ACTAS  
 
02/09/2016
Jantar-Conferência com o Dr. Filipe de Botton
 
Dep.Carlos Coelho

Meu caro Dr. Filipe Botton, minhas senhoras e meus senhores, todos sabemos, com exceção do nosso convidado, que os nossos jantares-conferência se iniciam com um momento cultural. Trata-se da escolha e da leitura de um poema feita pelos grupos da Universidade de Verão. Esta noite cabe aos grupos rosa e verde.

Vamos ouvir, do grupo rosa, através da Carmo Messias, um poema, "Sísifo”, de Miguel Torga. E o grupo rosa escolheu este poema porque, tal como em Sísifo, o recomeço faz-se em liberdade. O caminho, apesar de duro, é vedado à desistência e ao fracasso, de nenhum fruto queiras só metade, diz Torga, para quem só a loucura leva o homem a reconhecer-se e a recomeçar, sem angústia e sem pressa, pois este é o logro da aventura da vida. Assim, a luta por convicções deve ser vivida na liberdade do estado de loucura, sem que se deixe algo inacabado. Enquanto não alcances, não descanses, define Torga em Sísifo.

Depois, o grupo verde, através do David Luís, vai-nos ler "Impressão Digital”, de António Gedeão. O grupo verde escolheu este poema porque é um hino à criatividade e à capacidade de nos reinventarmos para encarar a vida com alegria, coisa em que o grupo verde diz que se revê como projeto de vida, e encarar também os obstáculos com confiança, que acham ser a maior aprendizagem da Universidade de Verão.

Vamos, portanto, ficar com as escolhas dos grupos rosa e verde, com a Carmo e com o David.

 
Carmo Messias

Recomeça....

Se puderes

Sem angústia

E sem pressa.

E os passos que deres,

Nesse caminho duro

Do futuro

Dá-os em liberdade.

Enquanto não alcances

Não descanses.

De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,

Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.

E vendo acordado

O logro da aventura.

És homem, não te esqueças!

Só é tua a loucura

Onde, com lucidez, te reconheças...

[Aplausos]

 
David Luís

Os meus olhos são uns olhos.

E é com esses olhos uns

que eu vejo no mundo escolhos

onde outros, com outros olhos,

não veem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.

De tudo o mesmo se diz.

Onde uns veem luto e dores,

uns outros descobrem cores

do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas

onde passa tanta gente,

uns veem pedras pisadas,

mas outros gnomos e fadas

num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,

que ser depois ou ser antes.

Cada um é seus caminhos.

Onde Sancho vê moinhos

D. Quixote vê gigantes.

Se sê moinhos? São moinhos.

Se vê gigantes? São gigantes.

[ Aplausos ]

 
Dep.Carlos Coelho

Minhas senhoras e meus senhores, não deixa de ser muito interessante para todos nós que haja membros e alunos da Universidade de Verão que prefiram passar o seu aniversário aqui, numa semana de trabalho esforçado, como vocês hoje já estão em condições de avaliar - quando ouviram essa expressão na sessão de abertura, achavam que nós estávamos a brincar – do que a passar o seu aniversário com a sua família, os seus amigos e aqueles que lhes estão mais próximos.

Já anteontem tivemos um aniversariante e hoje temos outro. Do grupo encarnado, o Petru Murga faz 23 anos e vamos cantar-lhe os parabéns a você.

Parabéns a você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida. Hoje é deia de festa, cantam as nossas almas, para o menino Petru uma salva de palmas.

[Aplausos]

 
André Braga

Muito boa noite a todos. Em nome do grupo encarnado cumprimento o Dr. Filipe de Botton e agradecemos a sua estimada presença. O Dr. Filipe é um empresário português com vasta experiência na área empresarial. Fundador e presidente da Logoplaste, empresa exemplo de inovação e de conquista de mercados internacionais. Simultaneamente é presidente do Conselho da Diáspora, associação responsável por fomentar as relações entre Portugal e os portugueses espalhados pelo mundo. O seu currículo profissional e a sua carteira de investimentos passou por diversos setores e empresas portuguesas, da banca à REN, por exemplo.

Posto isto, propomos um brinde à economia real, aos empresários portugueses aqui representados pelo Dr. Filipe de Botton, aos empresários que inovam, que ousam, que arriscam, que criam emprego e riqueza, para que nunca, nunca desistam dos portugueses.

[Aplausos]

 
Dep.Carlos Coelho

Como o André já disse, e bem, o Dr. Filipe de Botton é um exemplo de um empresário de exceção. Não apenas pelo caso de sucesso da Logoplaste – a Logoplaste é uma empresa portuguesa que está, neste momento, com mais de sessenta fábricas, presumo eu, ou perto disso; está nos três continentes, acho que na América, na Ásia e na Europa; é um caso de sucesso de internacionalização -, mas também por todas aquelas referências que o André já fez da vida de participação empresarial e de intervenção cívica do nosso convidado desta noite.

Não seria fácil encontrar melhor exemplo de pessoa que, no mundo empresarial e na atividade económica, se afirmou pelos seus méritos, com inteligência, com sentido estratégico e sem depender das benesses do Estado.

Dr. Filipe de Botton, muito obrigado por ter aceite o nosso convite, e perante alguém com o seu percurso, o seu perfil e a sua história, o que faz sentido é que lhe faça uma pergunta muito concreta. Nós temos a clara consciência que grande parte do sucesso de Portugal passa pela nossa capacidade de disputarmos com sucesso os desafios da globalização. E com a sua experiência – e a sua experiência de sucesso – como é que acha que nós, hoje, podemos ganhar esse desafio? Na prática, quais são os problemas que vê na sua empresa e o que é que acha que Portugal devia fazer para ganhar esse desafio com mais eficácia?

Minhas senhoras e meus senhores, no penúltimo jantar-conferência da Universidade de Verão 2016, para responder à minha pergunta e às vossas perguntas, o Dr. Filipe Botton.

[Aplausos]

 
Filipe de Botton

Muito obrigado, primeiro, Deputado Carlos Coelho, pelo convite feito, obrigado à Universidade, obrigado a vocês todos por estarem aqui hoje e obrigado pelo brinde. E obrigado pelo brinde, se bem que um obrigado meio obrigado, pela cor do brinde, mas enfim, uma pessoa tem que ser um democrata, sobretudo numa universidade política, já que a minha cor está mais para o verde, sem ser o D. Quixote…

[Aplausos]

Não estou aqui hoje para falar de quem vai ganhar o Campeonato, portanto não iremos falar desse tema. Nem estou aí na cor encarnada para falar do Santini, que quem vive em Lisboa... e se eu soubesse teria trazido um gelado Santini para o aniversariante, mas não fui informado a tempo de tê-lo.

Conforme o repto que foi lançado pelo Deputado Carlos Coelho, falar um pouco sobre o tema da globalização e o tema, sobretudo, do desafio de Portugal na globalização.

Se me permitissem, em cinco minutos faria o que foi o trajeto do que foi a Logoplaste. Logoplaste que eu não fundei, que eu acabei por comprar ao meu pai e às minhas irmãs em 91, mas que foi fundada por ele em 76, quando eu trabalhava já… comecei logo a trabalhar com ele em 76, mas não a fundei. Trabalhava com ele, assegurava a parte financeira, mas não fui que a fundei – a ideia foi toda dele.

O que é a Logoplaste como empresa? É uma empresa que faz embalagens de plástico para empresas como a Nestlé, como a Danone, como a Henkel, como a Procter & Gamble, como a Reckitt, como a L’Oréal - tudo empresas que nós conhecemos como consumidores. A Logoplaste foi fundada em 76, porque o meu Pai em 74 tinha uma empresa muito grande, também de plásticos, era uma empresa única, era uma das maiores, senão a maior, empresa da Península Ibérica.

Em 74 há uma revolução que a maioria de vocês não viveu, mas que provavelmente estudou sobre ela. A seguir à revolução, estivemos em Portugal muito perto de cairmos no regime comunista, que por sorte não aconteceu - e foi um conjunto de circunstâncias que fez com que não acontecesse. Posso-vos dizer que, na altura, o estado de anarquia, de falta de autoridade era tal, que eu tinha 17 anos e guiava carro sem carta. Não havia autoridade, não havia polícia, não havia nada, era o chamado forrobodó, estávamos todos completamente à vontade. Mas éramos parados na estrada, por milícias armadas, para ver se havia armas dentro dos carros. De facto, vivemos em Portugal, tempos absolutamente extraordinários, quando pensamos em 75.

Em 75, o meu Pai perde a empresa, a empresa foi ocupada pelos trabalhadores. Portanto, ele, pura e simplesmente, perdeu a empresa em 75. Ele em 76 diz: o quê que eu sei fazer? – Sei fazer embalagens de plástico. Portanto, aos 50 anos perde tudo, como muita gente neste país e fora deste país, nomeadamente, na altura, os que viviam em países de língua portuguesa, as antigas províncias portuguesas.

Perde tudo e recomeça com este conceito de pequenas fábricas dentro das fábricas dos clientes, que é meramente uma reação face à revolução para que, se houvesse uma nova revolução, não perder tudo.

Portanto, muitas vezes, a inovação advém – e para falar da palavra inovação - de um conjunto de circunstâncias e, sobretudo, de uma construção que se vai dando nas nossas vidas. A pessoa tem que ser muito inovadora… o que é isso de ser inovador? É extremamente difícil. Inovar é, muitas vezes, repensar e voltar a estruturar aquilo que nós vemos à nossa volta para fazê-lo de forma diferente.

A Logoplaste em 91 era uma empresa que estava só em Portugal. Tínhamos esses clientes já em Portugal, decidimos internacionalizar-nos, foi na altura em 92. Se hoje Portugal não tem uma imagem forte… se bem que nos últimos dois ou três anos ela melhorou graças ao turismo. E por mais que nós tenhamos vindo a aproveitar de fatores exógenos a Portugal, que fez com que houvesse um boom total do turismo em Portugal, mas que não teve muito a ver com a imagem de Portugal, ou com a projeção de Portugal, ou com políticas de Portugal – feliz ou infelizmente – mas tem a ver com o que aconteceu na bacia mediterrânica, com as ações terroristas que foram acontecendo, fizeram com que o turismo se desenvolvesse de uma forma absolutamente anormal em Portugal… mas não há, de facto, em Portugal, em 92, não há imagem nenhuma como hoje começa a haver – mas ela ainda é incipiente.

O que é bom é que Portugal não tem nem uma imagem boa nem uma imagem má. Não há nenhuma atitude negativa face à imagem de Portugal.

Em 92 nós trabalhávamos com a Coca-Cola em Portugal, fomos para Espanha para trabalhar com a Coca-Cola, eles gostaram muito da nossa ideia, mas disseram: não, isso é lá em Portugal, cá em Espanha não funciona. Isso é válido em Portugal mas em Espanha não funciona. Então não conseguimos trabalhar para a mesma empresa porque, de facto, sair de Portugal… na altura não havia nenhuma empresa que se começasse a internacionalizar. É diferente uma pessoa exportar de uma pessoa se internacionalizar. Exportar é vender, e a partir daí uma pessoa tem clientes, toma a mercadoria e recebe o dinheiro. E internacionalizar é criar fábricas fora de Portugal, em que o investimento é a cinco, dez anos. São investimentos completamente diferentes.

Fomos fazendo o nosso caminho… e porque é que conseguimos fazer o nosso caminho? Porque em Portugal há gente extraordinária, os portugueses são gente muito, muito boa, em termos profissionais, o que fez com que nós tivéssemos sucesso fora de Portugal. Nada se faz sem uma empresa, nada se faz sem uma equipa, nada se faz sem pessoas, e as pessoas que trabalham em Portugal, desde que seja uma organização que apele a trabalhar de uma forma estruturada, conseguem ser muito melhores do que aqueles que não são portugueses.

E acho que essa é uma primeira mensagem muito forte para quando se vive fora de Portugal ou para quando começamos a internacionalizar-nos é que não temos que ter nenhuma vergonha nem de ser portugueses, nem da nossa formação, nem do que podemos fazer fora de Portugal.

Não é por acaso que quando falamos da diáspora – e falavam há pouco da diáspora – os cinco milhões de portugueses que vivem fora de Portugal – nós temos dez milhões em Portugal e cinco milhões que vivem fora de Portugal – estão, de uma forma geral, todos em posições de destaque, são todos excelentes trabalhadores. A grande diferença é que trabalham num mundo que está organizado, que está muito mais estruturado do que em Portugal, e que faz com que as coisas sejam mais fáceis de acontecer e podem pôr ao serviço das empresas, das organizações, das instituições, todo os seus conhecimentos de uma forma muito melhor.

Portanto, os portugueses são, de facto, em termos de formação, de caráter, de capacidade de se integrar nas sociedades de acolhimento, muito melhores do que as outras nacionalidades que trabalham fora ou que vão viver para fora.

Portanto, a Logoplaste foi andando, nós hoje em dias estamos em dezasseis países. Somos aquilo a que se chamaria uma pequena/média empresa internacional, porque uma empresa que vende 500 milhões de euros é uma PME em termos internacionais. Estamos com três grandes mercados, como dizia o Deputado Carlos Coelho, estamos na América, na Europa, e na Europa vamos de Portugal até à Rússia – na brincadeira costumamos dizer que vamos do Cabo da Roca a Vladivostok, portanto apanhamos toda a Europa. Estamos no sudoeste asiático, basicamente no Vietname.

Mas onde nos queremos focar é na Europa e na América do Norte.

Quando me foi lançado o repto, pensei um pouco nestes vinte minutos de enquadramento iniciais, o quê que eu podia transmitir como imagem ou como ideias que se pudessem associar ao que fazem aqui ou que estudam aqui, ao longo dessa semana, do que me foi dado a ver no programa. E pensei assim: o que são hoje as nossas preocupações? E tentei listar um pouco o que são as preocupações de quem está à frente de uma empresa, quando hoje olha para o mundo, e se haveria ou não analogias com aquilo que são as preocupações do mundo político.

E é absolutamente fascinante perceber a quantidade de similitudes que existem entre pensar no futuro – enfim, pensar no passado acho que é um exercício perfeitamente indiferente -, pensar no futuro, o que são as preocupações para quem quer desenvolver uma empresa, com o futuro de quem quer apoiar-se na política.

E deixem-me só fazer um parêntesis. O Deputado Carlos Coelho quando me convidou para vir disse-me que tinha de responder a seis perguntas, sobre o que me tinha marcado mais em termos de filme, de livros, etc. E um dos livros que eu referi, de facto, que é um dos livros que mais me marcou, é um livro que foi escrito a duas mãos, pelo François Mitterrand, que foi Presidente de França, como todos saberão, e pelo Elie Wiesel, que é um grande filósofo – era um grande filósofo, morreu há semanas - israelita. Eles escreveram um livro absolutamente extraordinário, que se chamava "Memória a duas vozes”, em que o François Mitterrand, que era um presidente de esquerda, tenta, como grande parte dos políticos quando saem da política, reescrever a História de forma a que a História lhe seja mais favorável do que, de facto, ela foi quando eles estavam lá.

Mas eles dizem uma coisa absolutamente extraordinária. Aquilo são perguntas… É um livro fácil de ler e difícil de ler. É um livro que se lê e relê, duas ou três páginas por dia ou por noite, porque de facto é bastante intenso no seu conteúdo. E uma das perguntas que o Elie Wiesel faz ao Mitterrand é: qual era o teu sonho? O Mitterrand dizia: mas o meu sonho, qual meu sonho? – Qual era o teu sonho de criança? Ele dizia: não sei bem se tinha sonho. E o Elie Wiesel dizia: tens que ter um sonho. Um dos princípios básicos da religião judaica é que: nós, como adultos, nunca podemos desiludir o sonho da criança que fomos.

E vocês são – com respeito, vindo de uma pessoa jurássica, de um cota – são miúdos, que estão aqui à nossa frente, nunca se desiludam a vocês próprios, tenham sempre a coragem de afirmar o que foi o vosso sonho. E estarem aqui nesta semana já é uma enorme afirmação, estar aqui uma pessoa que faz anos e outra que fez anos anteontem, já é uma fantástica afirmação.

Mas nunca se desiludam a vocês próprios, nunca verguem nos princípios, nunca aceitem que a coisa possa ser mais ou menos cinzenta. Os princípios, os valores morais que nós temos na nossa vida pessoal são rigorosamente as mesmos que nós temos na nossa vida profissional. Não há diferenças, não pode haver diferenças, e respeitem-se a vocês próprios, senão, acreditem que daqui a uns anos não vão gostar do que veem ao espelho.

Quando pensei um pouco, tentei enumerar o que poderiam ser as preocupações que nós temos quando estamos à frente de uma empresa. E uma empresa, ao fim e ao cabo, é uma comunidade de pessoas, o que acaba por ser também um país. Quando uma pessoa está numa empresa, é garantir o futuro da empresa, sem dúvida, é a segurança, é a sustentabilidade financeira – essas são as grandes preocupações quando olhamos para a frente e pensamos numa empresa.

Hoje para quem está à frente de uma empresa, as nossas grandes preocupações, ou grandes dificuldades, ou apreensões, são sem dúvida o tema da consolidação, ou da chamada globalização. Nós vemos à nossa volta, cada vez mais, empresas a tornarem-se maiores e a consolidarem, portanto, cada vez mais aquisições de empresas, com as consequências que isso tem. E a grande consequência que isso tem hoje em dia, nos mercados de uma forma geral, é que uma pessoa ou trabalha num nicho de mercado e é muito, muito pequeno, ou então só pode querer jogar na primeira divisão, e só pode querer apostar em estar no topo da primeira divisão. Não há lugar para, como empresa, para estar no chamado "in between”, é uma coisa que não existe. Temos claramente que olhar para a consolidação.

É pensar no futuro em termos de como vão ser os grandes fatores tecnológicos que vão alterar a nossa forma de estar. E para uma empresa vai desde, por exemplo, a cibersegurança. Hoje, não sei se sabem, mas quando se fala com os chineses… espiam de uma forma sistemática e estruturada os segredos das empresas e as patentes das empresas europeias ou ocidentais. A forma que os chineses têm de aceder aos segredos é às patentes das empresas, não é nas empresas. Todos os escritórios de advogados, em Londres, estão devidamente hackeados pelos chineses. E todas as informações que existem nos escritórios de advogados ingleses estão na posse da China. Ou seja, é através dos advogados que os chineses têm acesso à informação.

O tema da cibersegurança, uma pessoa acha que é uma brincadeira, e eu também achava que era uma brincadeira, até que há cerca de um ano fui visitado por um Tenente-Coronel português, porque no Conselho da Diáspora temos um português que se chama António Moreira. O António Moreira é um português que é vice-reitor da Universidade de Maryland e é o consultor do Presidente da República dos Estados Unidos da América para tudo o que tem a ver com cibersegurança. Por acaso um português e por acaso o consultor do Presidente dos Estados Unidos.

Ele veio visitar-me para uma conversa do Conselho da Diáspora, veio acompanhado por esse Tenente-Coronel que trata de cibersegurança em Portugal, e enquanto estávamos à conversa – ele tinha acabado de se apresentar, estava com o iPhone – e ao fim de 20 segundos ele estava a dizer-me: é engraçado o seu sistema de segurança. Eu disse: como? – É engraçado, está aqui, você amanhã tem uma reunião às dez da manhã.

Ou seja, ele em vinte segundos tinha entrado no sistema informático da Logoplaste. E nós achávamos que tínhamos firewalls e todas aquelas fantasias em que a pessoa põe a password quando entra. Em vinte segundos ele estava no nosso sistema informático. Tinha acesso a toda a informação que quisesse em pouco mais de vinte segundos.

Nós brincamos com isto, achamos que isto não tem qualquer tipo de consequências, mas tem consequências brutais sobre aquilo que é o mundo e a evolução do mundo. Se nós pensarmos que o mundo futuro passa por aquilo que hoje se chama a internet das coisas, de que vocês ouvem muito falar; passa muito pela indústria 4.0, passa muito pela inteligência artificial.

Se vocês pensarem um pouco nas consequências que isso vai ter, e são consequências absolutamente dramáticas do ponto de vista do bem social. Quando se fala em inteligência artificial significa que, grande parte das vossas funções… temos aqui à mesa um dos nossos colegas que quer ser médico. Grande parte da medicina, hoje – e quando digo hoje, é hoje… - em termos de informação existe um sistema, que é o chamado Watson (não sei se conheces ou não), que em termos de diagnósticos é muito mais eficaz e mais potente do que qualquer médico no planeta. Portanto, a função dele, que quer ser médico, é uma função que vai ser contrariada pela tecnologia, ou que vai ser posta em causa, em grande parte, pela tecnologia. A mesma coisa para os advogados. Uma pessoa que quer estudar direito, toda a parte mais fácil de contratos vai ser posta em causa pela inteligência artificial.

Tudo isso vai levar a que tem de haver uma regulamentação completamente diferente, tudo isso tem problemas em termos de segurança, tudo isso tem problemas em termos de emprego. A inteligência artificial, em termos das consequências que tem na estrutura de uma empresa, são absolutamente colossais, se uma pessoa olhar minimamente para o futuro, em termos do que se pode aproveitar nesses temas.

Uma coisa cada vez mais importante para qualquer empresa, é pensar, não o meu cliente – eu não estou minimamente preocupado em saber o que a Nestlé, a L’Oréal pensa –, eu estou preocupado é em saber o que o consumidor pretende.

Ter acesso à informação do consumidor é o que faz a diferença de uma empresa. É aquilo que vai fazer completamente a diferença sobre se eu quero poder estar em antecipação sobre os meus concorrentes ou estar exatamente no mesmo "playing field”, na mesma situação que os meus concorrentes. A única forma de se vencer é estarmos sempre um passo à frente. É inovarmos, mas inovar significa eu produzir algo que tenha valor para o consumidor, tenha valor para aquilo que possam ser as necessidades atuais e as necessidades futuras.

Como é que eu posso pensar, como é que eu posso estar constantemente a requestionar a minha forma de estar, em tudo, de forma a poder inovar.

Uma das coisas mais importante para todos nós é, constantemente, aceitarmos pôr em causa o que fazemos. O Carlos vai sempre a pé de casa para o Parlamento, atravessa sempre o mesmo jardim, provavelmente pela mesma carreira, pelo meio dos lagos e dos relvados. Mas nós temos que estar constantemente a questionar e a pôr em causa. Porque é que eu passo por aqui? Porque faço este caminho?

Quando as pessoas me dizem "eu gostava de fazer uma garrafa de água”. A primeira questão que uma pessoa tem que pensar é: porque é que a tampa é aqui? Porque a garrafa tem este formato? Porque é que a tampa não é aqui? Ou porque é que ela não é de lado? Porque é que à medida que eu vou consumindo a embalagem ela não vai diminuindo?

Nós pensamos que isto tudo é futuro, mas isto tudo é atualidade. Hoje em dia grande parte dos produtos já existe no mercado, em que nós chegamos ao supermercado e a cor da embalagem vai mudando em função do seu período de validade.

Tudo aquilo que uma pessoa pensa que possa ser o futuro, neste momento, em grande parte, já é a realidade. Mas é uma realidade que, em muitos casos, nas nossas empresas, ou na nossa sociedade, não está ainda devidamente interiorizada.

E depois, finalmente, é pensar em tudo o que vão ser os novos produtos. Mas novos produtos no sentido do que vai existir. Há cerca de quinze dias estava na conversa sobre heranças com um amigo meu que é advogado –vocês… nem percebem bem o que é falar de herança, mas enfim, uma pessoa fala dessas coisas. E dizia: eu adorava deixar aos meus netos um quinhão para eles poderem estudar, para eles poderem, quando chegassem aos dezoito anos, ter um carro, e depois fazerem a universidade. Depois uma pessoa pensa assim: um carro? Eu sei lá se os meus netos, daqui a trinta anos, ainda andam de carro. Será que não andam de drone?

Eu sei lá o que vai ser o futuro? E uma pessoa sorri, não, não, claro que é um carro. Provavelmente não é um carro. Provavelmente nós, aqui nesta mesa, os mais velhos, ou os menos novos, muito provavelmente ainda vamos andar de carro sem condutor.

Vai ser uma realidade muito mais rápida do que nós pensamos. Tudo o que vai acontecer que nós não percebemos bem destas empresas, como as "Ubers”, que se juntam com as empresas produtoras de automóveis. Porquê estas associações relativamente ao futuro?

Portanto, todos estes temas que nós hoje não nos conseguimos aperceber vão alterar de forma dramática o futuro e o que vai ser o futuro da forma de pensar uma empresa e o futuro de uma empresa.

E em que é que isto se associa ou pode ter alguma similitude com alguém que queira estar mais ligado à política? Eu comecei a olhar para este tema e disse assim: engraçado, se eu olhar para a consolidação/globalização, hoje o grande tema que se põe é a Europa, mais Europa, menos Europa, mais intervenção de Bruxelas, menos intervenção de Bruxelas. Mas aqui a intervenção de Bruxelas é total. Quem manda é aqui o Deputado Carlos Coelho, com instruções precisas que ele costuma escrever em Bruxelas. Portanto, não há dúvidas nenhumas. Os vinte e sete membros da União Europeia têm capacidade futura de poder intervir mais ou menos?

O tema da consolidação que se põe numa empresa, também se põe a outro nível… O Tratado Comercial do Atlântico Norte que foi posto em causa há uma semana, mas que ia pôr em relação comercial dois blocos.

Portanto, consolidação, claro que tem a ver também com o aspeto em termos de governo. A cibersegurança; o lado regulamentar, as leis que elas vão ter que trazer. Isto tem muito mais a ver com a intervenção do Estado, que eu acho que o Estado deve ser regulador, mas não deve ser ator, são dois conceitos completamente diferentes.

Nós falamos da inteligência artificial, eu vou-vos só dar um número que é absolutamente brutal. Se nós olharmos para o que são as três grandes barras da população ativa, 83% - que é o chamado "colarinho azul”, as pessoas que trabalham de forma menos especializada, o chamado low skill worker –, ao longo dos últimos quinze anos, tiveram uma redução de mais de 20% dos seus ordenados ou dos seus rendimentos reais. E foi-se estudar porquê. E a grande razão pela qual, ao longo dos últimos quinze anos (mas isto já não é verdade neste momento, desde há três anos), a grande razão pela qual, nos últimos quinze anos, não houve perda substancial de emprego com a introdução da robotização ou da automatização, é que essas pessoas, (os tais 83% - que é brutal – da nossa população) aceitaram reduzir o seu ordenado para poder combater os robôs.

Ou seja, aceitaram que o seu ordenado fosse diminuído de forma a não serem substituídos por um robô. Agora, isso no futuro não vai ser verdade, porque a velocidade da automatização e a velocidade na inteligência artificial, e o que ela põe em causa, é de tal forma… que não vai afetar só os 83%, vai afetar também os outros 17%.

E o que isto tem de impacto, em termos muito rápidos, é brutal. O que tem de impacto a inteligência artificial pode pôr em causa a segurança das pessoas, pode pôr em causa a forma de estar. O bem social que a inteligência artificial pode pôr em causa, tendo em conta justamente todos os aspetos de segurança social que estão aqui associados, de transmissão de informação. Ou seja, os impactos que nós temos ao longo da vida, ao longo do país, em toda a sociedade, são absolutamente brutais.

Mas pode-se dizer: não, fica por aí. Mas, por exemplo, para nós, empresa, para nós Logoplaste, é fundamental pensar no consumidor. Um dos maiores problemas que existe na política, hoje em dia, é que os políticos deixaram de pensar em quem vota, deixaram de pensar na população, deixaram de pensar nas pessoas. Passou a haver uma total dessintonia entre uns e outros. Põe-se em causa a nível dos países, põe-se em causa dos países para Bruxelas, põe-se tudo em causa. Tem muito a ver com isso.

Quando nós pensamos no que são as nossas preocupações, as nossas preocupações de quem está à frente de uma empresa, seja ele gestor, seja ele empresário, ou quem tem que estar à frente dos destinos de um país, acabam por ser muito parecidas as preocupações, se bem que com impactos completamente diferentes quando olhamos para o futuro.

Quando tentamos enquadrar e dirigir uma empresa, para nós comunicar, motivar, estimular, coordenar são talvez das regras mais importantes de uma empresa. Mas é sobretudo dar uma estratégia que seja entendida por todos. Uma estratégia clara, focada e que todos possam entender.

E se nós pensarmos em termos de um país, dos maiores problemas que existem em alguns países – e talvez Portugal possa ou não se integrar aí – é perceber o que se quer para o país, qual é a estratégia do país. Os países competem com os outros países. Então qual é o papel de Portugal? Qual é a estratégia para Portugal? Quem pensa Portugal – e alguém tem que pensar Portugal, acho que isto vai por layers, vai por secções, e as pessoas têm que ir pensando o que se pretende fazer do país. Não significa favorecer um setor em detrimento de outros. Não é isso que está aqui em causa. Mas há que definir uma estratégia para o nosso país e há que pensá-la claramente, e comunicá-la, debatê-la e pô-la em corrente.

Mais uma vez aí há uma correlação entre o que são as preocupações da estratégia de uma empresa, da estratégia de um país, acabam por ser coisas extremamente parecidas.

Quando me foi posta aqui a pergunta sobre o desafio, e voltando ao início, para terminar, da globalização, e o desafio de um português ou de Portugal, que tem de se medir neste mundo global, eu acho que há uma coisa que nós temos de entender. Há uma regra que mudou: é que, hoje, qualquer atitude que eu tome já é global. Eu já não posso pensar que estou em Portugal e tenho o meu mercado, estou em Castelo de Vide… Não, isso hoje em dia é completamente mentira. Quer pelo acesso à informação, quer pela liberdade de transporte, por não existirem fronteiras. Qualquer pessoa que amanhã queira lançar uma revista, está em concorrência com todas as revistas, alemãs, francesas. Quer abrir um café, está em concorrência com as marcas internacionais.

Tudo o que nós façamos hoje em dia, está instantaneamente num mercado que é o mercado internacional. Essa noção de que não vivemos num mundo global é, logo à partida, um conceito que é menos verdadeiro, porque hoje, por natureza, já estamos num mundo global. Quando nós nascemos, nascemos já num mundo global. Já não nascemos num mundo nacional. Isso é um conceito que já não existe. E a vossa geração, em que eu acredito, sabe-o bem.

Eu acho que a minha geração, é uma geração, de uma forma geral, medíocre. Tenho pena que a nossa geração não tenha dado a Portugal o que Portugal merecia. E digo-o com toda a convicção e pouco interessa aqui as exceções, porque o que interessa, infelizmente, é a regra, não é as exceções. E a nossa geração foi menos boa, foi menos preocupada, não se preocupou suficientemente com o futuro.

Agora, quando nós olhamos para Portugal, para a frente, o que eu vejo é: se eu olhar para o que é o universo empresarial em Portugal, há cerca de um milhão de empresas em Portugal, mas, que contem, há cerca de trezentas mil; das trezentas mil, há vinte mil que exportam, e das vinte mil que exportam, não chegam a mil aquelas que fazem 50% da exportação portuguesa.

Portanto, se eu fosse investidor, dizia: espera aí, vale a pena comprar ações de Portugal. Porque eu posso pegar em seiscentas ou setecentas empresas e é-me fácil alavancar, em cima de seiscentas ou setecentas empresas, e transformar e poder dar um boom extraordinário a Portugal. Portanto, eu acredito em Portugal como um país extraordinário.

E, sobretudo, acredito em Portugal por causa de vocês. Porque talvez não haja uma geração mais bem preparada, mais cosmopolita, mais extraordinária e com mais vontade de fazer do que a vossa. Portanto, o mundo é vosso.

Muito obrigado.

[APLAUSOS]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito obrigado. Vamos iniciar então um período de perguntas. Para o primeiro bloco de questões, convido, do Grupo Azul, o José Guilherme Sousa, e do Grupo Amarelo, o Hugo Mendes.

 
José Guilherme Sousa

Boa noite. Tenho a honra de começar este período de perguntas e respostas. Desde já agradeço a companhia do Dr. Filipe de Botton, e, claro, a sua experiência que partilhou aqui connosco.

Eu tenho aqui duas perguntas que teria gosto de lhe fazer, que estão muito relacionadas, que se prendem com a sua disposição. De que forma mudou a sua disposição desde as últimas legislativas e o que é que que isso significa na forma como vê o futuro de Portugal.

Em segundo lugar, os critérios que pondera quando considera a entrada em novos mercados, e de que forma é que, também, estas alterações no contexto político nacional se refletem.

E em terceiro lugar, a título de curiosidade, algo que é partilhado por muitas pessoas aqui dentro, prende-se com a bola de gelado de coco da Santini – qual é o segredo?

[Risos]

 
Hugo Mendes

Muito boa noite. Primeiro, cumprimentar o Dr. Filipe de Botton, e obrigado pela sua partilha de informação. Cumprimentar o Deputado Carlos Coelho e os restantes elementos da Mesa.

Estamos perante uma plateia – cerca de cem jovens –, nesta magnífica Universidade de Verão e de formação cívica, e de formação política e, sobretudo, de valores. Mas nem todos estes jovens pretendem uma carreira política. Presumo eu, uma carreira profissional nas suas áreas de formação. A minha pergunta, Dr., é se eu amanhã - eu ou os meus colegas - entrassem no seu gabinete, da sua empresa, para uma entrevista de trabalho, quais as qualidades que o senhor mais apreciava?

Segunda pergunta. Relativamente à internacionalização. Se eu percebi, o senhor disse que, dos três mercados que têm as suas empresas - o mercado americano, o europeu e o do Oriente -, o senhor disse que se ia focalizar mais na Europa. Porquê, e por que não se irá focalizar também nos outros mercados? E, desde a longa duração da sua empresa, porque nunca entrou em África?

Muito obrigado.

 
Filipe de Botton

Muito bem, começando pela mais fácil, que é do gelado Santini, eu não sei a receita. Se eu soubesse, dizia, mas como não sei, não posso responder. Não quero estar a enganar ninguém relativamente ao gelado Santini, sobre esse tema. Mas pode vir provar, pode vir consumir, que posso-lhe garantir que é feito com verdadeiro coco. Portanto, está à vontade.

Sobre o futuro de Portugal e os últimos dois anos, ou o último ano, penso que referia-se ao último ano….

Já agora, só uma nota muito rápida. Os meus pais quando chegaram ao batismo, isso é verdade… Eu trabalho na Logoplaste há bastantes anos, e há uma regra de ouro na Logoplaste, primeiro ninguém usa gravata. Peço imensa desculpa. Eu perguntei se era de gravata, disseram-me que não, mas depois fiquei meio a pensar que afinal devia ter trazido uma gravata. Depois explicaram-se que tinha a ver com a cor do grupo que me tinha acolhido, meramente o facto de o Deputado Carlos Coelho estar de gravata.

Mas quando os meus pais chegaram ao batismo, e chegaram depois lá dentro para o registo, e foi só Filipe que ficou registado, o doutor, o padre não aceitou na altura. Portanto, "doutores” não existe, na Logoplaste ninguém me trata por Dr., não são doutores, quando muito são os médicos, por quem tenho o maior respeito. Há três pessoas que eu respeito, que são os médicos, os arquitetos e os engenheiros, o resto é fantasia. Enfim, só para começar.

Sobre as legislativas, está a falar das legislativas que foram há um ano, certamente, não? Há um ano e meio. É assim: não me preocupa, as legislativas foram o que foram, Portugal é o que é. Eu acho que nós temos é de nos preocupar em olhar para a frente. Tenho que respeitar o que foi o voto, tenho que respeitar o que aconteceu. Não estou minimamente preocupado com isso. Estou preocupado é com o país. Estou preocupado com aquilo em que eu posso ajudar o país.

Portanto, mais do que as políticas – que são importantes –, acho que o que nós temos como responsabilidade é tentarmos melhorar o nosso país, e tentarmos fazer pelo nosso país. Confesso que eu nunca me preocupei muito com o governo, se era de direita, se era de esquerda, e sobre o que ele fazia ou que não fazia.

Digo muito honestamente que, nos últimos dezasseis/dezassete anos, não me revejo em nenhuma grande atuação política em Portugal. Portanto, não é de há um ano, é há bastante mais do que há um ano. O que me interessa e me preocupa é olhar para a frente e tentarmos melhorar Portugal. Aí é que me preocupa, de facto, a formação e o que é feito aqui à volta destas universidades ou à volta destes dias e do que se ensina aqui.

Relativamente aos mercados, e acho que há duas perguntas, se bem percebi, muito similares que foram postas pelos dois sobre os novos mercados, e porquê o enfoque no mercado da América do Norte e da Europa, e não só o da Europa.

Nós estamos, de facto, na América do Norte, estamos na Europa, estamos no Brasil, estamos no Sudoeste Asiático. E ao fim de vinte e quatro anos de estamos fora de Portugal, é importante chegar um momento e dizer assim: vamos parar e ver onde é que criámos riqueza na empresa. E criar riqueza não é ganhar dinheiro. Não é chegar ao fim do ano e dizer assim: a empresa apresentou xis milhares de euros de lucro. Não, isso não é criar riqueza. Criar riqueza é dizer assim: eu investi no Brasil oitenta milhões de euros ao longo dos últimos vinte e quatro anos. Eu hoje, se vendesse a Logoplaste no Brasil, quanto é que ela vale no mercado? Hoje em dia é fácil avaliar uma empresa e dizer assim: eu hoje, se quisesse vender, os múltiplos de mercado são estes, a forma de avaliar é aquela, portanto, os oitenta milhões quanto é que valem? Valem cento e cinquenta, valem oitenta, valem cinquenta?

O que é importante é perceber, ou entender, se nós criámos valor, criámos riqueza ao longo dos últimos vinte e dois anos. O Brasil é de facto excitante, uma pessoa vai ao Brasil, há uma energia extraordinária, a praia, Ipanema, aquela imagem … logo a praia.

Mas uma pessoa vai ao Brasil e há muita energia no ar, mas não se cria riqueza no Brasil. Porquê? Porque nós entrámos em 94 no Brasil, o Real estava a 0.9 contra o Euro, neste momento está a 3.7. Eu nem sei se o Escobar ganhava dinheiro lá, porque com a desvalorização não sei se ele conseguia. Nós não ganhamos, não estamos no negócio da coca. O Escobar não faço ideia, porque ele não me apresentou as contas. Agora, para uma empresa ir para o Brasil…

Vejam o que aparece nas notícias. A maioria das empresas portuguesas, mas europeias também, ou internacionais também, que investem no Brasil ou que investem em países ditos exóticos, quando convertem para a divisa forte, seja ela Libra, que ainda é mais ou menos forte, seja Euro, ou seja Dólar, não conseguem criar valor, perdem valor ao longo dos anos, porque têm imparidades relativamente ao momento de investir.

E mais uma vez estamos a falar de uma posição de internacionalização, não estou a falar de uma posição de exportação, que são dois conceitos completamente diferentes. Portanto, uma pessoa tem que escolher os mercados em função de onde é que eu vou criar riqueza para as pessoas que trabalham na empresa. O que é mais importante é: nós temos duas mil pessoas que trabalham diretamente na empresa. Duas mil pessoas significa que há oito mil pessoas que reportam ou que dependem da empresa.

A minha maior preocupação é que haja uma estratégia que faça com que, daqui a vinte anos, essas oito mil pessoas estejam mais ricas do que estão hoje. Ou seja, que todos possam beneficiar do que é uma empresa. Por isso, nós temos que definir uma estratégia onde eu vou investir aquilo que vai criar riqueza para a empresa para o futuro e me vai permitir continuar a investir e continuar a desenvolver a empresa. Esse é o principal conceito quando uma pessoa está à frente de uma empresa.

Em termos das principais qualidades dos jovens ou de uma pessoa que entra. Não há uma, são várias. Acho que é um bocadinho como dizer assim: porquê que o A tem sucesso e o B não tem? Em geral, ter sucesso não é por uma questão. É uma soma de muitas pequenas questões que levam ao sucesso.

Quando você aparece à frente de quem quer que seja para se vender, para dizer: estou aqui, eu sou o melhor. – Então és o melhor porquê? – Sou o melhor porque, olhe, sou persistente. Acho que ser persistente…

Muitas vezes há pessoas que me telefonam e dizem assim: fala com aquela pessoa que é sério. Mas espera aí, ser sério, para mim… qualquer pessoa tem que ser sério. Mas em Portugal, vejam, há pessoas… "não, não, falem com ele que ele é sério”. Ser sério, para mim, é uma condição de base, é axiomático. Qualquer um de nós tem que ser sério. Não é por aí que eu vou distinguir o A do B.

Agora, se é persistente, se tem valores sociais, se tem valores éticos, se tem uma enorme competência e uma vontade de aprender, se sabe estar… pequenas coisas que são importantes: se sabe dar um aperto de mão. Se quem quer que seja vem falar comigo e me dá um aperto de mão e, assim que me dá a mão, já está a fugir com a mão. Se não me olha nos olhos. Tudo isto são pequenas coisas, mas são muito mais importantes do que grandes coisas.

Isto é uma soma de qualidades, é uma soma de formas de estar que se aprende. Saber comunicar – é uma pena que em Portugal a nossa escola não ensine a comunicar. A escola inglesa, a escola americana, como formação, você desde que é miúdo tem que falar para todos. Nós em Portugal, de uma forma geral – mais uma vez, não olhem para vocês que estão aqui à volta destas mesas -, mas as pessoas não sabem falar em púbico.

De uma forma geral, uma pessoa quando vai ouvir algumas pessoas a falar - e não quero falar mal dos políticos, de forma alguma, até porque estamos aqui – mas às vezes vale a pena olhar para o conteúdo do que nos é dito.

Comunicar, já agora, é dizer qualquer coisa com interesse. Aqui há uns anos atrás, havia um primeiro-ministro que lhe fizeram um discurso em que, numa folha de papel, punham-lhe trinta palavras. Ele conseguia, com trinta palavras, estar durante uma hora e meia a falar. E dizia sempre as mesmas palavras, mas numa forma e numa ordem diferente. Às vezes, isto, não é comunicar. Ou seja, o que é importante é saber falar. Aquelas pessoas que vêm falar comigo e que estão ali na conversa, não vale a pena.

Em Inglaterra nós escolhemos o Diretor-geral que temos que é um inglês. No final do dia estávamos na dúvida sobre quem é que selecionávamos, e houve um dos homens, por acaso eram homens, peço desculpa às senhoras presentes, mas na altura não havia tanta preocupação com a discriminação das minorias – a discriminação positiva. Se bem que começa a ser ao inverso. Eu aqui há dez dias, tive uma reunião com um banco, apareceram-se cinco diretores do banco, mais uma pessoa que trabalhava na Logoplaste e eu era o único homem na sala. Portanto, eu achei que eu é que tinha de começar a ser discriminado positivamente. Achei que essa coisa das mulheres estarem… acho que é exatamente ao contrário.

Mas a razão pela qual nós selecionámos essa pessoa - no final do dia, eles estavam muito taco a taco - é porque ele tinha um filho com trissomia 21 e tinha jogado rugby. E foi a razão pela qual o escolhi a ele. E penso um bocadinho no que significa ter um filho com trissomia 21, o quê que isso obriga em termos de esforço suplementar, amar um filho diferente ou um filho especial. E penso o que é jogar rugby, em termos de espírito de equipa, e de saber criar e comunicar, e não querer que a vitória seja nossa.

Porque uma coisa muito importante em qualquer organização, seja uma empresa ou seja uma estrutura, é que não existe a cultura do eu, existe a cultura do nós. E isso, às vezes, é esquecido.

Depois a outra pergunta que foi posta era sobre África. Eu não vou dizer como o General De Gaulle, que tem aquela sua célebre frase que diz "l’Afrique n’existe pas”. De forma alguma é essa a minha atitude. Mas é assim: nós, como empresa pequena que somos, nós somos uma PME, repito, em termos internacionais, nós temos de nos focar, temos de saber o que nós pretendemos. Nós não temos dimensão para estar na África do Sul, para estar em Angola, para estar na Nigéria, para estar em Marrocos, no Egito… Nós temos, hoje em dia, catorze fábricas nos Estados Unidos, vamos fazer mais sete fábricas nos Estados Unidos, vamos investir cerca de trezentos milhões de dólares nos Estados Unidos. Eu não tenho aquilo com que se compra melões para ir para África.

Portanto, eu tenho que saber optar. A vida é uma sucessão de opções. Seja por omissão, seja por ação. Seja na vida pessoal, seja na vida profissional. E nós, em termos profissionais, optamos por nos focar nestes mercados.

Eu acho que respondi às perguntas todas, penso eu.

[Voz inaudível]

Diga?

Porque é um mercado… a grande razão de sucesso da Logoplaste e da maioria das empresas portuguesas – dou-vos um exemplo, que todos vocês conhecem, que ainda foi referenciado há pouco tempo, dos caiaques Nelo – a grande razão de sucesso das empresas portuguesas…

Porquê que os têxteis portugueses… eu desde que andei na universidade ouço que os têxteis portugueses vão desaparecer. E eu saí da universidade em 81, a maioria de vocês nem sequer tinha nascido. E os têxteis continuam a pesar à volta de 30% das exportações portuguesas. E a grande razão pela qual os têxteis não desapareceram é que, hoje, os têxteis que são exportados em Portugal são têxteis técnicos. É aquelas T-shirts que nos dão a quanto é que está o nosso coração a bater, se vamos ter um ataque cardíaco ou não. É aquelas T-shirts em que eu vou a uma discoteca ou uma boîte (hoje em dia fico sempre na dúvida qual é a palavra que vocês utilizam) e vejo uma miúda gira e o meu telemóvel aparece escrito aqui para ser fácil o contacto.

Isto é uma técnica como outra qualquer. É através da técnica, através da diferenciação tecnológica, através da inovação que nós nos diferenciamos. Eu vou para a Ásia, eu não consigo vender no sudoeste asiático os chamados produtos de valor acrescentado. Vou para os Estados Unidos, consigo. Daí a razão de o sudoeste asiático ser um mercado de baixo custo onde eu não me posso posicionar como empresa de diferenciação.

 
Dep.Carlos Coelho

Segundo bloco de questões. Do Grupo Laranja, o José Augusto Pereira, e do Grupo Castanho, o Francisco Antunes.

 
José Augusto Pereira

Boa noite, Filipe Botton. Em abril de 2013 ouvi-o dizer num programa televisivo que bastava que cada empresa existente contratasse um desempregado e o problema do desemprego resolvia-se em Portugal. O Filipe Boton, sendo um profundo conhecedor do mundo empresarial, diga-nos uma ou duas medidas imediatas que tomava neste momento para resolver os problemas da economia em Portugal.

Já agora, deixava-lhe aqui também uma questão sobre a sua escolha de investimento na Santini. O quê que o levou a apostar numa empresa de âmbito local?

Obrigado.

 
Francisco Antunes

Boa noite. Antes de mais, queremos agradecer a presença do Dr. Filipe de Botton. Dada a sua experiência, tanto do mercado nacional como do mercado internacional, que conselhos dá aos jovens empreendedores? E qual foi o maior desafio com que já se deparou e como é que o resolveu?

Muito obrigado.

 
Filipe de Botton

Essa frase que saiu sobre cada empresa dar um emprego, na realidade oferecer um emprego, e com isso resolvia o problema do desemprego, faz parte daquelas frases que se diz mas que, como é óbvio, foi dito naquele momento, mas não tem o conteúdo e eu assumo que não tem a substância que devia ter.

Agora, medidas. Eu acho que não são precisas mais medidas. Eu acho que, se nós falarmos de Portugal, e se nós olharmos para Portugal, como um país, em termos de medidas, elas estão todas tomadas. Tudo o que é de lei… eu acho que até há excesso de lei em Portugal. O que há falta é de implementação de leis. O que há falta é de implementação da justiça, de tribunais a funcionar de forma célere. O que há falta, sobretudo, é de perenidade.

Se eu sou um investidor internacional, ou um investidor nacional, o conceito acaba por ser muito o mesmo. Se eu quero investir em Portugal, o que mais me preocupa hoje em dia, é a falta de certeza ou de garantia de que o que é hoje lei, será lei daqui a dois anos. Seja à direita ou à esquerda, eu acho que têm de perceber que tem de haver, de facto, uma perenidade no que é a minha expectativa.

O mais importante, em qualquer gestor, é poder decidir em função de expectativas e que as expectativas não sejam goradas. Eu não estou preocupado com a legislação fiscal em Portugal. É claro que os impostos são altíssimos em termos pessoais. Mas talvez sejam altos porque talvez haja alguma sonegação fiscal.

Eu não estou preocupado com as taxas de imposição a nível de empresas. Eu acho que elas são bastantes competitivas em Portugal.

Eu não estou preocupado com as leis em termos laborais. Dizem que é difícil ter entendimentos em Portugal, do ponto de vista laboral. Que nós temos uma lei laboral muito frouxa, que deveríamos proteger mais. E depois fala-se das leis laborais nos Estados Unidos. Às vezes eu vejo algumas pessoas com responsabilidade política, e para mim um responsável político é um responsável sindical, é que as pessoas não entendem, mas para mim são parte da elite portuguesa. Porque, pela sua responsabilidade, são parte da elite. Portanto, têm que ter muito cuidado naquilo que dizem.

Vejo pessoas afirmarem e falarem sobre sistemas laborais, por exemplo americanos, com total desconhecimento de causa. É mais fácil despedir em Portugal do que despedir nos Estados Unidos. As pessoas não sabem do que falam, na maioria dos casos. E isso é gravíssimo, porque induz em erro de pensamento e induz em erro de futuro potencial de legislação, o que pode ter consequências gravíssimas.

Portanto, a mim não me preocupa mais medidas para Portugal. Preocupa-me sim é: clarificação, que haja perenidade e que haja uma justiça célere, no sentido de tribunais a funcionar de forma célere, de forma a poder implementar aquilo que já existe. Não é isso que me preocupa, sobre mais medidas. Preocupa-me até, no limite, menos medidas e que haja um maior aligeiramento, mas uma maior execução, relativamente àquelas que são tomadas. Isso é no que toca a esse tema.

Relativamente ao tema da introdução do Santini e porquê. É exatamente por aquilo que você disse. Olhei para o Santini… Primeiro, era consumidor Santini desde que nasci, há mais de cinquenta anos que como gelados Santini.

Numa vida anterior a esta da Logoplaste, eu era consultor, trabalhava na banca, tinha um banco, era bancário, era banqueiro, não era bancário! Porque a grande maioria das pessoas que dizem que são banqueiro em Portugal são bancários. Há uma diferença entre ser bancário e ser banqueiro. E eu vejo às vezes administradores de bancos dizerem que são banqueiros, mas não, são bancários. São temas diferentes.

Tínhamos um banco, na altura, com os meus sócios, e fazia o que se chama private banking, fazíamos assessoria de investimentos. Ia sempre ao Santini, comia um gelado, e chegava ao fim e os donos do Santini, que era um senhor, vinha falar comigo, "oh pá, onde é que eu tenho que investir…” Estava ali durante meia hora a explicar-lhe o quê que ele tinha que fazer, sendo que eu é que tinha pago o meu gelado. Mas enfim, estava ali a dar-lhe conselhos de borla.

E chegava ao fim da conversa – é engraçado que tive esta conversa no carro, há bocadinho, com alguém que vinha comigo no carro – chegava ao fim da conversa e dizia sempre a mesma coisa: ó Eduardo, se um dia quiseres um sócio, cá estou eu. Mas era aquela coisa que eu não perdia dois segundos do sono sobre o tema. E passado uns anos… muito, muitos, portanto, às vezes a persistência é uma coisa importantíssima. Mais vale, às vezes, uma pessoa correr maratonas do que ser sprinters. Portanto, eu dou mais valor ao Carlos Lopes do que ao Usain Bolt, de facto a coisa é mais perene.

Passado muito anos, o Eduardo Santini vem ter comigo e convidou-me para ser sócio dele. Qual é a grande vantagem que eu vi no Santini? Além de ser uma marca extraordinária, além de pensar maldosamente "vou comer uns gelados à borla”, é claro que isso me passou pela cabeça. Mas a grande razão foi pensar assim: o Santini é das poucas marcas, dos poucos brands , que existem em Portugal, e já lhe digo porquê. E transformar uma marca que é local, porque nem sequer era regional, nem sequer era nacional - porque o Santini era de Cascais e havia meia dúzia de pessoas de Lisboa que conheciam o Santini -, no que possa ser uma marca nacional e, sobretudo, depois, uma marca internacional, que isso é que está de facto na minha visão sobre o Santini.

E a marca Santini é tão forte, que há pessoas, muitas vezes, a fazer 40 a 45 minutos de fila para comer um gelado. Eu posso-lhe dizer que, desde que sou sócio do Santini, nunca comi tão poucos gelados. O facto de uma pessoa poder comer gelados, já perdeu um bocado a piada. Vou provando os gelados que o Eduardo vai fazendo, vai inventando. Mas quando nós abrimos a loja do Chiado, em julho, dia 16 ou 17 de julho de 2014, se a memória não me falha, a loja abria às sete e tínhamos pessoas que estavam lá desde as seis da manhã, porque queriam ter o ticket número um do Santini, assinado e com uma fotografia.

Por isso, eu diria que o Santini é a Apple portuguesa. Não há muitas marcas em Portugal que se podem orgulhar de ter alguém querer ficar com o ticket número um da loja e com a fotografia dos acionistas da loja. O que nós vimos de potencial no Santini, o que eu vi de potencial no Santini, foi transformar o que era uma marca local, numa marca nacional e agora internacional. O sonho de quem come um gelado é encontrar a sua marca nas cidades dos seus sonhos. Portanto, nós queremos abrir em Nova Iorque, queremos abrir em Londres - peço desculpa, mas não vamos abrir em Bruxelas, não há sonho em Bruxelas -, queremos abrir em Paris, queremos abrir em Madrid, queremos abrir em cidades onde uma pessoa tem prazer em estar, não em cidades mais cinzentonas.

Relativamente ao tema que me estavam aqui a perguntar de conselhos. Eu não dou conselhos a ninguém. Eu acho que dar conselhos é de uma arrogância e de uma pesporrência inacreditável. Por isso, a única coisa que eu digo é: a única forma de se vencer e de fazer alguma coisa é o chamado dar corda aos sapatos. Quando alguém me falava amanhã, se eu quiser fazer alguma coisa, a primeira coisa que me atravessou a mente foi: este tipo já morreu. Porque ele não devia dizer amanhã. Devia dizer o quê que posso fazer agora de diferente. É porque qualquer coisa que nós queiramos fazer, e qualquer coisa que nós estejamos a pensar, no mínimo há cinquenta mil pessoas que estão a fazer a mesma coisa, só que já estão dez metros à nossa frente; depois há outros dez mil que estão cem metros à frente; e há outros cinco mil ou mil que estão dois quilómetros à frente. Portanto, o tempo joga contra nós. Nós temos é que dar corda aos sapatos, fazer, ser persistentes e chegamos lá, com certeza.

Uma das coisas que eu faço é ao fim de semana, converso com muitos amigos dos meus filhos. Vêm la conversar para ter um bocadinho de coaching, advising, e tenho o maior prazer em dar. E muitos trazem ideias de Apps. Fazer uma app com isto e com aquilo… Algumas são extraordinárias e não foram pensadas, mas a grande maioria de jovens com quem falo vem propor coisas que eu pego neles e digo: vamos aqui "googlar” a tua ideia para ver o quê que existe. E já há dez mil coisas iguais àquelas que eles estão a pensar. Portanto, esse é o drama que joga contra vocês e que não jogava tanto contra nós, na nossa geração. É que na nossa geração era mais fácil fazer coisas; hoje em dia, a fluidez da informação tem vantagens mas também tem inconvenientes.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, vamos passar para o terceiro ciclo de questões. Dou a palavra, do Grupo Encarnado, ao André Braga, e do Grupo Rosa, ao Tiago Lucas.

 
André Braga

Boa noite, desde já peço desculpa, mas vou seguir o exemplo dos meus colegas e fazer não uma, mas duas perguntas. Uma mais provocadora e outra mais de curiosidade pessoal e profissional. "Para mim, Estado na economia, é longe, de costas e no nevoeiro”. A frase é do Dr. Filipe, citada pelo Jornal de Negócios em 2014. Neste contexto, como é que olha para as últimas intervenções do Estado na Caixa Geral de Depósitos e as consequências que isso terá na economia portuguesa?

Depois, a segunda tem a ver com o facto de, recentemente, a Logoplaste ter recebido um investimento de um fundo internacional de private equity. De que forma é que esse parceiro estratégico poderá acrescentar valor à Logoplaste?

 
Tiago Lucas

Muito boa noite a todos. Naturalmente os meus cumprimentos ao Filipe Botton, pela presença e por ter aceite o convite e, também, na pessoa do Deputado Carlos Coelho, pelo facto de ter a preocupação em trazer aqui um empresário, alguém da economia real e concreta, em vez de nos andarem a atirar medidas patéticas, tal como vemos o governo de António Costa a fazer. Não, nós falamos realmente com quem cria riqueza e com quem se preocupa em levar o país um bocadinho mais a sério.

Passando à questão, e indo ao encontro da sua carreira na banca, nomeadamente a administração do Finantia e a fundação da sociedade Fonseca & Burnay, a minha pergunta é muito simples: será que, dadas as atuais circunstâncias, e o constante risco sistémico da banca – é Banif, é a Caixa Geral de Depósitos, com a questão da recapitalização, a questão do BES, agora falamos no Deutsche Bank, portanto, a queda de um gigante – e a questão concreta é: será que para salvaguardar a banca e para a proteger, é necessário mais regulação e aumentar o papel do Estado no controlo da banca e do acompanhamento dos processos internos dos bancos?

E outra questão que me parece ser relevante. Nós hoje em Portugal, e com a atual circunstância política, nós falamos muito naquilo que é o risco e naquilo que são as dificuldades, no fundo, que as empresas enfrentam para aceder a programas, para chegar, por exemplo, a programas europeus, etc. Neste quadro, e tendo como preocupação aquilo que pode ajudar as empresas, ou a criar empresas ou a levar as empresas um pouco mais à frente, quais são as possíveis medidas que o empresário pode adotar para minimizar o risco e para conseguir fazer frente às várias dificuldades que, por vezes, as políticas colocam aos desafios da economia real.

Obrigado.

 
Filipe de Botton

Muito bem. Começando pelo tema da… eu subscrevo o que disse esse tal doutor, que, de facto, de costas, ao longe e no nevoeiro, é como eu me sinto bem relativamente a qualquer tema de política em termos de intervenção na economia real. Acho que quanto menos tivermos Estado na economia, melhor todos estamos. Até porque já se provou que o Estado não é um bom gestor. Por todas as razões e mais alguma. É um bom regulador, com certeza. Há de ser um bom legislador, com certeza. Não é, com certeza, um bom ator na economia. Quanto a isso não tenho qualquer tipo de dúvidas. Não tenho mesmo a menor dúvida.

E nem sequer tenho dúvidas, quando uma pessoa olha o panorama e quando nos olhamos, nomeadamente, para uma empresa como a Caixa Geral de Depósitos, ou uma instituição como a Caixa Geral de Depósitos, em que eu acho que nem vale a pena fazer comentários, que eles foram todos feitos na imprensa, são conhecidos de todos, e todos nós sabemos o quão lamentável foi para a imagem internacional, até do país, para a imagem das pessoas que foram convidadas, para a imagem da administração cessante, para a imagem da nova administração.

Se eu fosse convidado para ser administrador de um banco, ou de qualquer empresa, e me dissessem que eu, para ser administrador, tinha que fazer um curso de três dias ao INSEADE, e me dissessem qual era o curso que eu tinha que ir fazer, eu, por uma questão de estrutura pessoal, faria o que fez a Dra. Leonor Beleza, agradecia muito e dizia tirem-se desse filme. Eu não estou nesse filme, com certeza.

Não estou a fazer, com isto, nenhuma crítica a quem decidiu ficar, porque há muitas razões que são levadas para uma pessoa tomar uma decisão. Agora, tudo o que é o aspeto das pessoas não executivas, eu não me reveria em nenhuma pessoa, absolutamente nenhuma pessoa, que aceitasse integrar os órgãos sociais da Caixa Geral de Depósitos como não executivos, depois do achincalhamento, depois da vergonha que foi, para nós portugueses, sobretudo, tudo aquilo que se passou. Portanto, eu acho que é uma situação que não merece qualquer tipo de comentário.

A Logoplaste ou crescia todos os anos, ou cresce todos os anos, entre 5% a 10%. Aliás, a nossa média de crescimento, ao longo dos últimos 19 anos, foi de 14,7%, todos os anos, de forma regular. E há cerca de dezoito meses chegamos a um ponto em que ou continuávamos a crescer a 5% a 10% ao ano - o que não é nenhuma vergonha, não é propriamente uma coisa que me envergonhe – ou olhávamos para o trabalho todo que foi feito ao longo dos últimos vinte anos, olhávamos para as pessoas que têm ajudado a fazer o que é hoje a Logoplaste, e pensámos: nós podemos vir a ter oportunidades de crescer cerca de 100% a 150% nos próximos três anos.

Só que eu para crescer 100% ou 150%, hoje em dia, preciso de uma coisa que não precisava tanto até 2008, porque até 2008 nós financiávamos a 100% todos os nossos projetos, e hoje em dia há uma necessidade de capitais próprios para poder financiar um projeto. Eu hoje se quero investir numa fábrica nova cem milhões de dólares ou de euros, eu tenho que pôr trinta milhões, 30% ou trinta milhões, de capitais próprios.

Há cerca de 18 ou 19 meses, em dezembro de 2015, senti que íamos poder ganhar dois grandes contratos nos Estados Unidos em que, num caso, íamos investir cerca de 160 milhões de dólares, e no outro caso cerca de 60 milhões de dólares. Soma os dois e dá duzentos e vinte. Duzentos e vinte – e até para médicos dá para fazer essa conta – 220 vezes 30% dá sessenta e seis e comecei a pensar: espera aí, daqui a seis meses, oito meses, um ano, eu ganho este contrato e tenho que pôr em cima da mesa sessenta e seis milhões de dólares. Ainda fui lá a casa, ainda estive à procura nos armários, nas gavetas, nos fatos, mas não encontrei os sessenta e seis milhões.

A partir daí tinha duas opções. Ou antecipava e sabia que não ia fazer esses investimentos ou, pura e simplesmente, preparava a empresa para dar um salto quantitativo e qualitativo também. Dar um salto quantitativo, aqui, é qualitativo, no sentido em que eu vou dar oportunidades a pessoas que estão na empresa para crescerem de forma absolutamente extraordinária. Passar de uma empresa de quinhentos milhões para um empresa de 1.2 / 1.4 biliões é completamente diferente para toda a gente ali na empresa, em termos das oportunidades, e da gestão futura.

Aí passa por uma pessoa ter que ter… estamos divididos entre a decisão emocional – isto é a minha empresa, só minha, eu sou o dono da bola e do campo da bola. E agora vou passar a poder jogar num campo em que eu vou ter outro caramelo que também tem a bola e que também é dono do campo – portanto vamos ser dois caramelos. Como é que isto vai correr?

Uma pessoa está dividida entre o lado emocional e o lado racional. O lado racional é fazer crescer a empresa e é afirmar uma empresa e dar-lhe uma credibilidade e uma perenidade completamente diferente para o futuro.

O outro lado é continuar a crescer 5% ou 10%. Ótimo, mas passa a ser uma empresa diferente.

A opção que nós tomamos foi: vamos fazer um chamado beauty contest , um concurso de beleza. Somos uma empresa altamente apetecível. É um bocadinho como uma miúda linda de morrer, há vinte candidatos que querem casar com a miúda. A Logopalste era essa miúda, era essa a vantagem.

Nunca tinha tido a sensação nem a emoção de ser uma mulher. Vivi ali um período de mudança de sexo durante uns tempos, em que tivemos esse concurso e, ao fim de dezoito meses, decidimos avançar, com tudo o que esse processo representa. E convidamos a Carlyle, no final, para ser nosso sócio, para nos acompanhar para o desenvolvimento futuro da Logoplaste e, portanto, para uma afirmação internacional muito mais forte e com umas competências, nomeadamente financeiras, completamente diferentes.

Essa foi a razão pela qual tivemos que tomar essa opção. E são opções que têm que se tomar ao longo da vida.

Sobre a regulação e sobre o facto de instituições financeiras não serem ou serem demasiado reguladas. Eu acho que o problema não tem a ver, mais uma vez, é infelizmente a mesma resposta. Eu não posso admitir que, se houver pessoas competentes, que elas não tenham a capacidade de perceber o que se passa dentro de uma empresa. E um banco é uma empresa.

Portanto, quando eu vejo que existe regulação em Portugal, e que o Banco Central português, o chamado Banco de Portugal, deixou que acontecesse com os bancos o que aconteceu, o problema não tem a ver com a regulação. O problema tem a ver com a falta de competência das pessoas que não souberam pôr em causa, e sobretudo aplicar os regulamentos que existem.

Eu não posso crer que os administradores do BES – que você citou – que só um homem é que estivesse ao corrente de toda a malandragem que se fez no BES. Das duas, uma: ou os administradores, todos, executivos, que estavam no BES, no Banco Espírito Santo, eram incompetentes ou são cúmplices. Não há uma terceira opção. Portanto, eles têm que escolher: ou são incompetentes ou são cúmplices. E ser incompetente tantos anos… uma pessoa tem dúvidas. Até porque eles, numa grande maioria, não eram incompetentes. Portanto, as pessoas sabiam, só que eram tão bem pagos, que as pessoas vão tomando opções ao longo da vida.

Já sobre os reguladores, é aí, sim, falta de meios, eventualmente, para poder olhar para as coisas e poder, a fundo, perceber o que se está a passar. E a banca, se não há, no mundo financeiro – e aí falo por experiência -, se não há a chamada delação premiada, na banca, no mundo financeiro, é muito fácil encobrir operações duvidosas. É fácil encobrir. Se não há informação, inside information , é quase impossível dar-se por elas.

 
Dep.Carlos Coelho

Quarto bloco de questões. Dou a palavra, do Grupo Verde, ao Rafael Augusto, e do Grupo Cinzento, à Anyse Pereira.

 
Rafael Augusto

Boa noite, Sr. Filipe Botton. E a nossa pergunta é a seguinte: em que setores da esfera governativa acha que o Estado deve tomar uma postura mais liberal? Que políticas são fulcrais para que um Estado seja mais liberal, sendo assim? Obrigado.

 
Anyse Pereira

Boa noite, senhor Comendador Filipe Botton. Em meu nome e do meu grupo, agradeço a sua presença neste jantar e a sua brilhante explanação. O nosso grupo queria saber como é que o senhor Comendador, CEO de uma das maiores empresas de plástico rígido da europa, lida com um mundo e uma media que está cada vez mais consciente dos perigos do plástico para o ambiente e que, cada vez mais, busca substituir esse material por outros biocompatíveis e biodegradáveis?

Será que, num futuro próximo, as empresas que trabalham com exploração de plástico, não terão esse como um dos problemas principais?

E aproveito para tocar um pouco no assunto referido pelo colega (já nem lembro de que grupo é) acerca da exploração do mercado africano. Conhece Cabo Verde? Gostamos muito de gelado…

[Aplausos]

 
Filipe de Botton

Como é o seu nome? Anyse? Parabéns, Anyse, bem apanhado. Eu fiz esgrima muito tempo e quando uma pessoa é tocada diz-se touché – bem apanhado. Mas Cabo Verde não vai ter Santini, já, já.

Deixe-me só responder primeiro ao tema das políticas. Eu sou empresário, sou gestor, não sou político. Portanto, não me cabe falar sobre as políticas, nem quero. Não é o meu mundo. Deliberadamente tomei uma opção de não ser político, porque não teria capacidade nem competência para ser político. Não tenho estrutura mental nem física para ser político, por muitas razões.

Falar de políticas, Estado liberal, até fico enervado, porque hoje em dia, fazem-se qualificações relativamente aos temas da política, ou aos temas das políticas assumidas, muitas vezes em desconhecimento de causa. Portanto, eu estar a comentar pessoas por quem eu tenho um respeito menor, do ponto de vista intelectual, é uma coisa que eu prefiro não fazer, até porque não me revejo em muitas dessas pessoas.

E sobretudo, em termos políticos, na situação atual, não consigo comentar. Não consigo sequer perceber, digo muito honestamente, um: qual a política que se quer implementar, não consigo perceber, não consigo discernir. Não tenho competências intelectuais para conseguir perceber a política que está a ser posta em causa. Não entendo. E como não entendo, não comento. Não gosto de falar daquilo que não sei e, portanto, eu não vou comentar uma coisa que eu não tenho capacidade intelectual para comentar. Eu prefiro não entrar muito por aí. Peço desculpa, não vou poder responder a esse tema e a essa pergunta.

Sobre o tema em que me sinto mais à vontade, o tema do ambiente. Existe uma forma de avaliar o impacto ambiental que se chama a vida ambiental, o "life cycle analysis”, a avaliação do ciclo da vida de um produto. Ou seja, quando eu pego numa garrafa de vidro, eu digo assim: uma garrafa de vidro é menos poluente do que uma garrafa de plástico. Aliás, eu reparo e fiquei sensibilizado pelo Deputado Carlos Coelho só pôr garrafas de vidro à mesa, e não pôr uma única garrafa de plástico. Já tinha reparado, mas obrigado por me ter dado a oportunidade de eu falar disso, Anyse. Mas eu acho que ele fez isso porque sabia que você ia fazer a pergunta e que me ia dar a oportunidade de poder responder sobre esse tema.

Uma garrafa de plástico é muito menos poluente do que uma garrafa de vidro. E não estou a provocar. Para você fazer uma embalagem de vidro, você tem que aquecer um forno entre 1.700 a 1.800 graus. Eu para aquecer um forno a 1.700 ou 1.800 graus vou consumir um combustível, vou portanto poluir para poder fazer isso.

Se eu pego numa garrafa de vidro, das duas uma: ou ela é leve, mas por mais leve que seja, a garrafa de vidro leve é entre sete a oito vezes mais pesada do que uma garrafa de plástico. Quando eu quero embalar uma garrafa de vidro numa caixa de cartão, vou ter que utilizar uma embalagem de cartão que é mais espessa, que tem mais cartão do que uma embalagem de plástico.

Se eu quero transportar vidro, em vez de plástico… eu quando tenho um camião, tenho duas restrições, que é a tara e o volume. São as minhas duas restrições, quando eu tenho um camião. Eu posso querer ter um camião muito grande, mas de qualquer forma tenho uma restrição que é o peso que eu posso pôr em cima do camião antes de ele se afundar, que é a chamada tara.

Portanto, eu nunca consigo pôr tantas embalagens de vidro num camião como de plástico. Ponho muito mais plástico. O camião, quando leva de "A” a "B”, polui, porque está a utilizar estradas, está a gastar pneus, está a gastar alcatrão e, sobretudo, está a gastar diesel. Portanto, está a poluir.

Quando chega ao ponto de encontro, o consumidor vai pegar na embalagem. Ao pegar na embalagem, vai ele próprio também levar mais peso para casa. Já para não falar no tema da segurança, que, penso que não há ainda aqui mães de família, mas se eu tiver uma criança em casa, prefiro não ter garrafas de vidro, que se podem partir, a garrafas de plástico.

Se eu quero levar três garrafas de litro para casa, eu vou levar aqui cerca de 400 gramas de uma garrafa de vidro, levo cerca de 20 gramas, 25 gramas de uma garrafa de plástico. No meu saco vou levar coisas completamente diferentes, vou ter que ter um saco mais resistente do que outro.

Ou seja, o que eu estou a tentar explicar é o chamado, justamente, o "life cycle analysis”. Eu não posso estar a olhar para o ambiente e dizer: isto é melhor do que aquilo. O drama é que o plástico paga pelas suas qualidades. O problema está em nós. Nós somos mal educados de uma forma geral. Portanto, atiramos as nossas embalagens depois de utilizar, não fazemos – ou a grande maioria, não quero estar a insultar ninguém –, não faz o lixo seletivo. Já quem vive em Bruxelas, ou faz ou é multado, e só tem direito a um ou dois sacos de lixo por semana. Aquilo, de facto, pia de uma forma diferente. Nós ainda piamos mais forte, é diferente, fazemos o que nós queremos, o que é mau. Portanto, nós não nos preocupamos.

Por exemplo, você chega à praia e vê uma garrafa de plástico, numa praia deserta. Você está a namorar, enfim, com a pessoa com quem está a namorar (uma pessoa tem que ter cuidado com o que diz) e, de repente, vê uma garrafa de plástico e sente-se agredida pela poluição de uma garrafa de plástico. Porquê que viu uma garrafa de plástico? Porque ela pesa vinte ou trinta gramas e flutuou até à praia. A garrafa de vidro, você não a viu porque ela foi ao fundo. Há o conceito depois da poluição visual face à poluição real.

80% do que nós vemos – hoje em dia fala-se muito do lixo no oceano, das manchas de lixo no oceano – 80% do que está no oceano vai pelos rios. Portanto, veja a sujeira que é uma pessoa… fazer o que todos nós fazemos. Quando falamos de uma embalagem ser mais ou menos poluente, não é evidente a resposta. Depois, quando se fala de biodegradabilidade, ela não existe. Não há nenhuma embalagem que seja biodegradável.

O que pode acontecer é o solo, por fotossíntese, o solo vai destruir uma embalagem em partículas mais pequenas. Mas a partícula de carbono, você nunca vai conseguir que ela seja reabsorvida. Ela fica sempre fossilizada. Portanto, há materiais recicláveis, há biomateriais, mas não há materiais biodegradáveis. Não se degradam e não conseguem ser reabsorvidos pela natureza de uma forma instantânea e fácil.

Depois há outro fator grande, que é tudo o que são as embalagens reutilizáveis. Você, hoje em dia, se reutiliza uma garrafa de água, ou do que quer que sejam, você utiliza cinco vezes o conteúdo de água para lavar, e o bem mais escasso, a prazo, da terra, é a água potável. Portanto, há aqui uma incompatibilidade no futuro relativamente a esse tema da reutilização face ao one way ou face à embalagem descartável. É um tema de que podemos falar bastante mais tempo, não quero estar aqui a monopolizar sobre esse tema, mas não é evidente a opção quando uma pessoa fala de ambiente.

Foi feito um estudo, se se retirasse tudo o que é embalagens de plástico na Alemanha, que talvez é o país mais cívico – não, Suíça é capaz de ser mais cívico -, mas é um país altamente cívico no que toca a reciclagem. Se banissem as embalagens de plástico da Alemanha, não havia camiões nem estradas suficientes para abastecer alimentação à população, pelo que isso implicava de camiões a mais para poder abastecer a população.

Portanto, é um tema interessante, é um tema relevantíssimo. Não é por acaso que uma garrafa de água de plástico pesava, há oito anos, cerca de 42 gramas, neste momento pesa 22 gramas. É a própria indústria, nós próprios preocupamo-nos em ir ao encontro do que era o ambiente e tentar de minimizar, como é óbvio o impacto no ambiente.

 
Dep.Carlos Coelho

Nós temos uma tradição na Universidade de Verão que é dar a última palavra ao nosso convidado. Como esta noite eu não torno a pegar neste microfone, é esta a oportunidade que tenho para, uma vez mais, lhe agradecer o facto de ter vindo de propósito de casa até nós para nos falar neste jantar, nos ter dado as respostas que já deu e as respostas que ainda dará, nesta última ronda de perguntas, para as quais dou a palavra ao André Soares, do Grupo Bege, e à Daniela Lourenço, do Grupo Roxo, a quem agradeço o convívio simpático que tivemos na vossa mesa.

Portanto, para as últimas perguntas, André e Daniela.

 
André Soares

Muito boa noite a todos, primeiro gostaria de dizer que posso afirmar, em tom da sala, que sentimo-nos honrados pela sua presença. E em tom de brincadeira gostaria de dizer que somente lamento saber dos seus ideais futebolísticos. Mas pronto, nada é perfeito.

O que eu quero perguntar é o seguinte: primeiro gostaria de agradecer à equipa cinzenta, por me ter roubado a pergunta. O que eu queria entender um bocado era: há aqui um confronto entre o vidro e o plástico. Que, sendo de ambiente, não percebo muito dessa área ainda, mas o vidro é algo que é reutilizável e o plástico não. Ou seja, o vidro desinfeta, embala outra vez e envia. Ou seja, isso é bom, é mau? Qual é a sua opinião?

Pode sair mas barato o plástico, mas se calhar, se o vidro for devolvido depois da utilização, dando uma benesse, não sairia mais barato?

O futuro da Logoplaste consiste em criar algo entre o vidro e o plástico?

Outra das áreas que gostaria de perguntar era a sua opinião acerca do empreendedorismo. Existe alguma área que se destaque por ter mais potencial? E como trabalha na área do turismo, acerca de hotéis autossustentáveis. Era algo viável, não era? Gostaria de saber a sua opinião. Obrigado.

 
Daniela Lourenço

Boa noite a todos e um especial agradecimento aqui ao Sr. Filipe de Botton. Eu aproveito agora o comentário do nosso colega da equipa bege, porque a nossa equipa, aqui a equipa roxa, no outro dia apresentou uma prioridade para o governo que seria a reciclagem das garrafas.

Ora bem, na Alemanha, e porque nós fizemos uma pesquisa, os alemães reciclam uma garrafa de plástico. Imaginemos que vamos ao supermercado, pagamos um custo acrescido, cerca de 25 cêntimos, e depois a garrafa é entregue de volta no supermercado. Então, a questão mantém-se: até que ponto isso é viável? Como é que esse processo é feito? Como é que as empresas reaproveitam o plástico?

Mas não era esta a minha questão, suscitei agora esta questão. Eu gostava de falar das start-ups e da situação em Portugal. Porquê? Porque atualmente, em Portugal, a situação de um jovem empreendedor não está fácil. Com vários apoios que existem, o jovem empreendedor cria, testa e falha. Mas, em vez de voltar a tentar, muitas vezes desiste. Ou seja, não passa ao passo seguinte. Fica pela ideia inovadora que teve, pelo protótipo que construiu, e por fim oferece o seu trabalho às grandes empresas e procura um novo emprego, e até o arranja.

A minha questão é: gostava de saber a sua opinião sobre até que ponto acha que este sistema de start-ups em Portugal é sustentável. Obrigada.

 
Filipe de Botton

Muito bem. Muito obrigado por estas últimas perguntas. Se me permitissem eu respondia conjuntamente às perguntas.

Quando se fala de ambiente, quando se fala de vidro, de plástico, e conforme eu respondi à vossa colega anteriormente, é uma resposta que é bastante mais profunda do que aquela que eu poderia dar aqui em cinco minutos. Portanto, nem sequer me atrevo a dar porque acho que ficava maçudo e maçador para todos.

Não é linear, mas posso-vos garantir que não é por acaso que as indústrias de vidro, hoje em dia, a sua grande preocupação – de todas – é investirem em indústria de plástico. Ou seja, sabem perfeitamente que o plástico, em termos de reciclabilidade, em termos de amizade para o ambiente, é claramente o futuro, face ao vidro.

Se vocês hoje olharem, por exemplo, as empresas que mais se preocupam com a reciclagem, com o ambiente, são hoje em dia, dentro da chamada cadeia de valor, a distribuição, as grandes empresas de distribuição. Em Inglaterra, as grandes empresas de distribuição, tudo o que é a chamada marca branca ou marca de distribuição, nas Tesco, Sainsbury, etc. não aceitam vinho, digo bem, vinho, que não seja em garrafa de plástico. Porquê? Porque a garrafa de plástico é bastante mais amiga do ambiente do que a garrafa de vidro.

Hoje 27% das garrafas de vinho que saem da Austrália são em plástico. Portanto, isto vai ser uma tendência. Nós, aqui há trinta anos atrás, não tínhamos garrafas de plástico da água, em cima da mesa, num restaurante; hoje em dia, é comummente utilizado.

Um dos métodos que existe para aumentar a taxa de reciclagem é, sem dúvida, a chamada consignação, que era isso a que você se referia na Alemanha, em que existe a consignação. Eu vou ao supermercado e, em vez de pagar um euro, pago um euro e cinco ou um euro e dez, e quando eu devolvo a garrafa devolvem-se os cinco cêntimos ou os dez cêntimos.

Posso-lhe dizer que nós propusemos ao anterior governo a legislação toda pronta para introduzir a consignação em Portugal. Acabou por não ser introduzida. Nós achamos claramente que é uma forma fácil de educar o consumidor, de nos educar a todos nós. Achamos que é uma forma de criar uma segunda cadeia de valor.

Posso-lhe dizer que existiam antigamente os catadores, os catadores de papel. Você tinha, há muitos anos atrás, camionetas que circulavam pelas cidades à procura das caixas de cartão para depois entregar nas empresas de papel para reciclagem. Isso foi uma indústria que acabou porque eles proibiram que isso pudesse ser feito.

Posso dizer, por exemplo, que você vai ao Brasil, à praia, e não encontra uma lata de alumínio na praia. Porquê? Porque toda a gente cata as latas de alumínio, porque elas têm valor, para entregar. Você tem 100% de reciclagem do alumínio no Brasil. Porquê? Porque há um valor para isso. É preciso criar um valor. Nós achamos claramente que a consignação é uma forma de criar valor sobre esse tema.

Sobre o ambiente e sobre a consignação nós achamos claramente que é o que deve ser feito. Não estou preocupado quanto ao futuro, muito honestamente, não me preocupa, como empresa de plásticos, não estou minimamente preocupado sobre o futuro, porque eu acho que há formas, e essas sim, deveriam ser reguladas pelo governo ou pelos governos, que poderiam ajudar a que isso fosse feito de forma diferente e que nos ajudasse a todos.

Sobre o empreendedorismo, é claramente a saída. Ou seja, muito mais do que ver pessoas… mais que não seja, devo respeitar tudo. Eu respeito qualquer pessoa que trabalhe numa empresa ou que queira ir trabalhar para uma empresa, e tenho o maior respeito também por uma pessoa que queira lançar o seu próprio projeto. Ambos são válidos e ambos têm exatamente o mesmo valor.

É uma forma fácil ou é claramente o caminho que deve ser seguido por quem queira se diferenciar e quem queira, potencialmente, ter um rendimento superior no futuro, quem enveredar pelo empreendedorismo, em vez de enveredar por estar dentro de uma empresa.

Pelas razões que eu vos explicava há pouco, quando eu vos dizia tudo o que tem a ver com a utilização… com o 4.0, com a internet das coisas, com a inteligência artificial. Dentro das empresas vai ser cada vez mais difícil nós conseguirmos produzir e sair um pouco daquilo que se chama a geração dos mil euros, e conseguir com isso ir ganhando e enriquecendo, ou seja, tendo uma forma de viver em que se possa ganhar mais dinheiro, que é aquilo que eu desejo a toda a gente, como é óbvio.

E através do empreendedorismo, através de fazer coisas diferentes. E há tudo para ser feito em Portugal. Acho que, se há algo por onde se pode começar, é de facto empreender. E é extraordinário o que se possa fazer em Portugal. Acho que não há nada que não se possa fazer, do ponto de vista do empreendedorismo. Acho que é começar.

Quando fala das start-up e do falhar, and so what ? Eu acho é que nós, em Portugal, estigmatizamos o falhar. Quando o falhar tem de ser aquela atitude americana de fail but fail fast. E nós achamos que falhamos, levamos um carimbo que somos um falhado. Acho que não, não é assim. Há aquela velha frase de que um bom cavaleiro tem que cair sete vezes do cavalo. Acho que quem quer empreender tem que cair para voltar a levantar-se e fazer melhor. Não existe ninguém – haverá exceções, mais uma vez –, mas ninguém acerta à primeira.

Portanto, há que continuar. Acho que Portugal tem instrumentos, falava-se há pouco de apoios, existem apoios. Se uma pessoa tem uma boa ideia, consegue implementá-la, consegue vendê-la, ela vai ser comprada, ela vai ser financeiramente apoiada. Acho que qualquer pessoa que pensa que faz um projeto e que, através de subsídios, esse projeto vai vencer, acho que está completamente enganada. Acho que um projeto deve valer por si e não pelos subsídios. Os subsídios devem ser um lucro adicional que, se vier, fantástico, se não veio, encantado.

Agora, quem acha que "não, não, eu tenho que ter apoios, tenho que ter apoios de Bruxelas, para conseguir vencer e para conseguir fazer a minha empresa”, acho que a pessoa já morreu e ainda não foi notificada. Basicamente é isso.

Portanto, acho que a pessoa tem de ter a atitude de que vou fazer uma coisa por mim, e não vou fazer nada porque vou receber uma benesse de A, B, C. Isso não existe. Nós temos que perder essa mentalidade de função pública francesa, em que 70% de quem sai das universidades em França que ir para a função pública, que é um emprego para a vida. Isso já não existe, não existe em lado nenhum. Não podem existir em Portugal e muito menos podem existir no meio de todos nós e no meio de todos vocês, que são claramente pessoas que querem ser diferentes dos outros.

Eu acho que há aqui iniciativas de que nós não falámos, acabamos por não falar, mas que é uma forma de fazer política, é uma atitude cívica e que tem o mesmo valor que tem a política. É tudo o que tem a ver com organizar, através da sociedade civil, ter iniciativas que possam ser à margem do que são as iniciativas políticas.

Pode ser desde uma associação de estudantes, pode ser desde iniciativas de ONGs, em Portugal ou fora de Portugal. Eu tenho o maior respeito por quem tem ONGs fora de Portugal, mas eu acho que em Portugal há tanta coisa a fazer, também, que também às vezes podemos olhar para ONGs em Portugal.

Acho que se Portugal não teve os problemas, tensões ou demasiadas tensões sociais, nos últimos cinco, seis, sete anos, tem muito a ver com a capacidade brutal, que existe em Portugal, de solidariedade. Nós, portugueses, somos muito solidários, as empresas são solidárias, as pessoas são solidárias, a família é solidária, e foi aquilo que permitiu que, de facto, isto fosse passando de uma forma mais ou menos incólume ao longo de Portugal.

E depois, finalmente, há bocadinho falávamos sobre a possibilidade de aproveitar, o juntar os portugueses e o pôr em contacto os portugueses que estão fora de Portugal com os portugueses que estão dentro de Portugal, e vice-versa. E podemos utilizar no bom sentido da diáspora.

Mas tem que ser uma utilização pela positiva. Ou seja, não pode ser uma utilização como ela tem vindo a ser feita até agora. Que é, nós queremos que a diáspora ajude mas não queremos dar nada à diáspora. Nós entendemos que temos que começar por dar.

A maioria dos países, maiores ou menores, como Portugal, tiveram uma capacidade de organizar a sua diáspora de forma extraordinária. Uma pessoa pensa na Irlanda, uma pessoa pensa na Índia, uma pessoa pensa em Israel. Desde países grandes, uma pessoa pensa na China, de países grandes a países pequenos, todos conseguiram organizar e conseguiram acarinhar a sua diáspora. Nós não podemos é ter a atitude de querermos que as pessoas nos ajudem, sem nós darmos nada em troca. E isso é que tem de mudar na nossa forma de pensar. Temos que começar por dar para depois receber.

Portanto, temos de começar por ir ao encontro das pessoas e é isso que faz a diferença.

Eu queria aqui, mais uma vez, agradecer à organização destas jornadas, desta Universidade. Eu acho que são iniciativas como esta que fazem a diferença e quero dar os parabéns ao PSD, quero dar os parabéns ao Deputado Carlos Coelho, que é quem personifica, neste caso concreto, esta iniciativa que é fantástica, de pôr jovens a pensar de forma diferente.

Parabéns a todos, parabéns Carlos, por tudo.

[Aplausos]

E agora há bar aberto pago pelo Deputado Carlos Coelho, lá em baixo.

[Risos e Aplausos]