Minhas senhoras e meus senhores, vamos dar início ao
nosso jantar, como de costume com um momento cultural, protagonizado pelos grupos
Encarnado e Castanho.
O Grupo Encarnado vai, através da Joana Grangeia,
dedicar-nos "Cântico Negro” de José Régio. Referente ao último tema da ordem de
trabalhos de hoje, "Ser social-democrata hoje”, a equipa Encarnada traz um
poema que, mais do que um poema, lembra o ato de falar, lembra a voz. A voz de
afirmação que o social-democrata de hoje deve demonstrar perante o mundo. Essa
voz deve ser guiada – para além dos valores do partido – pelo inconformismo,
autonomia e pautada pela valorização da individualidade.
A individualidade de cada um de nós que levará a política
e o PSD rumo a possíveis novas ambições e caminhos ainda não desbravados.
Depois, o Grupo Castanho, através da Maria Pereira de
Melo, vem-nos apresentar um poema chamado "O Tempo”. Este poema foi escolhido
pelo Grupo Castanho e debruça-se sobre o jovem inserido em algo que o
ultrapassa, seja o tempo, seja o ideal, podendo ser alvo de inúmeras
interpretações.
É da autoria de Maria Pereira de Melo, que o vai
declamar, e foi escrito especialmente para esta ocasião.
Vamos, portanto, ficar com os contributos das equipas
Encarnada e Castanha.
Joana Bigares Grangeia
"Vem
por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me
os braços, e seguros
De
que seria bom que eu os ouvisse
Quando
me dizem: "vem por aqui!"
Eu
olho-os com olhos lassos,
(Há,
nos olhos meus, ironias e cansaços)
E
cruzo os braços,
E
nunca vou por ali...
A
minha glória é esta:
Criar
desumanidade!
Não
acompanhar ninguém.
-
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com
que rasguei o ventre à minha mãe
Não,
não vou por aí! Só vou por onde
Me
levam meus próprios passos...
Se
ao que busco saber nenhum de vós responde
Por
que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro
escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar
aos ventos,
Como
farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A
ir por aí...
Se
vim ao mundo, foi
Só
para desflorar florestas virgens,
E
desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O
mais que faço não vale nada.
Como,
pois sereis vós
Que
me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para
eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre,
nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E
vós amais o que é fácil!
Eu
amo o Longe e a Miragem,
Amo
os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide!
Tendes estradas,
Tendes
jardins, tendes canteiros,
Tendes
pátria, tendes tetos,
E
tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu
tenho a minha Loucura!
Levanto-a,
como um facho, a arder na noite escura,
E
sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus
e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos
tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas
eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci
do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah,
que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém
me peça definições!
Ninguém
me diga: "vem por aqui"!
A
minha vida é um vendaval que se soltou.
É
uma onda que se alevantou.
É
um átomo a mais que se animou...
Não
sei por onde vou,
Não
sei para onde vou
-
Sei que não vou por aí!
[Aplausos]
Maria Pereira de Melo
O
tempo – quem sou eu?
Queria
abdicar de tudo pela inconsciência emotiva que alberga esses cadáveres.
Mas
não o consigo fazer e o tempo passa – tique-taque.
Testemunha
de uma fé herdada: imparcialidade?
Estou
eternamente condenada ao condicionalismo extremo ciclicamente à volta da
fogueira.
Quem
sou eu?
As
massas cobriram-me e cobrem tudo e não deixam nada.
As
teorias de Leibniz só sustentam a virtualidade assustadora da existência
efémera – tique-taque.
Cérebro,
mundo, deus, o condicionado e o que se condiciona – não, não quero isso.
Mas
tu? Tu não tens querer.
Quem
sou eu?
O
platonismo em que me apoio nega a manipulação, porque eu, eu amo o belo.
A
dor da perceção da indiferença das pessoas gera em mim tremores, tremores
irónicos.
Ser
é realmente para as pessoas ser percebido.
Não,
não concordo. O que já é sabido para mim, já é.
Inevitavelmente
já não precisa de ser.
O
meu idealismo rasga os conceitos da consciência humana.
Somos
tão pequenos…
O
meu trabalho intelectual observa o julgamento da pseudomoralidade que invade o
dia e desvanece na noite.
Mas
correndo francamente o risco de ser redundante, quem sou eu?
Sou
uma jovem, um jovem, uma costureira, um gestor, uma qualquer coisa que nem eu
sei bem o quê.
Embalada
pelo sonho da transparência, do novo, da eficácia, da política nobre.
E
na convalescença constante de inspirações poéticas que sustentam o meu viver
político, morro na areia.
Mas
o partido fica, porque esse tem de ficar.
E
a obra é feita e nós… nós somos trespassados pelo tempo.
Tique-taque,
o que sobra?
Escravatura
mental arrastada pela rua, és meu, Portugal, ou sou eu que sou tua?
Massacres
mundiais pousam na alvorada, assustam-me os finais a que damos entrada.
Tinteiro
apaixonado que albergas o futuro, não te esqueças do passado e do quanto foi
duro.
E
entre a música de taberna que ilumina o coração, dança a ignorância eterna que
salva a nossa nação.
Minha
perceção tão profana que mete tanta pena, mandem descer o pano e acabar com
esta cena.
E
tique-taque, tique-taque passas tempo por mim, e comes e comes.
E
ele come tudo… e não deixa nada.
Riam-se,
é uma felicidade terrorista a vossa que passa – tique-taque, morre neste
jantar.
Mas
o partido fica porque esse tem de ficar.
[Aplausos]
Gonçalo Sousa Correia
Exmo. Senhor Diretor, Deputado Carlos Coelho, Exmo.
Senhor Dr. Luís Marques Mendes, Senhoras e Senhores.
Numa noite em que recebemos como convidado especial o Dr.
Marques Mendes, é com enorme orgulho e honra pessoal que tomo a voz da equipa
cinzenta. O Dr. Luís Marques Mendes é um bom exemplo do que é ser um bom
social-democrata.
Somos aproximadamente cem jovens social-democratas nesta
sala e todo, quiçá, com ambições políticas. Na época em que o Sr. Dr. iniciou a
militância na JSD, muito provavelmente, aliás, não haveria mesmo, esta
iniciativa criada por uma outra enorme figura, o nosso Diretor, o Sr. Deputado
Carlos Coelho. Mas, se houvesse, estou certo que teria sido um aluno brilhante.
Aliás, a sua inesgotável carreira, tanto política como profissional, faz prova
disso, não é verdade?
O Sr. Dr. Marques Mendes assumiu vários papéis
governativos, em Secretarias de Estado, em Ministérios, foi Ministro-adjunto e
Ministro dos Assuntos Parlamentares, e alcançou também lugar cimeiro no nosso
partido, a presidência.
Julgo que, humildemente, elenquei algumas razões que nos
fazem agradecer ao Dr. Marques Mendes o privilégio da sua presença neste nosso
jantar e, como tal, em forma de homenagem ao nosso convidado com tão nobre
caráter, proponho um brinde e que o façamos agora.
[Aplausos]
Dep.Carlos Coelho
Senhor Dr. Marques Mendes, Sr. Presidente da JSD, Sr.
Deputado Cristóvão Crespo, Sr. Dr. Nuno Matias, Senhor Vice-presidente da
Câmara Municipal, Senhor Presidente da Assembleia Municipal, Senhores
Conselheiros, minhas senhoras e meus senhores,
Como o Gonçalo recordou, o Dr. Marques Mendes foi líder
do PSD e, enquanto foi líder do PSD, não apenas deu todo o apoio à Universidade
de Verão, como sob a sua orientação se criaram mais duas iniciativas de
formação. Foi a liderança do Dr. Marques Mendes que fez criar a Universidade da
Europa, de que já fizemos nove edições, e a Universidade do Poder Local, de que
fizemos duas, uma em Paredes e outra na Curia.
E depois de ter sido líder do partido, o Dr. Marques
Mendes várias vezes colaborou com a Universidade de Verão. Sempre que lhe pedi,
aceitou generosamente ser uma das personalidades que respondiam à distância.
Ele e o Dr. Durão Barroso foram as personalidades que, com mais frequência, nos
responderam à distância ao longo das diversas edições.
Por sugestão do deputado Duarte Marques, tínhamos
previsto uma surpresa para esta Universidade de Verão. A ideia é termos sempre
alguma coisa de diferente e ele tinha sugerido na organização que fizéssemos
almoços-surpresa, isto é, que convidássemos personalidades para aparecerem de
surpresa no almoço e interagirem com os jovens da Universidade de Verão.
E tínhamos pensado em dois nomes, um não foi possível
porque não estava em Portugal, e, quando estávamos a sondar o nome do Dr.
Marques Mendes para ser um almoço-surpresa, aconteceu a impossibilidade da
Joana, da maestrina, de estar aqui e, portanto, transformamos o almoço-surpresa
no jantar inesperado.
Agradeço muito a disponibilidade do Dr. Marques Mendes. O
nosso convidado tem como hobby ler e praticar desporto; diz que ambos
contribuem para uma mente sã em corpo são. Tem como comida preferida o cozido à
portuguesa, no quadro de muitas outras que aprecia. O animal preferido é o
cavalo; diz que não tem nenhum, mas ambicionava ter. Não é exatamente o tipo de
animal que se tenha facilmente em casa.
O livro que sugere é "D. Carlos” da autoria de Rui Ramos;
diz que, lendo, percebe-se bem que os defeitos da sociedade portuguesa são hoje
muito semelhantes aos de há um século atrás. E o filme que sugere, entre muitos
outros, "A Lista de Schindler”; é pesado, cruel mas sempre importante.
E a qualidade que mais aprecia é a lealdade, um bem cada
vez mais raro e precioso.
Dr. Marques Mendes, agradecendo uma vez mais a sua
disponibilidade para estar connosco, gostaria de recordar a pergunta que a
Diana Camões, do Grupo Roxo, fez hoje à tarde ao Prof. Dr. Miguel Poiares
Maduro. Dizia-lhe ela, como podemos nós, jovens, pedir que acreditemos na
política e nos políticos, quando assistimos a tantos exemplos que não
credibilizam nem uma coisa nem outra.
Ainda o ano passado tivemos ocasião, nesta Universidade
de Verão, de definir como trabalho de grupo a análise do estudo que o
Presidente da República de então, o Prof. Cavaco Silva, tinha encomendado à
Universidade Católica Portuguesa sobre a participação política e cívica dos
jovens. E, nesse estudo, bem como na perceção que é evidente a todos nós, e que
estava patente na pergunta que a Diana fez hoje, há a ideia de que há uma
erosão muito grande da perceção do valor da política e da credibilidade dos
políticos, não penas entre os jovens, mas entre a população em geral.
E essa é uma questão muito relevante porque pode acabar
por erodir a perceção da valia da própria democracia entre nós.
Portanto, Dr. Marques Mendes, eu tenho o privilégio de
lhe fazer a primeira pergunta e é exatamente esta mesmo: como é que considera,
como é que analisa, como é que vê esta erosão da credibilidade da política e
dos políticos e o que é que se pode fazer para impedir que a democracia seja
prejudicada com esse fenómeno.
Minhas senhoras e meus senhores, no segundo jantar da
Universidade de Verão de 2016, para responder à minha pergunta e às vossas
perguntas, o comentador político mais respeitado em Portugal, o antigo líder do
PSD, Dr. Luís Marques Mendes.
[Aplausos]
Luís Marques Mendes
Meu caro Carlos Coelho, ilustre… não, magnífico, diz-se
Magnífico Reitor, na minha universidade era Magnífico Reitor da Universidade,
meu caro Simão, Presidente da JSD, cara Margarida, caro Nuno, ilustres
autarcas, deputados, Presidente da Distrital, caríssimos jovens que participam
nesta Universidade de Verão, eu quero dizer que estou aqui com muito gosto.
Primeiro quero saudar o nosso Reitor, o nosso Magnífico
Reitor, a quem vocês chamavam, há bocadinho, Diretor. Eu acho que com estes
anos todos ele já merece esta ascensão – Reitor. A última vez que eu cá vim,
ele estava de gravata rosa. Houve uma evolução, como vêm. [Risos] Estamos bem!
Mas, sobretudo, eu queria saudar o Carlos Coelho pelo
seguinte: eu considero – já disse isto várias vezes – que esta Universidade é
das coisas mais extraordinárias que se têm feito em Portugal no domínio da
formação política – não é no PSD, é em Portugal. E isto só é possível, na minha
opinião, por causa do Carlos Coelho. E não é ponta de exagero.
Porque ter boas ideias – e esta é uma ótima ideia –,
felizmente, há muita gente em Portugal. Agora, ter boas ideias e capacidade de,
todos os anos, as pôr em prática com o profissionalismo com que ele o faz, isso
há muito, muito pouca gente.
O Carlos Coelho é, portanto, o corpo, a alma… eu ia dizer
o espírito santo, mas não está muito na moda.
[Risos]
...É tudo aquilo que verdadeiramente marca esta
universidade. E, por isso, acho que os jovens desta edição, das anteriores e do
futuro, devem sempre, sempre, sempre esta homenagem ao Carlos Coelho, e eu
agradeço-lhe do fundo do coração.
[Aplausos]
Meus amigos, até vos digo mais: o esforço é tão grande,
tão grande de há anos a esta parte que vejam bem o estado de calvície a que ele
chegou.
[Risos]
Em segundo lugar, eu queria agradecer muito ao Gonçalo
Correia as palavras simpáticas e amigas que me dirigiu. Exageradas, meu querido
amigo. Eu venho à universidade, mas não sou professor, nem dou notas, portanto
esteja à vontade… [Risos] Mas quero-lhe agradecer a sua simpatia, as palavras
amigas, um pouco exageradas, mas fico-lhe muito grato e muito sensibilizado.
Queria agradecer sobretudo esta oportunidade e, portanto,
saudar todos os jovens – as jovens e as jovens – que participam nesta
Universidade. E sobretudo para vos dizer o seguinte: eu desde que, há vários
anos, abandonei a vida política, não tenho participado, participo mesmo muito
pouco, em ações de caráter partidário. Lá acontece uma vez ou outra, numa
campanha eleitoral, sobretudo autárquica, por causa dos amigos.
Mas nunca digo não a participar – quando sou convidado,
evidentemente – numa iniciativa de formação política. A última, de resto, foi
ali em junho, Margarida, em Leiria. E divertidíssimo, aquilo foi rir do
princípio ao fim. E nunca digo não por uma razão, e quero aqui dizer-vos o
seguinte.
Eu sou um privilegiado. O Gonçalo dizia que não havia
esta Universidade, nem havia o Carlos Coelho, ainda andava em calções, quando
eu comecei a fazer política – isso é verdade. Mas eu fui um privilegiado. Nos
tempos em que eu comecei a fazer política no PSD, eu pude frequentar,
felizmente, vários cursos de formação política, em Portugal e fora de Portugal.
Eu tive essa oportunidade, eu beneficiei imenso com isso.
E hoje, sempre que posso, com o meu contributo modesto,
mas o meu contributo sincero, eu gosto de ajudar outros que participam em ações
de formação a poderem ter, de alguma forma, as mesmas oportunidades que eu
tive. É a forma de retribuir o muito que fizeram por mim e o muito que me
ajudaram nesses anos de 70 e 80.
E sobretudo… porque fazer um comício, eu percebo, é
empolgante, é emocionante, também já fiz muitos, é investir na vitória.
Participar num curso como este, é investir num futuro de qualidade. Se nós
pudermos ter vitórias com qualidade, então isso ajuda muito à credibilidade da
vida política, que é o assunto que vamos tratar hoje.
E antes de entrar no tema, só duas ou três prevenções. Eu
não vou falar dos casos do dia-a-dia. Eu optei, quando o Carlos Coelho me fez
este desafio, por pensar antes nalgumas causas - não casos, mas causas - que no
dia-a-dia não são tratados nem discutidos, mas que deviam ser.
E sobretudo para vos falar de esperança e com esperança.
Falar do problema que o Carlos Coelho aqui introduziu: o problema de
credibilidade na política, o problema de credibilidade nos políticos, o
problema de credibilidade nos partidos. Mas falar disso numa perspetiva de
esperança, de alguém que acredita que, com soluções e com pedagogia, é possível
dar a volta à situação.
Portanto, nós podemos olhar para este tema com
preocupação, por um lado, mas com esperança, por outro lado. Hoje, de facto, -
e o diagnóstico é relativamente simples, esse é o mais simples de todos – hoje,
como já de há uns anos a esta parte, há um problema sério das pessoas, em
Portugal, terem uma grande descrença e uma grande desconfiança da política.
Terem uma grande descrença e uma grande desconfiança relativamente aos
políticos, aos partidos.
E isso não se vê apenas nos atos eleitorais, com as
abstenções, isso vê-se no dia-a-dia, nos comentários, nas opiniões, às vezes na
revolta e até na indignação. E isto é um problema sério, é um défice muito
sério. Porque isto é começar pelo princípio. Todos nós diremos: queremos ter
uma ótima governação, queremos ter uma governação que ajude a dar confiança às
pessoas, que melhore o emprego, que melhore o poder de compra, que nos dê uma
educação melhor, uma saúde melhor. Mas a primeira coisa essencial é ter na
política, enquanto deputados, autarcas e, sobretudo, governantes, os melhores.
E hoje há um problema sério – os melhores afastam-se da
política. O problema, do meu ponto de vista, é especialmente preocupante no
domínio dos jovens, e vocês sabem isso tão bem ou melhor do que eu. Eu acho que
hoje temos a geração mais qualificada de sempre. Bons engenheiros, advogados,
médicos, informáticos, cientistas… Mas, de um modo geral, felizmente com
algumas boas exceções, a maior parte destes jovens abominam a ideia de uma
carreira política – não querem!
Muitos de vós que, provavelmente, vão fazer participação
e intervenção política, são uma exceção. Ainda bem, mas deviam ser muitos mais.
Portanto, isto é preocupante, porque a política, que é a arte mais nobre que
uma pessoa pode exercer, se não tem a participação de jovens, perde energia,
perde utopia, perde sonho, perde imaginação, perde energia. Acomoda-se, é uma
coisa de passado. Isso não é bom.
E por isso é que este é um problema sério. Os jovens
afastam-se, em grande medida, porquê? Porque a forma como as coisas se passam, (é
certo que muitas vezes injusta, mas é a ideia que passa), é que a política é
uma coisa apenas de alguns. Que a política é um exercício de oportunismo, de
carreirismo, de cartão partidário, e não de mérito.
E há que combater esta ideia. E, sobretudo, porquê?
Porque isto tem depois outros riscos. Quais são os riscos? Uma vida política
que não é credível é o caminho para nós podermos ter indiferença. E é mau. Nós
temos que rasgar a indiferença.
E, sobretudo, o risco maior quando as pessoas se afastam
da política, dos políticos, dos partidos, das instituições, é o risco dos
populismos, dos extremismos, dos radicalismos. Ainda não temos muito disso em
Portugal, comparado com outros países da Europa e do mundo. Mas há um ditado
popular que explica tudo: antes prevenir do que remediar. Usar a sorte dá
jeito, abusar é capaz de ser demais.
Dir-me-ão alguns: mas isto não é um fenómeno novo. Não, é
verdade, têm toda a razão. Mas é um fenómeno que todos os anos tem vindo, de
alguma forma, a agravar-se. Em que, de eleição para eleição, se nota um
agravamento.
E, sobretudo, atenção a isto. A situação é mais séria,
mais delicada depois destes últimos anos de crise económica, financeira e
social em Portugal. As pessoas estão mais sensíveis, as pessoas estão mais
exigentes e as pessoas toleram menos os maus exemplos. E, portanto, o problema,
hoje, é mais sério do que era ontem.
Dir-me-ão, também: não é um fenómeno exclusivamente
português. Têm toda a razão, não, não é. Felizmente que não é; não somos uma
ilha. Isto sucede também na Europa e fora dela. Mas atenção, outro ditado
popular: o mal dos outros não resolve os nossos problemas. Não estejamos à
espera que os outros venham resolver aquilo que, de alguma forma, está na nossa
mão ajudar a resolver.
E é por isso que eu vos falo deste assunto com
preocupação, mas com esperança. Com a esperança de quê? De que há propostas. Eu
tenho umas, outros terão outras, que, se forem refletidas, discutidas, debatias
e depois levadas por diante, podem ajudar a alterar este estado de coisas.
E hoje quero partilhar convosco – porque não é de aula
que eu quero falar, é de partilha de ideias convosco – cinco propostas.
A primeira é a seguinte: nós, no domínio das regras,
temos que mudar as coisas no sentido de fazer um recrutamento dos políticos,
dos responsáveis políticos, designadamente a nível de deputados, ou de
governantes, que tenha uma preocupação reforçada, que é a preocupação do
mérito, da competência e da qualidade.
Nós temos que, no fundo, fazer os possíveis e os
impossíveis para escolher os melhores. Sendo que tudo isto é relativo, mas
temos que fazer os possíveis e impossíveis para alterar o estado de coisas. E a
primeira coisa essencial neste domínio é que nós precisamos de fazer um combate
sério e construtivo para mudar as regras eleitorais que temos e que, de alguma
forma, contribuem para que nós, hoje, não escolhamos os melhores.
E não há nada como dar exemplos - dou-vos um exemplo.
Acompanhem-me neste exemplo, por favor.
Pensem em eleições autárquicas e a seguir em eleições em
eleições legislativas. Pensem em eleições autárquicas, como vamos ter no
próximo ano. O que é que acontece, normalmente, em eleições autárquicas? Os
partidos são normalmente muito criteriosos e exigentes na escolha dos seus
candidatos, sobretudo a presidentes de câmaras. Tentam escolher o melhor, o
mais prestigiado, o mais conhecido, o mais competente, aquele que tem, do ponto
de vista local, melhor nome.
E fazem isso porquê? Porque sabem que, numa eleição autárquica,
conta mais a pessoa do que o partido. Sabem que, numa eleição autárquica, ser
candidato, apenas por ser candidato, confiando no voto partidário, não chega.
Ou seja, as pessoas, numa eleição autárquica, os cidadãos votam muito mais em
pessoas do que em partidos.
Por isso é que, de resto, nós vemos concelhos em que, de
um modo geral, o PSD ganha eleições nacionais e depois perde autárquicas. Ou o
contrário: um concelho onde o PS é normalmente, sociologicamente, o partido que
domina aquele concelho e depois o PSD ganha as autárquicas. É o fator pessoal.
E vamos ser francos: é bom que haja este critério de exigência, de escolher os
melhores. É bom! Porque significa que se está a apostar no mérito, na
competência e na qualidade.
E é bom também este modelo porque as pessoas votam numa
pessoa – sabem quem é o presidente. Portanto, ele sente-se motivado a trabalhar
para elas. E, no final, as pessoas sabem a quem pedir responsabilidades, a quem
pedir contas. Isto é bom. É, por um lado, a personalização da vida política;
vida política com rosto. É bom! É a motivação. É bom! É a responsabilização.
Ótimo!
Muito bem, passemos agora ao exemplo de eleições
legislativas. Como os círculos eleitorais são enormes - 20 deputados, 30
deputados, 40 deputados numa lista - o que é que acontece? A maior parte das
pessoas, numa eleição legislativa, nem conhece a maior parte dos deputados, 90%
dos candidatos que estão em equação.
Ou seja, numa eleição legislativa vota-se em partidos,
não tanto em pessoas. O que significa, depois disto: os mesmos partidos que têm
muito cuidado e um grau de exigência elevado na escolha dos candidatos
autarcas, já não têm o mesmo cuidado nem o mesmo grau de exigência em eleições
nacionais.
Ou seja, naquele caldeirão das listas entra tudo. Entram
candidatos que são bons, mas entram candidatos que já não são tão bons. Entram
candidatos de muita qualidade, mas também já entra muita gente medíocre. Entra
tudo no caldeirão. Porquê? Como se vota em partidos, aí estão, vamos satisfazer
ali alguns apetites, e resolvemos tudo.
Ou seja, quando o grau de exigência devia ser ainda
maior, porque estamos numa eleição nacional, eleição de um órgão de soberania,
o grau de exigência, em vez de ser maior, é menor. O cuidado na escolha na
escolha, em vez de ser grande, é pequeno. Isto descredibiliza. Depois o
deputado não se sente verdadeiramente motivado. Ele não sente motivação para
trabalhar pelo eleitor, porque ele é escolhido pelo partido, e não tanto pelo
eleitor que quase nem o conhece.
Ou seja, ele sente-se muito mais tentado a ir à reunião
na sede do partido do que ir ao seu círculo eleitoral. Isto é mau! Ele não
sente, ao mesmo tempo, responsabilização. Quantos deputados fazem excelente
trabalho no parlamento, mas o líder não gosta, correu com eles.
Ou seja, não há responsabilização. Ele não se sente
verdadeiramente responsabilizado, a não ser pela lógica da fidelidade
partidária, não tanto pela lógica do serviço à população. Não há, portanto, a
preocupação da qualidade, do mérito, da competência e do prestígio, como há numa
eleição autárquica.
E a minha proposta é esta. E não há nada como exemplos
para se perceber. Eu acho que nós podíamos e devíamos ter um modelo eleitoral,
como têm vários países por essa Europa e mundo fora, com os chamados círculos
uninominais (um circulo, um deputado), compensados por um círculo nacional
depois para garantir a proporcionalidade, em que, no fundo, no fundo, em
linguagem simples, a eleição do deputado fosse semelhante - evidentemente
semelhante – à eleição do presidente da câmara.
Ou seja, as pessoas saberem em quem estão a votar, as
pessoas saberem quem estão a escolher, as pessoas saberem a quem pedem contas,
e ao mesmo tempo ele sentir-se com a motivação e com a responsabilidade: se não
presta um bom serviço junto do eleitor é corrido na próxima eleição.
Isto é o primado do mérito, da personalização e da
responsabilização política. Agora dir-me-ão: mas se isto é assim tão bom,
porque é que até hoje não se fez isto? Apesar de imensos políticos,
antigamente, sobretudo antigamente, falavam muito disto?
Vou também ser muito direto. Isto só não se faz por duas
razões. Até há dezanove anos atrás porque a Constituição não permitia. Mas
desde 1997 a Constituição permite; desde há dezanove anos. Foi mudada para
permitir isto.
E porquê? Por duas razões. Por um lado, porque a
generalidade dos partidos não quer isto. Porque alguns chefes partidários,
sobretudo locais, não são tanto os nacionais, perdem poder com isto. Perdem
poder!
Quer dizer, hoje em dia escolhem como querem. Se,
evidentemente, tiverem o grau de exigência de uma eleição autárquica, têm que
escolher, mesmo, aquele que é capaz, aquele que é conhecido, aquele que é
prestigiado, aquele que é competente, porque senão perdem a eleição. De resto,
vejam bem que, numa eleição autárquica, os partidos que normalmente não gostam
de recorrer a cidadãos independentes, muitas vezes em eleições autárquicas
fazem-nos. Porquê? Se eu não tenho um militante com estes ingredientes cá dentro,
vou buscar um independente lá fora, porque o meu objetivo é ganhar e, portanto,
eu tenho que ter o melhor.
Ou seja, os partidos não querem muito mudar isto. Adoram
falar disso no discurso, mas não gostam muito de mudar porque alguns chefes
partidários – insisto, sobretudo locais – perdem poder com isto. Os pequenos
poderes.
E depois, sejamos francos (sei que é um bocadinho cruel
dizê-lo): alguns – sublinho-o sempre, alguns (eu nunca gosto de generalizar
porque é muito injusto) – alguns deputados também olham para este modelo e
dizem: se o modelo for aquele dos círculos uninominais eu não volto a ser
deputado. E, portanto, como são os atuais deputados que têm de mudar a lei para
futuros deputados… não o dizem, mas pensam.
Só que, caros amigos, esta é a forma pequena de fazer
política. Eu costumo dizer em brincadeira que, para pequeno, já chego eu.
[Aplausos]
Para pequeno já chego eu… sendo pequeno, tento pensar em
grande, ou pelo menos um bocadinho maior do que sou. Alguns chefes partidários
que pensam desta maneira, sobretudo no plano mais local e regional, não pensam
que esta é, de facto, uma forma um bocadinho mesquinha de ver as coisas.
Porquê? Porque, desta maneira, a política continua sempre a descredibilizar-se.
Porque desta maneira, manter tudo como está, os partidos têm hoje menos
influência, amanhã têm menos influência. Lá existem, mas têm menos influência.
O que significa o quê? Com menos influência, aquele poder
de colocar uma pessoa ou outra é um poder cada vez menos importante e cada vez
mais residual. Ou seja, é importante fazer esta mexida para os próprios
partidos ganharem outra força e outra credibilidade. Isto não é uma reforma
contra os partidos. Isto é uma reforma pela credibilidade em geral dos
partidos, dos políticos, dos responsáveis políticos e das instituições.
E agora, última nota de esperança. Dir-me-ão: mas então,
há dezanove anos que a Constituição permite isso e não se faz. É verdade, é um
exercício de hipocrisia. PS e PSD entenderam-se, em 97, e fizeram esta mexida
da Constituição. Era o nosso querido Presidente da República líder do PSD e eu,
modestamente, líder parlamentar, que fizemos esta reforma. É um bocadinho
difícil de compreender que os mesmos partidos que se entenderam para fazer esta
mexida na Constituição, não se entendem para depois fazer uma lei com meia
dúzia de artigos para traduzir isto.
Agora, a minha esperança é a seguinte: há uns anos atrás
aconteceu uma polémica do mesmo género no financiamento dos partidos. Era a
chamada pouca vergonha, quando o financiamento era totalmente privado. Durante
anos, muitos, entre os quais me incluo, andaram a defender o financiamento
essencialmente público. Também lhe chamaram os nomes todos, mas essa reforma,
finalmente, ao fim de muitos anos, fez-se.
Ou seja, foi preciso insistir, persistir, sensibilizar,
fazer pedagogia, e a reforma fez-se. E hoje o sistema é muito mais
transparente. É por isso que eu tenho esperança que também esta… desde que haja
conhecimento da situação, desde que haja pedagogia, desde que, sobretudo os
mais jovens, que são mais desempoeirados, e com outra capacidade de pensar em
grande e de agir com ambição, ajudem a que um choque de fora para dentro ajude
os partidos a perceberem que isto é bom para todos.
Segunda proposta: regime remuneratório dos políticos. Vou
tocar num tema politicamente incorreto. Mas estou aqui para vos falar daquilo
que eu penso e vos falar de questões que me parecem sérias. Não é do
trique-trique e da demagogia.
Há um ditado popular – e eu adoro recorrer a ditados
populares – que eu acho que explica bem esta situação. É aquele ditado que diz
"o barato sai caro”. E eu acho que o que está a acontecer nos últimos anos nos
responsáveis políticos é isto mesmo. Ou seja, paga-se pouquinho a um
governante. Como se paga pouquinho, uma parte grande deles, competentes,
prestigiados, credíveis, estão em boas profissões, não aceitam. Como não se
aceita, vamos fazer segundas, terceiras, quartas ou quintas escolhas. Podem ser
jeitosinhos, mas já não são os melhores.
Como não são os melhores decisores políticos, é muito
difícil aceitar, compreender que, com decisores políticos que não sãos os
melhores, tenhamos excelentes decisões políticas. Portanto, com menos bons
protagonistas, as decisões políticas ressentem-se. E no final pagamos uma fatura:
as coisas correm mal por desleixo, por incompetência, por falta de capacidade
e, portanto, o barato no início sai caro no final.
Eu vou dar-vos um exemplo. Eu acho que se tivéssemos
gente competente, à séria, à frente do país em 2011, o país não chegava ao
ponto de pedir um resgate. Não chegava, porque aquilo não era um problema
ideológico, era um problema mesmo de competência e de responsabilidade. E, por
isso, hoje, nós temos esta situação.
Eu até estava a pensar dizer isto, mas é um bocadinho
exagerado. No domingo estará aqui o Dr. Passos Coelho, para encerrar. Perguntar
em público, não, que ele não pode responder a isso. Mas, se em privado,
perguntarem isto, ele é uma pessoa correta e não vai desdizer. Há ministros que
ele teve no governo que foram terceiras, quartas e quintas escolhas. Há
secretários-de-estado que foram mais do que isso, quintas, sextas e sétimas
escolhas.
Não estou a dizer que foi sempre assim por causa das
remunerações, mas em grande medida foi. E António Costa, tanto quanto eu sei,
já teve esse problema. Pelo menos tentou ter um número dois no governo e não
conseguiu. Ou seja, ele tem um número dois, mas tentou uma outra pessoa e não
conseguiu.
E este é um problema sério, não é uma questão de música
celestial, em abstrato, em teoria. Não, é na prática. Eu acho que isto é muito
sério porque, uma vez mais, em vez de termos os melhores, temos os menos bons,
para não dizer que às vezes temos os medíocres, que também há.
E caros amigos, aqui chegados, eu julgo que é preciso ter
a coragem também de alterar este estado de coisas. Mas alterar, evidentemente,
com duas nuances – e aqui também serei politicamente incorreto.
Uma – não é tanto esta parte – com equilíbrio. Nem oito
nem oitenta. Também não é passar de vencimentos como existem para vencimentos
milionários, porque a política não é o sítio para fazer fortuna. Agora, entre o
oito e o oitenta, há o trinta, o quarenta e o cinquenta. Tem que haver
equilíbrio. Melhorar, elevar, mas com algum equilíbrio.
Segundo, esta sim, politicamente incorreta. Do meu ponto
de vista, tem que haver uma separação de regime remuneratório entre governantes
e deputados. Ou seja, esta questão que estou a colocar é sobretudo premente e
urgente em relação aos membros do governo.
Três razões: exercem a função em regime de exclusividade,
ao contrário dos deputados. O regime de responsabilidade é muitíssimo maior e o
escrutínio é muitíssimo mais exigente. Portanto tem que haver um distinguo.
Mas há uma outra razão mais séria do que esta, e quero ir
ao fundo da questão. É que, enquanto o sistema eleitoral não mudar, e for
aquele que eu defini há bocadinho, se aumentarem os vencimentos dos deputados,
não vai com isso aumentar a qualidade da escolha dos deputados. Vai aumentar,
sim, é a competição dentro das sedes partidárias e, em vez de termos dez
interessados no lugar, temos vinte, trinta, quarenta ou cinquenta. E portanto,
é uma perversidade. Sejamos francos, ponhamos o dedo na ferida.
Agora, se um dia o sistema eleitoral mudar,
designadamente na linha do que foi proposto, aí muito bem. Agora, esta questão
é séria. E tenho alguma dificuldade em perceber que o governo e a chamada
geringonça, que atuou agora – e do meu ponto de vista, bem – no sentido de
rever os vencimentos dos gestores da Caixa Geral de Depósitos, no sentido de
terem vencimentos mais elevados para os equiparar ao mercado, mas relativamente
ao nobre da política, onde a responsabilidade ainda é maior, que são os
responsáveis políticos, aí continua tudo na mesma.
Eu tenho muita dificuldade em compreender estes critérios
de lógica e de coerência.
Em terceiro lugar, a minha terceira ideia, tem a ver com
os consensos políticos, com aquilo que eu chamo a contratualização política ou,
se quisermos, colocar o interesse nacional acima da lógica partidária. Em Portugal
perdeu-se um hábito, um bom hábito, nos últimos dez anos, digamos assim, que
era o hábito de os partidos, para além dos seus projetos diferentes, das suas
ideologias diferentes, terem capacidade para dialogar e firmar consensos,
estabelecer pontes, acordarem compromissos, ou seja, terem alguns pactos de
entendimento.
Nos últimos dez anos perdeu-se esse hábito. E eu devo
dizer que isto é das coisas que mais descredibiliza a vida política e
descredibiliza os partidos. E não é só aqui, vejam neste momento o que está a
acontecer em Espanha. É uma vergonha nacional o que acontece em Espanha. Depois
de duas eleições em Espanha, o partido socialista espanhol não percebeu nem o
significado da primeira, nem da segunda eleição e quer rejeitar novamente a
investidura do governo, levando o país para uma terceira eleição no espaço de
um ano.
Isto é exatamente a partidarite aguda, isto é exatamente
o contrário do que a política deve ser. Sobretudo porque da primeira para a
segunda eleição - goste-se ou não se goste – o PP subiu e o Sr. Rajoy subiu.
Portanto, goste-se ou não se goste, os eleitores querem aquele governo. E
aquele outro senhor nem sequer tem uma solução à portuguesa, ou seja, ele não
tem nada na mão. Apenas a sua visão partidária, medo do Podemos que está ali mais à esquerda, e, portanto, aquela
partidarite aguda. Eu espero que os espanhóis, um dia destes, lhe deem a lição
a sério que uma pessoa destas merece. E se fosse da minha área política eu
diria a mesma coisa.
Eu acho que em Portugal, também nestes últimos anos – dez
anos – cometeram-se estes erros: pensar que fazer consensos é um sinal de
fraqueza. Não, é o contrário. Hoje em dia, convergir é um ato de coragem.
Divergir é mais fácil, hoje em dia.
Segundo, criou-se a ideia de que, chegado ao governo, é
mudar tudo aquilo que vinha de trás. Como se todos os governos façam tudo mal
ou tudo bem. Nem oito nem oitenta. E criou-se a ideia de que, justamente por
tudo isto, aquilo que se faz num governo é tudo conjuntural, é tudo precário, é
tudo provisório. Isto são erros de uma infantilidade sem descrição, e as
pessoas sentem, de facto, isto.
Eu julgo que, uma vez mais, nós temos de reclamar – e não
é preciso lei nenhuma. É preciso uma mudança de comportamentos e uma pedagogia
política forte nesse sentido. Nós temos que mudar esta forma de fazer política
e pedir aos responsáveis políticos – e isso já tem, como digo, dez anos – pedir
aos responsáveis que tenham um bocadinho mais de humildade e um bocadinho menos
de ego. Que sejam capazes de fazer pontes porque isso é do mais relevante, do
ponto de vista do interesse nacional.
Agora, dir-se-á: mas vamos agora convergir em tudo? Não,
há tempos de divergência, há tempos de convergência. E, do meu ponto de vista,
há três critérios fundamentais para saber em que áreas é que se deve convergir.
Primeiro, a perenidade do Estado. Há áreas de Estado numa
governação. Mudam os governos, mas as áreas continuam de Estado. Justiça,
segurança, defesa, política externa. Aí deve haver consensos alargados. Ou
seja, as questões de Estado mantêm-se independentemente da mudança de governo.
Segundo, a sustentabilidade financeira. A
sustentabilidade financeira é um critério que se mede numa lógica de médio e de
longo prazo. É o exemplo típico da segurança social. Se eu faço hoje uma
reforma da segurança social, verdadeiramente eu só vou ter resultados daqui a
dez, quinze, vinte ou mais anos. O que significa que passam vários governos; o
que significa que uma reforma dessas tem que ser feita entre quem é governo e
quem aspira a ser governo. Para que haja, de facto, sustentabilidade
financeira.
Terceiro, aquelas áreas que têm grande sentido
estratégico do ponto de vista do futuro do cidadão, em que, em primeiro lugar,
está a educação. Esta ideia de que muda de governo e tudo muda na educação… o
regime de avaliações de exames, os manuais escolares, o regime de colocação de
professores – isto é uma coisa de uma infantilidade sem descrição.
E eu devo dizer isto, caríssimos amigos, com esta
crueldade que vos vou dizer: os últimos entendimentos em Portugal, pactos de
regime, como costuma dizer-se – e não tem ponta de autoelogio, queria só
partilhar convosco – foram há dez anos, e foram celebrados entre o Eng.º José
Sócrates, então primeiro-ministro, e eu, líder da oposição. Três casos: pacto
para a justiça, lei de limitação dos mandatos autárquicos, que há vinte anos
andava a ser discutida em Portugal e que não se conseguia fazer, e uma
alteração constitucional para permitir o referendo europeu. Já quase ninguém se
lembra disto, designadamente a limitação dos mandatos autárquicos que, como
sabem, é sempre polémica dentro do PS e do PSD. Mas foi feita.
E o que eu quero dizer com isto é o seguinte: não é
preciso os líderes gostarem um do outro, porque o Eng.º Sócrates e eu próprio
não eramos suspeitos de ter nenhuma simpatia um pelo outro, e não é hoje, era
já na altura. Vamos ser francos, nem ele me apreciava nem eu a ele. Nem um
bocadinho. Mas acho que percebemos, nalguns momentos, que era preciso fazer
estas convergências porque só os dois terços dos dois partidos permitiam fazer
estas mudanças.
A seguir continuámos a ser oposição. E até, se me
permitem, eu diria aos responsáveis políticos - e isto acontece de há anos a
esta parte – isto dá credibilidade a um político, isto não o menoriza, isto só
o eleva, isto só o valoriza.
Em penúltimo lugar, quarta proposta, no domínio do
clientelismo na função pública. Se há outra matéria que contribui brutalmente
para as pessoas se afastarem dos políticos é esta ideia de que a função pública
é um campo de batalha entre quem está no governo e quem está na oposição. Está
o PSD no governo, coloca lá os seus; está o PS no governo, saem uns e entram
outros. É muito a ideia que existe na opinião pública.
E com algumas mexidazinhas para corrigir aqui e acolá, e uns têm mais pecadilhos do que outros, esta ideia
é muito perigosa. É a ideia de que não se escolhem os melhores, mas escolhem-se
em função do cartão partidário.
E eu, caros amigos, acho que era tempo de os partidos, de
forma adulta, se entenderem, por exemplo, para estabelecerem esta regra muito
simples: distinguir entre os cargos que são de confiança política dos governos
daqueles outros cargos que são de natureza estritamente técnica. Cargos de
confiança política dos governos mudam quando mudam os governos. Há "ene” países
por esse mundo fora em que isto acontece. Cargos de natureza estritamente
técnica são escolhidos por concurso e, quando mudam os governos, não mudam.
Ou seja, uma Administração Regional de Saúde, eu
considero, nesta lógica, que é um cargo de confiança política do governo. Mas
diretor de uma escola ou diretor de um hospital não tem que mudar quando muda
um governo. Isto era muito mais transparente, isto era muito mais saudável. E
acabava esta… especulação permanente.
Finalmente, uma questão que, ainda por cima, tem a ver
com uma matéria que os deputados hoje em dia tratam na Assembleia da República
– a questão ética. Regras éticas, designadamente, incompatibilidades, conflitos
de interesses. Neste momento existe na Assembleia da República um grupo de
trabalho, uma comissão, não sei como se chama (nem o nome é muito relevante
para o caso) que estuda a revisão do regime de incompatibilidades dos
políticos, designadamente dos deputados. Nada a opor da minha parte, acho bem.
Mas chamava a atenção para duas coisas antes que seja
tarde. A primeira é que a tentação, sempre que se fazem leis desta natureza, é
pensar que a lei vai sempre regular tudo. E portanto, mais uma alínea, mais uma
vírgula, um ponto e vírgula, e depois, passado um ano ou dois, vê-se que a lei
não regulou tudo, porque nunca pode regular tudo.
Segundo: é preciso também perceber que a ética vai para
além da lei. A ética não é a lei. Há questões que são legais mas não são necessariamente
moral e eticamente corretas. O que significa que eu julgo que, neste quadro de
alterações que estão a estudar, deviam pensar em criar uma comissão de ética.
Porque a Assembleia da República, não sei se sabem, tem uma comissão que se
chama de ética, hoje em dia, mas que não tem competências no domínio da ética.
É uma comissão que, depois, vai-se ler e é uma comissão de regimentos e
mandatos. E eu estou à vontade porque quando fui líder o partido já propus uma
comissão de ética nestes moldes que vou aqui referir.
Ou seja, uma comissão de ética que, para além das
questões das incompatibilidades, regula a definição de códigos de conduta, faz
pareceres, recomendações e, sobretudo, trata das questões de conflitos de
interesses ou potenciais conflitos de interesses.
E vamos ser francos com um exemplo. Há uns anos atrás
aconteceu um caso semelhante ao que aconteceu com a deputada Maria Luís
Albuquerque há uns meses. Aconteceu com Pina Moura quando saiu de um governo e
entrou para uma empresa de energia, e aconteceu com Jorge Coelho, uns anos mais
tarde. Portanto, já aconteceram situações com várias pessoas. E depois há uns
que acham bem e há outros que acham mal.
Não vou discutir o fundo da questão. O que vou discutir é
sim: para bem do próprio deputado ou deputada, e para bem da credibilidade dos
políticos em geral - porque depois a tendência das pessoas é acharem que são
todos iguais, todos iguais, e portanto paga o justo pelo pecador – para bem e
para defesa do deputado quando acontece uma questão dessa natureza - assume,
por exemplo, um cargo, uma função profissional – para defesa dele e dos
políticos, era muito melhor que, previamente, uma comissão de ética se
pronunciasse, emitisse uma opinião, emitisse um parecer e uma recomendação – e
isso tranquilizava toda a gente, acabava com as suspeições. Acham que isto é
assim tão difícil. Acham que isto não é de elementar bom senso?
Como seria de bom senso que essa comissão não fosse
integrada por deputados, para também não se cair naquela suspeição de dizerem:
eles estão a julgar-se a si próprios. Dir-se-á (alguns, mais conservadores):
mas uma comissão tem que ser com deputados. Eu dou-vos exemplos de vários
parlamentos pela Europa fora em que há comissões desta natureza com uma
composição que eu chamo senatorial, senadores. Por exemplo, ex Presidentes da
Assembleia da República, ex Provedores de Justiça. Ou seja, pessoas acima de
toda a suspeita que, com uma experiência e uma sabedoria especiais, poderiam
ajudar a introduzir elevação, dignidade e bom senso na vida política. É uma
última proposta que aqui deixo.
E quero concluir, para não vos maçar mais, porque já há
bocadinho dizia, ali ao cumprimentar uma das mesas, vocês estão muito felizes
porque já vão ter o jantar, o problema é a seguir ao jantar. E também já dizia
ali a uma criança com quem estava a falar, ali havia computadores, dizia a mãe
que ela gostava muito de me ver, e eu dizia: deve ser por causa daquele momento
em não come a sopa; e a mãe diz: se não comes a sopa ponho-te a ver o Marques
Mendes. [Risos]
Como eu não quero isso, queria terminar com a seguinte
nota. Para além de tudo isto, que são propostas para gerar a esperança numa
mudança que melhore a imagem da política, dos políticos, dos partidos, e com
isso eles passam a ter outra influência na sociedade, eu julgo que muito
importante é, também, uma boa cultura do exemplo. Alguém estava, sobretudo ali
o Gonçalo, a falar disso. E esta não precisa de lei nenhuma, nem precisa de
muitos discursos. O exemplo é das coisas mais importantes para suscitar
credibilidade.
Isto tem muito a ver aqui convosco, esta parte é
diretamente para os meus amigos e as minhas amigas, permitam-me falar desta
forma.
Muitos de vós, provavelmente, vão ter a vossa vida
profissional, e vão ter participação e intervenção política, poder local,
Assembleia da República, governo, sabe-se lá… e eu, pessoalmente, acho isso
excelente. Porque, com muitos defeitos, eu acho que a vida política é algo de
muito desafiante.
Agora, na cultura do exemplo que eu defendo, há dois
ingredientes que para mim são mais importantes do que todos os outros. Um é a
independência e outro é a coragem. Ao longo da minha vida política, que foi
longa, conheci muito boa gente cheia de qualidades, mas com pouca coragem. E
muita gente com imenso talento mas com pouca independência. E vou também
traduzir isto.
Ou seja, na vida política, das coisas mais difíceis é
dizer não. Mas é muito importante saber dizer não.
E este ponto tem a ver convosco, porquê? Recomendo a
todos, sem nenhuma ponta de paternalismo, que os meus amigos que queiram fazer
política – e oxalá que sejam todos – não se esqueçam, primeiro, de terem uma
profissão. Não se esqueçam primeiro de terem um curso, ou sem curso, de terem
uma profissão, terem uma retaguarda. É esse o ingrediente, o pressuposto, o
requisito mais importante para depois, ao fazerem política, seja na Assembleia
da República, no governo, num partido ou numa autarquia, poderem ser
independentes e poderem ter a coragem de dizer não ao chefe, quando se
discorda, quando se tem uma opinião diferente.
Porque a grande questão é assim: não há nada como passar
por elas. Com um primeiro-ministro com quem trabalhei, perante uma asneira que
um dia cometi, cheguei à beira dele e disse-lhe: peço a demissão e saio. Ele,
muito generoso, achou que não era motivo para isso, mas eu tomei a iniciativa.
Tal como em 99, era eu líder parlamentar, e acho que,
modéstia à parte, não tinha feito um mau lugar, os jornalistas parlamentares
até me tinham escolhido para melhor líder parlamentar da legislatura.
Evidentemente que, é preciso dizer, porque tinha o Carlos Coelho ao meu lado
como vice-presidente.
Discordando de algumas opções da liderança de então,
entendi sair. Não aceitei os apelos no sentido de ficar. Mas quero dizer o
seguinte: tenho a certeza absolutíssima de que, eu próprio, se não tivesse a
minha retaguarda profissional – porque fiz a minha vida profissional antes de
entrar na política – porventura não agia com a mesma tranquilidade – isto é
humano. Alguns falam de cátedra e dizem que é sempre fácil. Não, isto é humano.
O que significa que, para uma pessoa ser independente,
poder dizer sim, quando acha sim, não, quando acha não, para ter esta coragem,
esta tranquilidade, para pensar pela sua cabeça, não ser um dependente, tem que
ter a sua vida própria profissional, a sua independência.
E eu acho que isso é a melhor forma de valorizar a ação
política. É a melhor forma de cada um estar de bem consigo próprio. E quando
uma pessoa está de bem consigo próprio, faz bem as coisas na sua vida pessoal,
profissional ou política. Foi por isso que resolvi terminar esta partilha de
ideias com esta sugestão, uma vez mais insisto, sem paternalismo nenhum. Mas
apenas com o conhecimento dos meandros da política.
Insisto: o mais difícil é dizer não a um chefe, porque é
o chefe, é o receio de perder o cargo, o lugar, o emprego, mas no final
perdemos a nossa dignidade e perdemos a nossa própria consciência. Para que
isso não aconteça, temos que prevenir para não ter que remediar.
Muito e muito obrigado.
[Aplausos]
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado, Dr. Marques Mendes. Vamos entrar agora na
fase das perguntas; vamos fazer cinco grupos de duas perguntas, e dou a palavra,
para a primeira ronda, ao Ricardo Calado, do Grupo Encarnado, e ao Gustavo
Pereira, do Grupo Rosa.
Ricardo Calado
Boa noite a todos. Queria agradecer a presença ao nosso
ilustre convidado, Exmo. Dr. Marques Mendes, ao Exmo. Deputado Carlos Coelho
pela organização deste evento que, creio, todos estamos a adorar.
Passando agora à pergunta, vou-me focar num tema que foi
focado no seu discurso, ainda agora, que é a Caixa Geral de Depósitos. Ou seja,
no caso da dívida da Caixa Geral de Depósitos, que o Estado tem agora de pagar
e que influenciará os impostos do povo português, qual será a melhor maneira de
inverter esta situação, tentando minimizar ao máximo os danos que poderá causar
ao povo português.
Obrigado e boa noite a todos.
Gustavo Pereira
Boa noite, Dr. Luís Marques Mendes. Antes de mais,
obrigado pela sua presença e pela partilha de conhecimentos a que acabamos de
assistir.
Eu prometo que não foi combinado, mas a minha pergunta
também vai incidir sobre a Caixa Geral de Depósitos. O Dr. Fernando Medina,
outro governante socialista que ocupa um cargo para o qual não foi eleito - já
se torna hábito, vindo do Partido Socialista, mas infelizmente temos de nos
habituar a isso -, disse que a solução para a Caixa Geral de Depósitos foi uma
vitória para o atual governo e uma derrota para Pedro Passos Coelho e para o
Partido Social Democrata. Eu não sei se o Dr. concorda com o Dr. Fernando
Medina; eu concordo.
Concordo porque o Dr. Pedro Passos Coelho e o governo do
PSD, quando se tratou do caso do BES, ainda que temas diferentes, optaram pela
medida que foi menos gravosa para os portugueses e para o interesse público. Já
este desgoverno vai injetar quase 5 mil milhões de euros na Caixa Geral de
Depósitos - 5 mil milhões de euros. De facto, em números e em milhões, é uma
vitória para o Partido Socialista e para a geringonça do Dr. António Costa.
A minha questão, de facto, é se nos pode explicar – a nós
jovens interessados pela atualidade – se nos pode explicar como é que chegamos
a este valor. A este valor dantesco e que vai certamente prejudicar muito o
interesse público e vai afetar muito a vida dos portugueses.
Deixo ainda outra pergunta: será que se passa alguma
coisa de errado, ou o quê que se passa verdadeiramente de errado com o nosso
sistema bancário? Tem sido um banco atrás do outro: BES, Banif, Caixa Geral de
Depósitos, entre outros, onde foi preciso o Estado injetar dinheiro, e os
portugueses, eu penso, começam a ficar fartos desta situação. Por isso, a minha
pergunta final seria: o quê que se passa e há algo que o poder político pode
fazer para corrigir a situação em que hoje o sistema bancário se encontra?
Muito obrigado.
Luís Marques Mendes
Muito obrigado. Caro Ricardo Calado, muito obrigado; a
sua pergunta é: o que se pode fazer para ir melhorar a situação da Caixa Geral
de Depósitos e, digamos assim, contribuir para ir pagando esta dívida colossal
que existe.
Eu diria três coisas. Primeiro… a ordem aqui não é
importante. Primeiro, convinha investigar e esclarecer, tintim por tintim,
porquê que se chegou até aqui. Já falarei sobre isso mais desenvolvidamente.
Segundo, é preciso reestruturar a sério a Caixa Geral de
Depósitos, quer do ponto de vista de balcões, quer do ponto de vista de
pessoas. Fazer isso com equilíbrio e com paz social, o mais possível, mas não
deixar de fazer. E já é tarde.
Terceiro, em função de tudo isto, é gerir bem, gerir bem
por forma a que a Caixa, em vez de dar prejuízos, como tem dado nestes últimos
cinco anos, passe a dar lucros. Estas três questões, do meu ponto de vista, são
absolutamente essenciais.
E a este respeito - vamos também já diretos à questão que
o Gustavo colocou –, é o seguinte. Primeira questão: relativamente à forma de
esclarecer e investigar como é que se chegou aqui. Eu acho que essa questão é nuclear.
Mas devo já dizer-vos o seguinte: os meus amigos que querem fazer intervenção
política e os políticos que estão sentados aqui ao meu lado, alguns dos quais
deputados, deviam estar muito bem atentos a isto que eu vou dizer e lutarem com
todas as forças contra isto.
Vai haver muito boa gente em Portugal, do PS e do PSD,
interessado em que não se investigue nada e que não se esclareça nada. Porque,
evidentemente, há responsabilidades do chamado bloco central de interesses na
gestão da Caixa, sobretudo dos anos entre 2005 e 2010.
Ou seja, sendo mais simples e mais direto: toda esta
situação tem a ver com prejuízos criados à Caixa, em grande medida porquê? Por
dez, doze, quinze grandes operações de financiamento concedidas sobretudo nesse
período. 2005-2010, sobretudo. Há dez, doze, quinze operações que foram
absolutamente ruinosas. Porventura financiamentos que não deviam ter sido
concedidos; porventura financiamentos que não foram concedidos com garantias
minimamente eficazes; porventura financiamentos concedidos a troco de favores
políticos.
A partir de uma dada altura, entra-se em dificuldade e as
pessoas não pagam. E como não pagam, abre-se um buraco. E como se abre um
buraco, o dono, que é o Estado, tem que meter dinheiro. Tão simples assim.
Agora, tem que se meter este dinheiro; ao menos que se esclareça e se apure
responsabilidades. Eu tenho falado nisso até à exaustão.
E até vos vou dizer o seguinte: no dia 23 de junho – já
passaram dois meses – o governo decidiu em Conselho de Ministros, e anunciou,
uma auditoria para esclarecer isto que eu estou aqui a dizer. O Presidente da
República, no mesmo dia, e muitíssimo bem, veio dizer – até chamou auditoria
forense, e se for forense, ótimo – disse: muito bem! E até acrescentou, se
houver questões judiciais a esclarecer, que sejam esclarecidas.
A deputada Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, veio
dizer: tem que ser feito. Alguém já viu esta auditoria a começar? Ninguém. Já
passaram dois meses e ninguém fala do assunto. Falei eu, por acaso, no domingo
passado. Peço desculpa, não é autoelogio, mas até parece.
Mas esta questão é essencial. Muito boa gente, de dois ou
três partidos, vai querer que tudo seja varrido para debaixo do tapete. E eu
acho que tudo deve ser bem esclarecido e escrutinado. Como no Parlamento, na
Comissão Parlamentar de Inquérito que, muito bem, PSD e CDS criaram, estas
matérias deviam ser tratadas.
Portanto, primeira questão, esclarecer como se chegou
aqui. Até por isto: para não se repetirem no futuro os vícios e os erros do
passado.
Segundo: é preciso reestruturar bem, por forma a que a
Caixa comece a ter lucros. E a esse respeito devo dizer o seguinte: eu acho que
o PSD não é por ser oposição que deve criticar tudo. Há nesta trapalhada que
foi a Caixa Geral de Depósitos – então a nomeação da administração foi a
chamada trapalhada monumental, pior era impossível –, mas no meio disto tudo,
houve uma coisa boa. A administração escolhida a nível de equipa executiva, eu
julgo que é boa, profissional, e é um bom princípio. Pela primeira vez não há
políticos – bom. São profissionais. E acho que o presidente é um bom
profissional.
Caríssimos amigos, não é por ter sido designado por um
governo do PS que devemos criticar. Se a opção é boa, temos de ser assim. A seriedade
é isto mesmo.
Agora, relativamente à questão que o Gustavo coloca, do
Fernando Medina, se acha foi vitória de um e derrota de outro? Olhe, eu como
não estou na vida política, posso falar com esta tranquilidade. Eu acho que
houve uma parte que foi um desastre para o governo e acho que foi uma segunda
parte em que o governo não saiu mal.
A primeira parte, em que foi um desastre para o governo,
foi todo o processo de nomeação. Foi uma trapalhada completa. Incluindo aquela
parte de oito administradores chumbados pelo Banco Central Europeu. Ainda por
cima, chumbados com a humilhação de serem chumbados com base numa lei da
República; como quem diz, o Banco Central Europeu dizer ao governo: então vocês
não conhecem as leis que fazem? Uma coisa do outro mundo… do outro mundo.
Agora, esta parte da recapitalização, eu julgo que este é
um processo com um resultado final positivo. Positivo.
Ninguém tenha dúvidas de que, se o PSD estivesse no
poder, o resultado final seria o mesmo. E sabem porquê? É que este resultado
final de 2,7 mil milhões de dinheiro público, que é o que entra; depois mil
milhões de obrigações privadas; e depois o resto é um bocadinho mais engenharia
contabilística – esta decisão foi de Bruxelas e de Frankfurt, esta decisão não
foi de mais ninguém. De resto, os valores em liquidez de que se falava no
início eram bastante diferentes. Porque, insisto, em valores de liquidez do
público são 2,7. E, portanto, eu acho que a primeira parte foi um desastre, a
segunda parte foi um resultado positivo.
Última nota, meu caro Gonçalo, você tem toda a razão… eu
até iria mais longe do que você. Você diz que os portugueses estão a começar a
ficar fartos do que acontece na banca. Eu acho que os portugueses já se
saturaram disso. Desculpe, eu acho que é muito mais. Eu acho que já ninguém tem
paciência para o BPN, o BPP, mais o BES, mais o Banif, mais não sei quê. Não,
eu acho que é, sem descrição, é das coisas que mais descredibiliza a vida
pública e a vida política.
Dir-me-á: porquê que isto aconteceu? É uma sucessão de
factos. Há uns casos que são casos de polícia, como está à vista. BPN primeiro
e o BES a seguir. Sobretudo esses dois. O BPP também, uma parte – casos de
polícia. Há, no meio de tudo isto, falhas brutais da supervisão. Há casos de
incompetências. Há aqui um conjunto de causas.
Há uma coisa que eu tenho a certeza, e com isto concluo.
Há uma coisa que foi muito, muito positiva: foi que a supervisão dos grandes
bancos tenha passado para o Banco Central Europeu. Eu considero isso muito
positivo. Se isso não tivesse acontecido, esta questão da Caixa Geral de
Depósitos não ia ter este resultado final. Nunca nenhuma autoridade em Portugal
teria coragem de chumbar um daqueles nomes que foi chumbado para a Caixa Geral
de Depósitos. Nunca ninguém teria coragem em Portugal.
E uma entidade exterior que analisa de uma forma muito
objetiva, eu acho que é positivo. Ou seja, em matéria de supervisão, eu acho
que é muito positivo o Banco Central Europeu passar a ter intervenção nesta
matéria. Isto não dispensa a capacidade de, muitas vezes, bater o pé das
autoridades nacionais. Mas é assim… em Portugal, somos um país demasiado
pequeno, em que todos se conhecem e eu julgo que o distanciamento ajuda a decisões
mais justas, mais objetivas e porventura mais transparentes. Obrigado.
Dep.Carlos Coelho
Segunda ronda de perguntas: Vânia Tomás, do Grupo Verde,
e Gonçalo Armindo, do Grupo Cinzento.
Vânia Tomaz
Olá, muito boa noite. A questão do Grupo Verde é a
seguinte: há pouco tempo o Dr. Luís Marques Mendes referiu na SIC que prevê
mudanças de ministros e secretários de estado no governo, após a aprovação do
Orçamento de Estado para 2017. Na sua opinião, acha essas mudanças relevantes
para o atual governo, ou, pelo contrário, vão fragilizá-lo mais, dando razão às
chamadas de atenção da direita e gerando guerrilhas na geringonça?
Gonçalo Armindo
Boa noite a todos. Antes de mais, queria agradecer a
presença do Dr. Marques Mendes aqui na nossa Universidade de Verão 2016. No ano
anterior passámos todos a encarar as legislativas de uma outra maneira.
Assistimos um governo formado por uma espécie de acordo de cavalheiros com três
partidos, bem… com isto não quero chamar cavalheiro à Catarina Martins.
[Risos]
Apesar de tudo, tenho de concordar com o nosso primeiro-ministro
que, um pouco antes de formar governo, disse, e cito: "o Bloco de Esquerda e o
Partido Comunista Português são meros partidos de protesto.” Durante estes oito
meses que decorreram, vislumbramos que a palavra dada nunca foi honrada pelo governo
que, talvez para pagar as suas promessas eleitorais, esqueceu-se por completo
dos números e da estabilidade. Os media alimentaram o ressabiamento da nossa parte relativamente ao panorama que se
vive e esqueceram-se por completo das 222 medidas apresentadas pelo nosso
partido para o Programa de Estabilidade em diversas áreas da intervenção do
Estado. Esta epifania democrática da geringonça transferiu diretamente para a
gaveta todas estas ideias apresentadas pelo PSD, aplicando apenas e só a sua
política do desfazer, reverter e destruir. Gostaria de saber a sua opinião em
relação à atitude do governo e se considera que o PSD deveria capitalizar
melhor esta arrogância governativa a seu favor. Obrigado.
Luís Marques Mendes
Vânia, muito obrigado. Felicidades para a sua criança; já
sei que vamos ter mais um jovem ou uma jovem. Parabéns e felicidades.
Quanto à questão que coloca da remodelação, é assim: eu
não faço a menor ideia se o primeiro-ministro vai fazer uma remodelação, acho
que não fala disso a ninguém. Mas uma pessoa percebendo um bocadinho do
funcionamento da vida política, do funcionamento dos governos, sobretudo quem
andou lá por dentro e sabe um pouco qual é a narrativa nestas ocasiões e a
maneira de pensar… digo aquilo que disse há poucos dias na televisão, eu admito
que haja reajustamentos, uma remodelação, mini-remodelação, como quiser chamar,
no governo, lá para o final do ano, a seguir ao orçamento.
Ou seja, começando pelo princípio. Ao contrário de muito
boa gente, eu acho que o próximo orçamento para 2017 vai ser aprovado. Eu não
prevejo nenhuma dificuldade da chamada geringonça na aprovação do orçamento. É
tudo fita, aquela coisa de que estão divergentes; vocês vão ouvir isso. Vão
ouvir isso todo o mês de setembro – está em dúvida, pode cair, isto… não
sabemos se damos a aprovação. Tudo conversa fiada.
Eu já no outro dia disse que eles lá dentro acertam tudo
ao pormenor, até as divergências. Mas é mesmo assim. Portanto, vai passar.
Depois se é com aumento das pensões ou se é com o fim das rendas na saúde, ou
se é tudo isso e mais algumas coisas – vamos ter orçamento. Quem pensa o
contrário, o melhor é já passar à fase seguinte.
Segundo: terminado o orçamento, eu julgo que, lá para o
final do ano, princípio do próximo, eu admito que haja uma mexida no governo.
Agora, até lá toda a gente vai desmentir. As remodelações são como as
desvalorizações da moeda (quando existiam), negam-se até ao momento em que se
fazem. Portanto, nunca ninguém vai confirmar e toda a gente irá desmentir.
Segundo: acho que há aí vários sinais. O coitado do
Ministro da Economia, que foi o exemplo maior que eu dei, vai pagar as favas. A
política tem uma componente deste género: quando as coisas correm mal, é
preciso encontrar sempre um bode expiatório. E as coisas, neste momento, correm
muito mal no domínio da economia. Perguntar-me-ão: é culpa do Ministro da
Economia? Eu acho que não, eu acho que não… É culpa de várias outras coisas,
mas não é do coitado do Ministro da Economia, apesar de ele ser uma figura, de
facto, apagada. Boa pessoa, mas um ministro apagado.
Agora, o primeiro-ministro já o matou no último
congresso. Foi o primeiro-ministro que o matou, não fui eu, nem… ao dizer que
ele era muito tímido. Muito tímido, na palavra de um primeiro-ministro
relativamente a um ministro, em público, ao mesmo tempo que estava elogiar
aquele que é uma espécie de farol da geringonça, que é o Ministro da Educação,
evidentemente que era matar o Ministro da Economia.
Segundo dado; quando se encontra um bode expiatório,
também a segunda regra é assim: é sempre um independente e não um do partido.
Porque é sempre mais fácil mandar borda fora um independente, que volta lá para
a universidade, do que um homem do partido, porque um homem do partido que sai
do governo fica ali a fazer mau ambiente. Fica ali a fazer um bocado de
contravapor.
Essa é outra coisa que se aprende. Quem sai de um governo
numa remodelação, mesmo que diga que é tudo normal e natural, fica sempre
furioso, furioso, não é menos do que isso. E no PSD do passado há varadíssimos
casos, que dão normalmente cortes de relações. Portanto, António Costa, isso
ele não faz. A substituir é um independente.
Portanto, o Ministro da Economia tem essas
vulnerabilidades. De resto, coitado do ministro… eu digo coitado, até com simpatia,
porque acho que é uma boa pessoa, mas as coisas são como são. Ele, de resto, na
semana seguinte a eu ter dito isto, ele desdobrou-se em entrevistas a explicar,
designadamente, que faz muitos quilómetros pelo país, que o carro dele já tem
100.000 km. Como se a métrica da atividade governativa fosse o número de
quilómetros. Eu acho que, de resto, se fosse por quilómetros, eu já tinha sido
não sei o quê, não é? Às campanhas eleitorais que fiz e às sessões de
esclarecimento e à vitela assada pelo país, e tal... Mas, enfim, coitado, é a
insegurança.
E depois há outros reajustamentos que podem,
eventualmente, ser feitos. Portanto, Vânia, eu não sei, mas vaticino isso e,
portanto, veremos na altura própria se isso sucede ou não sucede. É tão simples
quanto isto.
Agora, se você me pergunta se alguém tem vantagem ou
deixa de ter vantagem, se o PSD, que está na oposição, vai ter vantagem… Eu
acho que essas coisas não se colocam muito nestes termos. Sabe que uma
remodelação é sempre uma arma de dois gumes. De resto, o primeiro-ministro já
foi forçado a fazer duas, já mexeu em dois ministros, por razões diferentes,
forçadas, mas teve que o fazer. Mas, em qualquer circunstância, uma governação
é uma arma de dois gumes. Por um lado, pode ajudar a dar um outro fôlego; por
outro lado, é um sintoma de que há um problema.
Portanto, depende de muitos ingredientes saber se, a
existir, isso vai ter ou não vai ter sucesso. Isso depende.
Tenho para mim, sobretudo, um bocadinho como vi hoje num
editorial num jornal económico, e que achei muito feliz: a geringonça há de
acabar, só não se sabe é quando. Eu achei isto um título muito interessante,
adaptando aquela frase do nosso querido Durão Barroso de há uns anos atrás.
Quanto ao Gonçalo, você fez aí o seu discurso, e muito
bem feito, e pergunta-me: o PSD pode ou não pode capitalizar melhor? É a sua
pergunta. É assim: nós estamos no início de um ciclo; passou apenas um ano. Há
um tempo de adaptação. O PSD estava no governo, passou à oposição – há um tempo
natural que é de adaptação. E não é fácil ganhar umas eleições – porque foram
ganhas - e mesmo assim passar à oposição. A solução é legítima, mas não é de
facto natural. Tudo isto introduz um certo choque e uma certa perturbação e,
por isso, é natural que a oposição leve algum tempo até afinar exatamente o
tom, a forma, a substância, o conteúdo. É sempre normal e natural.
Eu diria, em qualquer circunstância, que, começando agora
a chegar a esta fase, há uma coisa que nós temos de ter sempre em atenção para
o futuro, e que é uma das grandes lições das últimas eleições. Ou duas ou três
lições, se quiserem.
A primeira é que o PSD não volta mais ao poder se não
tiver maioria absoluta. Ou seja, ganhar as eleições, como aconteceu, com 38%,
39% ou 40% não vai chegar. Ganha as eleições, mas corre o risco de continuar na
oposição. O que significa que aquela ideia: nós estamos aqui e vamos ganhar as
eleições… Atenção, nós temos que fazer um pouco mais, porque não chega repetir
o resultado nem chega subir mais um ponto ou dois. É preciso ter maioria
absoluta. Não é preciso sozinho – sozinho ou acompanhado, evidentemente, numa
coligação com o CDS. Mas isto é preciso.
Antigamente, podia-se ter governos minoritários. Eu acho
que isso, no futuro, pelo menos no futuro imediato, acabou.
Segundo; isto caminha, cada vez mais, para que, à
esquerda do PSD, Partido Socialista e Bloco de Esquerda formem um bloco
governativo. Ou seja, o Bloco de Esquerda tenderá a ser, no futuro, uma espécie
de CDS do PS, ou CDS da esquerda, se quisermos. Eles não gostam desta
linguagem, mas é para todos percebermos. Ou seja, um bloco PSD/CDS e um bloco
PS com o Bloco.
E as sondagens, hoje em dia, dizem que estes dois podem,
sozinhos, descartando o PCP, ter maioria absoluta. Falta saber, no futuro, o
que acontecerá.
Em terceiro lugar, em função destes objetivos que são
mais exigentes do que no passado, nós porventura também vamos ter que ser, para
ter sucesso, um pouco mais ousados e ambiciosos do que no passado. Ter
propostas com ousadia, ter propostas com ambição. Ou seja, não chega já repetir
o resultado. Não chega ganhar. É preciso ganhar com uma maioria e, para isso,
provavelmente, não chega que a vida corra mal a quem está no poder, é preciso
que a vida corra mal a "quem está no poder”, chamemos-lhe assim, entre aspas, e
é preciso que do outro lado da alternativa as pessoas achem, sim senhor, estão
aqui uns homens que, pelas suas ideias, pelas suas propostas, pela sua
capacidade mobilizadora, merecem uma maioria absoluta. Este é um ponto
absolutamente nuclear.
Meus queridos amigos, metam, por favor, na vossa cabeça
(e desculpem a forma de o dizer): não chega, no futuro, ter mais votos do que
os outros; isso pode reconduzir à mesma situação. É preciso uma maioria
absoluta. E a maioria absoluta exige um esforço de mobilização bem maior do que
uma vitória relativa.
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado. Terceiro bloco de perguntas. Dou a
palavra à Rania Barbosa do Grupo Bege e ao Tiago Carita do Grupo Roxo.
Rania Tamila Barbosa
Boa noite. Como abordou, anteriormente, o afastamento dos
jovens da política como um acontecimento extremamente preocupante, desta forma,
em nome do Grupo Bege, pergunto-lhe: onde está a falha? Será apenas
desinteresse dos jovens, ou os agentes políticos estão a promover estes
acontecimentos, graças às suas políticas? Obrigada.
Tiago Carita
Boa noite, Dr. Marques Mendes; boa noite a todos os presentes
nesta sala. Permitam-me que comece por citar uma frase do fundador deste
partido, porque é por causa dele que, se calhar, estamos aqui reunidos.
"O nosso Povo tem sempre correspondido nas alturas de
crise. As elites, as chamadas elites, é que quase sempre o traíram, e nós
estamos a ver mais uma vez que o povo português foi defraudado da sua boa-fé.”
Como é que este homem proferiu esta frase há alguns anos
atrás e enquadra-se perfeitamente neste quadro político de agora? O Dr., numa
entrevista à SIC, referiu que o governo, quando precisa de um ajuste
financeiro, pensa logo em aumentar impostos. Eu digo que acho que tem sido uma
política do governo nos últimos anos.
Tendo sido líder deste partido, pergunto-lhe: que
reajustamento acha essencial neste momento para Portugal, para que no futuro
chegue a um bom porto. E o que acha das propostas do Portugal 2020 para poder
resolver este problema. Obrigado.
Luís Marques Mendes
Cara Rania, muito obrigado também pela sua questão que
tem muito a ver, no fundo, com o descontentamento dos jovens. Há muitas razões
que justificam o descontentamento que existe da parte dos jovens, ou de uma
parte significativa dos jovens. Vou apenas aqui elencar algumas.
Evidentemente que algumas já referi. Os jovens são
daqueles, porventura, mais críticos relativamente à forma de funcionamento do
sistema político - já falei disso. Eu acho que os jovens são muito críticos e,
por isso, afastam-se muito da política, dos partidos, das instituições. Acho
que os jovens, sobretudo, perderam muito de esperança nos últimos anos.
O desemprego jovem é muito elevado. As perspetivas de um
jovem sair da escola e ter um emprego… as perspetivas são bastante sombrias. E,
portanto, o problema do emprego é um problema sério. E isto faz com que os
jovens, de um modo geral, ou saem do país, que é o seu espírito aventureiro e a
sua capacidade de dar a volta às situações - porque isso têm -, ou então vão
perdendo um pouco, de facto, a esperança.
Não é por acaso que naquele tema que pediram para
abordar, considero que, das coisas mais preocupantes, são os jovens. Eu faço
hoje muitas palestras desta natureza, sobretudo em escolas, instituições e
universidades e tenho encontrado jovens de grande, grande qualidade. E também
na minha vida profissional encontro.
Mas tenho muita, muita dificuldade em encontrar jovens
com vontade, por exemplo, de participar na vida política. Até, muitas vezes, são
curiosos em querer saber o que se passa, porquê que se passa. Porquê que é
assim, que é assado. Mas têm uma má ideia da política, mas muito má, de um modo
geral. E são jovens, muitas vezes, com altas qualificações.
E depois, evidentemente, que é esta ideia de que o país
não é bem governado, que o país é desgovernado, e que tem muito, muito a ver
com o trauma da situação económica e da situação social. Um bocadinho aquela
ideia: casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.
O que significa, o quê? E de alguma maneira tem a ver… já
respondo à pergunta seguinte do Tiago Carita, tem a ver com os impostos e o que
se pode fazer para, no fundo, alterar este estado de coisas.
Bem, não há soluções nem fáceis, nem milagrosas, meu
querido amigo. Mas eu diria o seguinte: em termos de orientações estratégicas,
as três orientações estratégias que, se eu mandasse – coisa que eu não quero
que suceda, e vocês estão livres disso –, mas as três orientações que eu
prosseguiria eram estas:
Primeiro, credibilizar a vida política – já falei sobre
isso, eu atribuo uma enorme importância a isso. Enorme, enorme importância. E
antes prevenir do que remediar. Quando um dia tivermos - eu espero que não
tenhamos – uma solução à italiana, vamos começar todos a ficar preocupados. Ou
seja, exemplos de populismos, como já temos em Espanha, como já temos na
Itália, como temos na generalidade dos países da Europa, começamos a ficar
preocupados.
E, portanto, acho que a credibilidade na vida política é
essencial e algumas das coisas são de elementar bom senso. E outras são de
necessidade de vontade política. Primeira orientação.
Segunda, no domínio económico. Nós temos que ter um país
com competitividade económica. Dir-se-á: isso é muito difícil. É muito difícil
mas não é impossível. Nós tivemos um período em Portugal, entre 1985 e 2000, um
período de 15 anos, em que Portugal era um país competitivo. Em que Portugal
criava riqueza, gerava emprego, atraía investimento nacional e estrageiro e era
considerado a moda na Europa.
Meus caros amigos, não é do vosso tempo, mas em 1990 veio
a chamada Autoeuropa, aquela grande fábrica que está em Palmela, para Portugal.
Tem hoje um contributo decisivo para as exportações nacionais. Pois bem, sabem
como é que a Autoeuropa veio para Portugal? Houve três países que durante mais
de um ano disputaram aquele investimento – a Hungria, a Áustria e Portugal. Mas
a Autoeuropa decidiu vir para Portugal. E a Áustria não era um país qualquer a
competir connosco. Portugal era um país competitivo; o investimento estrageiro
queria vir para Portugal. E a Autoeuropa não é o único exemplo.
Ou seja, Portugal foi, e não foi há cem anos, um país
competitivo. E do ano 2000 para cá estamos permanentemente em crise. Porque, na
prática, estamos em crise desde o virar do século. E agora perguntar-me-ão: mas
é por causa dos problemas na europa e no mundo? Mas é por causa dos
portugueses, que perderam qualidades? Não. É por causa das políticas que
passaram a ser erradas.
Os portugueses não perderam qualidades. Até são melhores,
porventura, em termos de qualificações, de vontade e de capacidade de risco do
que eram na altura. Os problemas na Europa são grandes, mas não foi por causa
disso que se alterou radicalmente este estado da arte. Foi por causa dos erros
nas políticas e, de um modo geral, por causa do facilitismo. Por causa do
facilitismo. Taxas de juro muito baixas, pronto, podemos gastar à grande e à
francesa. Está tudo a correr bem, a função pública, em vez de ter 500 mil
pessoas, 600 mil pessoas...
E, portanto, cresceram os défices, cresceu a dívida.
Portanto, passamos a viver, sobretudo em termos de Estado, acima das
necessidades. Não é muita gente em concreto. Muitas pessoas em concreto
continuaram a viver abaixo das necessidades. O Estado é que passou a viver acima
das possibilidades.
Portanto, enquanto não se inverter esta situação… esta
situação está a ser invertida, neste momento? Tenho dúvidas. Ou melhor, acho
que não está. Mas, enfim, é a vida. O governo existe, as instituições
funcionam, é a vida.
A prova provada são os dados de hoje do Instituto
Nacional de Estatística relativamente ao crescimento da economia durante o
segundo trimestre. É a maior bofetada política que quem dirige o país pode
apanhar. Porque é a previsão de um crescimento que é metade daquele que o
governo tinha previsto no Orçamento. Já não falo do que tinha prometido antes
das eleições.
O que significa que mandaria o bom senso, primeiro, que
se desse uma explicação sobre aquilo que está a acontecer. E em segundo lugar
que se refletisse um pouco se é possível mudar de política. O problema é que
para mudar de política, porventura tinha que mudar a geringonça, e como não
pode mudar a geringonça, não muda de política. E nesta parte eu já não tenho saída.
A terceira orientação é no domínio social. Portanto,
credibilidade política, competitividade económica e responsabilidade social. E
neste domínio, eu julgo que a tarefa, absolutamente essencial, é um acordo de
regime para uma reforma da segurança social.
É preciso dizer com muita clareza: hoje o problema da
segurança social não é um problema de ideologia, é um problema de demografia.
São coisas completamente diferentes. O Sr. Jerónimo de Sousa, a Sra. Catarina
Martins, toda a gente, à direita e à esquerda, tem que perceber que quando a questão
é demográfica, já não é ideológica, não há uma razão séria e pragmática para
não se sentarem à mesa e entenderem-se. Este é um problema sério. Discute-se
agora no Orçamento, taticamente, se se deve aumentar ou não aumentar as pensões
mais baixas. Toda a gente concordará com isso, da direita à esquerda, quem é
que não tem coração?
O problema sério é que, sem tocar neste assunto, o
problema da segurança social é um problema de rutura ou de queda abrupta das
pensões dentro de dez ou quinze anos. E este é que é um problema sério.
Tenho imensa pena que se desperdicem as oportunidades
todas, porque este é o problema mais sério, embora haja um outro que começa a
ser sério – que é no domínio da saúde.
Devo dizer o seguinte: que como cidadão, como português,
estou muito preocupado e acho que os próximos anos só vão mostrar,
infelizmente, isso, o seguinte: eu sou um grande defensor do Serviço Nacional
de Saúde. Tirando também defender princípios de liberdade de escolha, eu sou
muito defensor do Serviço Nacional de Saúde público. E o Serviço Nacional de
Saúde público, que é uma grande, grande conquista, está, nos últimos anos,
incluindo este ano, a entrar num processo de grande degradação. Ou seja, com as
políticas da troika e com as políticas que continuam nesse momento, mudou o
governo, mas continuam, é exatamente a mesma política nessa área. Ou seja, não
há dinheiro, é que não há dinheiro e a política não muda substancialmente.
E é assim; há anos que não se investe no Serviço Nacional
de Saúde e ele perde qualidade. Investimentos em equipamentos na saúde, são
muito caros, não há dinheiro, não se fazem. Portanto a saúde perde em termos de
qualidade e de competitividade nos seus serviços.
Medicamentos inovadores, são caros, não se entra no
mercado, porque o Estado não tem dinheiro para comparticipar.
Profissionais, como são pagos assim, começam a sair do
público e vão para o privado. Portanto, isto está a degradar o Serviço Nacional
de Saúde. É um setor que me preocupa. Porquê? Porque acho que uma das coisas mais
e mais importantes é termos um Serviço Nacional de Saúde com qualidade, capaz
de servir a generalidade da população. Portanto, esta situação merece, de
facto, atenção.
Numa palavra, seguiria estas três orientações:
credibilidade política, competitividade económica, responsabilidade social, e,
sobretudo, com este tipo de prioridades.
Meu querido amigo, deixei aqui um bocadinho para
satisfazer a sua curiosidade. O resto fica para a conferência do próximo ano,
se for convidado.
Dep.Carlos Coelho
Quarta ronda. Bernardo Barbosa, do Grupo Azul, e o Hugo
Mendes, do Grupo Amarelo.
Bernardo Barbosa
Antes de mais, boa noite. Gostava de começar por
cumprimentar o nosso convidado, o Dr. Luís Marques Mendes, e agradecer pela sua
presença aqui na UV de 2016. Na mais recente entrevista ao Observador,
o Dr. Luís Marques Mendes referiu que, durante todo o seu curso de Direito,
trabalhava e que só ia a Coimbra realizar os exames. Eu gostava de perguntar se
os sacrifícios que teve de realizar para concluir o seu curso lhe trouxeram
alguma mais-valia na sua vida, tanto política, como na vida pessoal e
profissional futura.
E,
fazendo um paralelismo com a realidade atual, acha que é uma vantagem, para um
jovem, trabalhar e estudar ao mesmo tempo, como o Dr. fez no seu tempo?
Obrigado.
Hugo Mendes
Muito boa noite. Queria, primeiro, cumprimentar o Dr.
Marques Mendes, pelas suas honrosas palavras que nos deu hoje. Cumprimentar o Deputado
Carlos Coelho pela organização desta Universidade de Verão. De certeza absoluta
que é uma experiência grandiosa para todos. E cumprimentar todos os restantes.
A minha pergunta recai sobre os fundos comunitários
europeus. Primeiro, porque acho que o Dr. Marques Mendes tem uma visão ampla do
país e pode-me ajudar, a mim e a todos os meus colegas que tenham a mesma
pergunta que eu e a mesma dúvida que eu.
A minha pergunta, como eu referi, é sobre os fundos
comunitários europeus. Eu penso que os fundos europeus são importantes para
Portugal, para o desenvolvimento de Portugal e para a economia, para a criação
do próprio emprego e para a criação de riqueza. Fico muito contente, hoje em
dia, porque os fundos europeus, hoje, estão mais controlados, estão mais fiscalizados
do que há dez anos atrás, em que alguns deles eram investidos em bens
supérfluos, às vezes em investimentos pessoais, e às vezes não eram investidos
na produção.
Vou falar num tema que, para mim, é a agricultura. Eu
nasci no interior e acho que a agricultura, no interior, como outras áreas,
pode ser uma arma de combate à desertificação, pela criação de emprego.
Eu tenho falado com pessoas conhecidas da minha zona,
potenciais candidatos a estes programas, e elas dizem-me que às vezes têm
problemas, e os problemas são pela demora da aprovação do programa, pela demora
da transferência de capital. E depois também me dizem pela falta de terrenos. E
eu olho para o lado e vejo terrenos ao abandono.
Este ano, este trágico verão, todos nós reparamos e
sentimos, uns mais do que outros, pelos incêndios. Queria também perguntar ao
Dr. a sua opinião, se não acha que neste momento temos força política, também,
para fazermos uma reforma na floresta e que os terrenos que estão ao abandono
passem para bancos de terras. Isto pode permitir a criação de investimento e,
sobretudo também, para evitarmos mais problemas como este verão, que foi os
fogos, a limpeza dos terrenos.
Em suma, a minha pergunta
era: como podemos agilizar mais facilmente estes processos de candidaturas a
fundos europeus? E se estamos preparados para fazermos uma grande reforma na
área da floresta e passarmos os terrenos que estão, muitos deles, ao abandono,
que podem estar prontos para serem produzidos, e passarem para bancos de
terras. Muito obrigado.
Luís Marques Mendes
Eu começo já aqui, não levam a mal por fazer esta
inversão, e respondo já aqui ao Hugo Mendes e depois vou ao Bernardo.
Três notas muito breves relativamente ao Portugal 2020 e
aos fundos comunitários. Eu acho, no essencial – eu conheço relativamente bem
aquele programa – e acho que foi um programa bem concebido, bem dirigido, bem
negociado em Bruxelas e que, desde logo, começou por ter, logo no seu início,
taxas de execução muito e muito significativas.
Segundo dado. Relativamente a algumas áreas e alguns
setores - eu não sei se é verdade –, mas, de alguma forma aquilo que se vai
dizendo, um pouco a vox populi , é que
há atrasos em pagamentos, e que não são atrasos necessariamente decorrentes de
burocracia. Serão atrasos, de alguma forma, deliberados ou propositados. Não
sei se é verdade mas alguém devia esclarecer, porque há quem diga que isso tem
um pouco a ver com questões de natureza financeira e orçamental.
Terceiro. A agricultura pode dar um contributo grande
para combater a desertificação? Claro que pode, sem dúvida nenhuma. Não sei se
é um contributo suficiente, mas é um contributo necessário.
Finalmente, relativamente à questão da reforma florestal
e dos incêndios. Eu já desconfio um bocadinho das promessas neste domínio porque
acho que todos os governos, sejamos francos, incluindo vários apoiados pelo PSD
ou da responsabilidade do PSD, prometeram muitas coisas no domínio florestal,
no tempo de fogos, e esqueceram depois, no inverno, quando estas reformas
verdadeiramente se fazem. Portanto, agora diz-se que vai haver um Conselho de
Ministros extraordinário em outubro e, finamente, é que vai ser. Não sei, já
estou um pouco como São Tomé - só vendo!
A única coisa em que acredito verdadeiramente é naquilo
que disse o Presidente da República na semana passada, que disse que vai estar
atento ao que se passar em outubro e ver se, de facto, neste inverno, se trata
dos problemas do verão. Portanto, espero e estou convencido que o Presidente da
República vai ser vigilante, ativo e atento nesse domínio e acredito mais que
essa hipótese vai ter resultados.
Quanto à questão das terras, que não são utilizadas
limito-me, neste momento, a constatar o seguinte. Há três semanas,
sensivelmente, li uma manchete no Expresso a dizer que isso ia acontecer. Na semana seguinte, vi o Ministro da Economia,
no mesmo jornal, a dizer que isso só iria acontecer se os municípios o
desejassem. Portanto, aquilo que parecia uma orientação impositiva passou a ser
uma orientação facultativa, o mesmo é dizer que passamos do oitenta para o oito
no espaço de uma semana, com a vantagem de ter sido, apesar de tudo, no mesmo
jornal.
Isto não me dá garantias de grande segurança e de grande
coerência na matéria. Temos que ver.
Caro Bernardo, o meu amigo leu, nessa entrevista, e é
verdade, que eu fiz o meu curso como estudante e trabalhando. Uma pequena
precisão: trabalhando em cargos políticos, felizmente não era
trabalhador-estudante no sentido tradicional da palavra. Fui adjunto num
Governo Civil e depois fui vice-presidente e vereador a tempo inteiro na Câmara
da minha terra e, durante esses anos, fiz o curso. Tenho que acrescentar, meu
querido amigo: fiz durante esses cinco anos e não chumbei.
Perguntar-me-á se isso é complicado ou não é complicado.
Eu vou dizer o seguinte: não acho nada de transcendente. Acho que não fui
nenhum herói, nem nenhum super-herói, nem sou nenhum tipo superdotado, nem
coisa que se pareça. Devo dizer que tive tempo para tudo. Tive tempo para
estudar, como se viu, que não chumbei. Tive tempo para trabalhar, acho que as
coisas não correram mal. Tive tempo para namorar, e bastante. Tive tempo para
ir às discotecas, porque eu sempre gostei disso, sempre gostei disso. Por exemplo,
se eu dirigisse a Universidade de Verão, às tantas o local seria outro, apesar
de este local ser simpático, não é?
[Risos]
Mas, enfim, só quando vocês remodelarem o diretor, ou o
reitor. Mas não tenho nada contra Castelo de Vide, evidentemente, isto é
simpático.
Quero eu dizer que tive tempo para tudo isso. É tudo uma
questão de organização, de disciplina. E há uma coisa muito mais importante: é
preciso gostar daquilo que se faz. Quando se gosta daquilo que se faz, faz-se
com mais gosto. Cansa à mesma, mas cansa, apesar de tudo, um bocadinho menos.
Agora a sua última questão é: e beneficiou com isso? Isso
sim, acho que beneficiei imenso com isso. Ganhei uma experiência nalgumas áreas
que porventura iria levar muitos anos a ganhar ou que até, eventualmente, nunca
conseguiria ganhar. E depois, sim, e depois disso tudo, então, deixei os cargos
públicos oficiais e dediquei-me à minha atividade profissional, até que um dia,
mais tarde, aconteceu aquilo que já é público e notório.
Numa palavra, não advogo nem deixo de advogar. Cada caso
é um caso e cada um é que sabe. Não vou dar lições de moral sobre se é melhor
ir por este caminho ou se é melhor ir por aquele. Lições de moral, não. Nunca
gostei que me dessem a mim indicações do que eu devia fazer e, portanto, também
não vou dar a ninguém. Cada situação é um caso diferente. O importante é que
uma pessoa faça as coisas com convicção, com coragem, com vontade e com gosto.
Com gosto! Ou seja, ter autoestima, ter alegria, boa disposição.
Deixai-me dizer o seguinte: eu sou um otimista, não
daqueles irritantes. Um otimista! E acho mesmo que, mesmo nos momentos
difíceis, mesmo nas situações complicadas, eu acho que vale a pena ter um
espírito de autoestima alto. É preciso ter uma capacidade de otimismo, de
entusiamo, boa disposição, eu acho que é assim, sinceramente, eu acho que é
assim.
Por exemplo, eu acho que o nosso Presidente da República,
com a sua forma – independentemente, agora, das decisões –, a sua forma de
agir, eu acho que tem uma importância enorme para a sociedade portuguesa, não é
politicamente importante para este ou para aquele, é para a sociedade
portuguesa. Aquela lógica do afeto, da simpatia, a política precisa muito disto
também, e sobretudo depois dos últimos anos. Isso é importante, também ajuda –
não é preciso nenhum decreto, não é preciso nenhuma lei – mas ajuda a elevar a
autoestima.
Nós costumamos dizer, em tudo na vida, aqueles tipos lá
fora é que são bons. Porque nós temos sempre uma certa tendência para achar que
aquilo que fazemos cá dentro é péssimo. Aquilo que os outros fazem lá fora é
ótimo. Olhamos aqui para os vizinhos espanhóis e dizemos: fantástico! Eu acho
que a única coisa que os nossos queridos espanhóis têm melhor do que nós é o
ego. Ego!
Eles têm um ego do outro mundo, do tamanho do mundo. O
nosso, coitadinho, anda assim cá em baixo. Também não é preciso termos um ego
tão grande como o deles. Mas aqui no meio-termo, entre a sorte grande e a
terminação, eu acho que as coisas andariam melhor.
E portanto, neste quadro, respondendo à sua questão, que
agradeço imensíssimo, é assim: cada um faz como entende mais adequado, cada um
segue a vocação, o caminho que considera mais adequado. Deve fazer as coisas é
com empenho, com vontade, com convicção e, sobretudo, com gosto. Com gosto!
Eu gosto hoje em dia daquilo que estou a fazer, como
gostei, no passado, daquilo que fiz. E saí dos cargos bem comigo e bem com toda
a gente. Bem com toda a gente. Sem amargura, sem angústia, bem com a vida, e
por isso é que estou bem. E a minha presença aqui, hoje, é apenas um sinal da
simpatia que tenho convosco, não é nenhum sinal de qualquer outra natureza.
Obrigado.
Dep.Carlos Coelho
Dr. Marques Mendes, nós temos uma tradição na
Universidade de Verão que é dar, por razões de cortesia, a última palavra ao
nosso convidado. Portanto, eu não tenho outra oportunidade para usar este
microfone, senão esta, para lhe agradecer, uma vez mais, todas as respostas que
já nos deu e as respostas que ainda vai dar ao último ciclo de perguntas.
E já que fez uma referência ao ego, agora nesta resposta,
gostaria de partilhar consigo a única, ou das poucas anedotas portuguesas que
nós conseguimos dizer a todos os nossos companheiros no Parlamento Europeu, nas
diversas línguas, que todos compreendem e que é uma definição. É a definição
exatamente de ego. Pergunta-se a qualquer deputado, de qualquer nacionalidade,
o que é o ego, e a resposta é: o pequeno espanhol que vive dentro de nós.
[Risos]
E para a última ronda, dou a palavra, do Grupo Laranja,
agradecendo o simpático convívio durante este jantar, ao Rodrigo Passos, e
depois ao Grupo Castanho, à Nicole Lourenço.
Rodrigo Passos
Desde já boa noite. Agradecer a presença do Luís Marques
Mendes; é uma honra tê-lo aqui, é com o todo o gosto que o recebemos, e passo a
citar uma citação sua com semanas. "Há uma coisa que o PSD aprecia,
independentemente de outras características, gente corajosa, gente que corta a
direito, gente que fala com convicção”. E isso foi algo que foi feito hoje, e o
Dr. Luís Marques Mendes falou da importância da credibilidade e da verdade na
vida política.
E aqui vou de encontro à minha pergunta: como é que
lidou, em 2005, salvo erro, com o afastamento de Isaltino Morais e de Valentim
Loureiro, acho que foi das listas às autárquicas? Foi uma decisão difícil de
tomar ou tomou-a sem dificuldades, sem medo do que poderia acontecer a seguir a
isso? Obrigado.
Nicolle Lourenço
Boa noite a todos. Caro Dr. Luís Marques Mendes, tendo em
conta a afirmação do nosso caro Diretor da Universidade de Verão, que afirmou
como tendo sido o comentador político mais mediático da atualidade, e tendo em
conta que o Presidente da República atual também o foi, considera – permita-me
que que lhe pergunte – equaciona candidatar-se às presidenciais, ainda que seja
daqui a dez anos? Obrigada.
[Risos e aplausos]
Luís Marques Mendes
Eu acho que a Nicole era ótima para… assim comentadora,
agitadora… Nicole, posso começar pelo Rodrigo?
Rodrigo, a sua pergunta é fácil de responder. Eu admito…
isto já foi há dezasseis anos. Esta questão já dirá pouco a alguns. Só
recordando a situação, nas autárquicas de 2005, era eu líder do PSD, de facto,
o partido, através de decisões minhas afastou alguns autarcas. São conhecidos,
não foi apenas o que referiu, foi esse e mais um ou dois, por entender que não
eram a escolha política adequada na altura.
Deu muita polémica, deu muita controvérsia. Dentro do
partido, fora do partido. Era uma situação inédita, nunca tinha acontecido, e
as situações inéditas têm essa questão.
Você pergunta: foi difícil? Eu vou-lhe responder de forma
completamente franca, sincera e direta. Não, não foi nada difícil.
Primeiro, porque quando estava em campanha eleitoral para
a liderança do partido já tinha isso na cabeça. Há várias pessoas que o sabem,
a começar pelo atual líder que era, à época, meu vice-presidente.
Segundo, porque é um pensamento político que eu já tinha
expressado em vários momentos na vida do partido. Eu entendo que a escolha de
candidatos, designadamente nas autárquicas, mas não apenas aí, é um exercício
muito importante. E acho que, entre os critérios que devem ser levados em
atenção, como há bocado referi, a competência, a qualidade, o prestígio e tudo isso,
está, também, a credibilidade; não é por acaso que eu falei muitas vezes dessa
palavra, e associada a essa a dimensão ética.
E eu considerei na altura, e continuo a considerar hoje,
que pessoas que têm casos, digamos, sérios em termos de investigação no quadro
da justiça, não devem ser candidatos. E se estão nos lugares, devem sair dos
lugares. Eu tive, tenho e continuarei a ter o mesmo ponto de vista.
Evidentemente que, se uma pessoa tem um caso na justiça por uma questão de
liberdade de imprensa, não é questão que se coloca. Mas se uma pessoa está a
ser investigada – mesmo que depois até seja absolvida – está a ser investigada,
por exemplo, ou por corrupção, ou por branqueamento de capitais, ou por fraude
fiscal, por crimes especialmente graves, independentemente do desfecho final,
que esse compete à justiça, mas acho que não devem ser candidatos. E se
estiverem nos lugares, devem sair. E explico porquê. Por uma razão que todas as
pessoas entendem.
Uma pessoa que está em funções, por exemplo, num cargo de
presidente de câmara, de deputado, ou de governante, mas que está a ser
investigado por crimes especialmente graves como estes, essa pessoa está
diminuída na sua autoridade para o exercício da função. É ou não é verdade? Está
diminuída. Os poderes são os mesmos, mas a pessoa está diminuída, está sob
suspeita, o que significa que não tem a mesma autoridade para agir, nem sobre
os seus subordinados, nem relativamente aos cidadãos cá fora. Eu acho que isto
é óbvio. Só não percebe isso quem está nos lugares. Porque quem está fora
percebe isto, que é óbvio. É um problema de autoridade. Não é apenas um
problema de imagem associada, mas é sobretudo um problema de autoridade.
E portanto, foi com base nessas razões, que continuo hoje
a sustentar, que considero que esses autarcas teriam que ser afastados. Não tem
nada de pessoal. Insisto: não tem nada de pessoal. Eu acho uma coisa horrorosa,
uma pessoa tomar decisões por razões pessoais, não gosto deste ou daquele, isso
é uma mesquinhez. Não, é uma questão política.
Terceiro lugar. Constatei, agora que você recordou, que,
à época, ninguém dentro do partido fez uma declaração pública a defender os
meus pontos de vista. Mas constatei também que não houve quase opinion maker em Portugal, nos jornais,
nas rádios e nas televisões, que não tivesse apoiado as minhas decisões. O que
dá bem a ideia, muitas vezes, do desfasamento que há entre a vida partidária e
a vida da sociedade. E dá para refletir. E dá para refletir…
Posto isto, só dar-lhe o resultado final. O resultado final
de tudo isso foi que este vosso querido amigo liderou um partido que, apesar de
ter tido estas situações, e portanto ter perdido algumas dessas câmaras, o que
era quase inevitável, fazendo isto (eram autarcas marcantes, em princípio iria
perder). Mas isso deve ter tido um efeito noutros lados, de tal forma, que o
PSD teve a segunda maior vitória autárquica de sempre. Apenas ficando a uma
câmara – uma apenas - da maior de sempre. E estava o Eng.º Sócrates em alta,
porque tinha acabado de chegar ao governo há seis meses. O que significa que os
cidadãos não terão achado mal.
E a leitura que tiro disto é o seguinte: na vida
política, às vezes, é preciso perder uma eleição para afirmar uma linha
política. Ganhar por ganhar, de qualquer forma, não é o melhor critério nem a
melhor solução. É importante saber ganhar e, às vezes, antes perder com
dignidade do que ganhar sem glória. É aquilo que eu penso.
[Aplausos]
A outra nota que eu digo com este sorriso, é que não há
bela sem senão. A bela sem senão é que, pouco tempo depois, fui corrido da
liderança. Pronto, mas é a vida. Tudo na vida tem um preço. Tudo na vida tem um
preço. Maior, menor, um preço que a gente gosta mais, porque é simpático, outro
que a gente gosta menos, porque é elevado. Evidentemente que, dentro do
partido, tudo isto tem as suas coisas. E portanto, deixou mazelas, deixou
mossas, e tudo isso… e teve este resultado final.
Você pergunta aqui baixinho: se voltasse atrás fazia o
mesmo? Rigorosamente, sem tirar nem pôr. De resto, noutras situações que
surgiram no entretanto, tenho advogado o mesmo ponto de vista, embora, muitas
vezes, sem um grande sucesso. Porque é mais fácil dizer que se faz do que
fazer. No meu caso, comecei por fazer antes de estabelecer a doutrina.
Mas deixem-me dizer o seguinte: é por tudo isso que
abordei o que abordei, há bocado, no tema inicial. E achei graça que, onze anos
depois, você, que é um jovem, ainda se tenha lembrado dessa situação. Eu
considero que é um bom caminho, é um bom caminho esse, desde que as questões não
tenham nenhuma marca pessoal, mas só uma marca política.
E termino com a… o que é que a Nicole perguntou?
[Risos]
Nicole, já respondi há bocado. Agradeço imenso a sua atenção
e a sua simpatia, mas eu já respondi, no fundo, no bloco anterior à sua questão.
Eu estou muitíssimo bem com a vida, não tenho nenhum propósito nem nenhuma
intenção, mesmo, de qualquer regresso à vida política, e a circunstância de ser
comentador e de um comentador poder ser isto, aquilo ou aqueloutro, devo
dizer-lhe o seguinte: acho que a história não se repete e vai ver que a
história não se vai repetir.