ACTAS  
 
30/08/2016
O papel do Estado: amigo do crescimento ou cúmplice da crise?
 
Dep.Carlos Coelho

Muito bom dia. Antes de mais, parabéns, começamos da melhor forma a Universidade de Verão 2016. Estão todos cá a horas, felicito-vos por terem correspondido ao apelo que vos fiz ontem na sessão de abertura de que 10.0 são 10.0 e não dez ponto outra coisa qualquer.

Há um currículo obrigatório na Universidade de Verão, há cinco temas que se repetem sempre, um deles é uma aula sobre economia e finanças. Temos o prazer de ter entre nós a Prof.ª Maria Luís Albuquerque, já é a terceira vez que está na Universidade de Verão; a primeira para dar uma aula sobre Europa, segunda para dar uma aula de economia e finanças e a terceira é hoje. Atribuímos à aula de hoje o tema "O papel do Estado: deve ser amigo do crescimento ou está resignado a ser cúmplice da crise?”

A Prof.ª Maria Luís Albuquerque é por demais conhecida. É Mestrada, foi professora universitária e foi Ministra de Estado e das Finanças. Atualmente é deputada à Assembleia da República e Vice-presidente do Partido Social Democrata.

A nossa convidada tem como hobby a leitura. Como comida preferida o bife na pedra – esperemos que coma a parte de cima e não a parte de baixo [risos]. O animal preferido é o gato; o livro que nos sugere "Viva o Povo Brasileiro” de João Ubaldo Ribeiro; o filme que sugere "Extremamente Alto, Incrivelmente Perto”, e a qualidade que mais aprecia é a coragem, e ela é sem dúvida uma mulher corajosa.

Para iniciarmos com o pé direito a Universidade de Verão 2016, agradeço a presença e dou a palavra à Prof.ª Maria Luís Albuquerque.

 
Maria Luís Albuquerque

Muito obrigada, Carlos. Muito bom dia a todos; é um prazer estar aqui de volta. Começarmos esta aula a horas é, de facto, simpático. Ver que estão todos aqui prontos para termos esta conversa. Mais do que uma aula como habitualmente vocês têm na Universidade, eu farei, como habitualmente, uma intervenção inicial, que espero que não seja demasiado longa, que é para ver se consigo manter a vossa atenção. E depois deixarei tempo para termos um diálogo, para colocarem as vossas questões, para eventualmente me falarem de temas que querem que eu foque nesta intervenção.

Como disse o Carlos Coelho, a questão da economia e finanças é incontornável numa análise que se faça sempre na Universidade de Verão do PSD, é uma matéria sempre importante. E, não necessariamente pelas melhores razões, é uma matéria que no nosso país tem de estar sempre no topo da agenda. Quer a parte da economia, quer aquela que está muito intimamente relacionada, como causa e como consequência, e que tem a ver com as Finanças Públicas, nomeadamente o défice e a dívida pública.

O tema escolhido para esta aula de hoje, do papel do Estado, se é amigo do crescimento ou cúmplice da crise, é uma questão muito importante e muito oportuna nos tempos que nós vivemos. De facto, o papel do Estado é fundamental e pode assumir os dois papéis – pode ser amigo do crescimento, promover o crescimento ou pode ser cúmplice da crise ao atuar de forma a agravar os problemas que a economia tem, a potenciar os riscos externos que eventualmente nos ameassem, e é de facto fundamental fazer a discussão desta questão.

E a questão do papel do Estado é, até do ponto de vista ideológico, aquela que mais separa ou que mais pode separar partidos que se apresentam às eleições e, também desse ponto de vista, do ponto de vista ideológico, do ponto de vista daquilo que cada partido defende, é importante percebermos qual é o papel do Estado. Se o Estado deve ser dominador da economia, se o Estado deve ser o detentor da atividade produtiva ou se o Estado deve desempenhar funções que lhe estão naturalmente confiadas, mas estimular também e promover a iniciativa privada.

E essa é uma diferença fundamental que separa o PSD dos partidos da maioria que hoje estão no Governo. O PSD sempre foi um partido amigo da iniciativa privada, sempre foi um partido que governou e apresentou propostas para estimular a atividade privada, porque acreditamos que são os agentes privados, agindo num mercado regulado, com o Estado que cria as condições adequadas, que têm melhores condições para criar riqueza e para criar as condições para que o Estado depois possa desempenhar a sua função. E esta diferença não é de todo irrelevante quando olhamos para a situação do nosso país.

Os diagnósticos estão feitos há muito tempo e, portanto, aquilo que são as debilidades estruturais de Portugal são já bem conhecidas. Nós temos, do ponto de vista das Finanças Públicas, um problema longo, já com muitos anos de défices recorrentes (e eu estou sempre a recordar este ponto porque me parece que ele não está suficientemente interiorizado). O País vive com o objetivo de ter um défice abaixo de 3%, que é obviamente importante, na medida em que isso tem a ver com as regras do Tratado Orçamental, as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, e da nossa pertença à Moeda Única, mas esquecemo-nos, aparentemente, que 3% é o máximo que se deve atingir, mas não é o objetivo – o objetivo tem de ser não ter défice. E quando um país tem o nível de dívida pública que Portugal tem, o objetivo só pode ser de ter excedente orçamental, que é para conseguirmos reduzir a dívida pública em valor absoluto e não apenas em percentagem do PIB, que obviamente é fundamental, porque o peso da dívida é tão mais relevante quanto mais representa naquilo que é a riqueza que o país produz em cada ano. Mas o nosso objetivo tem de ser, tendencialmente, um orçamento equilibrado, mas durante o tempo mais longo que for possível ter um orçamento excedentário para podemos reduzir o valor da dívida pública.

E, portanto, ficar abaixo de 3% é um objetivo de passagem, digamos, no caminho daquele que deve ser o nosso verdadeiro objetivo de médio prazo. Mas como, até desde que estamos em democracias, desde que aderimos às então Comunidades Europeias, e desde que aderimos ao Euro, esse é um objetivo que não tem sido alcançado, a verdade é que tendemos a esquecer-nos de que temos de ir mais longe, temos de ser mais ambiciosos, temos de querer mais em termos de controlo das nossas Finanças Públicas. E aqui o papel do Estado é obviamente determinante, porque são as decisões do Estado, as decisões do Governo, que têm uma enorme influência sobre a evolução das Finanças Públicas. E isso manifesta-se de muitas formas. Manifesta-se, desde logo, nas escolhas que o Governo, o Estado – enfim, vou falar aqui de forma um pouco indiferenciada, embora, obviamente, os conceitos não sejam coincidentes -, faz opções relativamente à despesa. O Governo decide o que é que vai gastar, quanto vai gastar, como vai gastar. E essa é a primeira e fundamental decisão.

É também importante perceber que há um conjunto de compromissos assumidos que limitam a liberdade de escolha de cada Governo quanto a essa despesa. Há encargos com salários, há encargos com pensões, há contratos que foram celebrados e que implicam despesa para o Estado no futuro, e a margem que fica para uma decisão discricionária acaba por ser, numa situação como a nossa, menor do que seria desejável.

Temos também uma outra componente muito pesada, que é a componente do serviço da dívida pública, dos juros da dívida pública e que, resultando de compromissos assumidos no passado, não pode também deixar de ser um compromisso a honrar.

Mas é com este conjunto de despesas – algumas mais rígidas do que outras –, é neste conjunto de despesas, que se centra o início da decisão de um governo e os sinais que depois isso vai transmitir e os impactos que vai ter para a economia. Porque a política fiscal, a decisão sobre os impostos que são cobrados, é uma decisão que resulta da despesa que se quer fazer. Ou seja, nós quando decidimos, quando o Estado, quando o Governo decide gastar dinheiro, está a tomar uma decisão para cobrar impostos. Sejam impostos presentes, sejam impostos futuros, porque aquilo que é o défice, a diferença entre receitas e despesas – que, no nosso caso, é sempre negativa, mais despesa do que receita – dá origem a dívida, a dívida dá origem a despesa futura, logo dá origem a impostos futuros.

E, portanto, é importante percebermos que no papel do Estado está este elemento essencial das decisões sobre a despesa. Aquilo que decorre, em termos de cobrança de impostos, é uma consequência. E, portanto, quando nós dizemos – nós, portugueses, ou quaisquer outros cidadãos dizem - que querem pagar menos impostos, a pergunta que se tem de fazer é, em primeira linha, então quais são as despesas que nós vamos deixar de fazer para poder pagar menos impostos. E depois ver quais são as consequências que isso tem sobre a economia e, naturalmente, sobre o bem-estar dos cidadãos e a capacidade do Estado de assegurar a provisão de serviços essenciais. Portanto, são estas decisões fundamentais que o Estado tem de tomar e que têm depois consequências.

Depois, quando entramos na política fiscal propriamente dita, uma vez determinado qual é o volume de receita fiscal que se pretende obter, há também decisões diferentes que podem ser tomadas. Pode-se fazer mais tributação sobre o rendimento – podemos optar mais por impostos diretos – ou fazer tributação via impostos indiretos – tributar o consumo de determinados bens ou serviços. Ou ainda tributar o património.

Aquilo a que nós assistimos em Portugal é uma tributação muito elevada em qualquer uma das componentes – sobre o rendimento, sobre o consumo e também sobre o património – mas que decorre, também ela, das decisões de despesa que foram sendo feitas ao longo dos anos e que originaram um encargo para o Estado que é, também ele, muito pesado. E, portanto, a decisão dos impostos decorre daí.

Mas não é indiferente, quando se fazem as escolhas de política fiscal, se se vai tributar rendimento, se se vai tributar consumo ou se se vai tributar património. Porque isso transmite sinais e estímulos aos agentes económicos. Um exemplo muito oportuno, parece-me, é a questão da reforma do IRC, que foi posta em prática pelo Governo anterior com o acordo do Partido Socialista, quando a reforma foi lançada, mas que entretanto já foi revertida com este acordo de maioria que temos agora, e antes mesmo das eleições já o Partido Socialista tinha renegado o acordo a que tinha chegado connosco para esta reforma do IRC.

O que é que nós entendemos, na altura, no âmbito destas escolhas? Que era importante começar a reduzir o peso dos impostos, mas, atendendo às limitações impostas pela despesa elevada, pela necessidade de cumprir metas do défice, não era possível promover uma descida generalizada dos impostos. E, então, entendemos que deveríamos começar por baixar um imposto que fosse o mais eficaz para induzir comportamentos adequados nos agentes económicos, nomeadamente para estimular o investimento.

Porque aquilo que nós temos em Portugal é um problema de falta de competitividade, precisamos de mais investimento; a crise, nomeadamente o período de ajustamento, levou-nos a assistir a uma redução muito significativa do investimento, e, portanto, promover o investimento, nomeadamente o investimento privado, e muito o investimento estrangeiro, não pode deixar de ser um objetivo para qualquer governo que queira pôr o país a crescer. Porque, se não houver investimento, todos os outros objetivos, mais tarde ou mais cedo, acabarão por falhar. Nós precisamos de pôr o país a crescer e, por isso, é que fizemos a reforma do IRC e tínhamos no nosso Programa Eleitoral o objetivo de continuar essa reforma, reduzindo gradualmente a taxa de IRC.

E aquilo a que assistimos com a entrada em vigor desta reforma foi a um aumento da receita do IRC, apesar da redução da taxa, e a uma retoma do investimento, que o ano passado, na primeira metade do ano – depois começamos a sentir algum efeito de incerteza sobre o que seria o resultado das eleições –, mas assistimos, com a reforma do IRC, a uma retoma significativa do investimento e conseguimos, apesar da reforma, ter um aumento de receita.

E, portanto, a ideia deve ser tentar reduzir todos os impostos, menos aqueles que tenham objetivos específicos que tenham a ver com a saúde pública, como o imposto sobre o tabaco, etc., pois aí é uma discussão diferente. Mas aqueles que incidem sobre o rendimento, sobre o consumo da generalidade dos bens ou sobre o património, todos eles, idealmente, deveriam diminuir, mas devemos começar por diminuir aqueles que possam ter um efeito mais positivo e que possam criar mais espaço.

Foi esta a nossa opção, era esta a nossa opção no programa eleitoral que foi sufragado pelos portugueses. Infelizmente não foi essa a opção seguida, e infelizmente também, aquilo a que temos vindo a assistir é a uma queda muito significativa do investimento que é provocada pela instabilidade, pela falta de confiança que algumas decisões da atual maioria induziram nos investidores. Uma delas é precisamente a reforma do IRC – a previsibilidade fiscal é um elemento muito importante para quem investe. Não é, obviamente, o único, mas é um elemento muito importante. Saber que vou fazer um investimento, como é que eu vou ser tributado quando obtiver lucros sobre este investimento, porque a ideia de qualquer investidor privado é, necessariamente e naturalmente, obter lucros. É isso que remunera o seu capital e é isso que faz com que faça sentido correr o risco de avançar com um projeto e de realizar um investimento. E, portanto, a imprevisibilidade fiscal que voltou a ser lançada abalou a confiança dos investidores.

Não foi, mais uma vez infelizmente, a única das ações da atual maioria que levou a uma redução da confiança por parte dos investidores. Tem havido, desde o final do ano passado, um conjunto de decisões de reversão de medidas e de decisões tomadas pelo Governo anterior.

Esta imprevisibilidade tem também consequências muito negativas sobre os investimentos. Quando assistimos a uma transição dentro das regras democráticas (pode até ter sido um pouco diferente, mas respeita formalmente aquilo que são as regras democráticas) e o governo que vem se dedica a desfazer aquilo que tinha sido o trabalho do governo anterior, isso leva os investidores a olhar para Portugal, necessariamente, com enorme preocupação. Quer os investidores nacionais, quer os investidores estrangeiros. Porque tanto os investidores nacionais como os investidores estrangeiros têm muitas opções, e é isso que é fundamental que quem decide no Estado perceba.

Quem tem capital para investir, tem um conjunto imenso de localizações para o fazer; tem mais vantagens nuns sítios do que noutros, mas pode escolher se investe para construir uma fábrica em Portugal, em Espanha, na Alemanha, na República Checa, ou até se vai construir essa fábrica no continente americano ou no continente africano, ou em qualquer outro sítio. Quem tem capital – o capital desloca-se livremente – escolhe. É fundamental que o Estado, que o governo de cada país que queira atrair o investimento, crie as condições para que, quando os investidores olham para o leque de escolhas, olhem para o seu país, para Portugal, e digam: este é o melhor local para investir. Porque tem condições fiscais que são atrativas, porque tem recursos humanos que são atrativos, porque tem uma localização que é atrativa, enfim, dependendo, naturalmente, do investimento, por uma multiplicidade de razões. Mas há muitas delas que dependem do Estado. Nomeadamente, dar segurança ao investidor sobre o que vai acontecer àquilo que é a sua propriedade – o resultado do risco que correu, nomeadamente em termos fiscais. Mas também em termos de não haver decisões de reverter negócios que tenham sido feitos pelo governo anterior e que criaram nos investidores a perceção de que não estarão seguros se fizerem um investimento em Portugal.

Quando nós olhamos para a situação do nosso país, vemos qual é o nível de poupança que temos. Temos um cenário muitíssimo preocupante. A poupança dos portugueses atingiu pela primeira vez valores negativos este ano, algo que nunca tinha sido registado, e isso é o pior dos sinais. O pior dos sinais porque nós já tínhamos uma poupança muito baixa, o que significa que dependemos criticamente do financiamento que venha do exterior. Dependemos dos capitais de estrangeiros para investir em Portugal, porque em Portugal não há recursos suficientes para investir na nossa economia e pôr a economia a crescer.

E quando olhamos para estes sinais negativos internos e olhamos para a falta de confiança dos investidores externos, compreendemos que os resultados económicos não podiam ser diferentes daqueles que são. Ou seja, quando não conseguimos criar confiança, nem interna nem externamente, quando não temos recursos internos e não atraímos recursos externos, não podemos esperar obter crescimento. E é por isso que o modelo económico no qual assentava, teoricamente, na altura em que isto foi apresentado aos eleitores, um crescimento muito mais robusto da economia portuguesa, não está a funcionar e não vai funcionar.

Aliás, não era sequer preciso tê-lo testado novamente, porque este modelo já foi testado. A aposta no consumo, na distribuição de recursos internos para consumo interno, já foi testada no passado e resultou da forma que todos nós sabemos – uma crise financeira que obrigou a um pedido de resgate e obrigou ao pedido de apoio financeiro por parte dos nossos parceiros europeus e do FMI.

Porque o que é que acontece quando se devolve mais rendimento às pessoas, estimulando-as a consumir? A maior parte desse consumo vai dirigir-se a bens importados – as pessoas vão comprar mais carros, vão comprar mais telemóveis, vão comprar mais televisões. Não vão, na maior parte dos casos, comprar mais comida, ou mais sapatos, ou mais roupa produzidos em Portugal. Também há alguma, também vão consumir alguma coisa mais que seja produzida cá, até em termos de serviços. Mas o impacto mais significativo verifica-se no aumento das importações. E o que isso significa - tirando a margem que ficará para os distribuidores e os comerciantes – é que a maior parte dessa riqueza tem um impacto positivo mas não é em Portugal, é nos países que produzem esses bens e desequilibrando novamente a nossa balança - que é um problema crónico que nós tivemos durante muitos anos e que tínhamos já conseguido inverter durante o período de ajustamento graças ao sucesso das políticas que foram postas em prática.

E, portanto, quando se transmitem estes sinais, quando se desenvolve um modelo que diz que é com o aumento do consumo, com o estímulo da procura interna que nós vamos conseguir crescimento, aquilo que nós podemos estranhar é porque é que alguém se surpreende com o resultado a que estamos a assistir.

O resultado a que estamos a assistir era o único possível porque é uma repetição do que já foi feito antes e, naturalmente, se fazemos a mesma coisa da mesma maneira, vamos obter o mesmo resultado. Não há alternativa a isso.

Portanto, desse ponto de vista, conhecendo nós aquilo que são as dificuldades do país, as suas debilidades estruturais, e o caminho que tem de ser percorrido para as ultrapassar – e que estava a ser percorrido e que era nossa intenção continuar -, não podemos deixar de colocar esta questão do papel do Estado de uma forma absolutamente atual.

O Estado deveria ser um amigo do crescimento, deveria pôr em prática políticas que estimulassem o crescimento, mas, ao escolher as políticas erradas, ao optar por um modelo económico que tem consequências negativas, aquilo que faz é, de facto, tornar-se cúmplice da crise.

E assistimos depois às… desculpas - não tem outro nome – sobre porque é que o modelo não funcionou. E é o inimigo do costume: a crise externa, as circunstâncias externas, as crises dos nossos parceiros. Independentemente de parte desses argumentos serem ou não serem verdadeiros – e há de facto alguns parceiros relevantes de Portugal, como é o caso de Angola, que estão numa situação difícil -, a verdade é que justificar tudo com a crise externa é um argumento que não colhe.

E não colhe porque basta olhar para Espanha, que está mesmo aqui ao lado, ou para a Irlanda, que teve um programa de ajustamento como Portugal, para perceber que, com a mesma envolvente externa - não com a mesma dependência de Angola, naturalmente, mas também não é isso que justifica tudo –estamos a ver países com taxas de crescimento que são um múltiplo da taxa de crescimento que Portugal regista. E isto é a demonstração de que dentro da Europa, na periferia da Europa, no Sul ou mais a Norte, é possível, com este enquadramento externo, ter maior crescimento, desde que se façam as escolhas políticas certas. E é isso que, infelizmente, não temos vindo a assistir em Portugal.

Quais são as consequências mais imediatas? Eu devo dizer que, em termos dos números do crescimento, apesar de tudo, surpreende-me um pouco o comportamento do consumo, ou seja, o consumo não estar a ter um contributo mais elevado nesta primeira fase para o crescimento, na medida em que o crédito ao consumo, por exemplo, voltou a aumentar, e muito. O que é outro sinal preocupante – uma poupança negativa e aumento do crédito ao consumo faz prever que as famílias portuguesas possam, a curto prazo, vir a encontrar-se, novamente, numa situação de extrema dificuldade de que mal tinham começado a sair.

E, portanto, todos estes estímulos são os estímulos errados.

Quando nós olhamos também para as consequências que isto tem, temos de pensar nas consequências em termos das Finanças Públicas. As Finanças Públicas – o défice – depende (criticamente, como já disse) da despesa que se faz, mas também da receita que se vai obter. Quando se aplica o modelo de crescimento que não dá o crescimento que era suposto gerar, a receita fiscal é inferior. Como as despesas têm a maior rigidez, e têm, inclusive, associados compromissos políticos de que a atual maioria não quer – pelo menos para já – abdicar, vai ter um problema de défice mais elevado. Um défice mais elevado faz aumentar mais a dívida pública, aumenta os encargos da dívida pública, e temos aqui o efeito bola de neve.

Portanto, as políticas são erradas nos estímulos que dão aos agentes económicos e têm consequências erradas sobre as Finanças Públicas. Quando se tem de se compor esse estrago sobre as Finanças Públicas, induzindo uma redução da despesa e/ou um aumento dos impostos, isto volta a ter um impacto negativo sobre o rendimento, afeta a confiança, no caso em particular, dos consumidores domésticos e temos outra vez um período de ajustamento que implica sacrifícios.

E aquilo que é verdadeiramente penoso, é perceber como tão rapidamente se destrói aquilo que é tão difícil de construir e que exigiu tantos sacrifícios aos portugueses. Basta olharmos para a imprensa internacional, para os researchs que os bancos de investimento publicam, para os avisos das agências de rating , para termos uma sensação de dejà vu que é verdadeiramente preocupante.

Não foi assim há tanto tempo que começamos a ver toda a atenção internacional focada em Portugal pelos piores motivos. As taxas de juro a subir (as taxas de juro da dívida pública, portanto, a taxa de juro que Portugal paga, não as taxas de juro no geral), os avisos recorrentes sobre o caminho que está a ser seguido e os riscos que o país enfrenta. E isso, todos os dias, de uma forma ou de outra, nos aparece através da Comunicação Social, através da Internet, para quem olha com mais atenção, para quem segue o research dos bancos, todas estas preocupações são manifestadas e vão aparecendo de forma crescente.

E nós olhamos para aquilo que acontece na nossa dívida pública e não podemos deixar de nos preocupar. Apesar do programa de compras do BCE, apesar de o BCE estar hoje – hoje, enfim, de há uns meses largos a esta parte – …a agir de forma mais agressiva no mercado porque aumentou o seu programa de compras, as taxas de juro de referência estarem muito baixas, nós assistimos a uma taxa de juro absoluta para Portugal que não parece muito alta, mas é perfeitamente ilusório.

Quando nós vemos que Portugal se financia a dez anos a uma taxa que ronda os 3% - tem andado em torno dos 3%, um bocadinho abaixo, um bocadinho acima, nas últimas semanas; já teve valores mais elevados, mas tem andado à volta deste valor – e olhamos para a Irlanda que se financia a uma taxa de 0,7% ou 0,8% para o mesmo prazo, ou para a Alemanha que se financia a taxas negativas, não podemos deixar de nos perguntar por que razão é que isto se passa, porque é que esse diferencial está a aumentar e quais são as consequências que isso tem para nós.

Apesar da taxa de juro, mais uma vez, em termos absolutos, não me parecer muito elevada, quando olhamos para o nível de inflação, quando olhamos para a taxa de juro de referência, quando comparamos com outros países europeus – e podemos fazer a comparação com Itália, por exemplo, porque estivemos com as nossas taxas de juro ao nível de Itália e, neste momento, descolámos e a nossa taxa de juro é muito superior àquela que paga a dívida pública italiana.

E isto é uma manifestação clara das dúvidas que os investidores começam a ter relativamente àquilo que será o futuro da economia portuguesa. E estes são sinais de alerta que o passado nos devia ter ensinado que não podem ser ignorados. Porque, tipicamente, o mercado é muito permissivo durante muito tempo, continua a financiar e as taxas não disparam, necessariamente, de forma muito rápida, mas quando acontece é de um momento para o outro. Quando o mercado decidir que Portugal é um risco demasiado grande para correr, é tarde para atuar.

Nessa altura as consequências já serão muito mais graves do que se tivéssemos agido mais cedo. E foi essa lição que, desejavelmente, deveríamos ter aprendido em 2010/2011, quando começámos a ter sérias dificuldades de financiar a dívida pública. Até a procura começou a ser muito menor, apesar dos juros mais elevados que se prometia pagar, mas que, infelizmente, parece não ter sido interiorizada, porque aos sucessivos avisos, e a esta tendência de crescimento das taxas de juro não se tem seguido uma correção do rumo político, nem um reconhecimento de que aquilo que eram os pressupostos das políticas que estão a ser postas em prática não funcionam na realidade e que é preciso agir de uma outra forma.

Aquilo que nós propusemos (propusemos nas eleições do ano passado) e que os portugueses reconheceram e aceitaram ser o melhor caminho, era um caminho muito diferente daquele que é seguido. Era uma trajetória de crescimento assente sobretudo na recuperação do investimento, na aceleração do crescimento, e com essa aceleração do crescimento ir gradualmente repondo aqueles rendimentos que tinham sido diminuídos.

Mas reparem nesta nuance muito importante: aquilo a que nós assistimos na maioria de esquerda é uma enorme preocupação de distribuir riqueza, uma enorme vontade de distribuir riqueza; mas, em compensação, uma total incapacidade e aparente falta de vontade de criar riqueza para ela ser distribuída.

E esse é que é o principal problema: se não se cria riqueza não há nada para distribuir. Ao procurar distribuir o que não se tem, a única coisa que estamos a fazer é, de facto, distribuir mais dívida. Mais dívida privada, mais dívida pública, mais impostos e mais encargos para as gerações futuras. A principal preocupação do país não pode deixar de ser criar riqueza, tornar-se competitivo, crescer mais, e com essa riqueza criada, com certeza, devolver os rendimentos que foram reduzidos, e mais, aumentar os rendimentos. Tem de ser essa a finalidade de qualquer governo de um regime democrático, e é claramente essa a ambição do PSD. É criar condições para que os salários em Portugal sejam melhores, para que as empresas tenham mais lucro, para que os impostos possam ser mais baixos, para que os portugueses possam viver melhor.

Mas isso exige capacidade para criar riqueza, exige políticas económicas adequadas a essa finalidade.

Aquilo que nós estamos a ver, receio que vá ainda agravar-se mais. As notícias dos últimos dias falam-nos de aumento de despesa em determinadas áreas, nomeadamente relacionadas com os chamados direitos adquiridos dos trabalhadores da Administração Pública, aumento das despesas com pensões de reforma, mas também aumento de tributação, nomeadamente na área do património.

Este caminho é um caminho que vai continuar a agravar os problemas a que nós já estamos a assistir. Não pretendemos aqui dizer que as pessoas têm rendimentos muito elevados ou que as pensões são muito elevadas. Nós sabemos – conhecemos muito bem essa realidade – e sabemos como há em Portugal, infelizmente, demasiada gente com pensões muito baixas, demasiada gente com salários muito baixos, mas aumentar esses rendimentos sem ter onde ir buscar, sem a criação de riqueza que permitiria cobrir essa despesa, é agravar o problema e é criar mais dificuldades ainda para o futuro.

Porque a preocupação – e isso também foi uma discussão a que assistimos muito intensamente durante os anos do período de ajustamento – era a suposta preocupação, ou a obsessão, que nós temos, ou que nós tínhamos, com os números. Que só nos preocupávamos com os números e não nos preocupávamos com as pessoas. E a verdade é que, mais uma vez, quem parece não se preocupar com os números acabará a prejudicar as pessoas.

Eu diria até que nem se pode dizer que este governo não se preocupa com os números porque, dia sim dia sim, fala no objetivo do défice. Nós estávamos obcecados, não sei exatamente qual é o termo que aplicam à preocupação que têm, que é legítima e que eu, apesar de tudo, espero que seja defendida. Mas admito que connosco seria uma obsessão, com eles será outra coisa qualquer, mas têm também, aparentemente, o objetivo de cumprir a meta do défice. Tenho as minhas dúvidas de que o consigam, mas proclamam, pelo menos, ter esse objetivo.

Aquilo que nós sabemos, efetivamente, é que esta ideia de cada decisão ser sempre no mesmo sentido, de aumentar a despesa para ir satisfazendo cada grupo de interesses, vai deixando numa situação mais frágil todos aqueles que não estão nesses grupos de interesses, que não essa força de pressão, ou essa capacidade de pressão, que não são o eleitorado do Partido Comunista ou aqueles que estão próximos dos sindicatos do Partido Comunista ou aqueles que estão mais próximos do Bloco de Esquerda. E esses outros, que são milhões de portugueses, que são os pequenos empresários que lutam no dia-a-dia para manter o seu negócio à tona, para conseguir tirar o rendimento para sustentar a sua família, aqueles que procuram emprego e que optam por ir lá para fora porque não encontram oportunidades cá dentro. Aqueles que, tendo ido para fora, querem regressar a Portugal, e procuram em Portugal encontrar essas oportunidades – a esses, com essa política, aparentemente não há quem os defenda. E esses são a maioria dos portugueses e merecem tanto respeito como todos os outros: tanto respeito como os funcionários públicos, tanto respeito como os pensionistas, tanta preocupação como todos esses outros grupos, como nos mereceram a nós.

Eu sou funcionária pública, trabalhei para o Estado desde sempre, tenho o maior respeito pelos trabalhadores da Função Pública, pelos trabalhadores do Setor Público, mas também tenho um enorme respeito pelos trabalhadores do setor privado e tivemos sempre a consciência de que as políticas devem ser definidas e seguidas de forma a criar condições adequadas para todos os portugueses, quer trabalhem no setor público, quer trabalhem no setor privado. Porque aqueles que perderam o emprego foram claramente mais prejudicados do que aqueles que perderam uma parte do seu rendimento. Quem perdeu o emprego perdeu o rendimento todo, ficou numa situação de total fragilidade, totalmente exposto. Um governo responsável não pode deixar de se preocupar com essas variáveis. E não estamos a falar de criar emprego sazonal, estamos a falar de criar emprego sustentadamente, estamos a falar de alterar a tendência e de reduzir aquilo que é a nossa taxa estrutural de desemprego, aquela que, independentemente do ciclo económico, persiste e que se mantém demasiado elevada.

E para isso, mais uma vez, temos de elevar as condições de competitividade e a capacidade de crescimento da economia. Temos de atrair investimento estrangeiro, temos de ser capazes de demonstrar que Portugal tem a mesma capacidade que os seus parceiros europeus para atrair projetos de investimento válidos, e que tem, para além disso, um conjunto de vantagens que podem e devem ser melhor exploradas, como as nossas relações privilegiadas com outros países, como a nossa localização geográfica que, sendo periférica na Europa, é muito central no mundo, e o mundo, sabemos, é muito mais do que a Europa. E temos de ter capacidade de explorar essas vantagens.

Aquilo que é essencial é que nós criemos condições de confiança para que tudo, todo esse investimento, para que toda essa melhoria, se traduza no dia-a-dia dos portugueses, gradualmente. Aquilo a que nós assistimos, com aquilo que tem sido posto em prática, é uma pressa imensa em cumprir os compromissos eleitorais… eu não diria os compromissos eleitorais, porque esses não mereceram o voto maioritário dos portugueses, mas os compromissos do acordo que foi feito depois para a formação do governo, mais corretamente.

A pressa em cumprir esses compromissos está, de facto, a comprometer todos os outros resultados. E vamos assistindo à revisão sucessiva em baixa das metas para o crescimento e vamos seguramente assistir a uma revisão das metas para o próprio orçamento. Ou seja, não é possível que com uma previsão de crescimento de 1,8 inscrita no orçamento, com uma taxa registada no primeiro semestre - ainda uma taxa provisória, mas, ainda assim, já uma estimativa por parte do INE - de 0,8, estamos demasiado longe daquele que era o objetivo para que isto não tenha consequências orçamentais e, portanto, vamos ver certamente essas consequências também a serem refletidas numa revisão do cenário macroeconómico e nas consequências que isso tem sobre as Finanças Públicas.

As escolhas de um Estado são, de facto, determinantes, para a definição se é amigo do crescimento ou se é cúmplice da crise. Cada Estado, em cada momento, faz aquilo que são as escolhas intertemporais e decide se deve gastar mais hoje, empurrado dívida para o futuro, para atingir um determinado objetivo. Essas escolhas são válidas, e frequentemente devem ser feitas. O problema é quando se decide gastar mais hoje em algo que não traz retorno no futuro. E foi isso a que nós assistimos.

Assistimos, no anterior governo socialista, com um frenesi de investimento público que estamos a pagar e estaremos a pagar durante muitos anos, nomeadamente com as PPPs e com muitas autoestradas que não têm tráfego e cujo retorno nunca será suficiente, sequer, para a sua manutenção, quanto mais para recuperar o custo da sua construção.

Mas assistimos, hoje, curiosamente, a uma redução drástica do investimento público. Todas as opções que foram feitas estão a ser as opções erradas. Porque quase acabar com o investimento público - o investimento público está a níveis tão baixos como nunca tinha sido visto - é também particularmente errado. Não pode ser um excesso de investimento público, mas também não pode ser uma total ausência de investimento público. Porque o investimento público cumpre também uma função importante, e porque nós estamos num quadro comunitário que foi negociado com muito sucesso pelo governo anterior e que permite a Portugal beneficiar, ainda, de um montante muito significativo de fundos estruturais, mas isso exige o empenho também do Estado, também do investimento público e na promoção do investimento privado com este financiamento, para gerar o crescimento.

Quanto mais se adiar este processo, menores serão os benefícios que nós poderemos recolher dos fundos estruturais a que ainda temos direito. E não é de esperar que, no quadro que se seguirá a 2020, Portugal venha a conseguir as mesmas condições que consegue agora. Nós estamos a receber fundos estruturais para convergir para a economia europeia desde a nossa adesão, tínhamos iniciado um caminho de convergência desde que recuperamos da pior fase da crise. Em cada trimestre crescíamos mais do que a área do Euro e crescíamos mais do que a União Europeia, e aquilo a que já vimos assistindo nos últimos dois trimestres é a reversão dessa tendência. Voltamos a divergir, voltamos a crescer menos do que a área do Euro, voltamos a crescer menos do que a União Europeia.

Portanto, estamos a afastar-nos novamente daquele que devia ser o nosso caminho. E quando olhamos para as componentes do crescimento percebemos claramente porquê: o investimento afunda, o privado por falta de confiança, o investimento público porque é aquilo, suponho, onde o governo – que não está obcecado com o défice – vai podendo cortar mais, porque, aparentemente, os seus parceiros de maioria não lhe fazem tantas exigências nessa matéria. O que não deixa de ser curioso, para quem sempre proclamou que nós eramos os grandes inimigos do país por não estimularmos o investimento público, estarem silenciosos perante a queda brutal do investimento público, e a redução efetiva de investimento público por comparação com o ano passado, que agora estejam muito sossegados. Mas imagino que os lóbis do investimento púbico, por alguma razão, sejam menos poderosos do que outros que estão a levar a outro tipo de atuação.

Portanto, as escolhas estão a ter esta consequência: temos o investimento a cair, temos o consumo a gerar menos crescimento do que aquele que era esperado, apesar de haver aqui algum elemento talvez um pouco surpreendente, como já referi. E temos, claramente, uma perspetiva mais negativa para o futuro.

Portugal tem de mudar de vida, nós não podemos desistir do país, somos tão bons ou melhores do que qualquer dos nossos parceiros europeus, temos múltiplas qualidades, temos muito potencial para explorar, mas temos de ser capazes de fazer as escolhas certas e temos também de interiorizar que as escolhas erradas do futuro exigem um caminho algo penoso para serem corrigidas. Nós não podemos simplesmente passar uma esponja sobre o passado e dizer: começamos agora, como se não houvesse passado, como se não houvesse uma herança que tem de ser gerida. Há uma herança que tem de ser gerida, há uma herança de endividamento pesado (público e privado) que tem de ser pago, há uma herança de défices crónicos que têm de ser revertidos, há uma herança de falta de competitividade que nos coloca, numa primeira análise, numa posição sempre mais desfavorável quando somos olhados por investidores externos.

Reconhecer essa herança implica reconhecer quais foram os erros cometidos que nos trouxeram até aqui, porque enquanto não se reconhecerem os erros eles não se podem corrigir.

E esse é o problema desta maioria. Aquilo que está a acontecer é uma tentativa de recuperar um passado que já não existe, e que ainda bem que já não existe, porque esse passado, que foi aparentemente bom durante algum tempo, foi aquele que nos conduziu à crise e aos grandes sacrifícios que todos tivemos que fazer. Não reconhecer esses erros, não reconhecer que essa estratégia é errada, significa condenar o país a cometer os mesmos erros e a seguir o mesmo caminho, sendo que nós sabemos que cada vez que os erros se repetem, as consequências são piores e são mais difíceis.

O PSD propôs quando se apresentou às eleições que ganhou (e continua a propor enquanto está na oposição) 222 propostas concretas para o programa de estabilidade.

Aquilo que o PSD quer é um país que seja capaz de explorar o seu potencial, que seja capaz de dar esperança aos seus jovens, e que seja capaz de garantir uma vida digna a todos os portugueses, independentemente da idade. A combater as desigualdades sociais; temos uma enorme preocupação com o Estado Social, mas, mais uma vez, numa perspetiva que é diferente daquela que é a perspetiva da maioria que nos governa. A nossa preocupação com o Estado Social começa por dizer: nós termos de criar riqueza para garantir que temos condições financeiras para assegurar educação a todos, saúde a todos, justiça a todos, crescimento, melhores condições de vida, criação de emprego.

O Estado Social, o combate às desigualdades, faz-se desta forma, não se faz distribuindo o que não se tem, de forma que é necessariamente injusta e que vai, a prazo – infelizmente a curto prazo -, agravar as dificuldades que são as dificuldades dos portugueses.

Nós não desistimos do nosso projeto, não desistimos na oposição, que é o papel que desempenhamos neste momento, de defender as nossas ideias, de defender o nosso projeto para o país, de explicar aos portugueses que o caminho que estava a ser seguido, apesar dos muitos sacrifícios, estava a dar resultados positivos. Tínhamos uma trajetória de crescimento recuperada, uma trajetória de desemprego a descer, de criação líquida de emprego, de equilíbrio das contas externas, de termos reconquistado a confiança dos investidores…

E pensem só: no final do ano passado chegamos a ter a nossa taxa de juro a 10 anos a metade do que está agora. O que isso representa de poupança dos impostos que vamos pagar no futuro é imenso. Poupança para os portugueses que terão de pagar a dívida pública, mas também para todos aqueles que se financiam em Portugal, através dos bancos portugueses e que sentem nas taxas de juro que lhes são pedidas o reflexo do custo da dívida pública.

O aumento da dívida, da taxa de juro a 10 anos para o dobro, que não foi sentido nos outros países que referi há pouco, é um indicador muito preocupante e mostra claramente como foi possível, rapidamente, destruir a confiança que todos, coletivamente, tanto nos esforçamos por reconquistar.

Mais uma vez, não desistimos deste nosso papel, temos um projeto para o país, queremos… faz parte daquilo que é o nosso papel e a nossa obrigação alertar para os erros que estão a ser cometidos, apelar para que eles sejam corrigidos, e oferecer uma via alternativa aos portugueses, quando a questão de uma nova escolha vier a ser colocada. Estaremos cá para assumir o papel de amigo do crescimento e não o papel de cúmplice da crise que, infelizmente, é aquele que temos vindo a ver o Estado desempenhar desde que o atual governo tomou funções no final do ano passado.

E agora acho que vou deixar o resto do tempo para responder às vossas perguntas. Obrigada.

[APLAUSOS]

 
Nuno Matias

Muito obrigado pela brilhante exposição. Vamos então entrar no período de questões e, em primeiro lugar pelo Grupo Roxo, tem a palavra o Pedro Abreu.

 
Pedro Abreu

Antes de mais, bom dia. Quero, em nome do Grupo Roxo, agradecer à organização da Universidade de Verão e à Prof.ª Maria Luís Albuquerque pela sua presença.

Como lidou com situações nas quais teve de executar medidas que entrassem em conflito com as suas convicções ideológicas dentro do quadro do seu mandato político? Muito obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Pedro.

Pergunta interessante a propósito das medidas que entram em conflito com convicções ideológicas. Um governante tem, necessariamente, sempre, escolhas muito difíceis para fazer. Faz parte das responsabilidades que se aceitam, saber que vai haver decisões difíceis. Que, em 99% dos casos, a decisão não é a ideal – isto numa situação de crise. Eu não tenho a experiência suficientemente longa de governar fora da crise; deve ser bastante mais simpático. Mas, em particular em tempos de crise, a esmagadora maioria das decisões conduz a um resultado que não é o ótimo. Portanto, em cada momento, têm de ser ponderadas as condicionantes e as alternativas que estão à disposição.

Nós tomámos, enquanto governo, medidas muito difíceis, nomeadamente aquelas que têm uma consequência direta no rendimento dos cidadãos, quer na redução de rendimentos nominais, quer no aumento de impostos. Qualquer delas tem impacto sobre os cidadãos – não necessariamente sobre os mesmos grupos -, mas tem impacto sobre os cidadãos: reduz o seu rendimento, reduz a sua capacidade de consumo e, dessa forma, reduz aquilo que é o seu bem-estar ou, no mínimo, a sua perceção de bem-estar, e o seu bem-estar, mesmo. E estas decisões são obviamente difíceis.

Mas não se trata aqui de um conflito com uma convicção ideológica, trata-se de uma definição de qual é o objetivo maior, qual é o alcance das medidas que estão a ser tomadas e a ponderação sobre se os sacrifícios que estão a ser pedidos são ou não justificáveis pelos objetivos que se pretendem atingir. E, apesar das enormes dificuldades que tivemos durante a aplicação do programa de ajustamento e das medidas muito duras que tivemos de tomar, o facto de termos conseguido concluir esse programa de forma bem-sucedida, com um regresso a financiamento de mercado sem nenhum apoio particular, com a confiança reconquistada e com a recuperação da crise – voltamos a crescer, reduzimos a taxa de desemprego, registamos crescimento no investimento, o consumo também recuperou, os níveis de confiança estavam em máximos históricos -, eu diria que os sacrifícios, tendo sido duros e tendo sido muito penosos para muitas famílias, para muitos portugueses, permitiram alcançar um objetivo maior que era a salvaguarda do nosso futuro.

Portanto, eu não colocaria as coisas como algum conflito com uma convicção ideológica, a minha principal convicção ideóloga - como estou certa que é a convicção ideológica do PSD – é fazer o nosso trabalho para que Portugal tenha um futuro melhor. E se isso implicar, em determinadas circunstâncias, tomar medidas difíceis, impopulares, ter de as explicar, ter de pagar o preço por isso, foi algo que nós nos dispusemos a fazer e que, tenho a certeza, o PSD sempre estará disponível para fazer.

A nossa mais forte convicção ideológica é – e não pode deixar de ser essa – trabalhar para garantir um futuro melhor para Portugal. As medidas difíceis que temos de tomar, se fizerem parte do nosso caminho, serão assumidas frontalmente, com coragem, explicando por que é que elas são necessárias, porque é que as alternativas são piores – porque há sempre, de facto, alterativas, a nossa convicção é que as alternativas eram piores e tinham consequências mais negativas.

Assumiremos sempre essa responsabilidade e essas decisões difíceis, frontalmente, explicando aos portugueses porquê e tendo sempre como pano de fundo esta nossa convicção maior de que devemos trabalhar para garantir um futuro melhor para todos nós.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Azul, o Inácio Prieto.

 
Inacío Prieto

Antes de mais, obrigado à Prof.ª Maria Luís Albuquerque por responder às nossas perguntas e obrigado à organização, também, que tem sido bastante competente.

Vendo o partido, o PSD, não só esquerda/direita, mas também esquerda liberal/estatista onde se situaria o PSD de agora e onde a Professora o gostaria de ver. Para responder a esta pergunta lanço este pequeno repto: ao longo dos anos, o PSD tem sido obrigado a ser o governo da responsabilidade, tornando a direita portuguesa um bocado o bicho-papão da economia.

Pergunto: será que o PSD se foi tornando um partido mais liberal por obrigação e sentido de responsabilidade ou porque houve também uma pequena evolução ideológica, por consequência.

Para responder a isto gostaria que usasse um caso prático atual que seria a sua posição perante a Caixa Geral de Depósitos – o que faria de diferente do atual governo, visto que mesmo entre eles não se entendem muito bem.

Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Inácio.

Isto dava para uma outra aula…

Esta questão da suposta evolução do PSD e do suposto abandono da social-democracia foi usada, relativamente ao governo anterior, de uma forma sempre pouco elogiosa, o contexto era sempre pouco elogioso, de… acho que era neoliberais.

É um conceito que, da forma como foi utilizado, eu nunca percebi exatamente o que queriam dizer, mas era sempre utilizado com uma conotação como se fosse muito horrível. E, portanto, o que era muito horrível era a atuação necessária para tirar o país da situação em que o encontramos, com um programa de resgate, sem capacidade de se financiar que não fosse através dos parceiros europeus e do Fundo Monetário Internacional, sem qualquer confiança por parte de qualquer agente externo que olhava para o país, e com objetivos que tinham sido definidos por quem provocou a crise – quem estava antes de nós e que negociou o memorando - que eram muitíssimo exigentes.

E portanto, mais uma vez voltando à nossa convicção mais profunda, de que a nossa primeira obrigação é assegurar um futuro melhor, aquilo que nós fizemos foi executar da melhor forma que conseguimos esse programa de ajustamento, para o cumprir, para nos libertarmos dessa restrição de uma forma responsável. Porque não era só a preocupação de acabar aquele programa, era a preocupação de colocar o país em situação de não precisar de outro, de não se ver na contingência de voltar a passar pelo mesmo.

A forma como a nossa atuação foi depois classificada resultou muito mais de uma tentativa de distrair as atenções sobre a responsabilidade da situação a que tínhamos chegado, do que algum tipo de deriva ideológica que o PSD possa ter atravessado.

A questão de se o PSD é mais ou menos liberal – eu já o disse hoje aqui: o PSD é um partido que sempre teve um enorme respeito pela iniciativa privada; nós sempre captámos eleitorado entre os pequenos e médios empresários, entre aqueles que acreditam que, com o seu esforço, trabalhando por conta própria, correndo os seus riscos, conseguem melhorar a sua vida. Sempre tivemos um profundo respeito por todas essas pessoas.

Eu não sei se se chama a isso ser liberal, a esse respeito pela iniciativa privada e achar que o Estado não tem de, necessariamente, fazer tudo numa economia. Se isso é liberal, então eu diria que nós somos liberais; se isso significa renegar o nosso passado, de todo - não vejo em nada do passado do PSD, nada que seja incompatível com aquilo que acabei de afirmar.

O PSD sempre teve esta postura, sempre teve esta atitude, sempre teve esta implantação junto deste eleitorado, porque sempre teve este respeito por esta forma de estar na vida e por esta atitude combativa e lutadora dos portugueses. Sem qualquer desrespeito por todos os outros que não são empreendedores, que estão no setor público, obviamente. Mas com a noção e com a consciência que temos de que a criação de riqueza vem, essencialmente, destes agentes do setor privado, mais do que vem do Estado.

Mais uma vez, se isso é liberal, no sentido em que nos estão a atribuir, então, nesse caso, seremos liberais. Se alguma vez fomos diferentes - não, fomos sempre assim.

Naturalmente que os tempos são outros, os líderes mudam, a forma como apresentam as questões pode ser diferente, mas o essencial da nossa matriz está cá, como sempre esteve, e a esmagadora maioria do que é dito é exatamente aquilo que era dito há 40 anos, adaptado necessariamente às circunstâncias que o país tem hoje.

Não gostaria nunca de ver o PSD caminhar para um partido estatista, que entende que o Estado deve dominar tudo, que deve tomar todas as decisões sobre os agentes individuais e que deve desrespeitar a liberdade de iniciativa – isso eu não gostaria de ver o PSD fazer, não acredito que o PSD o faça, não foi esse nunca o nosso caminho e não acredito que venha a ser para o futuro.

Temos vindo a assumir responsabilidades, é verdade. Como já respondi aqui na pergunta anterior, porque temos a convicção de que se as medidas difíceis são as necessárias para levar o país no bom caminho, pois temos a coragem e a capacidade para as pôr em prática, temos essa disponibilidade. Mas isso não significa que seja esse o papel que nós queremos.

O PSD não quer ser o partido que governa quando é preciso compor o que outros estragaram. Nós temos capacidade de fazer mais e melhor do que isso. Também somos capazes de compor, como já demonstramos, mas também seremos capazes – ainda melhor – de pôr o país a crescer em circunstâncias mais favoráveis. De tomar as decisões certas para acelerar o crescimento, para combater as debilidades estruturais que nós temos, com o gradualismo, com a prudência essencial para evitar que se volte a cair no mesmo.

Temos essa ambição, era essa ambição que tínhamos para esta legislatura, podermos governar em condições mais fáceis e termos maior liberdade de escolha e de decisão. Não é essa a circunstância em que estamos hoje, mas temos naturalmente a ambição de governar nessas melhores circunstâncias e não apenas de compor, porque quem comete os erros tem a obrigação, também, de fazer o que for necessário para os corrigir e de assumir o ónus e as consequências políticas que daí possam decorrer.

Quanto à Caixa Geral de Depósitos, o que é que eu faria de diferente? Enfim, daquilo que já se sabe, eu diria praticamente tudo. Porque – e a frase não é minha – aquilo que tem sido feito é um manual do que não se deve fazer ou de como não se deve fazer.

Tem sido uma sucessão de trapalhadas que desrespeita a instituição, desrespeita o Conselho de Administração que ainda está em funções, de forma, aliás, que deve ser elogiada a sua retidão e a sua disponibilidade para manter a instituição a funcionar apesar das dificuldades que sabemos que existem e do manifesto desrespeito com que foram brindados.

Eu acho que a administração que agora está de saída merece essa palavra de elogio. A administração que vai entrar, fruto do processo, da forma como ele foi seguido, entra desnecessariamente fragilizada. É algo que nunca se deve pretender para uma instituição com a importância e a relevância que tem a Caixa Geral de Depósitos. Há muitas coisas que ainda não sabemos e que é fundamental que se venham a saber, nomeadamente, quanto é que isto custa aos portugueses, e quanto custa de várias formas.

Sabemos, ao que parece, que há um acordo de princípio, cujos contornos não conhecemos. Já está a ser negociado desde abril, já se chegou a um acordo de princípio, mas o Governo diz que quem vai anunciar, tratar, resolver – ainda não percebi muito bem – há de ser a administração. Não é o Governo, não sei porquê. Atendendo a que, se já há um acordo de princípio, não se percebe porque é que ele não é explicado com clareza aos portugueses, nomeadamente, os custos associados a este plano. Os custos em termos de atividade da Caixa Geral de Depósitos, quais são os custos de restruturação, o que é que isso tem de implicação na atividade da Caixa, na sua implantação no território. Aquilo que tem de impacto na sua componente de negócio internacional, o que é que vai acontecer também nessa frente e - muito importante - para quê?

Porque é que está a ser feito isto na Caixa Geral de Depósitos, o que é que a Caixa Geral de Depósitos vai ser capaz de fazer, mais e melhor, com as condições que este plano lhe dará?

Isto dito, com, infelizmente, ainda falta de conhecimento de muito do que se passa, que o Governo, sistematicamente desde o início, se tem recusado a esclarecer. Por isso avançámos para uma Comissão Eventual de Inquérito porque não conseguimos obter resposta, apesar das múltiplas interpelações, públicas, por escrito, em plenário, em todas as oportunidades que fomos colocando sucessivamente ao Governo.

Obrigada.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Amarelo, o Bruno Garcia.

Eu chamava apenas a atenção, até por uma questão de respeito pelos colegas, que tentem ser um pouco mais concisos na questão e, sobretudo, se cinjam apenas a uma, até para termos mais algum tempo a seguir, para o Catch the Eye.

Bruno Garcia, Grupo Amarelo.

 
Bruno Garcia

Bom dia a todos. Saúdo a mesa, e mais concretamente a convidada, Prof.ª Maria Luís Albuquerque.

Vou passar à pergunta. Assistimos a uma instabilidade constante na economia em cada mudança de governo. Urge encontrarmos uma solução conjunta, cabe a todos construir uma solução, porque chega de haver políticas em que os sucessivos governos acabem com as políticas dos antigos.

Ou seja, têm que ser criadas políticas a longo prazo com a aprovação e o compromisso dos vários partidos políticos. Acha exequível, ou o orgulho partidário fala sempre mais alto?

Muito obrigado.
 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Bruno.

Eu não lhe chamaria orgulho partidário; chamar-lhe-ia um caso eventualmente mais de conveniência ou interesse, no caso que vou referir concretamente, da indisponibilidade para que, de facto, se consiga uma trajetória estável de longo prazo relativamente a matérias fundamentais.

O exemplo é, quanto a mim, muito óbvio. O PSD tem insistido na importância da reforma da Segurança Social. É um tema que tem de ser debatido, que é fundamental para o país a médio e a longo prazo, e que é muitíssimo urgente.

A resposta que obtivemos da atual maioria é que nem sentar-se para conversar querem. Portanto, é essa a atitude que encontramos. Eu diria que não é uma questão de orgulho, é uma questão, de facto, de interesse partidário conjuntural. E partidário aqui aplica-se aos três partidos da maioria (e mais um bocadinho, três e mais um bocadinho…). E portanto, aplica-se a todos eles esta indisponibilidade sequer para entrar em diálogo.

Da parte dos partidos da extrema-esquerda é menos surpreendente, porque há um conjunto de valores que a esmagadora maioria dos portugueses defende e nos quais se revê que esses partidos não representam. E aquilo a que nós assistimos ao longo de sucessivas eleições é que houve sempre uma esmagadora maioria de votos em partidos que defendem uma participação na União Europeia, uma abertura ao mundo, uma continuação em alianças estratégicas, como é o caso da NATO, e um conjunto de valores que têm uma matriz que é comum.

Mas há depois uma forma de traduzir esses valores na decisão e na escolha política que nos distingue profundamente. Eu diria que o PS, atualmente, está muito mais próximo dessa extrema-esquerda, até desviando-se de muitos dos seus valores, mas é uma alteração no seu posicionamento político. O tempo dirá se é uma transformação estrutural do Partido Socialista ou se é meramente uma posição de conveniência nas atuais circunstâncias.

Mas assistimos a uma comunhão de valores com partidos mais à esquerda a que nunca tínhamos assistido no passado. Que geram depois conflitos que é difícil, neste momento, perceber como é que terminarão. Nomeadamente, a necessidade de satisfazer exigências desses partidos com o compromisso de respeitar as regras europeias que esses outros partidos renegam e que dizem que o país não devia seguir e não devia cumprir.

Embora eles próprios também tenham feito já algum caminho e estejam mais abertos para aceitar determinadas condições. Mas, efetivamente, há uma deslocação para essa esquerda mais radical e que mudou o comportamento daquilo que foi tradicionalmente a posição do Partido Socialista, que nos permitiu, por exemplo, ter um acordo para a reforma do IRC, mas que quando esse posicionamento se alterou levou a que esse acordo fosse rompido.

É um exemplo que eu já utilizei aqui hoje, mas que também me parece ilustrativo desta incapacidade de honrar estes compromissos mais a prazo. Houve um partido que subscreveu uma decisão política que era importante, e o acordo do Partido Socialista foi visto pelos investidores com muitos bons olhos, porque foi uma garantia adicional de que esta reforma iria de facto prosseguir, e a mudança de líder do Partido Socialista levou à mudança de posição do partido.

Isso torna muito difícil que se encontrem esses acordos de mais longo prazo. Mas é verdade que o país precisa desesperadamente desse caminho. Precisa de ter um acordo sobre matérias tão fundamentais como a Educação, porque a Educação é algo em que podemos ter medidas a curto prazo com consequências a curto prazo, mas as consequências a longo prazo serão sempre mais relevantes – quer das coisas que se fazem bem quer das coisas que se fazem mal.

É uma das áreas em que, claramente, devíamos ter uma maioria que garantisse que não há a instabilidade a que voltámos a assistir recentemente no setor da Educação. Tanto mais quanto as políticas anteriores estavam já a produzir resultados positivos. Não se compreende que, por alguma… cegueira ideológica, se estejam a pôr em causa resultados que já eram positivos e que precisavam, claramente, de mais tempo para se afirmarem.

Eu acho que Portugal precisa, e os portugueses precisarão de o dizer muito claramente aos partidos políticos, que querem que haja um entendimento que não necessariamente traduzido em coligações de governo. Não se traduz, de todo, na indiferenciação entre partidos. A diferenciação entre os partidos, os caminhos, o enunciar de alternativas, é fundamental em democracia e é muito saudável. O que não pode é a alternância democrática colocar constantemente em causa o futuro do país. A Democracia tem de ser capaz de proceder à alternância com diferenças de atuação, com medidas políticas diferentes, mas que não ponham em causa aquele que é o rumo fundamental de escolhas que foram feitas para o país de sermos um país europeu, integrado na moeda única, com compromissos assumidos que queremos viver dentro daquilo que é o modelo social europeu.

Aquilo que tenha de ser acordado para, a longo prazo, seremos capazes de garantir estas condições, nomeadamente, traduzindo-as em competitividade e crescimento, deve ser matéria de entendimento entre os partidos que tenham a ambição de governar para um futuro melhor.

 
Nuno Matias

Muito bem, muito obrigado. Tem agora a palavra pelo Grupo Laranja, o Gonçalo Gomes.

 
Gonçalo Gomes

Sou Gonçalo, tenho 18 anos e vou agora para o primeiro ano de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

Dr.ª Maria Luís Albuquerque, em 2013 disse, e passo a citar: "A prioridade é relançar o investimento produtivo e dar início à recuperação da atividade económica. A prioridade é esta porque abre caminho à criação de mais e melhores empregos.”

Aliás, sublinhou essa mesma ideia, repetidamente, nesta sua intervenção. Como referiu, deparamo-nos agora com um crescimento económico demasiado tímido e o investimento em queda.

Assim sendo, a pergunta do Grupo Laranja é a seguinte: caso fosse governo, quais as principais medidas que tomaria para reverter essa situação? Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Gonçalo. Parabéns e boa sorte para o curso de Economia.

É bom ver que temos ainda gente que estuda Economia e que vai tentar com esses conhecimentos contribuir para melhorar a economia do nosso país. Espero que tenha sorte quer no estudo, quer depois no trabalho a seguir e que possa ser cá - se quiser!

Também acho que se quiser ter mundo também deve ter essa possibilidade e essa liberdade e isso também tem muito de positivo. Termos portugueses a brilhar lá fora, a serem quadros reconhecidos de empresas internacionais, também é uma coisa de que nos deve orgulhar.

A emigração por vontade, por querer aprender mais, por querer saber mais e por querer ser competente num meio maior, é algo também a que devemos estimular os nossos jovens e encorajá-los. Mas, como digo, sendo, naturalmente, uma opção e também, eventualmente, convencendo os estudantes estrangeiros que vêm para a Nova também a ficarem cá. Que também queiram ganhar mundo no nosso país, onde também é possível.

É verdade que eu disse isso em 2013 e repeti-o hoje, em 2016, e continuo com a convicção de que, de facto, a prioridade para qualquer política económica tem de ser a de relançar o investimento. Nós conseguimos fazê-lo, conseguimos fazê-lo com um conjunto de medidas.

Eu diria que as medidas individuais - algumas que já referi aqui hoje até mais do que uma vez – são fundamentais, mas para relançar o investimento o elemento fundamental é a confiança. É o mais importante. Nós não nos podemos esquecer que quem investe corre riscos. Os investidores merecem-nos o maior respeito, porque um investidor corre riscos. Coloca o seu dinheiro – que não lhe caiu seguramente do céu – num determinado objetivo, na expectativa de ter um ganho com isso. E corre um risco porque esse ganho pode vir ou não vir.

Portanto, criar a confiança para levar os investidores a correr esses riscos é o elemento fundamental. E a confiança cria-se com medidas concretas, mas com uma atitude geral relativa à economia. Cria-se não maltratando os investidores externos, não lhes criando dúvidas sobre se Portugal vai ou não respeitar as suas decisões de investimento. Não lhes criando dúvidas sobre se vamos ou não voltar a entrar numa situação de recessão que se traduz em dificuldade, por exemplo, no mercado interno – o elemento fundamental para a retoma do investimento é a confiança.

Reconquistar a confiança e a credibilidade foi um dos nossos objetivos maiores durante os quatro anos e meio de governo. Quando nós entrámos em funções e eu comecei a ir imediatamente aos Eurogrupos e aos Ecofins, logo em 2011, aquilo que se notava era uma enorme desconfiança em relação a Portugal. Como se recordarão – e isto já tem sido dito muitas vezes – havia, quando Portugal pediu o programa de assistência, dois países que já o tinham feito antes: a Grécia e a Irlanda.

E havia uma perceção muito negativa relativamente à Grécia, muito negativa relativamente a Portugal e muito menos negativa relativamente à Irlanda. A Irlanda tinha tido um percurso de sucesso muito assinalável, que foi elogiado pelo mundo fora, o modelo de crescimento do Tigre Celta que permitiu aos irlandeses que, na primeira década do Euro, tivessem tido taxas de crescimento extraordinárias, com enormes investimentos – enfim, por muitas razões, não vamos agora aqui discutir a política, nomeadamente fiscal, da Irlanda, mas não importa, são resultados alcançados.

E a forma como os parceiros europeus - e quem olhava de fora - olhavam para a Irlanda… a Irlanda tinha tido um problema, sobretudo no setor financeiro, mas, como tinha um histórico de sucesso recente, era um país em quem os investidores confiavam para ser capaz de dar a volta e retomar essa trajetória de crescimento – como efetivamente o fez.

Portugal e a Grécia não têm esse passado. A Grécia também teve umas taxas de crescimento elevadas, mas depois há ali outras explicações. Mas, ao longo da primeira década do Euro, Portugal e a Itália foram os países que menos cresceram. Nas mesmas condições que os nossos parceiros da área do Euro, o desempenho económico de Portugal só foi tão mau como o da Itália – todos os outros fizeram melhor.

Portanto, quando tivemos de pedir um programa de assistência, não tínhamos esse sucesso recente para invocar, para dizer: tivemos aqui um azar, um infortúnio, mas vamos conseguir recuperar. E, portanto, as expectativas relativamente à nossa capacidade de sucesso eram baixas. E aquilo que nós conseguimos, ao longo de todo o programa de ajustamento e de todo o tempo de governo, foi surpreender pela positiva. Foi, junto dos parceiros europeus, das instituições, dos mercados, dos investidores, surpreender pela positiva, dizendo: Portugal tinha, de facto, um passado menos positivo do ponto de vista económico e do ponto de vista das Finanças Públicas, mas, com um programa muito exigente e perante enormes dificuldades, foi capaz de dar a volta.

Foi capaz de concluir o programa, foi capaz de voltar a crescer, foi capaz de reconquistar essa confiança, de voltar a atrair investimento. Este objetivo é fundamental.

Esse trabalho foi difícil e foi demorado. E o dramático na questão da confiança e da credibilidade é como a reputação - leva-se uma vida inteira a construir e destrói-se numa hora. E esse é o principal elemento para podermos, de facto, ter recuperação do investimento. E é o principal elemento que nos falta agora. É confiança e credibilidade sobre a trajetória do país a todos os níveis para criar as condições para esse investimento. Quer sejam investidores nacionais quer sejam aqueles de que precisamos muito, que são os investidores estrangeiros.

Se fossemos governo, o que é que faríamos? Nós apresentámos claramente as nossas propostas às eleições o ano passado. Iríamos, no essencial, seguir o mesmo caminho, continuar a apostar no reforço da confiança e da credibilidade, garantindo com isso a redução dos custos de financiamento, criando um ambiente fiscal tributário mais favorável, combatendo a fraude e a evasão fiscais para que, aumentando a base, possamos ter mais receita sem aumentar as taxas e criando maior justiça e equidade fiscal.

Portanto, era com todo esse conjunto de medidas, com a melhoria nos processos, com a redução da burocracia, com todo esse conjunto de medidas que iriamos continuar a promover o investimento. Porque esse caminho já estava iniciado e o mais difícil era reverter a tendência, e nós já o tínhamos feito. Era continuar e, à medida que fossemos obtendo resultados, ir pondo em prática novas medidas, novas reformas ou refinamentos das reformas estruturais que já tinham sido postas em prática para conseguir cada vez melhores resultados.

Era isso que estaríamos a fazer se fossemos governo agora.
 
Nuno Matias

Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Castanho, o Marcelo Morgado.

Deixem-me só dizer-vos que, quando se levantarem, estejam perfeitamente à vontade porque o microfone apanha bem o som, mesmo à distância. Não precisam de se aproximar porque o som irá ser captado tranquilamente. Marcelo…

 
Marcelo Morgado

Muito bom dia a todos, quero cumprimentar a mesa, em especial a nossa oradora, a Prof.ª Maria Luís Albuquerque; muito obrigado pela aula desta manhã.

A pergunta que nós queremos colocar é muito direta, e tendo em conta as funções económicas do Estado, no qual se pretende que estabilize a economia para se garantir o seu normal funcionamento, para que se promova o crescimento e o desenvolvimento económico, e como era iniciativa do Governo anterior promover a iniciativa privada, como garantir esse investimento? Que medidas atrativas é que o Estado pode promover para que os investidores estrangeiros possam investir em Portugal?

Muito obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Marcelo.

É um pouco em linha com algumas respostas que já dei aqui hoje, mas acrescentando ou, se calhar, pormenorizando mais um pouco.

O investimento estrageiro… nós podemos promovê-lo de muitas formas. Mais uma vez, confiança, credibilidade, previsibilidade, são fundamentais, mais ainda para investidores estrangeiros. Aquilo que é o conhecimento da realidade que tem um investidor nacional, permite-lhe interpretar as políticas, as decisões, de uma forma mais informada. É mais fácil para um português perceber o que está a acontecer e avaliar o risco associado do que é para um investidor estrangeiro, que não conhece tão bem a dinâmica do país e que depende daquilo que são os observadores externos para formar essa perceção e avaliar se deve ou não correr o risco.

Claro que, depois, para tomar a decisão concreta, tem de fazer muito mais trabalho de campo e tem de perceber muito mais do detalhe. Mas, numa primeira fase, vai ver, vai ouvir e ler a opinião daqueles que, também de fora, observam o país. Falamos das agências de rating , falamos do comportamento do mercado, falamos dos analistas em geral, falamos dos think tanks , enfim, do que for, que analisam a situação de Portugal.

Fazer um acompanhamento adequado desses opinion makers , que é o que são, é – para referir um aspeto diferente daqueles que já referi hoje -, algo que também é muito importante. Nós não podemos – ou não devemos – descartar opiniões que têm eco em Portugal, mas sobretudo no estrageiro, dizendo apenas que estão desinformados ou que estão ao serviço de outros interesses, ou utilizar qualquer outro chavão dessa natureza.

Temos de ter a responsabilidade de saber que – e não é obviamente em todos os casos – muitos desses agentes são fundamentais para formar a perceção que os estrageiros têm sobre Portugal. Ser capaz de acompanhar, de dar a informação, de explicar o que está a ser feito, é um trabalho também muitíssimo importante por parte de quem está no governo e de muitas instituições públicas. Era uma das coisas que eu fazia quando trabalhava no IGCP, antes de ir para o governo. Muito do contacto com os investidores, em que se explica aos investidores, mas também às agências de rating , também aos research dos bancos que queriam falar connosco, o contexto do país, as medidas de política económica, o que se espera que aconteça e porquê.

Faz parte também daquilo que é importante fazer, ter este trabalho de acompanhamento. Agora, uma coisa é certa: nós podemos contar melhor ou pior uma história; mas se a história for má não há maneira de a contar da forma certa. E, portanto, é muito importante contá-la, é muito importante explicá-la, mas, acima de tudo, é muito importante que a história seja a história certa. Que as medidas sejam as medidas corretas e as medidas são… seria muito continuar e aprofundar aquilo que já tinha sido começado. Tínhamos de continuar as reformas estruturais, melhorar a eficácia da Justiça, tínhamos de continuar a reduzir a burocracia do Estado e os entraves ao licenciamento, ao investimento, a nível ambiental, a nível de concorrência, enfim, a todos os níveis. Simplificar e melhorar esse enquadramento, continuar a apostar na qualificação dos portugueses para garantir que temos uma força de trabalho capaz de responder às exigências, de uma concorrência mundial. Nós vivemos num contexto globalizado, não estamos a concorrer com o concelho do lado, estamos a concorrer com o mundo inteiro, temos de ambicionar ser competitivos a esse nível – a nível europeu, mas também a nível global.

Portanto, temos de ser capazes de investir adequadamente na educação, com exigência, com rigor, e temos de ser capazes de dar aos investidores um horizonte que lhes permita não recear grandes surpresas ou alterações, a cada passo, que possam pôr em causa as decisões que tomou.

Mais um exemplo de que é este o acompanhamento, mas sempre assente na confiança e credibilidade e, perdoem-me a repetição, mas eu acho que é mesmo importante repetir que a confiança é aqui o elemento chave.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Encarnado, o Eduardo Magalhães.

 
Eduardo Magalhães

Antes de mais, bom dia a todos. Queria agradecer, em nome do Grupo Encarnado, à organização por esta UV 2016 e à Prof.ª Maria Luís Albuquerque por esta excelente aula de Economia e Finanças.

Foi dito aqui… diagnosticado que Portugal tem um problema estrutural a nível do défice da dívida pública que é paralelo, se calhar, um bocadinho à falta de espírito crítico das pessoas, na medida em que há mais pensamento nos interesses individuais do que no interesse coletivo.

Este problema, a nosso ver, tem existido, um bocadinho, cada um como causa e consequência do outro. Porque, no meio da demagogia e populismo, o défice e a dívida pública têm sido meios para atingir o poder. Ou seja, a ambição do poder no curto prazo tem destruído o país a pouco e pouco. Efetivamente, tem havido em Portugal, nas últimas décadas, um ping-pong entre o despesismo e uma sobriedade orçamental que normalmente cabe absolutamente ao PSD.

Queremos perguntar à Prof.ª Maria Luís Albuquerque se concorda que é preciso um choque sistémico que impeça esta situação. Se, perante a insuficiência do artigo 126.º do Tratado Orçamental e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, dos 3% da meta do défice e dos 60% da dívida pública, se concorda que devia haver um limite constitucional ao défice e à despesa pública como há na Alemanha desde 2009 e na Suíça antes disso; se apoia a medida, na medida em que se a considera compatível com a matriz social-democrata do partido; se concorda que tem mais valor deixar um futuro aos jovens do que deixar uma dívida.

Muito obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Tantas perguntas numa só. Se fosse o Ministro Vítor Gaspar, já tinha dito "eu conto aqui quatro ou cinco perguntas”.

[Risos]

Nós temos, de facto, um problema estrutural de défice e de dívida pública.

Primeiro, a dívida é a memória dos défices passados. Nós temos dívida porque tivemos défices. A relação é só esta. Em cada ano que gastamos mais do que temos, aumentamos a dívida. Portanto, cada défice vai ser pago no futuro e toda a dívida é a memória do que se gastou a mais no passado.

É verdade que há uma tendência natural no ser humano para pôr os seus interesses pessoais, ou os seus interesses particulares, melhor dizendo, à frente dos outros. Mas isso chama-se racionalidade, e os comportamentos racionais podem ser antecipados, previstos, e pode-se atuar com esse conhecimento.

O que eles não têm é de ser incompatíveis com o interesse geral. Portanto, o facto de cada um ter o seu interesse legítimo em proteger a sua posição, não significa que isso seja contrário ao interesse geral e, muito menos, autoriza a que, em benefício desses interesses, seja prejudicado o interesse geral.

Mas tocou aí também num ponto que me parece importante, que é a questão da consciência coletiva dos portugueses. E referiu como exemplo o facto de haver países, como a Suíça ou a Alemanha, que têm os limites à dívida e ao défice colocados na Constituição. Há razões do passado histórico que explicam estes comportamentos diferentes.

Porque é que para alguns países a ideia de ter uma dívida pública muito alta é inaceitável e outros, aparentemente, convivem muito bem com essa realidade? Porque é que há países em que todos os partidos de todo o espectro político, se comprometem – mas comprometem-se a sério – com a consolidação das contas públicas, e fazem-no, e há outros países onde a consolidação das contas públicas é – enfim, se calhar um bocadinho conforme os protagonistas – chamada de obsessão e preocupação com os números, ignorar a preocupação social e outros disparates do género?

Há obviamente a questão do pragmatismo e de saber quais são as consequências de ter défice e de como ele se paga, mas há também uma consciência, uma exigência coletiva que deve ser feita. É preciso que todos nós, que todos os portugueses, tenham a consciência de que as decisões de despesa se traduzem, sempre, em consequências no futuro.

Se for uma despesa virtuosa, pode perfeitamente ser razoável aceitar um défice até maior porque o retorno dessa despesa, nomeadamente de investimento, vai ser suficiente para pagar a dívida e para ainda acrescentar valor. O Estado, com a possibilidade que tem de criar impostos, consegue fazer estas escolhas e decidir fazer hoje uma coisa que é cara, que tem impacto no défice, mas que tem um retorno positivo que vai permitir pagar esse défice e gerar mais riqueza ainda.

Mas há a despesa que não é reprodutiva. Que pode ter objetivos completamente meritórios, mas que não tem esta capacidade, ela mesmo, de gerar riqueza. E aí, a pergunta que se coloca é: estamos ou não dispostos a pagar mais impostos para financiar essa despesa?

E seria importante que começássemos todos, coletivamente, a pensar nestes termos. Quando se avalia cada decisão de despesa – um exemplo, que me acontece recorrentemente ainda hoje, quando as pessoas me abordam: porque é preciso investir cada vez mais na saúde, porque a saúde não tem preço. Completamente de acordo, a saúde não tem preço… mas custa uma fortuna!

E essas escolhas também são importantes. Se nós não tivéssemos – é um exemplo – se nós não tivéssemos qualquer restrição orçamental, nós diríamos: todas as inovações, todas as tecnologias, todas as invenções, tudo, mal acabe de se descobrir, Portugal compra, Portugal tem, tem em todos os hospitais, para todos, até ao último português.

Se não tivéssemos restrição orçamental, ninguém vai dizer que isso é mau. As melhores condições para a saúde são necessariamente algo que qualquer pessoa racional defende, que qualquer partido político defende.

Agora, o que nós precisamos é de ponderar – e eu escolho o exemplo da saúde porque é particularmente sensível para todos nós – qual é o investimento que devemos e que podemos fazer.

Ou seja, qual é o investimento que está no limiar da nossa capacidade, que assegura níveis adequados de proteção e promoção da saúde dos portugueses… e deixem-me dizer que o Serviço Nacional de Saúde de Portugal compara belissimamente com os outros sistemas de saúde europeus, já para não sairmos da Europa, pois aí então eu diria que já nem sequer se compara, está num patamar tão mais acima que nem sequer se compara – mas é um bom serviço nacional de saúde.

Mas precisamente porque ele é bom, as escolhas que para ele são feitas têm de ser devidamente ponderadas. E sempre com a perceção de que há alguns investimentos que, sendo bons do ponto de vista individual, podem ser uma despesa de tal forma elevada que ponham a sua sustentabilidade futura em causa.

E aquilo que acontece, passado algum tempo, é que em vez de termos um Serviço Nacional de Saúde melhor, temos um Serviço Nacional de Saúde em crise, sem capacidade para pagar as suas despesas. E portanto, estas escolhas são fundamentais fazer em todas as áreas, em particular naquelas que são mais sensíveis e que têm mesmo de ser preservadas, como é o caso dos cuidados de saúde à população.

Se é necessário um choque? Eu espero que não, porque eu diria que nós já devíamos ter tido choques suficientes. Portugal já teve três programas de ajustamento, desde que tem uma Democracia nos anos 70. E, portanto, eu diria que choques não nos faltaram.

Precisaríamos de – uma expressão que eu tenho utilizado – consistência de propósito. Quando entramos num caminho, ser capazes de persistir nesse caminho até ele estar consolidado, e não, aos primeiros resultados positivos, dizer: pronto, então agora já se ganhou aqui uma "folguinha”, já se pode voltar a cometer os erros do passado.

Não pode! Temos de ter essa capacidade de levar o caminho por tempo suficiente para que ele realmente se consolide e para que não voltemos a encontrar os nossos mesmos problemas. Um limite constitucional ao défice e à dívida, como sabem, era uma proposta que nós tínhamos. Seria uma forma de reconhecer e dar força àquilo que é um limite efetivo.

Eu recordo: no dia em que nós não tivermos capacidade de nos financiar acabou-se o problema do défice; porque só se gasta o que há. O que isso significa é que deixamos de ter capacidade para fazer face à maior parte das despesas que hoje achamos que são absolutamente incontáveis, nomeadamente, pensões, salários, serviço nacional de saúde… segurança, defesa, enfim, todas aquelas funções que são fundamentais.

No dia em que nós não tivermos capacidade de nos financiarmos, se deixarmos a dívida pública ir longe de mais, o défice fica resolvido. Mas o custo dessa opção é infinitamente maior para os portugueses, para os cidadãos, sobretudo para os mais desfavorecidos, do que o custo de adotar esta disciplina e de conseguir controlar.

Ter na nossa Constituição um limite ao défice e à dívida é uma forma de contribuir para interiorizar esta responsabilidade perante o futuro, porque, de facto, nós aos jovens devíamos deixar um futuro e não apenas a memória dos erros passados traduzida na dívida que terão de pagar. Obrigada.
 
Nuno Matias

Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Rosa, o Adriano Silva.

 
Adriano Silva

Nom dia. Quero, antes de mais, cumprimentar a Dr.ª Maria Albuquerque, na sua qualidade de oradora, e agradecer por esta aula enriquecedora de economia. É sempre bom ouvir sobre este assunto, porque a minha formação também é da mesma área.

Quero também cumprimentar o Dep. Carlos Coelho, o Dr. Nuno Matias e os restantes estudantes da Universidade de Verão, na medida em que é um privilégio estar aqui na UV 2016, onde espero aprender e contribuir positivamente.

Dr.ª Maria Albuquerque, no seguimento da sua intervenção, o Grupo Rosa propõe agora um pequeno exercício de reflexão sobre o futuro. Imagine que num futuro próximo a Sr.ª Dr.ª voltaria a ser ministra e teríamos ao leme dos destinos nacionais um governo do PSD. Consideraria importante a criação de um quadro fiscal e económico que protegeria as empresas? Isto é, caso existisse uma mudança de poder político, as empresas passariam a estar protegidas no âmbito fiscal? Desta forma, seria possível retomar o clima de retoma económica e de investimento, onde, consequentemente, haveria mais consumo e crescimento?

Para finalizar, se nos permitem, o nosso grupo tem ainda uma questão de teor curioso. A Dr.ª Manuela Ferreira Leite foi a última Presidente do partido - isto foi há seis anos - e tanto a Dr. Manuela Ferreira Leite como a Dr.ª Maria Albuquerque têm a mesma área de formação, até estiveram na mesma Faculdade, cito, ISEG.

Visto que a Dr.ª Maria Albuquerque fez um ótimo trabalho no governo de Portugal, ao ter sido uma pessoa que mostrou empenho e dedicação para levar a economia a bom porto, e tal como diz aqui no seu folheto de apresentação, a qualidade que mais aprecia é a coragem.

Como tal, revia a sua posição como uma possível presidente do partido? Obrigado.
 
Maria Luís Albuquerque

Bom, Adriano, nós temos um presidente do partido. Podem vê-lo na televisão, nos jornais e ao vivo no encerramento desta Universidade. Portanto, nem sequer percebo de onde é que a questão vem. Temos um presidente e estamos, aliás, muitíssimo bem servidos.

Só uma correção, em nome da minha casa. Eu fiz o mestrado no ISEG, mas a minha casa é a Universidade Lusíada de Lisboa, de que eu tenho também muito orgulho. Portanto, só para ficar claro, fiz o mestrado no ISEG mas o curso é da Universidade Lusíada de Lisboa.

Quanto à questão de um novo governo PSD, de quando houver um novo governo PSD, independentemente de quem ocupe as pastas. Há obviamente maneiras pessoais de estar diferentes, mas o essencial, aquilo que nos deve motivar, incentivar, é o projeto do PSD. Quem depois vai dar a cara para pôr em prática essas políticas, obviamente deverá ser bem escolhido, e acho que tivemos no governo anterior, modéstia à parte, excelentes pessoas, mas não é o aspeto mais relevante.

Aquilo que me falou, de um quadro fiscal e económico para proteger as empresas e para estimular o crescimento é aquilo que nós tínhamos construído e que, naturalmente, nos propomos reconstruir quando voltarmos a ser responsáveis pelo governo de Portugal, quando isso voltar a acontecer.

A questão é que será mais difícil. É verdade que, como eu disse há pouco, a dívida é a memória dos défices passados. Mas não é só o défice que deixa memória, os investidores também têm memória. E depois do trabalho que foi reconquistar a confiança e a credibilidade, depois de o país ter batido no fundo e ter estado numa pré-bancarrota e ter pedido apoio em 2011, foi reconquistada essa confiança e essa credibilidade que tem vindo a ser destruída.

Reconquistá-la vai ser muito mais difícil. Porque não basta dizer: "agora mudamos de um governo liderado pelo Partido Socialista para um governo liderado pelo PSD, o PSD tinha conseguido fazê-lo no passado.” Notem que estas diferenças, para nós, são muito óbvias e fáceis de perceber. Quem olha lá de fora vê Portugal. Quem olha com atenção sabe quais são as correntes políticas, quem está ou quem não está. Mas a maior parte dos observadores vê Portugal. Portugal andou para a frente e depois andou para trás; e porque é que vão acreditar que é capaz de andar para a frente outra vez? Que argumentos é que vai ser preciso colocar, que trabalho vai ter de ser feito para convencer esses investidores? Porque o que está aqui em causa, verdadeiramente, é o País.

Internamente, nós discutimos isto noutros termos. Discutimos isto em termos de eleições, em termos de partidos, em termos de alternância democrática. Quem vê de fora, vê isto na trajetória do país e vê uma trajetória aos soluços. Um país que recupera e cai, recupera e cai.

E a cada nova queda a recuperação é mais penosa. E, portanto, quando o PSD voltar a ter responsabilidades - e eu continuo a ter… não, não continuo. Ia dizer que continuo a ter a ilusão de que as coisas possam não correr tão mal, mas infelizmente não é verdade e, portanto, não tenho. Acho que, de facto, este modelo está mesmo errado. Sempre achei que estava errado porque já o vi aplicado no passado e já sei o que é o resultado da aplicação deste modelo económico. E, se de provas precisasse, infelizmente os indicadores económicos dão evidência abundante de que o modelo não funciona.

Aquilo que um novo futuro governo do PSD terá de fazer é recuperar o caminho que vinha do passado e terá de escolher as medidas que sejam mais eficazes para resolver os problemas que sejam mais prementes no momento. Todas as medidas de que já aqui falámos são fundamentais. Poderá haver outras que sejam adequadas, eficazes em face de problemas particulares, mas teremos, em qualquer caso, de nos empenhar muito seriamente, talvez conseguindo - ou procurando, pelo menos – o tal consenso partidário, cuja credibilidade está diminuída pelas quebras recentes de compromisso, mas ainda assim procurar esse compromisso mais alargado para dar algum conforto aos investidores externos neste caminho.

Mas será sempre um caminho difícil face àquilo que é a perda a que já estamos a assistir de capacidade de atração de investimento. Recuperá-la, em qualquer circunstância, vai ser sempre mais difícil ainda do que foi da última vez que tivemos de o fazer. Quando os portugueses entenderem que merecemos essa confiança e nos derem essa responsabilidade, faremos o que for preciso fazer para conseguir esse objetivo e trabalharemos tanto quanto for preciso trabalhar para lá chegar. Muito obrigada.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Verde, o Daniel Pereira.

 
Daniel Pereira

Muito bom dia. Antes de mais, em nome do Grupo Verde, obviamente quero dar os parabéns à organização da UV, como também à Prof.ª Maria Luís, pela aula extremamente elucidativa com que nos presenteou hoje.

A pergunta que eu faço é sobre um assunto não só importante para mim - e se não é para todos, vai ser um dia mais tarde – que é como vê a solução para a sustentabilidade da segurança social. Não sendo um assunto diretamente relacionado com finanças, está lá próximo, e para nós seria muito importante perceber isso. Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada. Esta é só uma pergunta, mas que pergunta.

[Risos]

Bom, deixem-me contar-vos um pequeno episódio de uma conversa que tive durante o período de ajustamento com alguém que me dizia que nós tínhamos rompido o contrato com os pensionistas por fazer a redução de pensões. Estávamos a falar da segurança social e eu chamei a atenção para que a sociedade tinha rompido o contrato com o Estado quando decidimos deixar de ter filhos.

Este é um problema fundamental. Ou seja, quando se definiram os padrões da segurança social que hoje temos, nós tínhamos muito mais jovens e muito menos velhos. As pessoas morriam muito mais cedo, portanto, tinham muito menos tempo a receber pensão e havia uma reposição de gerações que garantia… como sabem o nosso sistema de segurança social é um sistema em que quem está hoje a trabalhar paga para quem está hoje reformado, na expectativa de que no futuro vá haver alguém a trabalhar para pagar as nossas reformas.

Os pressupostos da criação do modelo já não se verificam hoje. As pessoas vivem mais tempo, e isso é muito bom, sobretudo porque vivem mais tempo com mais qualidade; é um feito extraordinário que se deve muito ao nosso bom Serviço Nacional de Saúde: aumentar a longevidade com qualidade de vida.

Mas, em simultâneo com esta tendência, houve também a tendência para as pessoas terem menos filhos. Que é uma tendência que se observa na maioria das sociedades desenvolvidas e, portanto, não é uma particularidade nossa. Podemos até encontrar motivos mais ou menos conjunturais para justificar variações da natalidade, mas a tendência de longo prazo verifica-se em muitos outros países que têm também populações envelhecidas.

E isto obriga a que, de facto, se repense a segurança social e se encontre uma forma de enquadrar esta nova realidade, rever os pressupostos passados quanto à relação entre quem é pensionista e quem trabalha para essa pensão, perceber de que forma é que conseguimos construir estímulos adequados para os jovens terem também interesse em contribuir para a sua própria reforma, assegurando, também, que contribuem para pagar a pensão daqueles que hoje já são pensionistas.

Nós quisemos fazer essa discussão recentemente, sem nenhum tipo de condição de partida, ou seja, não pusemos nenhuma condição para a discussão, mas, nem por isso, a resposta foi positiva, e portanto não conseguimos sequer começar esta discussão.

A sustentabilidade da segurança social passa por reconhecer onde estão as ameaças a esta sustentabilidade e pôr em prática medidas que permitam reverter esta tendência de desequilíbrio, mas é também muito importante atuar, mais uma vez, sobre a competitividade e o crescimento. Porque nós temos, para além do problema do aumento da longevidade e da diminuição da natalidade, uma taxa de desempenho estrutural que é elevada. Sendo aqueles que trabalham que contribuem para a segurança social, obviamente que quanto menos pessoas forem, quer por efeito da natalidade, quer por efeito do desemprego, quer por efeito da emigração, mais se agrava o problema. E, portanto, temos de atuar por essa forma.

Em qualquer caso, o Estado Social – e agora não é a segurança social, mas o Estado Social, o modelo social que defendemos e em que nos revemos – só é sustentável a prazo com crescimento e com competitividade, porque terá sempre exigências grandes e precisará sempre da tal criação de riqueza para que possa ser distribuída.

Eu não tenho tempo, manifestamente, para abordar de forma adequada o tema de qual é a solução para a sustentabilidade da segurança social, aliás, não há fórmulas mágicas, mas há múltiplos exemplos de reformas que foram feitas noutros países, que tiveram sucesso e que, com as necessárias adaptações, poderiam ser consideradas para Portugal. É uma forma de abordar o problema.

Porque este problema não é exclusivamente nosso. Manifesta-se mais num país que está mais empobrecido por força das escolhas erradas que fizemos no passado, mas os problemas demográficos são problemas que se manifestam em muitos outros países e é, aliás, um problema gravíssimo na Europa.

E já agora, à laia de conclusão, porque não consigo responder neste contexto, a Europa está gradualmente a perder a sua relevância económica mundial, ou a ser relativamente menos importante, e uma das razões é porque a Europa está envelhecida.

Um continente envelhecido arrisca menos, inova menos, e tem mais desafios na sustentabilidade do seu modelo social. Tem mais custos de saúde, tem mais custos de pensões e, portanto, a questão da demografia, das implicações que isso tem para a economia e para a sustentabilidade do modelo, é uma questão que, do meu ponto de vista, devia ser discutida na Europa em termos mais alargados. E pensando se não há a possibilidade de adotar modelos mais aproximados, tentando conseguir, de alguma forma… sem pôr aqui de parte, obviamente, aquilo que são as responsabilidades de cada Estado individualmente, mas conseguir pensar em soluções que ajudem a ultrapassar um problema com que quase todos nos defrontamos, embora em graus diferentes. E que depois têm implicações com a imigração – e aqui não estou a falar da saída de pessoas, mas da entrada de pessoas para a Europa – que possa ser capaz de equilibrar o desequilíbrio demográfico que a Europa tem. Mas isso, então, abria aqui a discussão para um outro tema que precisávamos até domingo… e provavelmente ainda continuaríamos a falar no assunto.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Cinzento, o José Miguel Saraiva.

 
José Miguel Saraiva

Exma. Senhora Vice-presidente do partido, Dr.ª Maria Luís Albuquerque, antes de mais gostaria, em nome do Grupo Cinzento, de agradecer a palestra, obviamente bem-sucedida com que nos presenteou hoje. Vou tentar ser o mais breve possível.

O Estado Social consome grande parte da despesa pública com resultados pouco expressivos. Atualmente o foco prende-se no fomento da cultura do ócio, da cultura da sustentação insustentável, da conformação social.

Por outro lado, o proposto pelos partidos social-democratas, no contexto da terceira via, no final do século XX, propunha que o foco do Estado Providência caminhasse para uma redistribuição das oportunidades e não só da riqueza, ou seja, uma igualdade à partida e não só à chegada, privilegiando necessariamente a iniciativa privada, que é o que traz realmente crescimento económico.

Assim, queria perguntar-lhe se considera que o modelo português de Estado Social deve continuar em vigência?

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Zé Miguel.

É verdade que o nosso Estado Social representa uma fatia imensa da despesa pública e é verdade que os resultados que temos alcançado são muito desanimadores. Nós continuamos a ter níveis de desigualdade gravíssimos. Desse ponto de vista, continuamos a ficar muito atrás de muitos dos nossos parceiros europeus e naturalmente que o Estado Social deveria ser capaz de fazer mais do que simplesmente acudir às pessoas em estado de necessidade.

A questão de ser capaz, não só à partida, mas à chegada, de romper o ciclo de pobreza, é fundamental, é difícil. Porque a solução mais fácil, do ponto de vista da decisão, é dar dinheiro. Pode depois não ser fácil quando encontramos a restrição financeira, mas dar dinheiro, deitar dinheiro para cima dos problemas, é uma solução politicamente fácil e que, a curto prazo, ainda por cima, é popular.

E portanto, os partidos também seguem alguma racionalidade, naturalmente, e a tendência será, naturalmente, para seguir as soluções mais fáceis e que sejam mais bem acolhidas. Isso, em si, é uma característica da democracia, e não tem de ser mau. O que importa é perceber se essas opções são de facto as melhores opções no curto prazo e se os nossos objetivos são meramente de curto prazo. E um partido responsável não tem objetivos meramente de curto prazo.

E nós preocupamo-nos muito com a questão social e com a questão das desigualdades. É verdade que tem que se redistribuir oportunidades, e deixem-me dar-vos um exemplo de uma decisão da atual maioria, deste governo, que me parece que ilustra muito bem o que vai em sentido contrário. Que não tem a ver com o Estado Social mas tem a ver com a questão das oportunidades, que é a decisão de reduzir a exigência no ensino, acabando com os exames, por exemplo.

Reduzir a exigência no ensino prejudica aqueles que têm à partida menos oportunidades. Sobretudo esses. Aqueles que têm mais rendimento, melhores condições socioeconómicas, podem sempre escolher uma escola onde o padrão de exigência seja mais elevado e onde, à saída, tenham de facto uma preparação que é melhor e uma certificação dessa preparação que é mais credível.

Quando optamos por reduzir a exigência na escola pública, estamos a limitar as oportunidades daqueles que estão na escola pública, por não terem a opção de outro tipo de escola. E isto não é Estado Social, julgo eu, no âmbito da questão que me colocou, mas é uma política social importantíssima pelas consequências que tem.

E portanto, promover a igualdade de oportunidades implica, também, ser capaz de ser exigente, ser exigente com os alunos… eu fiz exames ao longo de toda a minha vida e não me lembro de ter ficado traumatizada por nenhum; os meus filhos fizeram exames e, que eu note, também não têm trauma nenhum, e não consigo aceitar a ideia de que sujeitar pessoas a avaliação é submetê-las a traumas. Todos nós somos avaliados, permanentemente, na nossa vida, no nosso local de trabalho, nas nossas funções públicas ou privadas, todos nós constantemente avaliados. A avaliação faz parte da vida e a exigência da avaliação contribui para nos promover e para melhorar a nossa qualidade e a nossa capacidade, e não o contrário.

Portanto, o Estado tem a obrigação de, para além de ser capaz de acorrer aos seus cidadãos quando eles têm necessidade, tem de ser também capaz de promover esta igualdade de oportunidades. Do ponto de vista do Estado Social, isso significa, por exemplo, não permitir que seja possível a acumulação de benefícios sociais que se traduza num rendimento superior àquele que a pessoa teria se trabalhasse. Porque as pessoas são racionais – se trabalhando recebem menos do que recebem se não trabalharem e tiverem só apoios sociais, não vão trabalhar. E ninguém lhes pode levar a mal que assim façam. É um comportamento racional.

E portanto, ser capaz de dirigir os recursos para quem efetivamente precisa, ao mesmo tempo que se põem estímulos para que as pessoas sejam capazes de trabalhar, para que possam estudar mais, para que possam ter mais oportunidades, é fundamental. É a solução mais difícil, porque a solução começa por dizer, àqueles que escolheram racionalmente não trabalhar, que essa opção já não está disponível, e que agora ou vivem com menos ou terão mesmo de ir trabalhar.

E essa decisão é mais difícil de tomar, tanto mais que depois há muito aproveitamento político sobre "coitadinhos, lá estão eles contra os pobrezinhos”. Aos que dizem que eu tenho alguma coisa contra os pobres, eu respondo que gostava que houvessem muito menos. Aliás, idealmente, que não houvesse nenhum. Se isso é ter alguma coisa contra os pobres, lamento… mas de facto o que eu tenho contra os pobres é apenas isso, é que gostava que não fossem pobres.

E aquilo que faz parte da obrigação de um governo responsável é gerir os recursos de forma a evitar essa situação de pobreza, tanto quanto possível, mas sobretudo criar condições para que ela não se perpetue e não aconteça aquilo que acontece muitas vezes e que é, de facto, a maior tragédia, que é a armadilha da pobreza que se transmite de geração em geração. A ideia de que, quem nasce num meio desfavorecido, não vai ter a oportunidade de ascender socialmente. Porque não tem a oportunidade de acesso à mesma qualidade de ensino, porque não tem as mesmas vantagens de partida, e isso é obrigação de um Estado responsável, de um Estado Social, como nós defendemos, trabalhar para que não aconteça. Para dar essa igualdade de oportunidades, mais do que simplesmente distribuir prestações sociais.

Mas esta atitude, este querer, vai muito além das prestações sociais, vai em colocar exigência e responsabilidade individual, generalizadamente, quer no exemplo da avaliação ou dos exames que devem ser feitos, e da exigência que deve ser colocada, porque os bons devem ser recompensados, o mérito deve ser reconhecido.

E o reconhecimento do mérito e da capacidade é o único motor eficaz para reduzir as desigualdades. Tudo o resto, limita as consequências da pobreza, não a combate efetivamente. Só a promoção do mérito, da qualidade individual, da capacidade individual e a criação de condições para que as pessoas que demonstram esse mérito e essa capacidade possam, de facto, progredir e ascender, é que é capaz de se traduzir na redução das desigualdades.

O resto são paliativos para que as situações sejam um pouco menos dramáticas. É importante que se faça mas é muito pouco ambicioso. Temos de ser capazes de fazer muito melhor do que temos feito até aqui.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Agora, para finalizar as perguntas, pelo Grupo Bege, o Mário Pedro Cristelo.

 
Mário Pedro Cristelo

Bom dia. Cumprimentar a Mesa e em particular a Prof.ª Maria Luís Albuquerque, e endereçar também cumprimentos à organização, por esta Universidade.

Nós gostaríamos de perguntar em que medida é que as restrições europeias, nomeadamente ao limite da dívida e do défice orçamental, plasmados no Tratado Orçamental e no Pacto de Estabilidade, podem ser, neste momento, um entrave ao crescimento do país e em que medida, também, a resposta à crise não condicionou o crescimento de Portugal no futuro.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Mário.

Se as restrições ou as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado Orçamental, são ou não um entrave ao crescimento? Eu acho que não e vou explicar porquê.

Reparem que as restrições ao défice e à dívida… podemos discutir se o número deve ser 3% ou 60%. Eu acho que isso é, seguramente, matéria discutível, se aquele limite absoluto é o adequado ou não. Foi o resultado da aplicação de um modelo, mas não me parece, de todo, o mais relevante.

O relevante é saber se os países se devem comprometer a limitar o seu défice e a sua dívida. Se alguém me disser que limitações ao défice e ao crescimento da dívida prejudicam o crescimento, vai ter de me explicar muito bem porquê, porque eu não entendo.

Ou seja, voltando a um tema, a uma questão de que já aqui falei hoje. É possível fazer escolhas, e é frequentemente adequado fazer escolhas que conduzam a um défice elevado num determinado momento. Mas tem de ser uma escolha que seja capaz de, no futuro, gerar um retorno que permita voltar a equilibrar as contas.

O que estas regras nos dizem não é que não possa haver défices ou que não possa haver dívida ou que esta possibilidade de os Estados gastarem hoje, para terem retorno no futuro, deve deixar de existir. De todo. Isso era se disséssemos que nunca podia haver défice e a dívida tinha de ser zero. Isso é que impunha que não houvesse escolhas inter temporais e tinha que ser sempre a cada ano. Não é de todo isso que se passa. O que se diz é que, quando alguns destes limites são ultrapassados, se põe em causa o crescimento, precisamente.

Porque quando entramos numa situação de défices recorrentes, que vão aumentando a dívida, os encargos com a dívida, nós vamos limitando cada vez mais a nossa capacidade de escolha. Quanto mais for o peso na despesa de cada ano que resulta dos défices passados, menos margem nós temos para decidir gastar em outras coisas que eventualmente teriam maior retorno.

E não podemos dizer: bom, nós acomodados esta dívida… que parece ser um bocadinho a ideia de quem diz que estas regras limitam o crescimento, é: se nós não tivéssemos estas regras, nós podíamos fartar-nos de gastar dinheiro e ter um défice de 10%.

Temos aqui alguns problemas. Primeiro: quem paga? Quem é que financia este défice de 10%? Se eu quero gastar mais 10% do que aquilo que produzo, tenho de convencer alguém a emprestar-me dinheiro para o fazer. Primeiro ponto.

Segundo ponto: qual foi o resultado positivo no crescimento da última vez que nós tivemos défices elevados? Só para tentar, enfim, encontrar alguma colagem com a realidade de quem acha que ter défices muito elevados é bom para o crescimento do país. Porque se há coisa que nós temos, no país, de experiência, é de défices elevados e crescimento anémico.

O défice elevado, em si mesmo, não tem mérito absolutamente nenhum. Pode ser compreensível pontualmente, numa circunstância muito específica. Mas só assim. Caso contrário, a única coisa que gera é dívida e limitação futura.

As regras são perfeitamente racionais e, convenhamos, são mais do que flexíveis, porque nós nunca cumprimos. E, portanto, a ideia de que há uma grande intransigência é uma ideia falsa, porque Portugal nunca esteve, por razões diferentes e com muitas justificações, não é isso que eu estou a dizer, mas a verdade é que – Portugal e outros países – nunca foram verdadeiramente penalizados, do ponto de vista institucional, por não cumprirem estas regras. Mas são penalizados, na prática e na realidade, pelos mercados. Porque lá está, para gastar mais do que aquilo que tenho, tenho de convencer alguém a emprestar-me. Quanto mais eu gastar e menos conseguir de retorno, mais vou ter de pagar para que alguém me empreste. E há depois um limite para este raciocínio. E o resultado não pode ser dizer… pergunta se a resposta à crise condiciona o crescimento no futuro. As crises são… condicionam obviamente as opções, também têm em si oportunidades. E a maior oportunidade de uma crise terá de ser reconhecer quais foram os erros que levaram a essa crise para garantir que não os repetimos e não voltamos a uma mesma crise.

Se tivermos de voltar a entrar em crise, ao menos que seja por erros diferentes e não por estarmos sempre os erros que já cometemos no passado. Aquilo que verdadeiramente condiciona o nosso futuro são as razões que levaram à crise e não aquilo que teve de ser feito para a ultrapassar.

E por isso é que é tão preocupante ver que voltamos a cometer os mesmos erros que se tinham cometido no passado. E dizer-se que o défice não importa e que não temos de nos preocupar com os números é a maior irresponsabilidade social que pode haver. Porque nós sabemos bem, todos, na pele, quais são as consequências dessa atitude e como é que resulta para as pessoas dizer que o défice não tem importância. Tem!

O défice tem importância porque tem impacto na dívida, porque tem despesa futura. Dizer: não pagamos a dívida, bom… mais uma vez, resolve o problema do défice, porque, se dissermos que não pagamos a dívida, ninguém mais nos empresta dinheiro e, portanto, temos o défice logo a zero. Gastamos o que há, o que não há não se gasta.

Ou, numa modalidade mais branda, seria uma reestruturação que não impedisse o acesso ao financiamento. Mas, o que é que acham? Imaginem que são investidores, que emprestaram dinheiro à espera de receber o capital com um determinado montante de juros no final. E depois se lhe dizem, bom, nós agora não temos condições de pagar e, portanto, vamos pagar só metade, ou vamos pagar em mais tempo com juros mais baixos.

Eu não digo que isto não possa ser feito. O que eu acho fundamental é que na discussão as consequências sejam ponderadas. Quando se voltar a pedir dinheiro a esses investidores, acham que vão emprestar mais caro ou mais barato?

O ponto é: pode muito bem acontecer que, numa situação dessas, faz-se uma reestruturação de dívida, para baixar os encargos com a dívida, pede-se menos dinheiro emprestado e acaba-se a pagar o mesmo. Isto traz vantagens para o crescimento do país, em quê?

Portanto, como digo, já disse isso hoje aqui, há sempre alternativas, algumas são piores do que outras, mas a questão de perceber porque é que as regras existem, perceber que nós devemos controlar o défice e a dívida, não porque assinamos o Tratado Orçamental, não porque aderimos ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, não por termos medo das ameaças ou das sanções, mas porque isso é do nosso interesse, é do interesse dos portugueses resolver este problema, é do interesse dos portugueses serem capazes de viver em cada ano com a riqueza que são capazes de produzir. É do interesse de todos nós reduzir a dívida pública, muito mais do que para cumprir um tratado, um pacto ou para evitar sanções de quem quer que seja.

Porque se, de facto, tudo isso fosse negativo, então mais valia nós sairmos e desistirmos. Mas a minha convicção, a nossa convicção, daqueles que são europeístas, é que isto é do nosso interesse. Nós aderimos voluntariamente a essas regras porque entendemos que isso melhora o nosso futuro, de facto.

E, portanto, nós temos de pensar não em formas de conseguir que nos perdoem um défice mais alto, mas em formas mesmo de termos um défice mais baixo, porque isso é melhor para nós. E é melhor, em particular, para vocês, que estão a começar a vida e que, como já foi dito aqui hoje, não merecem ter como única expectativa de futuro uma dívida muito grande para pagar, ou uma segurança social que não vos garanta aquilo que outros, hoje, têm garantido.

Merecem um futuro melhor e, mesmo para acabar, o PSD, com as propostas que tem, estará sempre disponível para trabalhar para esse futuro melhor, com vocês e com todos aqueles que tenham, de facto, vontade de construir um Portugal melhor para as gerações atuais e sobretudo para as gerações futuras em quem temos francamente de pensar. Muito obrigada.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito obrigado. Nós concluímos a primeira aula da Universidade de Verão 2016. Eu vou acompanhar a nossa convidada à saída, juntamente com a Margarida. O Nuno e os conselheiros vão continuar os procedimentos e eu regresso dentro de dois minutos para vos dar duas ou três informações antes de fecharmos para almoço.

Em nome de todos, em nosso nome, em vosso nome, um especial agradecimento à Prof.ª Maria Luís Albuquerque pela espetacular aula de Economia e Finanças que nos proporcionou esta manhã. Muito obrigado.

[Aplausos]

 
Nuno Matias

Antes de mais o Paulo Colaço pediu-me para vos informar que na Intranet e na vossa área têm à vossa disposição já um desafio do JUV sobre esta aula. Portanto, quem tiver curiosidade, seria interessante poder contribuir porque o JUV é vosso e também se baseia muito naquilo que são os vossos contributos e as vossas interações.

Em relação a esta votação, vocês têm nas vossas pastas uns cartões de votação para nós podermos saber, no fim de cada uma das aulas, qual a utilidade do tema. Portanto, desde 1 a 5, vamos fazer essa votação.

Toda a gente tem os cartões, certo? Alguém tem alguma dúvida em relação à metodologia? Nós vamos votar a utilidade do tema. Nós vamos fazer votação por filas, vamos só aqui fazer um compasso de espera.

Entretanto, dar nota também que à saída toda a documentação que vos foi entregue para deixarem junto do staff deve ser colocada nas urnas que estão à saída da sala. E, já sabem, têm no programa, a aula da tarde do "Falar Claro”, começa às 14.30 horas.

Bom, muito bem. Toda a gente percebeu qual é o objetivo? A questão da utilidade do tema da aula.

Vamos votar por filas. Peço então à primeira fila que levante o voto.

Bom, a questão é, para além da utilidade do tema, como é óbvio, a utilidade da aula…

 
Dep.Carlos Coelho

Desculpem, o que se vai perguntar agora é se vocês acham se o exercício que tivemos foi útil para vocês. É de certa forma uma avaliação global. Por voto secreto, vocês têm que decompor a vossa avaliação. Têm que ver se o tema é importante ou não é importante, se a aula foi interessante e se ela trouxe novidades. Isso é o que vão fazer, por escrito, decompondo a vossa avaliação. Mas há uma avaliação global que é: o facto de vocês terem estado aqui duas horas e meia, quase, a ouvir falar de economia e de finanças, foi útil ou não foi útil. É esta a pergunta que se vai fazer. Vocês consideraram isto útil, ou não? E têm 5 para "muito útil”, 4 para "bastante útil”, 3 para "assim, assim”, 2 para "pouco útil” e 1 para "completamente inútil”.

 
Nuno Matias

Primeira fila. Podem baixar.

Segunda fila. Podem baixar.

Terceira fila. Muito obrigado, podem baixar.

Quarta fila. Muito obrigado, podem baixar.

Quinta fila. Muito obrigado.

Sexta fila. Ok, muito obrigado.

Não se esqueçam de deixar à saída, então, a documentação. Bom almoço.