimos anos, soube ir alargando não só a
sua zona de influência como até, se assim quiserem, o seu cardápio de
atividades. E hoje em dia a NATO está muito mais preocupada em projetar
estabilidade do que propriamente se envolver num combate propriamente dito,
embora eu ache que numa ou noutra questão a NATO devia pensar em pôr botas no
terreno, porque as questões se resolvem com botas no terreno.
Em relação à questão aos conflitos no Médio Oriente,
creio que o Nour deu uma visão muito interessante do que se está a passar no
terreno, e é particularmente interessante verificar como nós afastamos todos
esta ideia das guerras por procuração, esta ideia de que as grandes potências
não se confrontavam uma à outra, mas na realidade combatiam-se através de
interpostos países, e nós continuamos a notar isso.
Continuamos a perceber que o Médio Oriente é um tabuleiro
de xadrez onde os jogos das grandes potências são jogados, muitas vezes, indiretamente.
E lembro-me sempre de uma frase que ouvi ao Jimmy Shea,
quando ele dizia, a propósito do Afeganistão, quando nós anunciamos – nós,
coligação internacional – anunciamos que nos íamos retirar do Afeganistão, que
os Talibãs terão dito qualquer coisa deste tipo: deixem-nos sair, they've got
the watches, we've got the time.
Portanto, o nosso grau de imprudência em alguns conflitos
nos quais estivemos envolvidos, com coligações internacionais e com forças
armadas, foi exatamente esse. Foi não ter percebido o que é que era – já que lá
estávamos – o que é que era preciso fazer antes de nos podermos vir embora.
Porque era exatamente essa questão. Nós podíamos ter os calendários todos que
quiséssemos; o tempo está do lado de quem está no terreno. E foi nisso que eu
acho que falhámos muito a nossa análise no Afeganistão.
E para ser rápida, porque ainda faltam muitas questões,
só uma nota em relação ao Guterres. Para quem está a acompanhar, António
Guterres é um dos dez candidatos a secretário-geral das Nações Unidas, embora
eu acredite que nos próximos dias vamos ter mais umas desistências, porque
sobretudo os candidatos que ficaram no fundo da tabela têm um número tão grande
de votos de desencorajamento que lhes está a tornar virtualmente impossível se
manterem na corrida.
Para quem não sabe o que está a acontecer – não sabe do
ponto de vista técnico, não são obrigados a saber -, eu roubo-vos dois minutos
para vos dizer que este é um processo como nós nunca vimos. Ou seja, de cinco
em cinco anos nós elegemos um secretário-geral, é a regularidade, mas nós nunca
fomos tão espectadores do que estava a acontecer. E desta vez estamos a ser.
Desta vez, o que a Assembleia Geral, numa Resolução,
pediu aos Estados, foi apresentem candidatos, apresentem programas, como se
fossem programas eleitorais, e vamos fazer audições mais ou menos
transparentes. Eu escrevi um artigo sobre a primeira ronda de audições em que
lhes chamei uma entrevista de emprego à frente do mundo todo. Porque era isso
que parecia, não é? Aqueles candidatos estavam a fazer uma entrevista de
emprego à frente do mundo todo, com a Assembleia Geral toda.
Nós agora estamos num fase que é: os membros do Conselho
de Segurança estão a votar nos candidatos. Estas votações são votações
indicativas. Ou seja, cada Estado Membro tem um papel destes, onde tem o nome
dos candidatos e tem à frente uma coluna que diz "encoraja”, outra que diz
"desencoraja” e uma que diz "não tem opinião”. Portanto, o que se está a
escrever é à frente de cada um dos candidatos o que se acha. Isto não vale
nada, para já. Isto é indicativo. E o nosso António Guterres tem tido as
melhores votações nas três rondas que já houve. Nesta última houve uma pequena
alteração. Ele teve onze votos a encorajar, três votos a desencorajar e um voto
a dizer que não tem opinião.
Isto não nos diz ainda absolutamente nada. Nós sabemos
que ele é o candidato com mais votos, com mais encorajamentos, e o com menos
desencorajamentos, também. Portanto, é o melhor classificado.
Para a semana, o que é provável que aconteça é que já
haja uma votação com votos de cores diferentes. Ou seja, os membros permanentes
do Conselho de Segurança que podem vetar, mais adiante, a candidatura de
António Guterres – esses são aqueles com que nós temos realmente de estar
preocupados, são os cinco grandes do Conselho de Segurança –, eles vão ter um
voto com uma cor diferente. Portanto, se algum deles desencorajar o António
Guterres, nós vamos saber que um dos desencorajamentos é de um membro
permanente.
Isto também não quer dizer nada, porque só vale… é como a
questão da vindima, até lavar os cestos é vindima. Portanto, só na votação
formal, naquela votação em que vai haver uma reunião do Conselho de Segurança,
em que todos vão poder votar, é que nós vamos ver como é que as coisas correm.
Para já, isto é indicativo.
E respondendo à pergunta que me foi feita, António
Guterres está neste momento a tornar-se incontornável, é incontornável. Terá
que haver uma grande reviravolta, e explicada e muito bem explicada, para que
ele não seja o secretário-geral das Nações Unidas.
Mas isto é a minha grande convicção e eu tenho muitas
convicções nesta matéria.
Dep.Carlos Coelho
Penúltima ronda de perguntas. António Silva, do Grupo
Castanho, e Tomás Infante, do Grupo Encarnado.
António Silva
Muito boa noite. Em nome do Grupo Castanho gostava de me
dirigir à Prof.ª Mónica Ferro e perguntar-lhe qual é a opinião que ele tem
sobre a relação entre a Turquia e a União Europeia. Como sabemos, a Turquia
suspendeu a Convenção dos Direitos Humanos e a União Europeia, de certa forma,
passou-lhes a batata quente para a mão.
Tenho ainda outra pergunta, que é sobre a situação do
Magrebe e se não será também um bocadinho um problema que poderá afetar
Portugal.
Obrigado.
Tomás Infante
Boa noite a todos, especialmente aos nossos convidados,
ao Nour e à Prof.ª Mónica Ferro. A minha pergunta é mais dirigida à Prof.ª
Mónica Ferro como professora de DRI que também é a minha área.
A ex Secretária de Estado dos Estados Unidos, Madeleine
Albright, na Convenção Democrática, disse que Trump estava a causar estragos só
por existir. Não era preciso ganhar para causar estragos porque os danos já
estavam feitos. E nós podemos relacionar isso com a extrema-direita europeia.
E a pergunta é: sem estar sequer no poder, qual é o
impacto que Trump, a Frente Nacional, o UKIP, a Aurora Dourada, e todos esses
partidos nacionalistas xenófobos, qual é o impacto que esses partidos têm na
política para os refugiados, que impacto perverso é que têm ao mudar a opinião
pública, e como é que se podem combater?
Nour Machlah
It is not my
question, but ok. I don’t think Turkey could be the only solution to the
refugees’ crisis. If you want Turkey to
be part be part of solution, it could be, but cannot be the all the solution.
You cannot give money to Turkey and say you are the solution.
There is a
problem that when people go to the camps, normally the camp is something
temporary. But because of the huge amount of refugees, same camps in Jordan,
the people start to think that their house is now the camps.
And living in
a camp, waiting every day for someone that brings you the bread and the food is
not something you can accept for the long term. That is pushing the people to
take a risk and pass the Mediterranean.
So I think
Turkey alone cannot be solution. I said once Turkey cannot do what the European
Union is not able to do alone. So I think Turkey can be part of the solution,
especially that Turkey is a neighbor country for Syria and we have big borders
with them, so I think you can have a deal with Turkey to work together on this
crisis.
What is the
other country? Morocco? I know nothing about this…
Mónica Ferro
Para terminar… sobre a Turquia e a União Europeia.
Eu como acho que a coerência é uma coisa que nos fica
muito bem, eu tenho defendido sempre que a Turquia se deve juntar à União
Europeia. Sempre o defendi, sempre achei que me sentia bem na Turquia, que me
sentia europeia em Istambul e sempre achei que o negócio que nós estávamos a
fazer com a Turquia, prometendo-lhes um programa de adesão mediante uma série
de reformas que eles iam fazendo paulatinamente, era o caminho a seguir.
Confesso-vos que esta deriva mais autoritária, e esta
deriva mais rígida do governo de Erdogan, me coloca muitas reservas, confesso.
Mas não seria totalmente honesta se não vos admitisse que tenho sido até uma
entusiasta, moderada, mas uma entusiasta com a ideia da União Europeia, porque,
como o Nour dizia há pouco, o que me parece que é contraditório é nós, que
vivemos num espaço alargado como o nosso… Eu sou da altura em que se comprava
pesetas para ir a Espanha; eu sou da altura em que se era parada na fronteira
com Espanha. Portanto, eu celebro esta possibilidade de me meter no carro e ir
daqui até à Polónia, sem nunca ser parada.
Portanto, para mim, o viver num espaço grande, num espaço
de inclusão, é um acquis civilizacional,
é mais do que europeu, é civilizacional.
Portanto, a ideia de poder estender este tapete, passando
o Bósforo, foi sempre algo que me seduziu. Não consigo admitir na União
Europeia um país com pena de morte e não consigo admitir na União Europeia um
país com uma deriva autoritária deste tipo. Portanto, reconheço as minhas
hesitações nesta matéria.
Portanto, acho que este acordo que nós fizemos com a
Turquia, que é um acordo que, como vocês sabem, é um por um, nós trocamos um
ilegal por um legal que esteja na fila na Turquia até ao limite de setenta e
duas mil pessoas, é apenas a externalização de um problema que nós não
conseguimos resolver.
É claro que o ideal é que as pessoas permaneçam nos seus
países. Mas para isso nós temos que lhes criar condições; temos que lhes dar
paz, temos que ajudar a criar desenvolvimento, temos que os ajudar a construir
regimes que salvaguardem os direitos humanos, e isto demora tudo muito tempo. E
nós queremos soluções rápidas - e isso não há, isso aí não há.
Isto é um desafio para a vossa geração. O construir um
espaço mais de inclusão e um espaço em que as pessoas possam permanecer. Isto
tem tudo a ver com a estabilidade no Magrebe.
No outro dia disseram-me uma coisa que me deixou
desconcertada, não sei se o Carlos saberá. Eu ando há muitos anos a vender a
seguinte ideia: a capital política mais próxima de Portugal é a capital de
Marrocos, Rabat. No outro dia disseram-me que parece que há uma contabilidade
diferente e que Madrid será ligeiramente mais próxima do que a capital de
Marrocos. Confesso que fiquei desolada, porque este argumento da capital
política mais próxima de Lisboa ser Rabat me dava jeito, porque me permitia
dizer que nós, na realidade, somos tão europeus quanto magrebinos. Dava-me
jeito porque eu me sinto assim.
É claro que o que acontece no Magrebe nos afeta. Nos
afeta porque nós temos muitos portugueses lá, nos afeta porque nós temos muitas
empresas portuguesas lá, e nos afeta porque são os nossos vizinhos próximos, e
que nos afeta porque temos uma humanidade partilhada. E portanto a situação no
Magrebe, a estabilidade política, tem que ser para nós um empenho constante.
Tudo isto periga perante os avanços da extrema-direita. E
a extrema-direita vai continuar a avançar com discursos xenófobos, com
discursos securitizantes e com discursos de renacionalização das políticas
migratórias, quando deixar de haver espaços como este. Enquanto continuar a
haver espaços como este, em que nós possamos discutir e possamos chamar as
coisas pelos nomes, e até possamos dizer que votávamos na Hillary Clinton ou
que votávamos no Donald Trump. Eu tenho que admitir que votar no Donald Trump
tem que ser uma opção. Nem toda a gente pode estar tão certa quanto eu que
votaria na Hillary Clinton (estou a brincar).
A verdade é que no dia em que nós deixarmos de achar que
não há espaço político para debater opções que, não concordando com elas, são
opções políticas. O fechar fronteiras é uma opção – na minha opção não é uma
opção admissível. Mas é nesse dia que nós deixamos que a extrema-direita tenha
ganho, no dia em que nós deixarmos de debater. Portanto, no dia em que deixar
de haver espaços como este da Universidade de Verão, aí a extrema-direita
ganha.
Até lá, contamos convosco e contamos com o Reitor Carlos
Coelho para nos obrigar a refletir sobre estas coisas quase à onze da noite de
um dia de semana.
Muito obrigada.
[Aplausos]
Dep.Carlos Coelho
A Prof.ª Mónica Ferro conhece as nossas regras. Sabe que,
por razões de cortesia, damos agora a última palavra aos nossos dois
convidados. Portanto, é a altura que eu tenho para lhe agradecer as respostas
que já deram e as duas últimas que vão dar.
E para vos dizer que a Gala do Boneco terá lugar lá em
baixo, na sala de aula, exatamente às onze e quinze. Portanto, às onze e quinze
começará a grande Gala do Boneco.
E para o último leque de perguntas, dou a palavra à Marta
Pires, do Grupo Rosa, e à Vânia Tomaz, do Grupo Verde.
Marta Pires
Em primeiro lugar, boa noite a todos. Em nome do Grupo
Rosa, queremos agradecer a presença e o privilégio enorme de termos connosco
estes estimados oradores.
Caro Nour, mostrou-nos hoje de onde veio, mostrou-nos
hoje quem era. Atrevo-me a perguntar-lhe se sabe para onde vai. É em Portugal
que vê o seu futuro?
Cara Mónica Ferro, o que pode Portugal fazer para se
tornar um país mais atrativo para os refugiados? Para evitar que estes
abandonem o nosso país e passem para países como, por exemplo, a Alemanha. Será
que são exemplos como estes que ouvimos que fazem a diferença?
Muito obrigada e shukran.
Vânia Tomaz
Olá, boa noite. A questão do Grupo Verde é dirigida ao
Nour.
Antes de mais, o nosso reconhecimento pelo esforço e
dificuldades que certamente teve, desde que forçadamente abandonou o seu país
até Portugal.
E à última hora, a pergunta é muito parecida com a
anterior. Certamente que prevê terminar os seus estudos em Portugal; e o
futuro? Tem intenções de trabalhar por cá?
Muito obrigada e desejamos as maiores felicidades.
Nour Machlah
Obrigado. I
think the questions are related to each other; it’s about staying or going.
I really miss
my home, you know. I said once we can go to Algarve for one week, two weeks,
three weeks, enjoy the beach, and so one… but you back to your city, it’s
different.
I miss my
home, I will one day go back to my home, because I feel it’s one of my duties
to rebuild this country again. Because I don’t want my kids, or the new
generations who are coming now, to come to see a destroyed country. It’s not
our fault, but at least we can be part of something new in this country.
Now we are
talking on the new generations. I think you see the news every days, how there are
kids and people. Forget about the war let’s talk about something for me more
important than the war. There is no education in Syria. How many people are
going to schools? Most of the people are not even attending classes because of
the risk of dying or something.
This is very
hard and this is really bad effective. We cannot see the results now, we will
see that later. So I am really worried about this part. So I think people like
me - and there are a lot - and I am proud of my people. We have a lot of Syrians
that are studying in Europe. Even here we have one hundred students in the
platform, in Portugal, in different courses.
So I hope we
can be the starter of something to build this country again.
About to stay
in Portugal, I really don’t know about the war; it can end tomorrow or after
ten years. I think it more than ten years even, but… it’s to be honest.
I love
Portugal. I have a lot of European friends, but I feel home here. I had been in
many different European countries, but they are nice, people are nice
everywhere, but I feel home in Portugal. I don’t know if you accept me to stay
here, I never think about staying or leaving, but for what I have now, if I
would choose between Portugal or stay in other country – not Syria – I would
choose Portugal. I have people that love me here and I feel myself lucky with
that. I think I did well integrating with you, with your culture.
When I came
here I thought I am going to be in, it’s not a war, but it’s like a clash
between different cultures. And that was wrong. I learned in Portugal how you
can keep your culture and the same time you be more open to learn something
from different cultures. That’s why I feel Europe is really rich because you
can find different cultures in Europe.
I am going to
start my Master, so I still have at least two years here studying. I don’t
know, I am single, so I can decide now. If there’s a Portuguese girl appeared…
[Aplausos]
It’s really…
Hugo Alcântara, from SIC, is one of the first journalists I did interviews with
him in Portugal. And after that interview I got a lot of messages from people
supporting, Portuguese people… [risos]… (We talk later)
You know, when
you got some negative messages from people telling you to leave. Like telling
you basically: leave from here, we don’t want you here. And when I think about
everything I tried to do to show you that I deserve to be here, I deserve a
chance, my people deserves a chance. And I see a big amount of people that is
supporting, sending positive messages; I meet them in the street and say we
understand what you are doing. I feel hope. I said in the car something: you
Portuguese people know how to live even without conditions; you know how to
find happiness even without conditions. I didn’t see that in Europe, just in
Portugal.
So I think I
am staying here for now, for later I don’t know.
So thank you a
lot. This is the answers of your questions. I have some points I really would
like to put on the table, because I think sometimes we mix between many things,
and I would like you be aware of this.
When I came to
Portugal, some people were complaining about my clothes. Why you wear like
this? And I was like: how you must wear clothes? They said: we have a Muslim
friend from India doesn’t wear like you. I said: so? – He’s a Muslim, you’re a
Muslim, so you must wear like him, or you must put spices in the food like him,
or you must not say hello to a girl or kiss her… People are mixing between two
things: culture and religion. I think this is a big problem. People must
understand that you can find an American Muslim – even I have a Trumpphobia -,
but you can find an American Muslim, his life is absolutely different from an
Indian Muslim, from a Syrian Muslim. We are from the Middle East.
Even Arabs –
we are 24 counties – we have different cultures. Like the Middle East cultures
– Syria, Lebanon and Palestinian Jordan – we are really similar with the way of
eating, way of living, our clothes, even our accent.
If you go a
little bit to Qatar, Kuwait, Dubai, it’s a different culture. You go to Egypt
and Sudan, it’s different; Morocco, Algeria, and Tunisia it’s different. So
people need to be aware of this.
Also, she
spoked in the beginning about the immigrants and refugees. People always mix
between these two things. I think we need to understand who are the really
refugees. We deal with the refugees before, before the Syrian crisis, and the Iraqi
crisis, we always deal with the refugees who are coming from Africa. And we
know very well what is going on Africa. Those people in Africa didn’t have a
chance to build the countries; they are always in a war, always in conflicts.
We received a lot of refugees and they were not educated, they are really poor,
so we expect that those refugees always poor, not educated.
But now, the
Iraqi war, the Syrian war shows the Europeans, especially, that refugees can be
PhD, Doctor in the University, but he has a war. He could be a very billionaire
businessman, until he leaves his country because he doesn’t have a safe place
to live. So you need to really understand who is a refugee. Anyone of you could
be a refugee; I don’t wish you that, but anybody of you can be a refuge if you
had a war. Refugee is someone seeking help, seeking a safe place to live.
The emigrant
is someone else. Emigrant is someone having a life and he is searching for a
better life. For example, my uncle went to Saud Arabia because he is a doctor
and he wanted a better income. So he is immigrant in Saud Arabia. And you
Portuguese have a lot of emigrants outside, in France and in England. So we must
understand who the immigrants are and who the refugees are.
Last point,
and it’s related with your question too. You know, there are an old school of architecture
and a modern school of architecture. At the same, we have an old school of
occupied countries and we have new schools of occupied countries now.
Before, it was
like I take my army and I attack a country, like Europeans did in the Middle
East, when France takes Syria and Lebanon, and England takes Jordan and
Palestine. It’s not working anymore. And George Bush said one day that we will
have a war without sending one fighter from our army to that war. He call that
the smart war. That what is happening now. I don’t need to send my army to
occupy your country. I can support the radical people in your country. I can
cause conflicts in your country and I can go there easily. Or I can tell you
something: I can cause a war in your country and your country is destroyed and
the only people who can build your country is our companies, or something else.
I can cause a war in your country and I can give all the people who are
fighting weapons from my factories.
This is the
new way of war. This is what is going on our world now. For sure you will not
see any president going and saying: I will attack this country. No, they will
always use indirect way to attack that country and on the middle they will say:
we support freedom; we want people to live in peace.
So we need
really to be aware of this. You are young people, as I told you in the
beginning, I really love to talk to young people because you have the same age
as me. I believe you are the future of this country, future of Europe. You can
do great things, and it’s time that the youth take a real rule on the field,
not just on the papers. We are keep talk that the youth must lead, the youth
must lead, but it’s not.
I was shocked
when I saw that the people who vote for England to be out of European Union, most
of them were old people. What about the young people? They are the future. This
is not right.
So I wish you
the best. Thank you again for being here, for inviting me, and for listening
me. And I hope I answered you question very good way.
Thank you.
[Aplausos]
Mónica Ferro
A Marta lança mais um desafio, como é que nós podemos
promover melhor o país. Eu creio que todos viram umas imagens que passaram do
nosso primeiro-ministro a visitar um campo de refugiados, em que interpelava
algumas pessoa a dizer porque é que não vêm para Portugal, e as pessoas lhe
disseram que não queriam vir para Portugal.
E, de facto, tem a ver com isto que o Nour aqui nos
relatou. A primeira reação quando lhe disseram que ele vinha para Portugal era:
mas o que é Portugal? E nós sabemos, nós portugueses, sabemos, nós com a nossa
diáspora, sabemos que a história das migrações é exatamente essa, e a história
dos movimentos.
A maior parte dos portugueses vão para onde já há uma
comunidade de portugueses, na qual se podem sentir acolhidos, na qual sabem que
vão ter apoio com tudo quanto é burocracia, adaptação à linguagem, todos
aqueles pequenos problemas diários.
Portanto, é esta ideia de nós mostrarmos como é que é o
país. Não é necessariamente fazer uma campanha de marketing internacional, no
sentido de vender a imagem do país, mas é sobretudo esta ideia de que nós somos
um país seguro, e que somos um país que, de acordo com as análises
internacionais a nível de integração, somos a segunda melhor experiência do
mudo. Portanto, é isto que, ao fim e ao cabo, tem que ser feito.
Porque quando nós pensamos no que ainda há para fazer, eu
lembro-me sempre das palavras… vocês começaram com um poeta e eu, sempre que
falo destas matérias, confesso-vos que há um poeta que me vem à cabeça, que não
vou citar aqui agora, é um poeta inglês do século XVI, o John Donne, que ele
tem um poema que diz que nenhum homem é uma ilha. Esta ideia que é nossa, a
humanidade é uma humanidade partilhada.
Mas também vou terminar citando um grande autor português,
mais do que autor é um artista, um homem multifacetado. Ele às vezes dizia que
nós estamos muito preocupados em estar constantemente a encontrar soluções
novas. E ele dizia: quando eu nasci, as palavras que haviam de salvar a
humanidade já estavam todas escritas; só faltava mesmo salvar a humanidade.
É nessa fase que nós estamos. Nós temos as boas soluções,
temos os bons tratados, temos as boas regras; só falta mesmo começar a
aplicá-los e salvar a humanidade.
Portanto, é este o desafio que nos é lançado a todos,
enquanto cidadãos e cidadãs, e enquanto seres humanos deste planeta. É só isso
– salvar a humanidade.