ACTAS  
 
03/09/2016
Inovação Social: Gerir, Liderar e Motivar
 
Dep.Carlos Coelho

O Dr. Miguel Pavão, é dentista e desenvolveu um projeto chamado "Mundo a Sorrir”, que alguns conhecerão porque teve muito impacto mediático. É o primeiro orador que está à minha direita, tem como hobby fazer caminhadas, wakeboard, corrida, ler. A comida preferida é a alheira de Mirandela, o animal preferido é o cão. Sugere-nos como livro "A Minha Europa” de Filipa Mónica, um livro em que ela me trata particularmente bem. Um filme que sugere, "Il Postino”. E a qualidade que mais aprecia é a simplicidade e a espontaneidade.

Depois temos a Dr.ª Laura Vidal que é a responsável por um projeto chamado "Conexão Lusófona”; tem como hobby a dança, o desporto, livros, música e viagens. A comida preferida diz que " não faço ideia, gosto muito de comer mas tenho cada vez mais cuidado com a alimentação ” (é uma característica em que as senhoras são mais persistentes do que nós).

[Risos]

O animal preferido é o cão. E o livro que nos sugere, diz que anda neste momento a ler quatro: "Por Que Falham as Nações”, "O Poder do Agora”, "O Tempo dos Humores Imperfeitos” e "A Arte do Inconformismo”. E a qualidade que mais aprecia é o compromisso.

O Dr. Miguel Neiva é responsável por um outro processo, talvez o projeto que o Prof. Filipe Santos, o ano passado, mais sublinhou. É um projeto, que ele explicará, para permitir a daltónicos distinguir as cores. Na prática é a criação de um código. Teve um impacto muito grande em Portugal e já no resto do mundo. Tem como hobby o trabalho e uma boa conversa; a comida preferida é polvo assado. O animal preferido é também o cão. Sugere-nos qualquer livro de Jorge Bucay; o filme que sugere é "Asas do Desejo”, Wim Wenders. E a qualidade que mais aprecia é a honestidade.

E, portanto, antes das simulações de assembleia vamos para o nosso último Tema que designámos como "Inovação Social: Gerir, Liderar e Motivar”, e peço ao Miguel Pavão para fazer a primeira intervenção. Cada um dos oradores terá quinze minutos nesta fase inicial.

 
Miguel Pavão

Então muito bom dia a todos. Antes de começar a minha apresentação eu gostaria, em primeiro lugar, de dizer que é um privilégio estar aqui, ter sido convidado, primeiro porque sei bem do prestígio e do esforço que, ao longo dos anos, a Universidade de Verão tem feito em trazer pessoas de alta qualidade, e isso põe-me um desafio muito grande em manter essa qualidade, e como médico dentista, acima de tudo, não é fácil tentar transmitir conhecimentos àqueles que eu acredito serão futuros políticos e decisores do futuro.

Eu vou deixar os doutores à parte, como o Carlos Coelho há pouco disse, e gostava de o saudar porque o Carlos Coelho é o Diretor, eu diria antes o Reitor, desta Universidade de Verão. Eu já tive o privilégio de estar na Universidade da Europa e sei bem do profissionalismo, do rigor e da metodologia que ele impõe nesta Universidade de Verão, e tenho a certeza de que todos sairão mais ricos enquanto aqui estão.

É para mim um privilégio e uma oportunidade muito grande poder-vos transmitir aquilo que é a minha própria experiência, que é uma experiência não programada, não feita com estratégia, nada planeada. Mas que são as vicissitudes da vida e de alguém que quer fazer mais, não só pela sua profissão, mas para o bem comum e para a sociedade.

E é uma oportunidade, também, falar com o Miguel Neiva, o qual já conheço e é da minha cidade, e com a Laura Vidal, dos quais posso dizer que são amigos.

No fundo, não poderia também deixar de invocar alguns amigos, como o Duarte Marques, com o qual vou travando algumas lutas na área da cooperação e da ajuda ao desenvolvimento, porque gosto de destacar mais o papel do Duarte nas ONGs, neste caso da ONG Helpo. E também do Pedro Formiga.

Eu começaria por falar sobre este tema, e gostaria de vos transmitir uma história. Acho que a melhor maneira de vos tentar transmitir aquilo que é a Mundo a Sorrir é contar como as coisas começaram.

Esta é uma ilha muito caraterística de Cabo Verde, a Ilha do Fogo, caraterizada por um vulcão, e eu costumo dizer que este vulcão fez explodir a minha vida e o meu projeto. Nesta ilha em Cabo Verde, que esteve em erupção no ano passado, vivem cerca de quarenta e dois mil habitantes, e estes quarenta e dois mil habitantes não tinham médico dentista até eu ter chegado lá com vinte e três anos.

Tive uma experiência de vida tremenda, impactante e pus em prática aquilo que aprendi ao longo da universidade, e abri os olhos relativamente àquilo que eram os desafios da minha profissão e que muitas vezes não vêm descritos nos livros nem nas teorias. E foi aqui em Cabo Verde que, ao final de três meses de uma experiência de um simples voluntariado, eu me apercebi que a saúde oral é um problema negligenciado em todo o mundo.

E foi aqui que eu percebi que coisas tão simples, como uma cárie dentária, tem um impacto ao nível de uma pandemia e torna-se uma das doenças mais prevalentes em todo o mundo, muito maior do que outras com mais nome, como o HIV, como diabetes, e que tem um impacto tremendo ao nível do nosso país, sendo que 40% da nossa população continua sem receber cuidados médico-dentários.

Apercebi-me que existem cerca de dois milhões de dentistas no mundo. Estes dois milhões de dentistas, como nós os conhecemos, como eu felizmente sou, e como a maior parte dos meus colegas em Portugal somos, estamos bem preparados, tal e qual como nesta fotografia podem ver, têm tecnologia, têm formação, têm informação. Mas são apenas 30% dos dentistas do mundo. Os outros 70% são exatamente como estes. Pessoas que não têm condições, não têm formação, e às vezes são o único recurso para dar garantias e assistência a cuidados de saúde e a cuidados de saúde médico-dentários.

E percebemos que, afinal, a questão da saúde oral não é assim tão pouco impactante, e muitas vezes causa a morte, e esta é uma das doenças que continua a causar morte em África, e que tem um impacto tremendo, é conhecida como a cara da pobreza.

E foi através desta experiência, em Cabo Verde, que eu me apercebi que era preciso passar da teoria à ação, e foi aí que eu decidi criar uma organização de voluntários, à qual dei o nome de "Mundo a Sorrir”. A sua missão era simples, era fazer da saúde oral, e da saúde global, um direito universal.

Nasceu em 2005, hoje em dia tem onze anos, e de certa forma fomos aumentando a nossa estratégia, eu também fui aumentando os meus conhecimentos, e vendo que havia mais necessidades, e intervimos hoje em dia em diferentes áreas. Intervimos na área da saúde, na educação para a saúde e na cidadania, e ainda no acesso à água potável e relacioná-lo com a saúde.

Os projetos foram crescendo, começámos em Cabo Verde, e estamos hoje em dia em vários países irmãos, dos quais eu sei que também estão aqui representados alguns alunos, dos países PALOP. Em Cabo Verde, em São Tomé e Príncipe, na Guiné-Bissau, Moçambique, e pretendemos agora lançar um novo projeto também em Angola.

Não vou entrar em detalhe, depois teremos oportunidade, até individualmente, se me quiserem fazer perguntas sobre cada projeto, mas sabemos que cada projeto destes não é só um projeto de saúde, mas é um projeto de ajuda ao desenvolvimento e de cooperação, e a lógica é capacitar e é tentar fazer com que agentes locais sejam também agentes de transformação e de mudança.

Em Portugal as necessidades e as desigualdades existem, muitas vezes muito mais próximo do que aquilo que nós pensamos. E lançamos projetos, projetos que eu vou depois especificar, que têm hoje em dia já uma cobertura a nível do território nacional. E, quando nós estamos aqui em Castelo de Vide, eu tenho o prazer de dizer que a nossa ONG está também aqui na região, em Portalegre e noutras regiões próximas.

E vou-vos falar apenas de dois projetos. Projetos que eu considero, e são considerados, de inovação social. O projeto "Aprender a ser saudável”, que se dedica à promoção de estilos de vida saudáveis e de higiene oral em ambiente escolar. E, de uma forma disruptiva, tentar introduzir uma nova abordagem para que, através da educação, se incutam estilos de vida saudáveis e de higiene, naquilo que são os locais de ensinamento, daqueles que serão futuros cidadãos, que são as escolas, e cidadãos certamente mais saudáveis e mais responsáveis também sobre a sua saúde.

São projetos que têm parcerias com várias autarquias, tentamos comprometer sempre as entidades públicas.

E um outro projeto, um projeto que tem sido, felizmente, galardoado com alguns prémios e reconhecimentos de inovação social. Este é o CASO, o Centro de Apoio à Saúde Oral, que são clínicas direcionadas a populações vulneráveis ou em ciclos de pobreza, numa lógica de, através da saúde oral, podermos reverter esses ciclos de pobreza. Existem já duas clínicas e estamos agora a tentar lançar mais duas clínicas para outras regiões do país.

E a ideia é, através da saúde oral, fazermos exatamente isto, que é reinserção social e melhorar a condição social. Eu faço sempre a pergunta de como é que alguém pode ir a um entrevista de emprego, se estiver diminuído do ponto de vista da sua condição oral e do ponto de vista da sua capacidade de comunicação, de autoestima, e este projeto tem exatamente esse sentido.

Ao longo destes anos, o nosso impacto foi crescendo. Há aqui uma noção que eu gostaria de transmitir que tem a ver com a vontade de termos querido sempre fazer uma organização bastante profissionalizada. Envolvemos voluntários, mas envolvemos também colaboradores profissionais. Neste momento temos dezoito colaboradores remunerados dentro da organização. E temos cerca de mil e quatrocentos voluntários, médicos, mais da área médica, mas também bastantes estudantes, que se envolvem com a nossa organização. E todos eles têm uma função bastante especial.

A minha ideia era tentar transmitir-vos aquilo que é o conceito de inovação social. Eu sei que, o ano passado, o Filipe Santos, e melhor do que ele não haverá ninguém, porque foi ele que introduziu a inovação social em Portugal, e que está presente neste momento através do fundo Portugal Inovação Social. Mas queria dizer-vos que a inovação social acontece com empreendedores sociais. Há vários, há muitos, felizmente estão aqui presentes alguns, e a nível mundial o Maohamed Yunus é, sem dúvida, aquele que foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz, e bastante reconhecido.

Para haver inovação social tem que obviamente haver uma vontade, uma ideia, um propósito e esse propósito tem que crescer através de um modelo sustentável. Esse modelo sustentável só é possível se houver um bom modelo de negócios, inovador, e essa inovação não deve ser estanque. Eu costumo dizer que não há inovação se não houver também trabalho e transpiração.

Aquilo que nós verificamos é que, se acontecer inovação social, ela vai ter uma mudança sistémica, e é essencialmente essa mudança sistémica que se pretende, que é criar um impacto social.

Eu gosto de fazer estas analogias, porque acho que são mais impactantes. Costumo dizer que as organizações sociais, as organizações de inovação social e, muitas vezes, os empreendedores sociais, são aquilo que eu considero as osgas do setor, as osgas ou as salamandras. Isto porquê? Quando estive pela primeira vez em África, aquilo que me disseram, era: cuidado, que este animal é muito bem-vindo; tenta dormir sempre com ele no teu quarto, porque estarás com uma noite segura e sem mosquitos.

Exatamente em Portugal, eu aprendi a maltratar este animal. Eu mal via este animal, a primeira coisa que eu tentava fazer era fazer com que ele fugisse da minha cama. E a verdade é que isto acontece exatamente com as organizações do setor social e, muitas vezes, com os empreendedores sociais. Não se vê o lado benéfico e o benefício deles, verdadeiramente. E quando vamos mais a fundo, não vemos a capacidade que estes pequenos animais têm, que é uma capacidade extraordinária, que tem sido, hoje em dia, estudada até para produtos na área têxtil, e porque têm filamentos muito próprios nas suas patas de aderência e que têm uma capacidade de adaptação tremenda ao terreno.

Eu julgo que os empreendedores sociais são exatamente isso. São pessoas que se adaptam ao terreno, são pessoas que provocam a mudança, e provocam uma mudança positiva e um benefício social.

Isto é um slide – eu não sou teórico da inovação social, mas estive recentemente numa formação da Universidade de Cambridge, de um fellowship da Rothschild Foundation – e este é um slide para vos dizer algumas diferenças entre o que é um inventor, um inovador e um empreendedor. De certa forma, um empreendedor põe em prática a ideia e faz com que ela tenha realmente aquilo que nós achamos que é o sucesso e um benefício para uma comunidade ou para uma transformação social sistémica.

Sobre o empreendedorismo, aquilo que eu acredito que é criar empreendedorismo, é fazê-lo de uma forma… com uma orientação, um modelo de negócios, mas essencialmente não sozinho, fazê-lo através de uma equipa. E eu foco bem este processo de criar uma equipa, que é tremendo e importante, e que essa equipa e que essas pessoas tenham essencialmente paixão por aquilo que façam, e que não se prendam, unicamente, no benefício, muitas vezes, de remuneração – que acaba por ser importante, mas que não pode ser essa a sua principal função. Essencialmente, aquela que nós podemos dizer que é a nossa cenoura, aquilo nos faz mover, é a mudança social e é acreditar que fazemos e trazemos um benefício social.

Esta é uma imagem da minha equipa, a semana passada. Para vos dizer que não faço qualquer tipo de trabalho sozinho; se a organização, hoje em dia, tem um impacto em meio milhão de beneficiários, é porque existe uma equipa. Esta é a minha equipa de coordenadores, como vêm gente bastante jovem, gente que tem, essencialmente, todo o potencial para ser explorado. E eu costumo dizer que todos nós temos uma capacidade individual para fazer melhor e para mudar o mundo.

Se há aqui algum processo de chefia, de liderança? Eu acho que este processo é fundamental. E as organizações sociais, os projetos de inovação social, como qualquer coisa da vida, têm que ter liderança. E há aqui uma grande diferença entre aquilo que é um líder e aquilo que é um chefe.

E há várias maneiras de fazermos esse processo de liderança, para que tenha sucesso. Há dois caminhos para que ele seja feito. Um mais sustentado, mais moroso, mas com princípios e valores alicerçados. Outro mais rápido, com uma ambição se calhar mais premente, mas que eu julgo que não é tão sustentado, e que acho que esta imagem também transmite bem aquilo que é a diferença entre caminhar ou não.

Eu venho de uma cidade que está habituada a fazer pontes, é a cidade do Porto, e gostava de vos deixar também esta mensagem. Nada se consegue fazer se não houver sinergias, se não houver parcerias, o estabelecimento de pontes e de redes é fundamental. A minha organização e eu individualmente trabalho em muitas parcerias, estão aqui presentes algumas, uma das quais é a Conexão Lusófona, e outras organizações, que nos ajudam a fazer crescer.

E, de certa forma, temos que aprender a deixar de viver numa lógica de minifúndios. Portugal é muito característico por não saber trabalhar em rede. Se vos posso deixar aqui alguma mensagem nesta Universidade de Verão é que aproveitem estas redes, aproveitem estes momentos para criar laços, porque sozinhos, sinceramente, não chegaremos a lado nenhum.

Sobre um outro aspeto que eu costumo referir, e que tem sido a minha experiência ao longo destes anos, é que, no nosso ecossistema, não é fácil lançar seja o que for, qualquer iniciativa, qualquer projeto, do chão. Ou seja, aquilo que nós costumamos dizer desde a sociedade civil, é difícil lançarmos algum projeto, porque as coisas ainda estão num sistema muito de top-down, muito verticais, muitas vezes cristalizadas.

E, verdadeiramente, aquilo em que acreditamos é que aquilo que é mais robusto para a sociedade, é que a sociedade civil tenha um papel importante para construir estruturas, projetos, iniciativas, onde a sociedade civil sinta isso. E aquilo que acaba por se verificar ao longo do tempo, é que depois existe a diferença entre os "nós” e os "eles”. E muitas vezes esses "nós” e os "eles” são os políticos, os decisores, e que estão muito distantes daqueles que são os cidadãos e que, de certa forma, são cidadãos que devem ser informados, atuantes e com energia para saberem decidir na altura certa.

Os jovens têm um papel fundamental sobre isto. É uma das preocupações que tenho; eu acredito que as organizações sociais como é o caso da nossa ONG, da Mundo a Sorrir, têm um papel fundamental para a criação de uma nova forma de estar em sociedade, onde o voluntariado é fundamental para melhorar e para estimular esta energia que os jovens têm, e que, de certa forma, não está ainda devidamente aproveitada.

Trouxe esta mensagem que é do fundador deste partido, não tendo eu qualquer ligação partidária, vejo que, muitas vezes, perpetuamos ao longo de muitos anos frases, preocupações, que estão presentes ao longo de trinta anos, e que, realmente, ainda não existem verdadeiras mudanças neste sentido.

Deixo esta questão: porque é que a inovação social pode ser uma das chaves para uma mudança de um paradoxo daquilo que tem sido um sistema e uma abordagem que até agora parece que não tem funcionado. Eu acredito que a inovação social traz, ou pode trazer, uma resposta àquilo que são preocupações crescentes, não só a nível nacional mas a nível mundial, e que verdadeiramente podem mostrar uma outra forma de abordagem muito mais friendly, muito mais amigável para a comunidade e muito mais amigável para a sociedade.

E de certa forma, deixo-vos esta mensagem, vai haver aqui um período de discussão, mas eu acredito que a mudança não se faz só com palavras, mas faz-se essencialmente com atos e com a vontade em querer participar ativamente nessa mudança.

Muito obrigado.

[Aplausos]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito obrigado, Miguel Pavão.

Miguel Neiva, quinze minutos.

 
Miguel Neiva

Bom dia. Os agradecimentos da praxe, naturalmente entendam como já feitos, para ganhar tempo. Pode ser?

Mais do que vir-vos aqui contar uma história, eu venho partilhar convosco aquilo que eu quero que vocês também ajudem a transportar. A minha formação é em design, e é interessante, porque a primeira pergunta que eu fiz, quando cheguei cá, foi que formação vocês tinham, e percebi que era completamente heterogénea, e isso é interessante, não só pela questão etária, mas também pela questão da formação.

E pegando um bocadinho na sequência do que o Miguel falou, eu venho contar-vos uma história em que vou falar de design, vou falar de negócios, vou falar de inovação social, vou falar de marketing, vou falar um bocadinho de tudo. E perceber que hoje temos uma oportunidade – e eu tenho 47 anos – que certamente há trinta, ou há vinte, ou há quinze ou há dez anos não existia – que é: nós podemos fazer alguma coisa pelo mundo. Eu acredito que hoje nós temos esse privilégio, com todos os constrangimentos que temos no dia-a-dia, o podermos fazer nós, particularmente, alguma coisa pelo mundo, eu acho que nos dá para ser muito mais do que uma mera existência.

Uma vez, em tempos, li uma frase que me marcou para a vida toda, que dizia que existir é suficientemente escasso. E acho que neste momento nós temos essa oportunidade que é fazermos nós aquela nossa quota-parte por um mundo melhor e por uma sociedade melhor.

Dizia-vos que a minha formação é em design. E eu sempre acreditei que o design era muito mais do que desenhar bonitos objetos. Que o design tinha a competência e, se calhar, até a nobre missão de poder fazer algo por um mundo melhor. E foi isso que eu me predispus fazer.

Para acompanhar um pouco esta apresentação, eu vou distribuir uns óculos e vou pedir que me ajudem, porque há aí mais óculos espalhados por pessoas. Eu vou ficar com estas filas da frente, e se alguém me ajuda a distribuir estes óculos rapidamente.

Eu penso que já toda a gente tem os óculos. Não?

Toda a gente tem óculos? Eu tenho aqui mais.

Quem não teve os óculos digam-me aquilo que sentiu. O quê que sentiram?

Excluído, mais? Ultrapassado, mais? Rejeitado, mãos? Injustiça, mais? Miguel? Simão?

Discriminados, excluídos, tudo isso. Agora eu vou pedir a quem teve os óculos, se os põe na cara. Um pequeno alerta: quem não tiver coragem de os roubar, no fim eu preciso que mos devolvam.

Então, quem não teve óculos sentiu-se discriminado, excluído, tudo isso. Mas, na realidade, quem foi discriminado e quem foi excluído, foi quem teve os óculos, porque não consegue destingir a diferença entre estas duas imagens.

E agora vou-vos pedir uma terceira coisa nesta pequena brincadeira, que é partilhem. Quem teve óculos empreste a quem não teve, para sentirem aquilo que é a dificuldade de trezentos e cinquenta milhões de pessoas no mundo.

Eu vou-vos falar de daltonismo. E muito rapidamente – e eu tenho que dividir esta apresentação em duas partes – aquilo que foi um projeto de investigação e desenvolvimento como designer, a procurar uma solução que conseguisse integrar na sociedade trezentos e cinquenta milhões de pessoas que sofrem de uma limitação, embora alguns países o considerem uma deficiência, que são os daltónicos.

Mas o facto de ser uma deficiência que não é visível aos olhos dos outros, cria um juízo de valor completamente depreciativo. Tão natural quando, imaginem, se eu estiver com umas calças roxas, uma camisa amarela e uma gravata cor-de-rosa, se usar uns óculos de sol e uma bengala, naturalmente nós dizemos: coitado, é cego. Mas se não tiver a bengala é um parolo, é uma pessoa com mau gosto.

E esse juízo de valor é tão depreciativo quanto, até as primeira pesquisas que eu fiz, em 2000, quando me dispus a fazer este trabalho, em que fui para a net procurar o que era ser daltónico. Daltónico era um árbitro que não marcava um penalti, daltónico era um candidato que prometia uma coisa e acabava por fazer outra. Ou seja, completamente descontextualizado, mas, mais do que isso, quando eu descobri que rigorosamente nada existia que permitisse a trezentos e cinquenta milhões pessoas integrarem-se na sociedade, sem terem que assumir a sua condição, e constantemente a serem discriminadas, a ser vítimas de bullying, a ter perda de autoestima, de autoconfiança e uma dependência muito grande de terceiros.

Oito anos de trabalho… e eu não sou daltónico, e acho que isso foi, se calhar, o grande fator que fez com que este projeto tivesse o sucesso e o impacto que hoje está a ter no mundo. O que prova que nós somos muito mais competentes se fizermos as coisas a pensar nos outros, do que a pensarmos em nós próprios. Porquê? Porque eu, nesses oito anos, estive dois anos reunido com médicos a estudar o que era ser daltónico.

O daltónico troca as cores… aliás, confunde as cores, não troca. Há vários graus de daltonismo. Esses óculos que vocês veem simulam a mais frequente visão de daltonismo, que se chama deuteranopia, confusão entre verdes e vermelhos.

90% da comunicação que é feita no mundo é feita através da cor. E vê-se – os vários grupos de trabalho nesta Universidade, todos eles são diferenciados por cor. Por isso, trezentos e cinquenta milhões de pessoas, ou seja, um em cada dez homens – porque afeta maioritariamente os homens -, uma em cada duzentas mulheres, têm dificuldades de integração na sociedade.

90% precisa de ajuda para comprar roupa; 60% precisa de ajuda para escolher a roupa que vai vestir no dia seguinte; 17% dos daltónicos descobriu que era daltónico depois dos vinte anos; 41% dos daltónicos têm dificuldade de integração social. Ou seja, um problema de que a sociedade se esqueceu, mas que, naturalmente, também se esqueceu, porque o daltónico também não reclamou. Porquê? Porque não quis assumir a sua condição.

Isto foi um trabalho em que, como designer, eu tinha que procurar algo que pudesse integrar na sociedade o daltónico, sem ele ter que assumir, e continuar no seu dia-a-dia normal, mas podendo ter uma integração plena.

Tudo o que eram linguagens universais eu estudei. Sinais de trânsito, código internacional das bandeiras, sinais terra-ar, o código Morse, o Braile, a língua gestual, tudo aquilo que eram linguagens universais, e até aquelas que eu pensava que eram universais e não eram, como o caso do Braile ou a língua gestual. E facilmente deu para perceber que a cor e a forma são os elementos que garantem essa universalidade.

E com este sinal, mesmo não sendo vermelho, mesmo não dizendo STOP para nós, o daltónico reagia à forma. E eu tinha aqui a certeza de que a forma poderia substituir a cor e promover a identificação da cor.

Preciso é de um conceito, e um conceito simples. E o que eu fui fazer foi aproveitar o conhecimento adquirido que todos nós trazemos da escola. Impendentemente da vossa área de formação, todos vocês tiveram na escola uma caixinha de guaches, que tinha as três cores primárias, mais o branco e o preto. E nos ensinaram que estas cores primárias eram a base de todas as cores.

Então o que eu fiz foi a cada uma das primárias atribuir um elemento gráfico, uma forma, como vos falei há pouco. Para quê? Para que ela representasse as cores, permitisse ao daltónico a independência aquisitiva. E que tinham que ser símbolos simples, fáceis de integrar o vocabulário visual de cada um, fáceis de ser reproduzidos em qualquer sítio, fáceis de ser entendidos por qualquer pessoa, independentemente da sua cultura, religião, geografia, fosse o que fosse, mas que também se ligassem entre eles.

E com base naquilo que foi o conceito de adição de cores que todos nós aprendemos na escola – se eu misturar o amarelo com o vermelho, eu tenho o laranja; então se eu misturar o símbolo do amarelo com o símbolo do vermelho, eu tenho o símbolo do laranja. E três símbolos, através do conceito de adição de cores, permite que o daltónico identifique todas as cores.

O branco e o preto - o branco torna os tons claros, o preto torna os tons escuros. Isto, para contextualizar-vos aquilo que foi uma linguagem, como eu já li e que me soa bem em algum aspeto, como um esperanto que é identificado, ou interpretado ou entendido em todo o mundo. Mas era preciso levar este projeto para o mundo.

E agora entrando aqui um bocadinho naquilo que era o negócio, naquilo que é a inovação social, o impacto. Como é que nós vamos transportar este projeto para o mundo ou como é que vamos fazer com que trezentos e cinquenta milhões de pessoas tenham acesso a uma linguagem que lhes dá integração? Mas é assim: o daltónico não tem um carimbo na testa a dizer eu sou daltónico.

Por isso, a maneira mais fácil de chegar a trezentos e cinquenta milhões de pessoa é fazer isto chegar a sete mil milhões de pessoas. E sozinho é impossível. Então o que eu fiz? Criei uma equipa de trabalho, criei um modelo de negócio e consegui aquilo que eu acho que é a segunda lição que eu aprendi nesta história toda. Isto já lá vão dezasseis anos. Oito anos de investigação, desenvolvimento, validação pela comunidade científica e depois um processo de implementação disto através da cocriação com os produtos.

Toda a vida eu ouvi dizer que não é possível termos o melhor de dois mundos. Mas de facto este projeto mostrou-me que nós conseguimos ter o melhor de três mundos. E como é que o temos?

Primeiro, dar ao daltónico uma ferramenta, sem que ele tenha que pagar por ela, e sem que ele tenha que assumir a sua condição.

O segundo mundo: criar um modelo de sustentabilidade independente. Tem que ser rentável para podermos continuar a trabalhar isto e para podermos conseguir desenvolver todo um sistema de implementação que seja efetiva e que traga benefícios para a sociedade, através da cocriação com as empresas.

O terceiro mundo: dar este projeto à educação. De facto, a educação é um pilar de desenvolvimento. São as crianças de hoje que vão fazer um mundo melhor amanhã, e criei uma ONG que trabalhamos com as escolas, com um projeto perfeitamente identificável e escalável.

O nosso modelo é simples. As empresas que queiram utilizar o código nos seus produtos pagam-nos um fee para usar este código. E o valor do fee é ajustado à dimensão das empresas. Tão justo quanto uma pequena loja de informática aqui em Castelo de Vide pague isto, e a Microsoft pague isto. Com uma regra simples: não é exclusivo para ninguém. Se é para chegar a todos, tem que ir por todos.

Nos últimos quatro anos aproveitámos isto no bom sentido. Toda uma crise que estava instalada em Portugal, e até no resto do mundo, e valorizamos as empresas portuguesas, testando o projeto em mais de 250 implementações, de diferentes âmbitos, em que potenciámos empresas portuguesas, não só através do impacto que isso traria nos seus produtos, mas também na inovação e na responsabilidade social. Conseguimos criar clusters que hoje estamos a exportar para todo o lado.

Alguns exemplos de implementação. Área da saúde. Não só a nível de orientação nos hospitais. E este exemplo que vocês veem aqui no Hospital de São João, no Porto. Quinze mil pessoas circulam diariamente naquele hospital. Se metade forem homens, há 750 daltónicos que se perdem diariamente num hospital, onde não há certamente pessoas disponíveis para os reorientar, dentro daquilo que é o procurarem um serviço de oftalmologia, ou de cirurgia ou seja o que for.

Triagem de Manchester. Dar ao daltónico o conforto de saber se está melhor ou pior do que o indivíduo que está ao lado. Ou se vai entrar primeiro na consulta ou não.

Fármacos hospitalares. Evitar aquilo – e isto já em uso desde 2012 – aquilo que foi o problema que aconteceu no Santa Maria, em Lisboa, as trocas de seringas, não sei se vocês têm presente isso? Um processo que ainda corre em tribunais, precisamente pelas pessoas que ficaram cegas porque em bloco operatório houve uma troca de seringas. E aqui o código serve não só para identificar a cor aos daltónicos mas para salvar vidas a pessoas.

Transportes. Mais de 50% dos utilizadores de transportes usam a cor como um fator de identificação das linhas. Por isso, testado no Metro do Porto, em uso já desde 2011, replicado, e hoje, neste momento, já estamos a trabalhar com o metro de Londres para replicar aquilo que foi um cluster criado em Portugal. Um fator diferenciador que Portugal dá e mostra como é que pode ser adaptado noutros mercados e noutros países.

Cidades. Já trabalhamos com várias cidades, não só ao nível daquilo que é o turismo - os mapas turísticos em que os circuitos têm a cor para fazer uma correta identificação -, mas também ao nível da recolha seletiva de resíduos, a tal reciclagem, e os contentores que diferenciam os diferentes produtos.

Material escolar, lápis de cor. E este é um caso paradigmático que mostra como é possível trabalhar em cocriação, empresas de segundo setor, com projetos de impacto social e de valorização da sociedade, com retorno económico para as empresas.

A Viarco, que é uma empresa portuguesa, que foi a primeira empresa, ao nível deste produto, a adotar o código. Só pelo facto de pôr os símbolos nos lápis, recuperou o mercado nacional do primeiro ciclo que tinha perdido para os lápis das grandes superfícies e das lojas dos chineses. Exporta para vinte países para onde nunca tinha exportado.

A seguir… se vocês forem agora aos Continentes ou à Note, todos os produtos Note têm o código implementado. Ou seja, com uma regra simples de não ser exclusivo para ninguém, com um projeto que traz impacto social, traz valorização à responsabilidade social das empresas, mas traz-lhe retorno económico, é a maneira mais fácil de nós, juntos, chegarmos aos tais sete mil milhões de pessoas.

O quê que isto nos dá? Dá-nos uma capacidade de chegar longe, com sinergias partilhadas e com equipas pequenas.

Outra área, o vestuário. Mais de cinquenta milhões de etiquetas de roupa têm o código para permitir a identificação correta. Trabalhamos já com nove empresas têxteis e com estes modelos que estamos também a replicar para outros países.

Depois a área alimentar, o semáforo nutricional, jogos, parques de estacionamento, aplicações digitais, sinalética de segurança, empresas de tintas, neste caso, retalho, como o caso do Leroy Merlin, o Rock in Rio, em que os bilhetes, todos eles, eram diferenciados por cores, porque cada cor correspondia a um dia do evento. Permitir a integração ao daltónico.

Manuais escolares, ensinar o código ou utilizar o código para ensinar outras matérias. Exames nacionais. Permitir ao daltónico ter uma independência aquisitiva e ter uma capacidade de interpretar tão bem, ou igualmente bem, o enunciado de um exame ou para poder formular uma correta resposta. Já todos os exames nacionais do secundário usam o código desde 2011.

E depois este, que é muito recente, e que mostra aquilo que é a capacidade que nós podemos ter, mesmo sendo um país pequeno, mas com capacidade de inovar. E a resistência que é feita à inovação, ela existe, e eu vivi-a e tenho-a vivido, porque atrás do coloradd não existia rigorosamente nada, e não só a ideia, que por si só é inovação, mas também o modelo de como o levar ao mundo, também é inovação.

E este caso aqui para mim é paradigmático, e vale muito mais do que um símbolo implementado num pano, que foi as bandeiras das praias. Num estudo que eu fiz havia um daltónico que me dizia que não tomava banho na praia, porque não sabia ver o estado do mar, e não lhe era suficientemente confortável perceber se o mar estava possível ou não possível para tomar banho. Quatro anos de trabalho em parcerias com o Instituto de Socorros a Náufragos, com a BAI, com vários municípios, conseguiu-se que a tutela, neste caso a Marinha, aceitasse e visse isso como uma boa prática, pioneira a nível mundial, e um processo que vai ser perfeitamente escalável.

E se vocês forem a todas as doze praias do concelho de Torres Vedras, verão que, desde Santa Cruz, até Ericeira, até Peniche, todas elas têm os símbolos nas bandeiras, permitindo uma praia, neste caso, acessível. E isto transversalmente replicado para outros âmbitos, que mostra que é possível fazer as mudanças, criares boas práticas, e não andar atrás daquilo que existe, mas introduzir inovação, e essa inovação acaba por garantir uma sociedade mais equilibrada.

Falando-vos agora um bocadinho daquele terceiro mundo que vos mostrei há bocado, criamos uma ONG, que trabalhamos com as escolas, um projeto pioneiro também a nível mundial e que vai muito mais além do que isto. Ou seja, sensibilizar a comunidade escolar para a questão do daltonismo. Porquê? Porque o meu daltónico é vítima de bullying. Temos casos de miúdos que chumbaram por serem daltónicos; o professor não conseguiu entender como é que o miúdo não sabia aquilo que foi a transformação geopolítica da Europa no antes e no pós guerra, precisamente porque o mapa era vermelho e era verde.

Rastreio precoce do daltonismo. Estamos a fazer o rastreio precoce do daltonismo aos miúdos de primeiro ciclo e, no último ano letivo e meio, fizemos treze mil rastreios de daltonismo, e os 10% de miúdos daltónicos validam.

Ações de capacitação, bibliotecas através da classificação decimal universal, alguns dos indicadores daquilo que vamos fazendo. E esta ONG também tem um suporte de sustentabilidade perfeitamente autónomo. Porquê? Porque financiamo-la com parte das receitas das licenças que vendemos, que reverte para garantir a independência sustentável da ONG.

Termino com dois slides daquilo que mostra como Portugal pode deixar um legado à humanidade e levar algo para o mundo, com impacto. No passado mês de maio estive na Índia, a ensinar precisamente todo este processo, todo o trabalho que nós fazemos nas escolas, àquilo que são as zonas mais precárias da Índia, aqueles sítios onde nem os que não vão em turismo querem ir. Nas zonas das castas, em que famílias vivem com seis dólares por mês; em que estive a ensinar o coloradd a fazer o teste de Ishihara a todos os miúdos e a capacitar os professores para darem continuidade a todo esse processo.

E depois basta ver marcas portuguesas, produtos portugueses do outro lado do mundo, e verem o ar de felicidade desta criança que teve uma caixa de lápis que lhe permite a identificação dos códigos, que lhe permite a identificação das cores, através de tudo isso.

Por último, e para terminar, um pequeno quizzinho , e tentar-vos mostrar… e aqui vamos perceber o impacto negativo que esta questão do daltonismo tem. Quem me consegue identificar quem é o personagem desta imagem? Quem quer arriscar? Tem de ser rápido, porque o tempo já… Não vão lá de óculos, não vale a pena.

Possivelmente, o mais famoso dos daltónicos de toda a história.

 

Voz da Assistência

Van Gogh?

 
Miguel Neiva

Van Gogh. Agora vejam, como é que se vendeu a obra de Van Gogh. Pensem, se soubessem que ele era daltónico, valeria o mesmo? Possivelmente não.

Por isso a ideia de toda uma limitação que é escondida, porque a sociedade não a revê como algo que possa ajudar. Porque não há filas nos supermercados para daltónicos, não há cadeiras nos autocarros para daltónicos, e há países em que o daltónico é um deficiente, por decreto, o que lhes traz uma série de constrangimentos.

Por isso, a ideia de todo este projeto é criar soluções em cocriação com as empresas, levar as boas práticas a tudo aquilo que é uma organização global, capaz de nos fazer chegar a todo o lado e de garantir essa integração na sociedade.

E pronto, muito obrigado, e depois voltaremos às perguntas.

[Aplausos]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito obrigado, Miguel. Laura Vidal, quinze minutos.

 
Laura Vidal

Vou fazer então, primeiro, aqui uma pequena apresentação. O meu nome é Laura Vidal, muito bom dia a todos. Muito obrigada pelo convite para estar aqui presente na Universidade de Verão do PSD.

Eu acho que depois destas duas intervenções, eu se calhar vou começar com um vídeo que vou poder passar. É um vídeo que foi construído por jovens lusófonos, falantes de língua portuguesa, espalhados pelo mundo, em algumas capitais que talvez vos sejam familiares, e que falam um pouco da nossa visão em relação a uma nova lusofonia que está a surguir.

Som do filme projetado

Lusofonia para mim é…

Lusofonia para mim tem sempre uma parte muito de identidade. Lusofonia é um pouco a minha bandeira, e a música que eu canto e todas as influências que eu tenho a nível cultural.

A lusofonia é o cimento que une todos os falantes de língua portuguesa. E é muito mais para além do que falar uma só língua, é partilhar uma cultura que, de certo modo, tem vários pontos.

Hoje, lusofonia é um conceito de multiculturalidade e de multidimensionalidade e que é uma diversidade de conceitos.

É um ponto de partida, ou seja, se eu pensar em lusofonia, eu acabo por pensar num denominador comum.

Para mim, lusofonia é a oportunidade de conhecer essa diferença e de saber que existem essas parecenças também entre esses países, e essas culturas e não só países.

Língua, ou mais do que isso, uma afinidade natural que nós não sabemos explicar como e nem o que é.

Porque é muito mais do que as palavras podem descrever; penso que também é um sentimento.

Nós chegamos para cumprimentar papai.

Os jovens são uma peça fundamental neste processo de construção de uma comunidade lusófona, e esta geração, principalmente a nossa geração, é uma geração que vai dar este pontapé de saída, porque é a primeira geração que sai ou que nasce, no contexto atual, que são os países independentes.

Eles não são diferentes de nós. Nós temos muito mais em comum, muito mais mesmo, que nos identifica do que nos diferencia.

E a língua é o grande instrumento que nós temos para realmente acontecer essa partilha. Para haver comunidade tem que haver partilha, tem que haver aposta em comum; e comum, comunidade, comunicação, a língua. Que se criem mais espaços, aproveitando que existe a internet hoje em dia, aproveitando que é mais fácil viajar, mas mais do que isso, não partilhar essa informação toda num espaço e a nível informal.

O que a gente está querendo legitimar uma situação que a gente já é – a gente é um pouco disso tudo.

Se repararmos, não viramos uma esquina sem encontrar um irmão, um PALOP, ou alguém que tenha, digamos, algo em comum a nós.

[Aplausos]

Laura Vidal

Ainda vem mais, ainda vem a parte da diversão, do making-of. Já agora deixa-se correr…

Som do filme projetado

Dizem que Luanda é a cidade… Take 25.

Laura Vidal

Eu acho que este vídeo ilustra um pouco aquilo que é o espírito da conexão lusófona e o espírito que eu gostaria de trazer para aqui. E de vos mostrar como é que jovens que, à partida, não se conhecem – que conhecem-se principalmente através das novas tecnologias, do Facebook, do Whatsup, do Skype, que vos são tão conhecidos hoje – realmente conseguem empreender e fazer projetos e criar algo que, no seu ADN, é logo global.

A Conexão Lusófona não é uma organização portuguesa, é uma organização em rede que foi fundada neste espírito cosmopolita e neste espírito global, tendo realmente aqui a língua portuguesa como a principal ferramenta para unir todos estes jovens, mas também – e não foi por acaso que nós colocámos uma música em crioulo de Cabo Verde neste vídeo - respeitando a enorme diversidade que existe nos nossos países de língua oficial portuguesa e valorizando essa diversidade e mostrando que também essa diferença é um ponto a favor desta lusofonia para o século XXI que queremos construir ou que estamos a construir.

Eu vou-vos apresentar um pouco o meu percurso. Muitas pessoas perguntam-me como é que eu fui parar à Conexão Lusófona, como é que eu fui uma cofundadora, acho que também talvez queiram saber, e mostrar rapidamente então o percurso deste projeto e da associação.

Eu sou luso-angolana, a minha mãe nasceu em Angola; desde sempre cresci com a cultura africana em casa. E fui para a universidade - o meu pai sempre me incutiu ou sempre me apresentou também muita coisa cultural dos países de língua portuguesa – e quando fui para a universidade havia uma coisa que realmente eu não percebia. Eu não percebia porque é que nós encontrávamos principalmente os estudantes africanos, completamente separados, em grupos, não integrados com os estudantes portugueses. Não sei se vocês vivem isso, ainda hoje em dia, nas vossas universidades. Era algo que eu sentia, que me fazia confusão.

E como realmente tinha sido, e tinha muitos estímulos em casa sobre a cultura dos países africanos, eu era sempre aquela portuguesinha que ia lá falar com eles e tentar aproximar-me. E quando ia a uma festa dos estudantes de Cabo Verde, se calhar, era a única portuguesa que lá estava. E realmente essa separação era algo que me fazia confusão, uma vez que Portugal, então, se orgulhava tanto de receber tantos alunos dos países africanos nas suas universidades.

E o que aconteceu foi que, nessa minha tentativa de sair dessa minha zona de conforto, que seriam os meus amigos, eu identifiquei mais alguns outros amigos que, além de terem os seus grupos – os guineenses, os cabo-verdianos, os brasileiros – realmente também tinham uma curiosidade em interagir com pessoas que falavam a mesma língua mas que tinham uma realidade diferente.

E foi assim que surge o embrião da Conexão Lusófona. A Conexão Lusófona surge num ambiente universitário, entre universidades em Lisboa e no Rio de Janeiro, de jovens estudantes, académicos, que tinham esta curiosidade de se conhecerem mais uns aos outros. Então, nessas tertúlias, nesses convívios, nesses debates acesos, onde se falavam dos mais variados temas – economia, política, cultura, colonização, descolonização – nós percebíamos, realmente, que tínhamos aqui um papel muito importante, que era o papel da construção das pontes.

Muitos de nós tínhamos histórias familiares ligadas aos processos históricos que uniram os nossos países e que depois desuniram, no contexto que todos nós conhecemos, e sentíamo-nos realmente descomplexados e abertos a falar sobre tudo isso, e achávamos então que tínhamos aqui um papel geracional importante na construção e na afirmação desta consciência lusófona.

Por outro lado, víamos efetivamente, por exemplo, Portugal – eu nasci no ano em que Portugal entrou na União Europeia – estava a fazer uma escalada forte e acelerada em relação à sua integração europeia, ao despertar para a sua pertença europeia – nós não somos nada contra a questão da Europa, antes pelo contrário -, mas realmente percebíamos e questionávamos: então, mas porquê, se nós temos uma relação secular, histórica, de ligação aos países lusófonos, como é que nós, de facto, não sabemos mais uns dos outros? Como é que nós, hoje em dia, não abrimos um livro de História, e não temos um conhecimento mais aprofundado da História e da cultura de todos estes países? Como é que nós, hoje em dia, não pensamos, por exemplo, numa política comum para a energia no espaço lusófono? Numa integração… – e isto não quer dizer que queiramos caminhar para os Estados Unidos da Lusofonia – e o nosso grupo pensante começou a inquietar-se com estas questões e a perceber a responsabilidade enorme que tinha enquanto nova geração, enquanto futuros líderes, em levar este projeto da comunidade lusófona mais à frente.

Nós, o nosso lema é que não pertencemos a nenhuma das gerações revolucionárias, nós somos os filhos da revolução, somos uma geração construtiva, viemos depois disso. O nosso percurso começou aqui, na universidade, nos debates, nas tertúlias que fazíamos, no convívio.

Como é que montamos este projeto e como é que chegamos àquilo que somos hoje? Numa primeira fase, aquilo que fizemos foi falar desta esta ideia. Nós queríamos fazer uma rede de jovens da lusofonia, à escala global, e fomos procurar conselhos junto de diversas personalidades, principalmente artistas, principalmente agentes culturais. Tito Paris, de Cabo Verde - acho que está aqui uma menina de Cabo Verde -, foi um dos principais; Martim da Vila, do Brasil; uma série de figuras da sociedade de todos esses países – empresários, políticos.

E às tantas, amigo puxa amigo, nós começámo-nos realmente a conectar, cada vez mais, através das novas tecnologias, e quando demos por nós não estávamos apenas em países da CPLP, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, mas espalhados pelo mundo – Nova Iorque, Macau, Paris, por aí fora.

Nos primeiros anos de arranque nós tivemos que definir aquilo que queríamos fazer, enquanto organização, qual era a nossa missão e como é que nós íamos concretizar. Então, a nossa missão era trabalhar, principalmente junto das novas gerações, e criar um sentimento de pertença, de identificação para com o espaço lusófono, para com a lusofonia, mas sobretudo deixar uma assinatura na lusofonia que queremos para o século XXI e ajudar a construir este conceito e esta comunidade que, até então, era vazio de significado, ou não tinha muito significado.

São aqui alguns rostos das pessoas que fazem parte da rede…

E então nesses primeiros anos definimos essa tal missão e definimos as nossas áreas de atuação enquanto organização. Começamos pela cultura, percebemos que a cultura tinha que ser o principal motor de aproximação das juventudes. Então criamos projetos, levamos o debate destes temas para dentro das universidades, lançamos um festival de música que já vai para a sua quinta edição, e que tem acontecido todos os anos e junta artistas vários. Esse festival evoluiu para outras ações culturais e criamos recentemente um portal de notícias, mas já lá vamos.

Aqui algumas fotografias dos debates. O objetivo dos debates é que nós consigamos fomentar o pensamento crítico em relação à lusofonia nas universidades e que os jovens possam estar a pensar em conjunto, os jovens todos destes países, em soluções para as questões de desenvolvimento dos seus países. Daqui saem recomendações políticas, e é aqui que eu queria chegar.

Esta ideia de que para se fazer política, para se participar ativamente, para se ser um cidadão ativo, é algo que está apenas restrito a quem está no exercício do poder, é uma coisa com a qual nós, de certa forma, nunca concordamos, e sempre ousámos agarrar nessas recomendações, nessas ideias, e bater à porta de quem efetivamente pode tomar as decisões e mostrar que estamos aqui para levar esta comunidade avante, e foi sempre essa a nossa preocupação.

Daí a clara preocupação da Conexão Lusófona em se posicionar e em estar a tentar abrir caminho para que nós, daqui a uns tempos, possamos ter um programa de intercâmbio, como existe o Erasmus, na Europa, a nível dos países de língua portuguesa, para que os estudantes não tenham metade dos problemas que têm a nível da circulação; para que os empresários, para que os jovens empreendedores possam ter um passaporte de empreendedor lusófono e possam criar ideias de negócio, e aproveitar as enormes potencialidades dos países de língua portuguesa.

São tudo um conjunto de questões políticas, que nós trabalhamos, e que trabalhamos de baixo para cima. Fazemos grupos de discussão, temos academias, e depois trabalhamos do ponto de vista político estas ideias.

Algumas imagens do festival que costumamos organizar todos os anos. É um festival que são os próprios jovens da associação que montam e que conta com o apadrinhamento dos vários artistas. Nesta ideia de dar a oportunidade aos jovens, ou à sociedade civil, de experimentarem na prática e de viverem a lusofonia com uma das suas maiores riquezas que é a música.

E há cerca de um ano nós estamos numa incubadora de empresas, chamada incubadora Play , isto porque tivemos um projeto que evoluiu muito, que foi o projeto do nosso blogue. Nós inicialmente tínhamos um blogue onde escrevíamos alguns artigos, e percebemos, através dos nossos debates, que os jovens nos diziam: eu não tenho nenhum portal na internet onde eu possa estar informado sobre a atualidade destes países – a atualidade noticiosa; onde eu possa efetivamente perceber mais coisas sobre estes países, como é que eu faço para estudar, para trabalhar, onde eu possa comprar um livro, um álbum de música, onde eu possa conhecer outros jovens lusófonos.

E então é esse projeto que estamos neste momento a trabalhar. Nós transformamos o nosso blogue num portal de informação que, muito orgulhosamente, nos primeiros três meses de projeto, com pouquíssimos recursos, conseguimos atingir um milhão de visualizações por mês. E que, no fundo, está a criar uma rede de produtores de conteúdo.

Portanto, nós estamos a criar redações de jornalismo digital em universidades da CPLP. E temos, por exemplo, um jovem moçambicano a escrever um artigo em parceria com um jovem que está na Guiné-Bissau, e esse mesmo artigo está a ser revisto pela editora, que é brasileira, e que está no escritório de Lisboa.

E há toda uma estratégia muito pensada a nível das redes sociais, de como é que nós tornamos o consumo das notícias online mais apetecível para aquela que é a nossa geração. E esse é o portal da Conexão Lusófona, que está ainda em construção, mas podem e estão à vontade para visitar, é o conexaolusofona.org.

Sempre trabalhámos em rede, sempre existimos em rede, mas estamos numa fase de formalização e de registo, enquanto associação, nos vários países da CPLP, e também em outros países onde existe uma forte diáspora, não apenas portuguesa, mas acima de tudo uma diáspora lusófona, também, que são mais ou menos os mesmos.

As nossas áreas de atuação estão aqui evidentes. Comunicação, cultura, capacitação de novas lideranças - esqueci-me de falar, nós temos também uma academia que tem como objetivo colocar em contacto os futuros líderes destes países, para trabalharem diversos temas. A questão, então, da parte política e da cooperação, de uma maneira geral, e de parcerias, várias, que fazemos entre as quais com o Mundo a Sorrir.

Isto é, no fundo, uma frase que eu acho que marca muito o meu percurso, e o percurso de toda a equipa e de todos os jovens que trabalham e que estão, de alguma forma, ligados à Conexão, que é, dia após dia, parece que a coisa não avança, os obstáculos são enormes, é preciso ter uma persistência completamente fora de série, e uma garra… Mas realmente, quando nós olhamos para trás – e isto é uma organização recente – e vemos a diferença que já fizemos e o impacto que já causamos, e que estamos realmente a perceber que estamos a abrir caminho para os alicerces fundamentais de uma comunidade lusófona, aí dá-nos um orgulho enorme e sentimo-nos claramente realizados.

Eu sou gestora de formação. Há um ano que estou a tempo inteiro na Conexão Lusófona; foi um dos nossos desafios. Eu e mais uns quantos malucos que decidiram sair das suas áreas profissionais, e estamos no escritório a tempo inteiro, para fazer deste projeto um projeto efetivamente global, como ele é na sua raiz e no seu ADN. Vão reparar – não sei se todos vocês já passaram por alguma experiência deste género – chega a uma altura em que, de facto, não basta termos uma associação apenas com voluntários. É preciso profissionalizar uma estrutura e é preciso pensar na autossustentabilidade dessa estrutura, e trazer tudo aquilo que eu penso que será a discussão agora a seguir, que tem a ver com motivação, que tem a ver com liderança, que tem a ver com gerir e liderar no dia-a-dia, como se fosse uma empresa, como se fosse uma casa, uma família, enfim, penso que a receita é mais ou menos essa, e igual, com pequenas nuances.

É só. Muito obrigada.

[Aplausos]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, vamos iniciar a fase do debate. Eu pedia ao Simão para ser rigoroso com as perguntas, é só mesmo uma pergunta por grupo. Essa pergunta pode ser dirigida apenas a um convidado ou a vários convidados. Cada grupo decide como é que vai fazer. Nós vamos fazer ciclos de duas perguntas, tal como nos jantares-conferência, portanto vamos fazer duas perguntas em casa ciclo, e os nossos convidados vão ser solicitados a dar respostas no máximo de três minutos, de forma a podermos acomodar todas as perguntas nos espaço que temos esta manhã.

Simão.

 
Simão Ribeiro

Muito obrigado, Carlos. Primeira ronda de perguntas: o Bruno Garcia, do Grupo Amarelo, e o Pedro Venâncio, do Grupo Laranja.

 
Bruno Garcia

Muito bom dia. Bom dia a todos, bom dia à Mesa. Obrigado aos nossos convidados por estarem aqui, por disponibilizarem o seu tempo para nos dar, de certa forma, alguma formação.

A minha questão é: nós estamos aqui a falar sobre empreendedorismo social; a conjuntura económica define o empreendedorismo social? É essa a minha pergunta. Obrigado.

 
Pedro Venâncio

Bom dia a todos. Eu dirigia-me ao Miguel Neiva. Qual é a importância para a sua atividade profissional em ser o primeiro português a integrar a rede da Ashoka?

Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, Miguel. Vamos começar pelo Miguel Neiva.

 
Miguel Neiva

Eu já levei o cartão amarelo, há bocado, com o tempo. Por isso, eu vou tentar cumpri-lo agora. Vou responder à questão da Ashoka. Aliás, eu se calhar vou juntar as duas, porque uma inevitavelmente está ligada à outra.

A Ashoka é a maior organização mundial de empreendedores sociais. Confesso-vos que o processo de seleção da Ashoka é tão bonito, tão claro e tão bem feito que até parece estranho. Porque são processos de um ano… Eu fui contactado pela Ashoka, que me perguntaram se eu estaria interessado em fazer parte dessa rede. Eu não conhecia a Ashoka; o que mostra que, em todo este meu percurso, e pegando agora também na questão do empreendedorismo social, eu nunca tive isto como um objetivo, eu nunca fui atrás do reconhecimento, eu nunca fui atrás do mérito, fui atrás da paixão.

E hoje o Miguel falou em paixão, e é uma palavra que eu acho que está muito associada a esta questão social que é a paixão de fazermos as coisas. E todo o processo da Ashoka é importante. A Ashoka é uma chancela incrivelmente positiva, dentro daquilo que é uma rede mundial de empreendedores sociais – somos três mil no mundo.

O Miguel Pavão falou há bocado do Yunus, e o Yunus é um dos Fellows Ashoka; há dois prémios Nobel da Paz membros desta organização. É uma rede que credibiliza tudo aquilo que é o nosso trabalho, que reconhece o nosso trabalho, que tem a ver, não só, com a inovação do projeto que temos, do modelo e da reprodução sistémica que ele tem, mas também daquilo que é a fibra ética, e isso, ou é uma coisa que se nasce ou não nasce, eu acho. E o ser Fellow Ashoka, ser o primeiro e, até à data, o único – e espero que mais em breve venham –, é sinal de que nós estamos a fazer algo para transformar o mundo.

E esse modelo, e o claim da Ashoka, é muito interessante, que é: eu não te vou dar um peixe, nem te vou ensinar a pescar; o que te vou criar é condições para tu reinventares a indústria da pesca. E isto - pegando na outra questão –, isto do empreendedorismo social, e desculpem-me, se não me entenderem eu tento usar outras palavras, mas a minha formação é em design, e eu acho que esta questão do empreendedorismo social ou do empreendedor social, ele deve ser usado sempre na terceira pessoa, nunca na primeira pessoa.

Nunca ninguém me vai ouvir dizer: eu sou empreendedor social. Porque eu acho que todos nós, como membros de um, sete mil milhões de avos, temos que ser empreendedores sociais. Porquê? Porque temos que fazer a nossa parte; e essa parte faz-se por paixão, faz-se pelos outros, não só por nós próprios. Por isso todos nós devemos ser.

E aquilo que eu vivi, por isso é que estava falar da questão do design, eu tenho um bocadinho de medo que esta palavra, ou que este chavão, ou que esta designação se esgote, tal qual a palavra design se esgotou há trinta anos atrás, em que toda a gente queria ser designer e ninguém sabia escrever a palavra. E é um conceito tão nobre, isto da área social, tão bonito, que eu acho que nós o temos que usar com muito respeito, mais do que do que acharmos que poderemos ser todos. Eu acho que todos temos essa missão de o sermos, não a obrigação.

Naturalmente - e agora a outra questão - a conjuntura levou a uma valorização mais disto que é a área social. E eu acredito que o desenvolvimento económico vai sair por este lado. Se conseguirmos, e o modelo coloradd é um bocado isso – se há muito tipo no mundo a ganhar dinheiro a fazer o mal, é perfeitamente possível ganhar dinheiro a fazer o bem. E quando nós conseguirmos perceber isso, nós vamos ser os melhores do mundo a trabalhar para o lado do bem. E toda esta questão de toda uma crise económica, fez-nos perceber que, se valorizarmos as pessoas, nós conseguimos criar um mundo melhor, conseguimos criar um desenvolvimento muito mais homogéneo, muito mais positivo e claro para todos.

Por isso, se tudo funcionasse como funcionava há quinze anos atrás, se calhar nós esquecíamo-nos das pessoas. O Jorge Bucay, que foi o autor que eu destaquei quando me perguntarem o livro, diz uma coisa que resolveu metade dos meus problemas. Ele dizia assim: perguntaram-lhe se ele achava que o dinheiro trazia felicidade, e o que ele disse foi: não, o dinheiro não traz felicidade; a única vantagem que os ricos têm é já saberem que o dinheiro não traz felicidade.

Por isso, todo esse processo, todo esse caminho que se faz, o dinheiro, naturalmente - e no caso do coloradd é claro – não é um objetivo, é uma consequência. E quando assim é, a valorização na pessoa e toda esta questão social surge, precisamente, pela partilha e pela vontade e a necessidade de fazer coisas em conjunto.

 
Dep.Carlos Coelho

Miguel Pavão.

 
Miguel Pavão

De forma a acrescentar à primeira questão que nos foi colocada sobre se a conjuntura económica contribui ou não para o aparecimento ou para a possibilidade de se empreender mais, eu diria que, de uma forma transversal, não está dependente da conjuntura económica. Nós temos bons exemplos de países muito desenvolvidos, onde há excelentes empreendedores sociais e fenómenos de inovação social.

Aquilo que acontece é que os empreendedores sociais surgem porque detetam necessidades, problemas negligenciados, e uma necessidade de mudar o status quo , de transformar a abordagem de forma sistémica. A verdade é uma: é que os mais notados, e mais notórios, e mais relevantes empreendedores sociais vêm, normalmente, de ecossistemas, de sociedades mais carentes, menos desenvolvidas, e que isso acontece - exatamente como o Miguel há pouco acabou de dizer – talvez na altura de crise, na altura de maior dependência, todos nós nos voltamos para aquilo que realmente importa, para a mudança.

E muitas vezes o capitalismo, muitas vezes a questão económica, não está dependente disso. É fundamental é que essa questão económica, na altura em que ela está virtuosa e vigorosa, possa fortalecer o empreendedorismo social e as tendências para a transformação social. Porque sem haver esse investimento na parte da economia social, elas também não irão singrar por si só. É preciso que seja dada a devida atenção para isso, e, aí sim, elas podem despoletar essas iniciativas e que depois podem ser continuadas com esse investimento.

 
Simão Ribeiro

Próxima ronda de perguntas. Nicole Lourenço, do Grupo Castanho, e de seguida o Ricardo Calado, do Grupo Vermelho.

 
Nicolle Lourenço

Bom dia, caríssimos oradores. Consideram que Portugal é pioneiro em inovação social? O que é que julgam ser essencial para a promoção de mais projetos como este?

Obrigada.

 
Ricardo Calado

Bom dia. Queria agradecer a presença dos nossos três oradores, em nome da Equipa Encarnada.

A minha pergunta é bastante simples. Tendo em conta que os vossos três projetos estão todos associados a uma causa nobre de ajuda ao próximo, qual foi para cada um de vocês a barreira mais difícil de ultrapassar.

Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Laura.

 
Laura Vidal

Relativamente à primeira questão, se julgo se Portugal é pioneiro em inovação social, eu não sei exatamente se é pioneiro ou não, eu sei que, cada vez mais, conheço casos de pessoas que fazem inovação social, e muitas vezes fazem-no sem saber.

Voltando aqui à questão das etiquetas e dos rótulos, do facto de hoje em dia o empreendedorismo social estar mais na moda e se falar mais, e o do empreendedorismo de uma maneira geral, eu acho que quando se começa um projeto desta natureza, nós fazemos estas coisas sem pensar, e depois percebemos que existe todo um conjunto de teorias e de conceitos ligados àquilo que, se calhar, é o que estamos a fazer.

O que eu posso afirmar, daquilo que é a minha navegação dentro destas áreas, é que reconheço que existem imensos projetos, muito inovadores, e que talvez o facto de se falar mais destes temas, hoje em dia, faz com que as pessoas estejam mais sensíveis e mais despertas para isto. E eu penso que dar-se visibilidade ao papel do empreendedorismo, neste caso o empreendedorismo social, contribui largamente para que se crie uma cultura de empreendedorismo a nível nacional, e que, se calhar, pessoas que de outra forma não pensariam ou não estariam tão alertas para determinados problemas à sua volta, o passem a estar.

Agora, se Portugal é pioneiro em inovação, se não é, acho que a questão não vai tanto por aí. Agora, acho que é importante valorizar o papel do empreendedorismo, e estimular acima de tudo o empreendedorismo nas novas gerações.

Relativamente à maior barreira, eu acho que não existe uma barreira só. As barreiras são várias e vêm de todos os lados, a toda a hora. São enormes; desde logo, estou-me a lembrar, relativamente a essa questão dos conceitos. Eu vivi a lusofonia, ou tive uma experiência de lusofonia na prática, sem a pensar, não foi refletida. E percebemos que quando começamos a bater às portas das instituições públicas, a falar com alguns políticos, ditos intelectuais, fomos confrontados com um conjunto de teorias acerca disso, da lusofonia.

Uns diziam-nos que era neocolonialismo, outros diziam-nos que era saudosismo em relação ao passado, e nós não estávamos a perceber muito bem aquilo. Dizíamos: calma aí, nós só somos uns jovens que se encontraram e que queriam fazer alguma coisa em prol desta comunidade. E começamos a perceber que existia um conjunto de estigmas, até mesmo com a própria palavra lusofonia, que ainda persistem hoje.

Essa foi desde logo a nossa primeira barreira. Nós eramos uns ignorantes na matéria, tínhamos vivido esta experiência de uma forma completamente diferente, e quando vamos falar com quem pode decidir, pode apoiar, financiar, percebemos que havia uma intelectualização de todo este projeto da comunidade lusófona e da lusofonia, no qual nós fomos esbarrar. Esse foi o primeiro grande desafio.

E como é que nós resolvemos esse desafio? Batendo o pé, e dizendo que, de facto, não estávamos nem aí para aquilo que eram as teorias e que a experiência que nós tínhamos de comunidade lusófona era a experiência que vivíamos na prática na universidade, e que queríamos construir uma comunidade à nossa imagem – e por isso é que falamos em nova lusofonia e em lusofonia do século XXI, um pouco para nos afastarmos de todas as questões passadas, que por vezes estão mal resolvidas nas gerações anteriores às nossas.

Este foi assim o primeiro grande baque que tivemos. Isto no caso da Conexão, mas eu creio que há imensas barreiras que são comuns a quem empreende, os primeiros financiamentos… Desde logo a barreira em casa, das pessoas acharem que nós não estamos a fazer coisas que nos permitam rapidamente ganhar a vida e pagar as contas, que andamos com idealismos, há uma cobrança muito grande nesse sentido. As barreiras são mesmo… apontei estas duas.

 
Dep.Carlos Coelho

Miguel Pavão.

 
Miguel Pavão

À questão de Portugal é pioneiro em inovação social, sim ou não? A resposta é nim. Eu diria não, porque os casos como o Miguel Neiva, como outros empreendedores sociais, não são a regra, são a exceção. Felizmente são cada vez mais. Comparativamente a alguns países, nomeadamente na Europa, eu diria o caso do Reino Unido, estamos muito distantes daquilo que é a inovação social, a possibilidade de se criar negócios sociais, a lógica de empreender, com aquilo que eu tentei transmitir, de uma lógica livre da sociedade civil, ainda está muito, muito distante. Ainda vemos que as coisas estão muito cristalizadas e muito formatadas.

E julgo que aqui os partidos políticos têm um papel preponderante nisto. Esta Universidade de Verão é exatamente aquilo se pretende, que haja mudança neste sentido.

Sim, também, porque já algo foi feito. Dou muito mérito a um conjunto de pessoas que são aquilo a que eu chamo teóricos deste setor. Que nos têm trazido ensinamentos, acrescentado valor do ponto de vista teórico – e a base teórica é fundamental; eu sou prático, gosto de andar no terreno, mas sem base teórica não chegamos a lado nenhum. Têm acrescentado um grande valor nesse sentido.

E não nos podemos esquecer que o anterior governo, à custa de uma boa iniciativa de um ministro clarividente e bastante lúcido, que foi o ministro Poiares Maduro, lançou uma linha de financiamento, de Portugal Inovação Social, que está ativa, que está pela primeira vez a lançar um ecossistema para a sociedade civil e para os empreendedores sociais que pode trazer realmente uma grande mudança.

Por isso a pergunta é nim , porque nem é sim nem é não, e ainda há muito a fazer neste setor.

 
Miguel Neiva

Miguel Neiva

 
Miguel Neiva

Eu acho que essa questão do ser pioneiro vai um bocadinho de encontro ao que é o projeto e o meu trabalho, mas também não é muito relevante. Para mim não é muito relevante porque a forma sustentada como as coisas são feitas e a forma sustentada como nós queremos dar o passo seguinte, eu acho que sim.

Concordo com a ideia do Miguel do nim , mas acho que mais do que pensarmos se somos pioneiros ou não, eu acho que nós temos é que mostrar aquilo que somos capazes de fazer, mais do que aquilo que é necessário fazer. Aquilo que eu dizia há pouco, do existir é suficientemente escasso. E aí nós estamos a ser pioneiros, mas mais do que pioneiros, estamos a ser arrojados. E já o fomos na altura das Cruzadas e dos Descobrimentos, que é ser arrojados na maneira como vamos contra o desconhecido ou para o desconhecido.

E eu aqui encaixo na segunda pergunta. Quando me perguntam o que foi difícil, eu troco sempre essa palavra "dificuldade” por desafios. Porque é difícil subir as escadas se eu tiver um elevador ao lado. Mas se eu não tiver elevador, as escadas é um desafio subi-las. E foi isso que eu procurei com o projeto coloradd , e aí, curiosamente, o grande desafio foi a inovação, a resistência à inovação. E essa resistência permitiu, ou levou-nos, a nós, equipa coloradd , a trabalhar de um modo sustentado - e este sustentado não só na questão financeira, mas na questão da solidificação das ideias e na solidificação daquilo que nós queremos fazer.

E eu vou-vos dar um exemplo muito engraçado. Têm consciência de quantos anos levou as instruções de lavagem a aparecerem nas etiquetas de todas as nossas peças de roupa. Alguém quer atirar um número? Trinta anos. Trinta anos, desde que alguém teve a ideia até que isso se materializou como um commodity, como um standard. O coloradd tem cinco anos.

Por isso, a resistência à inovação, ela naturalmente, por um processo sustentável, está a ser diluída e capaz de chegar. E isso dá com que as dificuldades se tornem desafios, e faz com que Portugal, se calhar, possa ser pioneiro nas ações e nos atos, e capaz de levar ao mundo aquilo que são acrescentos às boas práticas, novas boas práticas, não imposições, e aí nós temos a capacidade de ser arrojados na maneira como levamos esse caminho. E isso é positivo.

 
Dep.Carlos Coelho

Miguel Pavão.

 
Miguel Pavão

Agora a resposta que ficou por dar à segunda pergunta– quais as principais barreiras ou dificuldades?

Normalmente, dizemos que uma das principais dificuldades para se empreender é a falta de dinheiro. Eu contrario essa tendência - o dinheiro é importante mas não é tudo. Aquilo com que eu me identifico, principalmente com o que a Laura e o Miguel Neiva acabaram de dizer, tem a ver com a dificuldade da resistência à mudança. Eu sou médico, médico-dentista, e uma das situações que mais me apercebi na minha atividade profissional, foi porque é que eu tentava introduzir novas tendências, novos hábitos às pessoas, e elas não mudavam. Depois disseram-me: o homem é um animal de hábitos. E esses hábitos são difíceis de mudar.

E, tal e qual, tenho esta perspetiva. A mudança acontece, dia a dia, ela acontece todos os dias, todos os minutos, e nós não nos damos conta. Só passado bastante tempo é que olhamos para trás, e como há pouco a Laura utilizou aquela expressão, é que nos damos conta que aconteceu essa mudança.

Por isso, eu acredito - tenho uma visão - que esta mudança acontece a largo prazo e não acredito que ela possa ser idealizada, esta resistência à mudança, de uma forma imediata, e por isso é que acredito que as tendências políticas, as estratégias, têm de ser feitas a largo prazo e de entendimentos a largo prazo e não numa situação cíclica.

Outra questão que eu julgo também importante, é que estas dificuldades de as pessoas mudarem… começo a compreender mais os nossos decisores. Muitas vezes eles querem fazer, muitas vezes eles querem tomar, mas nós não nos apercebemos o quão difícil é que as pessoas mudem.

Eu junto que nesta resistência à mudança, só há uma possibilidade. É nós compreendermos melhor os desafios, entrarmos, embrenhar-nos mais neles, para realmente percebermos o quão difícil é mudar.

 
Simão Ribeiro

Muito obrigado. Joana Lima, Grupo Rosa; João Vieira, Grupo Verde.

 
Joana Tocha Lima

Bom dia. É inquestionável a importância do papel da escola na vida dos nossos jovens. Com base nesta ideia, fará sentido introduzir no programa curricular do ensino secundário disciplinas alusivas à inovação social e empreendedorismo?

Obrigada.

 
João Vieira

Olá, bom dia. A nossa pergunta é para a Laura Vidal. Qual é a dose de coragem necessária para abdicarmos de uma carreira profissional e abraçarmos um projeto de inovação social?

Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Laura.

 
Laura Vidal

A dose de coragem? Muito bem. O que me motivou é realmente a identificação total, a paixão total com a causa. É fazer algo que está literalmente ligado àquilo que eu sou enquanto pessoa. Eu tive uma descoberta, em todo este processo, identitária, também, de perceber, afinal, com a minha experiência de intercâmbio no Brasil, com o meu círculo de relações, de amigos que eu fui fazendo na faculdade, eu percebi que não era só portuguesa, que era lusófona.

Eu quando fui para o Brasil e as pessoas me perguntavam coisas de Portugal, eu, para já, adorava mostrar tudo aquilo que havia, porque os brasileiros tinham – e têm ainda - uma ideia muito antiquada de Portugal. Ainda nos associam às mulheres com lenço na cabeça, e o fado é uma coisa triste, e então eu mostrava tudo o que havia de inovação, dos Deolinda, da Ana Moura, tudo o que havia de música portuguesa mais moderna. Mas eu também queria mostrar a morna que eu ia dançar para o Beleza, portanto, todos os inputs que eu tinha, culturais, da minha ligação a África e também o que eu conhecia do Brasil.

Isto foi um processo particular, pessoal, de grande descoberta daquilo que eu era, e daquilo que eu queria ser, e do contributo que eu acharia que poderia dar ao meu redor e ao mundo.

Portanto, é isso que me fez ter a coragem de sair de um determinado rumo profissional, também ele ligado à lusofonia, porque eu estive a trabalhar em empresas na área do marketing e da comunicação, a criar marcas orientadas para o espaço lusófono, das quais me orgulho muito de ter participado. Mas percebi rapidamente que aquilo não chegava e queria transformar o projeto da Conexão Lusófona em algo, de facto, que tivesse um impacto mais relevante.

Agora, o que eu posso também dizer-te é que muito daquilo que vem da minha área de formação, ou seja, eu acho que tive aqui um ganho, porque ao ter contacto com pessoas da área do associativismo, do empreendedorismo – não sei se é o empreendedorismo social -,mas a forma como nós vemos, ou víamos há uns tempos, o terceiro setor, que era um setor muito orientado para as questões sociais e pouco profissional em relação a competências de gestão, eu trouxe isso para a minha associação. Ou seja, eu tinha esta bagagem do meu curso, da experiência que tinha tido, e a minha visão dentro de uma organização sem fins lucrativos era uma visão enquanto, também, gestora. Sempre muito preocupada com a questão da autossustentabilidade, de como é que nós vamos tornar a nossa missão plena, todos os dias, sem ter que estar aqui a fazer e a realizar projetos, única e exclusivamente, dependentes de subsídios.

Portanto, há esta preocupação muito grande, apesar de eu reconhecer, e de defender, que é preciso haver aqui um incentivo e uma aposta também no setor, para que o setor do empreendedorismo social possa singrar, e qualquer outro setor.

Mas no fundo, respondendo ou voltando à tua questão, a coragem é um misto de várias coisas, mas no meu caso pessoal tem a ver com uma forte identificação com o projeto, sim, enquanto pessoa.
 
Miguel Neiva

Miguel Neiva.

 
Miguel Neiva

Eu acho que a Laura disse tudo. Essa coragem, eu acho que ela deve vir pela paixão e, mais do que tudo, por aquilo que é a capacidade de nós acreditarmos naquilo que acreditamos. E o acreditar para os outros e para a sociedade.

Eu costumo dizer que nós… eu quando tinha dezoito anos, ou dezasseis anos, eu lutava para que o meu pai me deixasse chegar a casa às cinco da manhã. E acho hoje que, se tivesse lutado um bocadinho mais pela sociedade, eu e toda a minha geração, talvez pudéssemos ter uma coisa um bocado mais organizada.

Mas nesta questão da coragem, eu acho que ela surge daquilo que é a vontade de querermos fazer. E eu, como designer, sou um fazedor. O Miguel falava em alguém que pudesse pensar ou nos ajudar a construir as coisas – é importante, mas o fazermos, nunca nos ficarmos a lamentar o facto de querermos fazer e não o conseguir. Fazer…

E mais do que o fazer e a coragem partilhada, eu acho que nos ajuda a resolver muitos problemas, que é partilhar aquilo que fazemos, trabalharmos em equipa. Hoje, cada vez mais, o trabalho é multidisciplinar, o trabalho de equipa, o juntar diferentes âmbitos, e diferentes formações e diferentes visões, porque se há 360 maneiras de olhar para a mesma coisa, todas elas estão certas. E se complementarmos com quem trabalhamos, toda essa coragem ou todo esse risco é muito mais diluído. E ter alguém para brindar ao sucesso, ou um ombro para chorar o insucesso, é muito mais capaz e muito mais fácil de nos fazer levar as coisas.

E isso, eu acho que todos nós temos que ter de nós próprios. A outra questão de ensinar ou introduzir a inovação social nas escolas, eu acho que isso é óbvio. Mas eu acho que isso, mais do que vir das escolas, tem que vir de casa também. Porque todo esse trabalho, toda essa vivência, todo esse contributo que temos que dar é muito mais simples se nós, naturalmente, formos interiorizando todo esse processo.

Por isso, a coragem é uma coisa também muito positiva, a vontade de arriscar, e o arrepender-nos de ter feito é melhor do que o arrepender-nos de não termos feito.

 
Miguel Pavão

Vou dar apenas a resposta à primeira questão que foi sobre a inovação social e o empreendedorismo nas escolas. Eu acredito realmente no poder, para a construção de uma melhor sociedade e cidadania das escolas. Principalmente numa fase muito precoce. Quer na idade escolar, da fase do primeiro ciclo, quer na fase pré-escolar. E a intervenção da nossa organização, da Mundo a Sorrir, prende-se muito nessa lógica educacional, preventiva, e de promoção da cidadania. De uma cidadania responsável, que no nosso caso é mais direcionada para a saúde.

Dou-vos um exemplo. É lógico, e vocês sabem, que em Portugal uma das licenciaturas mais pretendidas é a medicina. As notas de acesso ao ensino superior assim o revelam. Nos países escandinavos, uma das profissões mais conceituadas e respeitadas na sociedade é o professor primário. Ele é o alicerce para a construção de uma sociedade melhor, e mais sustentada e mais robusta.

Se me perguntam se o empreendedorismo e a inovação social devem estar, é óbvio que digo. São inúmeros os conceitos. Quando se escolhem os programas curriculares, não é fácil. Mas cá está, esta lógica de inovar é difícil até nos programas curriculares escolares e do Ministério da Educação. Eles têm que se adaptar às tendências e à criação de um ecossistema melhor.

Aquilo que eu acredito é que os projetos de voluntariado, de inovação social, têm um grande benefício e externalidades muito positivas para a sociedade e individualmente em cada uma das pessoas.

Eu acho que foi recente, se não estou equivocado, que li nos meios de comunicação social que o atual primeiro-ministro vai levar uma proposta a Varsóvia, sobre o terrorismo e sobre a forma de se remodelar isso, para que os jovens não se sintam tão perdidos e tão sem causas, e possam associar-se a causas terríveis como é o caso que estamos a viver do terrorismo. Completamente de uma forma negligente.

Eu acredito que as questões do voluntariado e as questões de nos associarmos a causas sociais constroem cidadãos melhores. E acredito que as escolas têm esse papel preponderante. As escolas não devem passar teorias de decorar e teorias de memorização. Não devemos aplicar esse exercício. Devem ser escolas para pôr em prática iniciativas de criação, iniciativas de pensar e essencialmente de saber integrar na comunidade. E acho que a inovação social, o voluntariado, devem estar bem presentes aí.

 
Simão Ribeiro

Muito obrigado. Gonçalo Correia, do Grupo Cinzento, e de seguida António Cruz, do Grupo Bege.

 
Gonçalo Sousa Correia

Bom dia caríssimos convidados. Vou dirigir a minha pergunta especialmente ao Dr. Miguel Neiva, e gostava de saber como é que se sente ao ver uma ideia sua, tão inovadora, tão transversal, a ser reconhecida, com um impacto enorme, numa comunidade que tinha todas as razões para se sentir injustiçada, discriminada e quiçá também excluída?

Muito obrigado.

 
António Cruz

Muito bom dia a todos. A nossa questão era quais as principais características de um líder de forma a conseguir gerir e motivar uma equipa, principalmente quando falamos de voluntariado?

Obrigado.

 
Miguel Neiva

Miguel Neiva.

 
Miguel Neiva

Como é que eu me sinto? Eu vou-vos dar um exemplo que… é uma questão muito pessoal essa, e não é a primeira vez que ma fazem, e eu tremo sempre que ma fazem, porque na realidade eu não imaginei o impacto que isto iria ter, nunca. Eu costumo dizer que eu apenas desenhei uns simbolozinhos para os daltónicos identificarem as cores e vocês todos e a sociedade fez o resto. Porque, de facto, é isso.

E arrepia-me isto, porquê? Porque eu acho que nunca estive tão próximo, como disse no início, de fazer alguma coisa pelo mundo, e literalmente pelo mundo porque este projeto nasce para o mundo. Ter a possibilidade de deixar um legado à humanidade, que não é um legado meu, é um legado nosso, e com muito orgulho o digo, porque a lusofonia, ou Portugal, neste caso, é uma coisa que me orgulha. E mais do que me orgulhar, se eu desprezasse esta oportunidade eu não estava a ser boa pessoa. E essa responsabilidade é minha e é para comigo.

E depois resumo este sentimento de duas maneiras. Uma – e igualmente o Miguel Pavão, com quem tive oportunidade de partilhar esse momento –, fomos condecorados pelo Presidente da República, o ano passado, no dia 10 de junho, pelo trabalho que temos. E há um jornalista que me pergunta, na altura: você agora que foi condecorado pelo Presidente da República, a responsabilidade é muito maior. Eu disse-lhe: não, a responsabilidade é menor, porque já está repartida. E essa partilha, e o repartir essa responsabilidade, faz-me sentir confortável.

Mas o que efetivamente me faz sentir bem, é por exemplo o Juliano, um miúdo que hoje tem onze anos, mas que há dois anos a mãe dele, que vive a nove mil quilómetros daqui, em Córdoba, na Argentina, me escreveu porque o miúdo era vítima de bullying na escola, sofria horrores por ser daltónico, e o trabalho de hoje, que fizemos com o Juliano, ele reza por mim todas as noites e chama-me anjo da guarda.

Ou seja, todo este trabalho, toda esta possibilidade que nós temos, pelos daltónicos. E uma vez, o reitor de uma universidade, quando eu decidi fazer este trabalho, virou-se para mim e disse: isso de daltónicos não interessa para nada. Isso não existe. É como enterros de anão, eu nunca vi nenhum. Mas o facto é que há trezentos e cinquenta milhões de pessoas no mundo que não veem as cores. E que se não reclamaram essa capacidade de a sociedade os reconhecer, foi porque não quiseram assumir essa condição. E nós podermos - e disse-o há pouco na minha apresentação -, o fazermos alguma coisa pelos outros… eu não sou daltónico, se eu fosse daltónico este projeto não tinha hipótese, porque eu ia resolver o meu problema. E o facto de eu não ser, eu trabalhei com daltónicos de vários países, com diferentes graus de daltonismo, e criar uma solução que sirva a todos.

E acho que isso é o que efetivamente me faz levantar todos os dias de manhã. Não me faz ser outra pessoa, não me faz ser outra pessoa. Acordo exatamente com a mesma vontade, de há uns anos para cá, e a responsabilidade boa que eu tenho, ela é partilhada comigo, com a minha equipa, e agora com mais oitenta pessoas que já têm conhecimento do projeto e me vão ajudar a levar o projeto aos tais sete mil milhões de pessoas.

Por isso, é uma responsabilidade boa. E se nós todos agarrarmos essas oportunidades boas, certamente que vamos acordar mais bem dispostos.

 
Laura Vidal

Em relação à questão da liderança, quais seriam as caraterísticas. Eu não tenho uma resposta muito clara em relação a isso, falando um pouco da minha experiência. Nunca pensei muito, nunca estudei liderança, nem quais é que poderiam ser as características que eu deveria ter, para ser… curiosamente agora ando mais a ler sobre isso. Eu acho que as coisas acontecem sempre assim. Nós, quando damos por ela, estamos lá, e depois as pessoas começam-nos a reconhecer e depois nós vamos ter aquela curiosidade de ir perceber mais sobre o assunto. E tem acontecido comigo dessa forma.

Isto porquê? Porque, OK, já que assumo que estou à frente de uma organização, e já que me reconhecem como líder, então eu quero ser uma excelente líder. Por isso, já que isto aconteceu por acaso, eu vou fazer os possíveis para agora me aperfeiçoar nesse exercício. Portanto, tem sido um bocado por aí.

E nesse exercício, precisamente, de busca de conhecimento, para perceber melhor o que é isto de liderança, da liderança em organizações, onde não pagamos um salário ao fim do mês, onde contamos com a motivação e com a paixão das pessoas que trabalham connosco, eu diria que realmente a coisa começa precisamente por aí. Primeiro começa por uma grande paixão em relação à causa, e por, no fundo, partilhar essa paixão e viver essa paixão com as pessoas que estão ao nosso redor, que nos são próximas. E perceber que aquela vibração, e que aquele brilho nos olhos acontece e que nós percebemos: eh pá, afinal não sou só eu! Há outras pessoas a quem isto faz sentido. Então que bom, que estamos todos e podemos entrar aqui todos no mesmo barco. Então acho que tem tudo a ver com isso, com ligações muito fortes.

Eu acho que nós só podemos desenvolver relações de trabalho, de pôr a mão na massa, de fazer, quando efetivamente existe uma ligação mais profunda, uma coisa que não se explica entre as pessoas e que, de alguma forma, cria aquele elo de ligação e aquela vontade em fazer a coisa acontecer.

Então parte tudo muito daí, de uma empatia que se cria com uma equipa, de uma profunda orientação para as pessoas dessa equipa, para o cuidar das pessoas dessa equipa, para essas pessoas dessa equipa também cuidarem de nós, porque acho que um líder também, muitas vezes, precisa de sentir que é acarinhado e levado pelos membros da sua equipa. Às vezes temos esta ideia de que o líder tem que ser o chefe… não o chefe, mas a pessoa que suporta e que leva e que puxa a carruagem, e que cuida de todos e que não cuidam deles, e que não devem ser fracos, e que não devem… não vivo isso, nem quero ser de todo essa líder.

Na minha liderança há uma horizontalidade muito grande, em relação aos meus pares, às pessoas que constroem comigo o projeto da Conexão Lusófona. Um respeito enorme pelas mais variadíssimas competências, e de sentir que aprendemos diariamente uns com os outros. Portanto, não há aqui quem manda e quem vai atrás.

E portanto, eu acho que tudo parte disto. Tentando sintetizar, parte de uma partilha de valores, uma partilha de uma missão, uma partilha de uma causa, de uma ligação muito forte entre as pessoas que se reveem nessa causa, e depois na ideia de que todos somos parte aqui de um grande puzzle. E penso que é isso.

Agora, obviamente, que isto precisa de estar ao rubro quando estamos a falar de um projeto que não tem capacidade de remunerar financeiramente alguém pelo seu trabalho. Por isso é que eu gostaria aqui de sublinhar o quão a área do empreendedorismo social, ou deste tipo de iniciativas, têm a ensinar até mesmo à área da gestão e ao mundo empresarial.

Porque a mim, se me dessem um orçamento de milhões para gerir, eu podia estar a aplicar todas as teorias que aprendi na faculdade, de comportamento organizacional, de recursos humanos, que me era muito mais fácil, porque teria pessoas que poderiam estar motivadas com determinado projeto, mas também teriam um outro incentivo, que era a questão financeira.

Portanto, vejam só o quão desafiante é nós, de facto, termos de fazer muitas vezes algo de grandioso que transcende uma coisa financeira, praticamente sem recursos.
 
Miguel Pavão

Eu, para acrescentar ao que já foi dito, sobre as características de um líder. Em primeiro lugar, vou-vos dizer: houve duas características que me disseram que eu possuía, com as quais eu nunca me revi. E eu sou Pavão de nome, devia ser um pouco vaidoso, mas sinceramente nunca me revi.

Uma das quais foi ser empreendedor; a primeira vez que me disseram que era empreendedor, nem sabia o que isso era - empreendedor social.

E a segunda foi dizer que é um grande líder. E eu também não me revia em ser um grande líder, porque tinha fragilidades, dificuldades, desafios, e não me revia nisso. Mas, ao longo dos tempos, fui percebendo, fui lendo mais, tive duas formações que me ajudaram tremendamente, uma da International Youth Foundation, e agora recentemente a Rothschild Foundation, e que realmente depois compreendemos que ser líder não é um processo estanque, nem é um processo inato. Obviamente que uns terão mais facilidade do que outros.

Eu julgo que há vários modelos de liderança e todos esses modelos têm de ser adequados ao ecossistema, à comunidade e aos seus beneficiários. E julgo que o grande líder é o líder pelo exemplo. Eu conheço alguns, para mim são dois gurus, dos quais eu vou lendo sobre eles. Um, já não é vivo, que é o Nelson Mandela, e o outro é vivo, que é o Papa Francisco. Não é que eu tenha conotação muito religiosa, mas revejo-o como um grande líder.

E o que é ser líder pelo exemplo? Para mim é ir ao Mar Mediterrâneo e lançar uma coroa de flores; para mim é lavar os pés às pessoas deficientes. Ele não vai lavar os pés a toda a gente, ele não vai salvar todos os refugiados, mas ele dá o exemplo das boas práticas. E o exemplo das boas práticas é exatamente isso: é a liderança pelo exemplo.

Por isso, se eu puder dizer que se há uma característica, para mim, para ser líder, é sermos o exemplo da mudança que queremos ver para o mundo e da mudança que queremos provocar nos outros.

 
Simão Ribeiro

Muito obrigado. Antes de passar a palavra aos dois oradores do próximo bloco de questões e último, quero-vos alertar que estão abertas as inscrições para o catch the eye. Muito bem, tem a palavra o Nuno Gaspar, Grupo Roxo, e o Hotna do Grupo Azul.

E eu pedia aqueles que se querem inscrever no catch the eye que vão fazendo o esforço atlético de manter o braço no ar até eu vos dar sinal de que registei. Faz bem exercício logo pela manhã.

Tem a palavra.

 
Nuno Gaspar

Obrigado, Simão. Agradecer aos oradores de hoje, não só pela presença aqui mas também por estas inovações que, realmente, fazem sempre a diferença.

A pergunta do Grupo Roxo era se a inovação social deve ser dependente do financiamento público ou deve ser uma aposta e um investimento exclusivamente privado?

Obrigado.

 
Hotna Cufuk Na Doha

Bom dia a todos. Gostaria de começar por agradecer à JSD, na pessoa do seu presidente, deputado Simão. Agradecer à equipa da Universidade de Verão, na pessoa do seu diretor, deputado Coelho, por esta magnifica oportunidade que nos concederam de sairmos da Guiné-Bissau para virmos cá aprender com esta maravilhosa juventude portuguesa social-democrata.

Isto é o melhor, porque assim é que vamos ganhando experiências para podermos implementar em diferentes zonas, experiências que vão mudar o status quo como aquele que nós vivemos na Guiné.

Indo para a questão, Dr.ª Laura, é verdade que a língua portuguesa é um dos vetores, é um dos instrumentos de interação e de relação no espaço lusófono. Mas também não é menos verdade que essa língua portuguesa continua até hoje a confrontar-se com enormes problemas, enormes dificuldades, em termos da sua afirmação no espaço lusófono, no que concerne à penetração nas respetivas comunidades.

É o problema do acordo ortográfico ainda por resolver, que não se sabe até que ponto esta questão vai continuar assim em stand-by. É o problema das línguas africanas locais a dificultarem imenso a penetração da língua portuguesa nas respetivas comunidades. No caso da Guiné-Bissau, é o crioulo a complicar tudo isto. Nós pensamos em crioulo, raciocinamos em crioulo, para depois traduzir isso em português, o que é totalmente complicado.

Na sua opinião, Dr.ª Laura, essas diferenças podem constituir desvantagens, podem constituir estrangulamentos para a Conexão Lusófona? Ponto número um.

Ponto número dois. Na sua opinião, quais poderiam ser os melhores métodos a usar para resolver todos esses desníveis que se verificam a nível da lusofonia.

Muito obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Laura.

 
Laura Vidal

Relativamente à questão da língua portuguesa, aquilo que levantas é sem dúvida importante. Nós falamos aqui muito da língua portuguesa e da lusofonia ou tendo a língua como um meio. O objetivo da Conexão Lusófona não é a promoção da língua por si só. Nós encaramos a língua portuguesa como um meio para chegarmos ao outro. E aquilo que defendemos é que realmente existe esta afinidade e este afeto, esta ligação entre estes povos, por outras coisas, por uma convivência cultural e histórica que todos nós conhecemos.

Mas, de facto, a língua portuguesa é essa ponte. E quando nós viajamos para estes países, apercebemo-nos, de facto, que a esmagadora maioria das suas sociedades não domina corretamente a língua portuguesa. E quando dizemos que somos cerca de duzentos e cinquenta milhões de falantes de língua portuguesa, e temos muito orgulho em falar do peso da língua portuguesa na economia mundial, e por aí fora, são tudo potencialidades da língua portuguesa e não aquilo que acontece nos dias de hoje. É que esse trabalho é muito importante. Isto depois vai ligar a uma outra questão que eu gostaria, para fechar, de levantar e deixar aqui uma nota final. De facto, vou constatar esse problema, é um problema que nós sentimos.

Agora, como é que eu acho que esse problema deve ser resolvido? Eu acho que a língua portuguesa não é, de todo, e já não é, e não deve ser um património e uma responsabilidade, e a promoção da língua portuguesa, uma responsabilidade única e exclusiva de Portugal. Eu acho que tem que haver um empenho por parte de todos os países que consideram ou que querem ter a língua portuguesa como oficial, portanto, deve haver um empenho de todos num trabalho conjunto para que a língua portuguesa tenha essa penetração.

E acho que a questão da promoção e da difusão da língua portuguesa, ela também deve deixar de ser apenas uma responsabilidade dos governos. Ou seja, o que eu acho é que nós devemos chamar a sociedade civil e, sobretudo, o setor privado. Eu acho que nós devemos começar a cruzar… olhar para este espaço lusófono e olhar para as políticas relativamente à CPLP não apenas como uma responsabilidade de estados, num fórum multilateral, que anda a uma velocidade que é completamente incomportável para os dias de hoje.

Ou seja, ou a CPLP – neste caso, que é a entidade política que de certa forma tem o papel de alavancar esta ideia de comunidade – se reforma rapidamente e se moderniza rapidamente e traz para junto de si outros atores. E quem são esses atores? São as empresas, são as ONGs, são a quantidade de financiamentos internacionais que se podem ir buscar para políticas conjuntas.

E daí eu estar muito contente por estar numa universidade como esta, onde estão aqui os futuros decisores e os futuros líderes do nosso país. O recado que eu gostaria de deixar é que hoje em dia, século XXI, nós não podemos pensar única e exclusivamente na nossa caixinha. Nós não podemos pensar no desenvolvimento da Guiné-Bissau aparte do desenvolvimento de Portugal. Nós estamos num mundo completamente global e o pensamento para o desenvolvimento tem que ser feito com base naquilo que é a ligação, a rede, a cooperação, a globalização.

E não vejamos o setor da cooperação como uma coisa que se faz, da política externa portuguesa, para termos algumas áreas de influência. Não, nós temos que entender isto como um todo. E eu agora estou a fugir um bocadinho à questão, mas eu não podia deixar de dar esta nota.

Relativamente ao acordo ortográfico, muito sinceramente, eu acho que o problema não está aí. A questão não está aí. Demos demasiada ênfase ao acordo ortográfico quando o problema está, efetivamente, naquilo que tu levantaste, que é que mecanismos e que formas mais criativas, mais empreendedoras, que não recorram só a financiamento dos Estados, podemos ter para que, em conjunto, trabalhemos a questão da língua portuguesa e da promoção e da difusão da língua portuguesa, porque isso é um fator fundamental para que nós amanhã tenhamos Portugal e o mundo lusófono muito mais desenvolvido.

 
Miguel Pavão

Primeira questão: a inovação social está dependente do investimento público ou exclusivamente do investimento privado?

Eu diria que está numa situação de equilíbrio. A inovação social está dependente de quem valorizar os projetos de inovação social. Porque não são unicamente as linhas e os financiamentos públicos que fazem a diferença, mas seguramente a diferença pode ser feita por um investidor privado ou um investidor que veja a vantagem para a sua comunidade, para si individualmente, para a sua empresa, para o seu negócio social.

Eu julgo que não está dependente nem de um nem de outro. Está dependente da necessidade e de querer valorizar aquilo que é o acrescentar valor, o propósito de valor, do negócio da inovação social.

Sobre a segunda questão, eu gostaria de falar um bocadinho com conhecimento de causa, na lógica do utilizador, uma vez que a minha organização trabalha na Guiné-Bissau desde há onze anos, trabalha nos PALOP, e para mim foi uma surpresa quando, formatado daquilo que são os nossos ensinamentos, aquilo que eu chamo do romanticismo do desenvolvimento e da lusofonia que ainda vivemos, e a língua para mim foi um grande espanto. Chegar à Guiné-Bissau e aperceber-me que uma minoria fala português corretamente. O crioulo e outros dialetos locais são realmente muito prevalentes, e como é que a língua pode ser, realmente, um instrumento para conexão – aquilo que a Conexão Lusófona tem feito.

O Vergílio Ferreira costumava dizer "da minha língua vê-se o mar”, vê-se estes laços de propagação. Aquilo que eu acredito é que Portugal tem explorado mal esta possibilidade de, através da língua, criar uma comunidade, que é uma comunidade não política, mas é uma comunidade de união, de negócio, de laços, e essencialmente para acrescentar um valor em tudo, nomeadamente no desenvolvimento. Eu acho que a nossa língua tem que ser vista como uma hipótese de ser reconhecida, em que se estão voluntários, sejam eles médicos, sejam eles educadores, sejam eles de que área forem, têm que ser vistos que se são capazes de falar português, estão mais capazes de produzir desenvolvimento.

Isso tem sido muito pouco reconhecido por todos os políticos e todos os decisores que estão no Ministério dos Negócios Estrageiros, na área da cooperação e de ajuda ao desenvolvimento. Muito pouco tem sido feito. É uma estratégia, sob o meu ponto de vista, que qualquer nação, pequena que seja como Portugal, deveria saber utilizar isto como uma mais-valia, e que eu julgo que tem vindo a perder-se. Nomeadamente na Guiné-Bissau, porque a Guiné-Bissau está isolada com países limítrofes onde o francês está, sem dúvida, a ganhar muita força, e acho que, se não é agora, vai ser depois muito tarde.

 
Dep.Carlos Coelho

Miguel Neiva.

 
Miguel Neiva

Desta vez prometo ser rápido, mas não queria deixar de responder à questão se a inovação social deve depender do investimento público e privado. E falo com uma opinião meramente pessoal, mas de quem está no terreno.

Eu acho que isto é uma responsabilidade de quem trabalha ou de quem tem os projetos sociais. É importante, de uma vez por todas, do meu ponto de vista, nós garantirmos uma sustentabilidade ao projeto, sustentabilidade àquilo que queremos fazer, modelos de negócios, mesmo que sociais, que sejam capazes e sejam escaláveis, e sejam capazes de ser autónomos no processo. Só assim teremos a independência, e nunca ficarmos naquela de que eu gostava muito de fazer mas, ou setor público não me ajuda, ou o investidor privado não está para aqui virado.

Costuma-se dizer que só se dá um presunto a quem tem um porco. E nós temos é que criar uma capacidade de termos uma autonomia a esse nível, mas com critério. E vou-vos dar um exemplo muito real daquilo que foi o projeto coloradd. Nós temos um modelo sustentado de negócio sustentável, como vos mostrei, através do licenciamento do código, e neste momento aberto a investidores, àquilo que se chama hoje investidores sociais, mas para nos dar escala, não para nos fazer sobreviver ou nos dar a possibilidade de viver precariamente.

Há quatro anos atrás eu tive tudo o que era capitais de risco a querer investir dinheiro no meu projeto. Todo o crescimento do coloradd é orgânico. O coloradd nasceu com um investimento de dez mil euros, que foi a constituição de uma sociedade, hoje emprega sete pessoas, está a trabalhar com o mundo todo, cresce a dois dígitos, e é completamente orgânico o nosso crescimento. Há quatro anos, quando recusei o capital de risco, recusei-o por uma razão muito simples, que foi: se me tivessem metido um milhão de euros em cima de uma mesa há quatro anos atrás, eu certamente que eu não estaria aqui hoje, porque o projeto tinha morrido. E porquê? Porque eu não sabia o que fazer com aquele dinheiro.

Por isso, o investimento, ele tem que aparecer, naturalmente que ele pode aparecer, seja público ou privado, através de projetos como o "Portugal Inovação Social”, ou através de investidores sociais privados que existem. Mas não nunca numa primeira fase, nunca pode ser o arranque, porque senão vamos cair no erro de quando esse dinheiro acabar não se saber o que é dar continuidade a isso.

Uma última questão, e que tem a ver com isto. A questão do voluntariado, como muito se falou. Eu acho que o voluntariado é uma coisa ótima, porque traz a paixão das pessoas que trabalham a trabalhar connosco. Nós temos voluntários na Coloradd Social, na ONG. E eu pago a todos, porque é a única maneira que eu consigo de os ter, cinco dias por semana a trabalhar, em vez de ser à sexta-feira ao fim da tarde, depois do trabalho.

E a profissionalização de todo este setor social vai fazer ainda mais com que nós tenhamos mais envolvimento, e que nós consigamos rentabilizar a paixão de que hoje todos nós falamos. E aí sim, o trabalhar por prazer e o voluntariado na ação que estamos a fazer, se for compensado monetariamente - porque inevitavelmente é a maneira que nós temos de recompensar e de fazer com que as famílias consigam ter uma autonomia e uma capacidade de subsistirem – tudo isso funciona.

Por isso, o investimento público-privado pode existir, mas não nunca na origem do processo, no fim.

 
Dep.Carlos Coelho

Laura, dez segundos.

 
Laura Vidal

A minha experiência relativamente a esta questão. Eu se calhar já vejo as coisas de uma forma um bocadinho diferente, aqui como o Miguel, porque, partindo da experiência da Conexão Lusófona, a Conexão Lusófona teve ou realizou os seus primeiros projetos financiada por um programa europeu chamado Erasmus Mais, que deve ser conhecido por alguns de vocês aqui.

E esse incentivo para fazermos algo mais estruturado foi completamente fundamental, e foi um dinheiro público, até orientado para um projeto europeu, que nós depois o escrevemos num contexto de lusofonia na Europa. Mas isto para vos dizer que nós, na Conexão Lusófona, sentimos imensa falta de linhas de financiamento e de apoio a projetos que tenham como objetivo a construção da comunidade lusófona. De igual forma que existe hoje em dia toda uma estruturação orientada para o processo da construção europeia.

Mas nós sempre tivemos consciência de que esse dinheiro, que é dinheiro público, é dinheiro dos contribuintes, é um dinheiro que nos vai dar um incentivo para que nós, efetivamente, tenhamos as ferramentas iniciais para arrancar, mas sempre com a responsabilidade de percebermos que o nosso projeto tem que ser autossustentável.

Portanto, não é fazer porque existe o dinheiro público. Mas eu acho que deve haver um ambiente institucional que seja dinamizador ou que ajude, no fundo, a que nós possamos dar esses primeiros passos.

 
Simão Ribeiro

Muito obrigado. Primeiro bloco se questões do catch the eye , Anyse Pereira, do Grupo Cinzento, seguido do Tiago Lucas, do Grupo Rosa.

 
Anyse Pereira

Bom dia. Muito obrigada pela palestra, gostei muito. Queria agradecer principalmente ao Dr. Miguel Pavão e à Dr.ª Laura Vidal, porque eu sou de Cabo Verde, e sinto-me especialmente tocada pelas vossas ações, que focaram-se no meu país.

E também aos três pelas vossas ações que tocaram o mundo inteiro e estão a mudá-lo. São coisas que começaram pequenas, mas há uma frase que eu digo que é o pouco de muitos é muito no mundo. Então, o pouquinho de cada um é que faz as coisas serem grandes.

Vocês começaram por identificar problemas. A Dr.ª Laura disse que viu um afastamento dos estudantes africanos em relação aos portugueses. Eu senti isso, estou aqui a estudar e tenho realmente esse problema. Eu era a única pessoa de raça negra na minha turma, senti que não havia aquilo a que eu estava habituada. Em Cabo Verde as pessoas são um bocado diferentes, são um bocado mais calorosas. Aqui talvez as pessoas… não sei, também não posso dizer muito, porque eu só estive ali na minha turma. As pessoas, talvez do Porto, sejam diferentes, mas eu estive em Lisboa. É diferente.

E claro que quando eu vi um grupo de africanos, e quê… olha, são os africanos, são meus amigos, e eu sinto-me mais confortável lá estar com eles. Mas como disse, e muito bem, o Dr. Neiva, quando o elevador está ao lado das escadas, é muito mais fácil ir de elevador. Aqui, na UV, o meu grupo é só de portugueses, então eu tenho de conviver com eles. E olha, foi fácil, estou a gostar, estou a adorá-los, eles são fantásticos.

[Aplausos]

E também o Dr. Pavão identificou um problema. Não foi só observador, mas também foi ator.

Então a minha pergunta é: o Dr. Neiva mostrou um gráfico, em que havia o inventor e depois o inovador. Antes disso tudo, para mim, há o observador. Nós temos de ver e depois inventar e só depois inovar.

Nós temos muito boas ideias. Quando eu vejo, por exemplo, mães solteiras a sofrer, vejo crianças abandonadas, e vejo muitas outras coisas, digo: que bom seria fazer isto ou fazer aquilo. Mas como começar? Porque para mim o principal problema é começar. Como começar? Em termos de financiamentos, em termos de arranjar pessoas, quão difícil foi para vocês, e quão difícil é, neste momento, implementar um programa social. Quão difícil é começar?

 
Tiago Lucas

Muito bom dia a todos. Os meus cumprimentos ao excecional painel que nós temos aqui hoje.

A minha pergunta é muito breve: quais são as dez grandes prioridades para o setor da inovação social em Portugal?

E um último tópico: será que faz sentido falar na criação de uma Secretaria de Estado para a inovação social?

Obrigado.

 
Miguel Pavão

Eu começaria pela questão que me fez e o facto dessa sensação, que não é muitas vezes percetível, de às vezes nos sentirmos isolados. E só quando nós saímos da nossa zona de conforto é que vemos a realidade. E quando sentimos individualmente na pele esses problemas, notámos que às vezes, nós próprios, sem nos darmos conta, acabamos por criar quase desigualdades e uma situação pouco confortável. E só viajando, conhecendo, tendo experiências, é que contrariamos essas tendências.

Sobre a questão da observação, eu acho que é fundamental. Na área médica, eu costumo dizer que 70% é diagnóstico e 30% é tratamento. É muito importante termos uma noção de diagnóstico – e repara que foi transversal a todas as apresentações do projeto. O Miguel Neiva acabou por referir qual o seu público-alvo, acabou por referir todas as necessidades, tudo aquilo que ele deteta como um problema. E é preciso fundamentalmente termos essa noção de observação.

Como é que nós podemos dar o salto? Como é que nós podemos tomar a iniciativa para isso? Eu acho que qualquer um de nós, qualquer um de nós tem uma capacidade individual para fazer essa mudança e para tomar essa iniciativa. Não está apenas nos ombros dos mais iluminados, dos mais protegidos.

Eu acho que as democracias são, sem dúvida, aquele tipo de sistema que, para já, nos garante a oportunidade mais igual para que cada um dos cidadãos, para que cada uma das pessoas, possa trazer ao de cima aquilo que acha que é melhor e tentar fazer essa mudança.

E por isso é que eu acredito em várias formas. Acho que a sociedade civil tem que ser fortalecida. Acho que os projetos, sejam eles humanitários, causas sociais, de inovação social, de empreendedorismo social, e com uma lógica de sustentabilidade pela lógica do negócio, que tem que ser cada vez mais reforçada, qualquer um deles é porque as pessoas acreditam, têm um espírito de missão e têm uma paixão. E é essa paixão que deve ser fortalecida e não deve ser esmorecida.

E sobre isso, acredito que há cada vez mais mecanismos nas nossas democracias. A democracia participativa, os orçamentos participativos, as universidades de verão dos partidos, onde os próprios partidos não se esgotam dentro deles. Os partidos têm realmente que ir buscar à sociedade, e tentar evidenciar à sociedade as boas iniciativas e as boas práticas e dar seguimento a isso. Porque uma semente pode secar a priori, mas se bem plantada e bem germinada, ela pode dar muitos frutos, tremendamente, e alimentar muita gente.

Sobre a questão que me pergunta das dez prioridades, eu não sei. Eu defino algumas prioridades individuais para a nossa organização, mas se me pergunta sobre a inovação social, não sei. Aconselho-o a ver o Portugal Inovação Social, tem uma estratégia definida, e acho que é fundamental, tem um site, Portugal Inovação Social, e estão lá as bases teóricas e de estratégia para criar um ecossistema de mudança que acho que é importante lerem.

Sobre uma Secretaria de Estado para esta área, fui confrontado com isso quando fui a um jantar, um evento da Oxfam, e nesse jantar apareceu o ministro da sociedade civil inglês. Eu achei piada, um ministro da sociedade civil, achei realmente que era algo diferenciador. O facto de a organização política dar destaque, valorização – não sei se em termos de orçamento se reflete muito ou não – mas há aqui um interlocutor para a parte política e para a parte da sociedade civil que falha. Eu acredito que Portugal poderá evoluir por aí. Também, depois, fiquei a saber que esse ministro já foi dependente de outros ministérios, e que não é uma figura estanque e ainda bastante consensual, por aquilo que eu fui consultando.

Mas acredito que há esse papel preponderante em interligar e não criar fossos e dissidências tão grandes entre os decisores políticos e os cidadãos e os eleitores. Porque os eleitores só serão reesposáveis se compreenderem os desafios e os problemas que têm, envolvendo-se realmente nesses problemas.

 
Laura Vidal

Relativamente a como começar. Vamos fazer o bolo. O ingrediente principal acho que é aquilo que já foi aqui referido, é a paixão, é realmente nós não conseguirmos, quase, ficar parados perante com algo com que nos identificamos. E percebemos que somos chamados para fazer aquilo. Ponto, acho que não há grande explicação em relação a isso.

E se efetivamente sentimos isso, vamos ter a proatividade de procurar a informação para dar início a essa grande caminhada. Eu pelo menos falo por mim e da minha experiência pessoal. Ou seja, a informação de como criar uma associação, se era uma associação que eu queria… Na altura eu estudava gestão, e até, de alguma forma, pensei em abrir desde logo uma empresa, e em tentar verter o meu gosto para trabalhar com a lusofonia num projeto empresarial. E depois percebi que, se calhar, na fase em que estava faria mais sentido abrir aquilo ao meu grupo de amigos, e de ser alguém que pudesse diligenciar toda essa parte mais burocrática da constituição de uma associação.

Então, esse como começar iniciou-se com essa paixão, com esse grupo de pessoas, como eu já aqui referi, totalmente identificadas com o projeto e com a causa, e depois o pôr a mão na massa, o identificar… precisamos de uma figura jurídica, precisamos de nos constituir como associação, tivemos que ir aos sites pesquisar todas as informações para como criar essa associação. E foi todo um aprender à medida que íamos fazendo e com que nos íamos deparando com os tais obstáculos. Eu não fazia a menor de como criar uma associação, depois percebi que havia uma lei do associativismo juvenil, e que havia um regime jurídico para o associativismo juvenil, então percebi que tínhamos que constituir uma associação juvenil, percebi que havia incentivos públicos financeiros para a criação dessa associação, percebi que tínhamos que abrir uma conta no banco, que tínhamos que ter um número de identificação fiscal.

E isso parte do quê? Parte de uma vontade grande de se querer fazer algo e de se ir à procura da informação. Ela poderia estar explicada de uma forma mais fácil, mas acessível, mas o ecossistema nunca vai estar no seu estado perfeito. Por mais melhorias que nós possamos depois, ao longo do nosso processo, fazer, e dar inputs nesse sentido, as coisas nunca vão estar e nunca vão ser assim de mão beijada. Tem que haver aqui uma grande dose de vontade, de persistência, e de paixão, para ir atrás das coisas, e para começar e para fazer.

Portanto, o começar é não pensar muito e pôr mãos à obra. E um passo de cada vez. À medida que as coisas forem acontecendo, nós estamos lá para atacar aquele problema. Eu quando, às vezes, estou com muita coisa ao mesmo tempo, eu penso assim: foco, uma coisa de cada vez, primeiro é este problema. Vamos lá. Isolamos tudo o resto e trabalhamos aquela variável. Depois vamos ao próximo. Portanto, acho que é um bocadinho nessa lógica.

Relativamente às prioridades e à Secretaria de Estado para a inovação. Também confesso que não sou uma especialista no assunto nem uma estudiosa, e não tenho propriamente conselhos ou ideias para aquilo que poderiam ser as grandes prioridades para a inovação social.

Acho que essa questão da Secretaria de Estado não é de todo uma questão descabida, porque eu acho que faz precisamente isso, que é trazer para a agenda política uma tendência social e de mostrar e de valorizar a importância das iniciativas de inovação social, de empreendedorismo social, naquilo que é o desenvolvimento de uma sociedade.

Portanto, o facto de um governo ter uma Secretaria de Estado, a meu ver, é um reconhecimento e um sinal político de que há uma vontade para se trabalhar, em parceria com a sociedade civil, na evolução desse setor e desse ecossistema. Ou seja, é no fundo um governo dizer assim: nós damos prioridade ou reconhecemos a importância desta área e deste setor, e queremos ajudar na construção de um ecossistema que seja mais propício ou que incentive mais o desenvolvimento deste setor, porque o reconhecemos como um parceiro fundamental naquilo que é o desenvolvimento de uma sociedade e de um país.

 
Miguel Neiva

Aqui uma nota prévia: eu vou-vos falar como designer que sou. E o design ensina-nos muita coisa no nosso dia-a-dia, inclusivamente a quem não é designer, tão óbvio quanto vocês não param para pensar, de manhã quando se vestem, em calçar os sapatos antes das meias.

Por isso, todo um processo forma/função nos faz tornar as dificuldades desafios e nos faz pensar uma coisa, e eu aqui vou contrariar – embora vamos exatamente bater na mesma ideia – aquilo que a Laura disse. Porque eu acho que o difícil de fazer, ou de começar, é quase como nós, designers, termos uma folha em branco para desenhar alguma coisa. E esse primeiro clique, ele pode ser difícil, mas o mais difícil é sabermos parar, porque se não soubermos parar, tudo o que fizemos até esse ponto pode ir por água abaixo.

Por isso, o quê que eu faço, o quê que eu sugiro, o quê que eu recomendo? Pensar de mãos nos bolsos. Enfiar as mãos nos bolsos pensar: o quê que eu vou fazer, como é que eu vou fazer e onde é que eu quero chegar? E aí permite-nos sempre não ter que voltar à casa de partida quando alguma coisa pelo caminho funcionou mal ou não calhou como nós queremos. É quase como irmos na autoestrada do Porto a Lisboa e termos sempre os vários pontos de saída para apanhar a Nacional no caso de haver alguma questão na autoestrada.

Por isso, pensar de mãos nos bolsos, criar uma metodologia que nos permita ter a vontade de começar, mas, mais do que tudo, saber quando devemos parar para não exagerarmos naquilo que é – desculpem-me o termo, entre aspas – a "gula” de fazer, mais, mais, mais, e a certa altura perdemos o controlo da coisa.

Relativamente à questão das dez prioridades e se faz sentido. Eu não sei – e estou com o Miguel – eu não sei quais são as dez prioridades porque, eu como um fazedor, as minhas prioridades podem não ser as prioridades dos outros.

Agora, essa ideia da Secretaria de Estado da inovação social, na teoria, ela parece-me muito bem. A Laura falava de trazer para a agenda política tudo isso. Só que eu acho que pode ser uma boa ideia mal concretizada. Porquê? Porque podemos correr o risco de a sociedade, a partir do momento em que existe essa figura, ou esse organismo, ou essa entidade, a sociedade se alhear dessa responsabilidade. E esta questão social, eu acho que ela é da responsabilidade de nós todos.

Se nós levarmos isso para a agenda politica, mais uma vez vai haver não sei quantos como eu a encostarem-se e a ficar à espera que alguém faça alguma coisa por nós. Eu acho que isso é errado, principalmente quando falamos de dois conceitos, por si só, muito novos, que é a inovação, como a própria definição o diz; e esta questão social, e este assunto social, que está a ser trazido à ordem do dia, não na sequência daquilo que era e que muitos anos se viveu, que foi a relação da caridade, a relação do apoio das misericórdias, a obrigação de alguém fazer por alguém. Não, todos nós temos essa obrigação.

Por isso, tenho medo de que seja uma boa ideia, na teoria, mas que na prática nos faça afastar um bocado.

E vou-vos dar um exemplo claro sobre isso, e o design, mais uma vez, ao barulho. Eu quando decidi criar este projeto e lhe dei um nome, eu poder-lhe-ia ter chamado coloaid , ajuda à cor. Era óbvio, era até muito mais intuitivo, as pessoas perceberem o que na realidade isto era. Mas para os daltónicos era horrível. A ideia de perceber que alguém o estava a querer ajudar a ver as cores. E o nome coloradd surge contrariando um bocadinho isso, que é o add de positivo, o add de adição, o add … quase que tornou isto num jogo mental.

Por isso, nem sempre aquela ideia que nos parece mais óbvia, poderá ser a solução. E essa questão de uma secretaria de estado da inovação, a mim assusta-me, porque tenho medo que a sociedade se alheie da responsabilidade que tem sobre isso.

 
Dep.Carlos Coelho

Miguel Pavão, dez segundos.

 
Miguel Pavão

Só para acrescentar que se, porventura, algum jornalista pegar nesta questão– Universidade de Verão sugere lançamento de uma nova Secretaria de Estado – aquilo que eu sugeria era, se isso vier a acontecer, que a única função desse Secretário de Estado seja apenas uma, que é: pôr em articulação e coordenação todos os empreendedores sociais, todas as iniciativas de organizações sociais que existem no terreno, e estão muitas vezes isoladas e não trabalham em cooperação e em sinergia.

Se fizer isso, eu posso ter a certeza de que o nosso país sairá muito mais rico e terá um impacto muito maior. Acho que falta coordenação neste setor e, se isso acontecer, esse Secretário de Estado já valeu a pena.

 
Miguel Neiva

Aí já sou capaz de concordar…

 
Simão Ribeiro

Muito obrigado. Próximo bloco de questões, a Diana Camões, do Grupo Roxo, e o Marcelo Morgado, do Grupo Castanho. E pedia que fossem breves, tanto quanto possível.

 
Diana Camões

Muito bom dia a todos. Desde já gostaria de agradecer a forma como os nossos oradores abordaram o tema da inovação social. A minha pergunta é direcionada à Dr.ª Laura Vidal. Como já mencionou aqui e como também já sabemos, a Dr.ª Laura Vidal é presidente de uma organização de conexão de lusofonia, já viveu no Brasil, e já teve oportunidade de contactar, digamos assim, com os problemas sociais que afetam esse país.

Dessa forma, gostaria de lhe perguntar como é que os atuais acontecimentos no Brasil, nomeadamente com a destituição de Dilma, e os atuais problemas que o Brasil enfrenta, nomeadamente a nível económico e social, poderão afetar o empreendedorismo jovem no Brasil.

Muito obrigado.

 
Marcelo Morgado

Muito bom dia a todos. Eu gostei das três apresentações, mas a minha questão vai ser muito direta. Falou-se aqui no voluntariado, mas, pelo que eu percebi, o voluntariado está-se a associar a remunerações. Sendo eu dirigente de algumas IPSS, não acham mais prático regulamentarmos no sentido de se criar um estatuto que possibilite que estes nossos dirigentes, como eu, possamos, em vez de sermos remunerados, alguma dispensa do nosso trabalho. Ou seja, eu antes de ser dirigente daquelas IPSS, tenho o meu trabalho? Não fará mais sentido criarmos uma regulamentação que justifique as nossas faltas, impedimentos, e assim nos possibilite fazer um trabalho melhor junto daquelas IPSS e associações de que nós fazemos parte?

Muito obrigado.

 
Laura Vidal

Obrigada. Relativamente aos problemas económicos e políticos que, neste momento, o Brasil atravessa, eu penso que a questão da crise política, económica, eu acho que ela é o prato do dia da maior parte dos nossos países de língua portuguesa. Portanto, nós na Conexão Lusófona já nos habituamos a lidar com esse… eu não lhe queria chamar caos, mas é praticamente isso. Não só no Brasil, eu acho que de parte a parte, agora também estava ali o nosso amigo guineense, a Guiné também não está num bom momento.

Isso para nós, nada tem a ver. Ou seja, isso não influencia aquilo que é a nossa atividade. Obviamente que nós percebemos que vai haver mudanças do ponto de vista daquilo que poderão ser os incentivos para uma associação. Ou seja, o ambiente institucional e político acaba por nos impactar, mas nós temos que ter uma daquelas grandes características que é a capacidade de adaptação. E isto acontece em qualquer organização, seja ela uma associação, seja ela uma empresa. É estarmos constantemente a olhar para aquilo que se passa à nossa volta e nos irmos adaptando. Isto, naquilo que é a atividade da Conexão Lusófona que daí também não difere de outras organizações.

Relativamente ao empreendedorismo jovem, ainda bem que tocaste nesta questão, porque é uma questão que me é particularmente cara, não fosse eu da área da gestão também. Aquilo que eu acho é que, de certa forma, estas crises poderão despertar a juventude não só brasileira, mas a juventude lusófona para essa questão de empreender não apenas numa lógica local ou nacional, mas pensar efetivamente neste grande espaço globalizado e neste mercado da língua portuguesa.

Nós, dentro da Conexão Lusófona, temos estado a tentar abrir uma agenda para o empreendedorismo jovem lusófono. E é realmente tentar aqui criar, e neste caso os decisores, os partidos, os governantes têm também uma responsabilidade acrescida, que é de que forma nós podemos criar um ecossistema e um ambiente propício a que um jovem que esteja na Guiné-Bissau, que tenha lá as mangas a apodrecer, que não saem do país, que a Guiné-Bissau está a quatro horas de Portugal, como é que não se junta a um jovem português, que até trabalha, é designer, ou até é capaz de criar uma marca interessante para a manga da Guiné-Bissau, não se junta a outro jovem brasileiro que é capaz de identificar o processo de certificação dessa mesma manga, para que ela possa entrar no mercado dos produtos biológicos, por assim dizer, e como é que, através da língua portuguesa, com as novas tecnologias, com as comunicações facilitadas, não conseguimos pensar em projetos mais pequenos e que têm um impacto incrível a nível local, a nível nacional, em cada um destes valores. E estamos, no fundo, a criar uma cadeia de valor em países de língua portuguesa.

Era, no fundo, essa ideia que eu gostaria de deixar. Vamos não só pensar nas barragens que a Mota Engil pode ir construir em África, ou outra qualquer empresa, vamos pensar em projetos mais pequenos que possam fazer o cruzamento e a conexão entre jovens empreendedores e tentar criar um ecossistema que incentive isso. E eu acho que isso é algo que pode ser construído, muito, com quem está no poder, com os partidos, são ideias que têm que começar a rolar nas nossas assembleias.

 
Miguel Neiva

Eu acho que nós temos que, definitivamente, nos apercebermos que vivemos num mundo global. E toda esta globalização, a tecnologia, e a maneira como ela nos entrou por casa dentro, quase que nós não temos uma capacidade orgânica de acompanhar isso tudo.

Mas se conseguirmos pensar isto na questão dos brasis, e da Guiné e da lusofonia, e não só, perceber que já não há o atrás do muro – se tirarmos a Coreia do Norte, naturalmente -, mas já não já o atrás do muro. Por isso, com toda essa abertura, nós já não vamos viver na esperança de que, se calhar, do outro lado a coisa funciona. Não, a abertura hoje é tal que nós temos que reagir muito em tempo real. E a questão de que falava há bocado, das mãos nos bolsos, ela tem que ser pensada com muito pragmatismo. E daí as mãos nos bolsos, que é: não sermos tentados a começar sem saber o que queremos, o que queremos fazer.

A questão do voluntariado, eu acho que o voluntariado deveria ser uma profissão. E a vantagem de ser voluntário profissionalmente é que vamos assumidamente fazer aquilo de que gostamos. Agora, as escolas dos nossos filhos têm que continuar a ser pagas e a comida tem que voltar à mesa. É um processo que não vai mudar num dia, e a evolução de todo este novo paradigma é quase como uma árvore. Se eu plantar uma árvore, lhe der muita luz e muita água, ela não vai crescer num dia.

Por isso, a adaptação que a sociedade tem que tem que ter, e tem que partir de nós, sociedade, é precisamente criar ferramentas que permitam essa desmultiplicação, ou esse desmame de um determinado tipo de tarefas e de um determinado tipo de formatação, de uma atividade profissional para outra. E eu acho que nós vamos ser muito mais felizes no dia em que todos formos voluntários na nossa profissão. E isso é um privilégio que eu tenho, que tenho o prazer de me levantar todos os dias de manhã para trabalhar. Isso inquestionavelmente.

 
Miguel Pavão

Sobre a segunda questão, e que é muito pertinente, e nota-se que tem já experiência de trabalhar neste setor. Existe aqui uma grande confusão entre aquilo que é a remuneração e aquilo que eu acredito que é a compensação dos voluntários. Para mim, se essa possibilidade de um futuro e novo secretário de estado para este setor vier a acontecer, cá está, mais uma função para ele: regular, legislar e apontar aqui novas soluções para esta questão do voluntariado, que tem sido trabalhada mas não está esgotada. Bem pelo contrário, tem muito potencial para ser trabalhada, do ponto de vista, por exemplo, do mérito de entrada às faculdades, do ponto de vista de serem compensadas com horas de trabalho, do ponto de vista de serem dadas algumas regalias e alguns benefícios fiscais.

Eu sei que isso é difícil, mas têm que ser encontradas soluções disruptivas e inovadoras e que venham a não ser uma lógica de moeda de troca direta, mas que possam compensar e atrair valor à questão do voluntariado.

Do meu ponto de vista - o Miguel disse que o voluntariado devia ser uma profissão -, eu acredito que o voluntariado deve ser uma forma de estar na vida. E esse modo de estar na vida tem que ser acarinhado, tem que ser protegido… e há aqui uma grande falha. Em Portugal não há uma única organização – ONG, associação, uma única organização – que esteja bem capacitada para tratar dos seus voluntários. Digo isto com conhecimento de causa. De os saber seriar, formar, treinar, estimar, compensar, pocket money , não falemos em remuneração direta, que acho que até nem é legítima. Mas acho que… o Duarte sabe do que eu estou a falar, porque eu conheço muitas organizações que depois perdem voluntários por estarem pouco preparadas para isso.

E o voluntariado não deve ser a solução nem a substituição dos trabalhadores, mas deve ser um acrescentar de valor às organizações e, eu acredito, às próprias empresas. Eu tenho a certeza de que os melhores funcionários das empresas do setor privado são aqueles que têm um desempenho cívico de participação na sociedade em questões de voluntariado. São aqueles que se sentem mais realizados, e no dia em que o patrão lhe vai dizer alguma coisa de mal, ele diz: isto comparado aos problemas a que eu assisto, ao fim de semana, a visitar as cadeias, não é nada. Isso é acrescentar valor à sociedade e ao sistema económico em que estamos a funcionar.

Sobre a questão do sistema político, eu não queria acrescentar muito. Só queria dizer uma coisa. Para mim, só há algo limitativo relativamente à questão política, que é a guerra. A guerra inibe as questões de desenvolvimento, as questões comerciais. O sistema político, como está visto, não o favorece por si só, mas não o impede maioritariamente. Nós vimos que, por exemplo, Espanha está numa situação de sucessão política e de tentar arranjar soluções, mas verdadeiramente continuam as empresas a trabalhar, as escolas a funcionar...

Dou o exemplo da Guiné-Bissau, eu reconheço que a Guiné-Bissau tem tido uma dificuldade tremenda, em termos de instabilidade política, mas não quer dizer que não se continuem a prosperar negócios. Temos é que valorizar as condições e facilitar as condições para a troca de negócios, e facilitar essa ajuda ao desenvolvimento. Mas que não depende exclusivamente da questão política. Primeiro que tudo estão os interesses das pessoas, os benefícios, a saúde das pessoas, a educação das pessoas e os negócios das pessoas. E só depois a política está para catapultar isso e para dar um sustentáculo a isso.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Eu peço ao Nuno Matias, à Margarida Balseiro Lopes e ao Pedro Esteves para virem para aqui prosseguir os nossos trabalhos. Eu, o Simão e o Duarte Marques vamos acompanhar os nossos convidados à saída.

Quando terminarem as votações, o Pedro Esteves e mais pessoal da organização vão recolher os óculos que estão nas mesas. À saída, peço para recolherem um impresso e para o preencherem durante o almoço, para devolverem quando retomarmos os trabalhos à tarde. Tem a ver com um pequeno recuerdo que vos queremos dar, mas precisamos da vossa informação relativamente a vós próprios. Portanto, não se esqueçam de recolher esses impressos e de os devolverem ao início da tarde.

E vamos retomar os trabalhos exatamente às quinze horas, com a simulação de assembleias. Por causa do constrangimento dos horários, pedia-vos para chegarem um bocadinho antes das quinze, aí às catorze e cinquenta, para às quinze horas em ponto, estarmos a iniciar os nossos trabalhos, já com os grupos devidamente dispostos aqui na sala.

E dito isto, agradeço em vosso nome, em nosso nome, a Miguel Pavão, Laura Vidal e Miguel Neiva, pelos testemunhos e pelo trabalho fantástico que estão a desenvolver nos projetos que estão a acarinhar.

[Aplausos]
 
Nuno Matias

Meus caros amigos, vamos então preparar a votação sobre a utilidade da aula. Já sabem a mecânica.

Está tudo preparado? Fila um.

Muito obrigado. Podem baixar. Segunda fila.

Muito obrigado. Podem baixar. Terceira fila.

Podem baixar, obrigado. Quarta fila.

Podem baixar, obrigado. Quinta fila.

Podem baixar, obrigado. Sexta fila.

Obrigado.

Já sabem o procedimento à saída. E mais uma vez pedimos para estarem aqui um pouco antes das três.

Está o Paulo Colaço a alertar-me que está mas um desafio do JUV na Intranet, e portanto quem quiser participar…

 
Paulo Colaço

E peço-vos que participem neste, porque é importante para esta edição do JUV, se faz favor.