Simulação de Assembleia: Proibir as Barrigas de aluguer
Nuno Matias
Vamos então agora para o oitavo debate. Peço ao Grupo
Castanho que se apresse aqui para a bancada do Governo. Ao nosso lado esquerdo
a Oposição 1 do Grupo Laranja; e ao nosso lado direito a Oposição 2 do Grupo
Bege.
E tentem ser um pouco mais rápidos, por favor.
Vamos então dar início ao oitavo debate desta sessão
parlamentar. A proposta é a Proibição das barrigas de aluguer. Pelo Governo
Castanho, tem a palavra a Primeira-ministra Nicole Lourenço. Dispõe de cinco
minutos.
Nicolle Lourenço
Exmo. senhor Presidente da Assembleia da República,
senhoras e senhores Deputados;
A regulação da procriação medicamente assistida foi um
passo importante para o país. No entanto, e reconhecendo a importância desta
medida, não podemos também deixar de reconhecer a limitação da mesma, pelo que
consideramos imperativo a suspensão imediata desta lei, para que os cidadãos
que acederam à mesma sejam salvaguardados. Neste momento, a situação
legislativa atual levanta problemas graves e irreversíveis.
Em primeiro lugar, no que diz respeito à salvaguarda da
saúde da criança, esta é claramente posta em causa, tendo em conta que não
existe regulamentação no que diz respeito ao comportamento da gestante.
Dou-lhes um exemplo que mostra os conflitos existentes entre o Conselho
Nacional de Ética e aquilo que está escrito na lei.
A questão da amamentação, em que, ainda que os
beneficiários entendam que esta deve ser feita pela gestante, esta tem o livre
direito de escolher de como é que a há de fazer. Ao não se imporem restrições
comportamentais à gestante, aquilo que inicialmente pode ser uma pessoa
saudável, e ainda que tenha acompanhamento inicialmente, nada nos garante que
ela não possa vir a ter comportamentos de risco que comprometam a saúde do
bebé, como, por exemplo, através do consumo de drogas e álcool. Porque,
convenhamos, até que ponto uma pessoa terá assim tanto cuidado se o bebé,
afinal de contas, nem será dela?
Nós achamos que é um risco demasiado grande com graves
repercussões na saúde da criança. Nesta situação, a saúde da criança não é
salvaguardada, sendo então fulcral reajustar a lei neste sentido.
Outra consequência da ausência de controlo ao
comportamento da gestante, é que nada nos garante que esta não quebre o
contrato, por exemplo, fugir do país. Apesar de ser punível por lei, na prática
não existe nenhum mecanismo que ajude a prevenir este tipo de situação,
salvaguardando quer os beneficiários, quer a criança.
Caríssimos Deputados, na Índia, onde esta é uma prática
comum, 17% dos beneficiários que acreditaram nesta técnica, na esperança de
verem finalmente realizado o sonho de constituir família, viram esse sonho ser
desfeito pelo facto de a gestante ter desaparecido, carregando consigo a sua
criança. Se vamos permitir este sonho, então temos que conseguir prevenir que
situações deste género não aconteçam com as famílias portuguesas.
Portanto, com a lei atual temos o problema de garantir a
saúde física da criança, o problema de garantir a saúde psicológica dos
beneficiários em múltiplas situações, mas temos aí um problema potencialmente
maior, que é o risco de que Portugal se torne num mercado ilegal para o turismo
de produção. A realidade é esta. A lei atualmente em vigor não contempla de
forma alguma a possibilidade de casais estrangeiros se deslocarem a Portugal
para levarem a cabo esta prática.
Num contexto em que 82% da população europeia não tem
acesso legal à gestação, claramente Portugal tornar-se-á um país vulnerável em
termos socioeconómicos onde isto poderá ser efetuado. Não é preciso ser um
génio para perceber que, a médio prazo, teremos no nosso pais a repetição do
que até agora acontecia na Índia e no México, mas com uma agravante. Cá, a lei
não permite qualquer tipo de pagamento por esta prática, e bem, na nossa
opinião. Então isso significa que estamos condenados a albergar um mercado
negro do turismo de reprodução, muito provavelmente o mercado negro do turismo
de reprodução de preferência do resto dos países europeus.
Como tal, a lei que atualmente temos, deixa-nos um
problema adicional: não só é incapaz de garantir a saúde da criança, não só é
incapaz de garantir a saúde dos pais beneficiários, como ainda lança as sementes
para a criação de um mercado negro do turismo de reprodução em Portugal.
Resumindo, senhores Deputados, a legislação atualmente em
vigor deixa a porta aberta para um conjunto de situações nefastas que colocam seriamente
em perigo a saúde física e psicológica dos pais biológicos, da criança e
quando… quando um casal vir as suas expectativas de constituírem família
falharem, como acontece em 11% dos casos na Austrália, nós poderemos ajudar. Quando, senhores Deputados, a pressão criada
pela procura destes procedimentos der origem a uma indústria ilegal do turismo
de reprodução, como acontece na Índia e no México, não poderemos ajudar-nos a
nós próprios.
Isto não significa que a gestação de substituição seja
eliminada definitivamente. Pelo contrário, aquilo que desejamos é que esta
decisão seja seguida de um debate claro, honesto e compreensivo acerca da
melhor forma de introduzir esta prática na nossa sociedade, para dar resposta a
uma necessidade real de muitas famílias portuguesas.
Mas para o fazer, que o façamos de maneira justa,
informada, equilibrada e livre de perigos e de efeitos secundários.
Muito obrigada.
[Aplausos]
Nuno Matias
Tem agora a palavra para uma interpelação, o Grupo
Parlamentar Laranja, pela Deputada Filipa Portela, dispõe de três minutos.
Filipa Portela
Exmo. senhor Presidente da Mesa, Exmos. Deputados;
Após a análise do vosso programa, estamos na necessidade
de refletir e analisar o mesmo. Vamos começar pelo início. Relativamente aos
pormenores (mas problemas graves apontados por vós) trata-se de uma questão de
legislar. Se não sabem fazer, podemos ajudar, mas não cancelar uma lei que está
atualmente em vigor.
Além disso, consideramos uma afronta a Portugal e aos
portugueses estar a comparar um país ocidental, como é o nosso, com países
subdesenvolvidos, como é a Índia e o México. Só estão a provar a vossa falta de
confiança nos portugueses.
Se existe um conflito entre as recomendações do Conselho
Nacional de Ética para as Ciências da Vida e o disposto na lei, por que não vai
o Governo trabalhar nessas recomendações? Eu sei porquê, senhora Ministra.
Porque a vossa lei favorita é a lei do menor esforço.
Vamos às vossas prioridades. Não compreendo como querem
começar por, passo a citar, ”proibir com efeito imediato a gestação de
substituição como método de reprodução assistida”, e só depois lançar o debate.
Vamos debater no seio da sociedade portuguesa. Se estão com tantas reticências
neste diploma, vamos mais uma vez debater este assunto, mas com problemas
concretos, não com isto que nos apresentam. Não se começam a construir casas
pelo telhado, meus amigos.
Para terminar, e citando a representante da Associação
Portuguesa de Fertilidade, Joana Frei, a lei de gestação de substituição
beneficia mulheres sem útero, mas com ovários funcionais, e outras que não têm
útero nem ovários. Não se destina a mulheres que não querem ter o filho no
útero. É uma questão de saúde.
Com a taxa de natalidade que o nosso país atravessa,
acham que estamos em condições de dificultar os portugueses que querem ter
filhos e não podem? Qual é a nossa legitimidade para discriminar os casais
inférteis? Não têm direito à felicidade de ter filhos?
Estamos a falar de uma realidade de mais de 137 mil
mulheres que, sem esta lei, não podem ter filhos. Qual é a diferença entre uma
mãe que tem um filho gerado dentro dela e uma que tem um filho gerado dentro de
uma mulher preparada para isso?
Vamos refletir todos juntos, antes de tomar uma decisão.
[Aplausos]
Nuno Matias
Tem agora a palavra, para uma interpelação pelo Grupo
Parlamentar Bege, o Deputado André Soares. Dispõe de três minutos.
André Soares
Exmo. senhor Presidente da Assembleia da República,
senhores membros do Governo, senhoras e senhores Deputados;
Primeiro gostaria de iniciar esta minha oposição referindo
que há aqui um erro gravíssimo. Isto não é um programa de governo, isto é um
programa incoerente, porque vocês têm aqui três situações e em baixo estão-se a
perguntar: mas será que isto é mesmo verdade? Porque aqui muitas palavras
dizem: reavaliar, pensar de novo, discutir. Mas afinal vamos apresentar coisas
concretas ou vamos andar aqui para a frente e para trás e não sabemos bem o que
apresentamos?
Gostaria também de referir uma coisa. Acho que está a
julgar muito mal o povo português, que é um povo de um país desenvolvido e,
como disseram aqui, tem de haver bom senso. Não vamos andar aqui a comparar-nos
com a Índia e com o México porque não tem nada a ver. Mas pronto, se a senhora
Deputada quer fazer isso…
Também lamento imenso não terem acesso a alguns meios de
comunicação, como o jornal, como qualquer coisa, o computador não dá só para
Facebook. E digo isto porquê? Como devem já ter reparado, um dos problemas
neste momento é a natalidade. O que é que vocês estão a querer fazer com estas
medidas? Estão a criar um desincentivo à natalidade.
E aqui levanta-se um problema maior ainda, que já foi
referido, e dou um caso específico. Uma em cinco mil mulheres nasce com, e peço
desculpa pela minha pronúncia, Síndrome de Rokitansky, e eu explico o que é
isto. Uma mulher nasce e o útero não se desenvolve de modo a conseguir
desenvolver um feto, ou seja, a mulher nasce incapaz de desenvolver um feto.
Isto vai criar um problema que, na minha opinião, é crucial, que é o direito à
família. Nós todos temos o direito à família. Na minha opinião, nós estamos cá
de passagem. A família, para mim, é o que mais importa, e vocês estão a cortar
isso.
E gostaria de referir, também, que estão a criar uma
situação desagradável que é fazer com que os casais tenham de se deslocar ao
estrageiro [ Nuno Matias : Dispõe de
30 segundos.] e agindo como os criminosos.
E dou por encerrado. Obrigado.
[Aplausos]
Nuno Matias
Muito obrigado. Para prestar esclarecimentos, pelo Governo
Castanho, tem a palavra o Ministro João Coelho. Dispõe de três minutos.
João Coelho
Obrigado, senhor Presidente. Obrigado pelos vossos
comentários, caros Deputados.
Começo por ambos, porque foram ambos muito parecidos, o
que quer dizer que há pouca imaginação aqui na maneira como vocês conseguiram
abordar este tema.
Sobre o não saber o que fazer, sobre se devíamos legislar
e não cancelar a lei. Repare, quem sabe tudo o que tem que fazer é quem é
absolutamente cego. Os países que sabem tudo o que fazer, têm vários exemplos
no mundo, é por exemplo a Coreia do Norte, é por exemplo a Rússia, são por
exemplo todas as ditaduras que conhecem. Aquilo que nós sabemos, senhores
deputados, é que temos de consultar o povo, temos de consultar a sociedade
civil, temos que saber o que é que as pessoas que estão dentro destes assuntos
pensam, antes de tomarmos decisões precipitadas, como foi o caso da adoção
desta lei.
Relativamente à questão da família, que é a coisa mais
importante. Eu concordo consigo. Sabe como é que pode construir uma família
hoje em dia? Pode ir adotar uma criança, pode ir adotar uma criança, que
existem 277 mil crianças em Portugal à espera para ser adotadas. Quer uma
família? Tem muitas crianças à espera, senhor Deputado.
Sabe que trabalhar nas recomendações do Conselho de Ética
é uma coisa que a gente pode fazer. O que é que não podemos fazer? Não podemos
trabalhar sobre as recomendações que ainda não existem. Ou seja, há muita coisa
desta discussão, muita base desta discussão que ficou perdida no meio dos
populismos, ficou perdida no meio da conversa de distração a que fomos
assistindo enquanto esta proposta estava a ser discutida e passada à pressa.
Enfim, eu nem sei onde pegar, que isto é tantos
disparates.
Gostava de ir aqui à questão da Índia e do México, que
não tem nada a ver. É verdade que não tem nada a ver. Uns têm uma população
gigante, outros têm uma população muito pequena. Uns têm um PIB muito grande,
outros têm um PIB muito pequeno. Sabe qual é a semelhança entre a Índia e o
México? É que os países que existem à volta desses países também não têm lei de
gestação de substituição, que é o mesmo que acontece em Portugal com o resto
dos países da Europa. Na Europa é o Reino Unido, a Suécia e mais um conjunto de
países relativamente fraquinhos que têm direito a este tipo de acessos.
Portanto, se tivermos numa situação em que Portugal, na situação socioeconómica
vulnerável em que está, for o único país da Europa onde as pessoas podem vir
para ter este tipo de tratamento, é isso que vai acontecer. E como a lei prevê
que não se pode pagar nada, o que vai acontecer é um mercado ilegal deste tipo
de tratamentos.
Eu vou concluir. Acho que temos bastantes coisas para
discutir [ Nuno Matias : Dispõe de 30
segundos.] gostava de conseguir… obrigado, concluo já, gostava de conseguir
explicar-vos um pouco melhor.
Deixo-vos com uma analogia relativamente simples.
Imaginem uma canalização que tem várias fugas. Não se repara a canalização indo
fuga a fuga com a água ligada. Primeiro desliga-se a água, depois vai-se ver
qual é o problema, vamos analisar o problema, encontrar a solução, e depois de
corrigirmos esses problemas todos, então é que voltamos a ligar a água, se for
caso disso.
Muito obrigado.
[Aplausos]
Nuno Matias
Muito obrigado. Terminado o debate, queria então pedir
aos grupos neutros que manifestassem, através do voto, quem entendem que ganhou
o debate.
Quem entende que ganhou o Governo Castanho?
Podem baixar, obrigado.
Quem entende que ganhou a Oposição 1, Grupo Laranja.
Podem baixar, obrigado.
Quem entende que foi a Oposição 2, Grupo Bege.
Parece claro que foi a Oposição 1 que ganhou o debate, do
Grupo Laranja.
Vamos então agora saber qual é a vossa opinião sobre esta
proposta da proibição da gestação das barrigas de aluguer.
Quem é a favor desta proibição?
Muito obrigado. Quem é contra?
Claramente que maioria é contra a proibição.
Passo a palavra aos nossos comentadores.
Duarte Marques
Obrigado, parabéns. Eu tenho dúvidas sobe quem ganhou
este debate entre Pombal e Pombal. Se foi o Governo, se foi o Grupo Laranja.
Mas eu percebo que a Filipa foi mais expressiva. Aliás, eu acho que o vosso
problema foi o mesmo de ambos.
A Nicole, vocês não se apercebem daí – eu nem sei como é
que correu tão bem -, porque ela conseguiu ler muito bem, a voz não lhe tremia,
parecia que não tremia, mas só não tremia a voz. Aquela perna aqui debaixo da
cadeira, estava ali parecia um… O braço também. Ela a tentar puxar o rato para
andar com o texto para a frente, o João é que começou a ajudar. Mas a cara dela
não mexia, impecável. A ler, a ler, a ler… e o discurso estava bom. Tu tens uma
boa voz, mas a leitura foi sempre igual, falta-te ali um bocadinho de emoção.
O João, que se nota que pensa bem, foi um chato. Foste
até um bocadinho, para o que se notou que sabias, falta-te depois comunicar com
as pessoas, porque tu dominaste o assunto. Estavas aí, pegaste onde quiseste,
deste a volta, montaste, desfizeste… só que parecia que estavas sozinho no meio
do mundo, parecia que estavas a escrever, quando estavas a falar para pessoas.
Mas notou-se logo, este gajo sabe o que está a dizer perfeitamente.
Foi pena não teres tido o punch que a Filipa teve, que ela
espalha simpatia. Fala alto, riu-se, teve aquele impacto todo físico, ela é
pequenina, mas sempre cheia de pica. Esteve impecável. Enquanto a Filipa
transmite energia, vocês… eu estava aqui a discutir com o Carlos, ele diz
assim: aquele gajo pensa, mas foi tão sonolento. Como quem diz, acorda! Às
vezes dá jeito, quando se quer matar um debate. O governo faz muito isso com o
Augusto Santos Silva. Manda-o lá para a Comissão de Assuntos Europeus, ele está
ali a falar meia hora, não comete um erro, é tudo na mouche. Mas a malta chega a uma altura que já não
está a ouvir, porque distrai.
É pena, devias ser mais assertivo, porque tens boa voz,
pensas bem, e tens de ter mais punch. Isso não é a tua opção, ou não calhou,
mas devias trabalhar isso porque podes melhorar com isso.
O André começa com uma tirada espetacular que é: eu vou
iniciar a minha oposição. Isso já é suposto, escusas de anunciar. Mas perdeste
em relação a eles porque andaste ali um bocadinho a bailar. Os teus argumentos
não foram tão vincados como os da Filipa. Tens boa voz e estás à vontade, mas
às vezes parecia que estavas a improvisar no meio do caminho. Eu acho que isso
prejudicou. Ou tu não preparaste, ou estavas tão à vontade que foste um
bocadinho displicente. Porque tu tens boa voz, tens bom argumentário, tens à
vontade a falar, não sei se foi por estares demasiado à vontade ou não, ou se
foi porque o tema não te chegava muito, tu andaste ali zinga, zinga, zinga…
Dep.Carlos Coelho
Só três notas breves. De uma forma geral, as vossas
apresentações em plenário estão melhores do que a qualidade dos documentos. Eu
recebi uma sugestão, que já respondi, para publicar os documentos na intranet,
o Hugo já as meteu antes do intervalo, para que os grupos neutros possam
acompanhar, se quiserem, os documentos que foram apresentados.
Este documento tem muitas fragilidades, e o André, e bem,
atacou exatamente isso. Atacou a qualidade da proposta inicial do Governo. Mas
como a maior parte dos grupos neutros não está a seguir dos documentos, é um
argumento que perde eficácia na Assembleia, e a Filipa esteve particularmente
bem nos argumentos. Esteve bem nos argumentos que apresentou, esteve bem na
forma como apresentou, a Filipa transmitiu convicção, e isso é essencial. Não
abusou, mas citou um argumento de autoridade para reforçar o seu ponto de
vista, e aí também esteve muito bem.
A Nicole, aquilo que o Duarte disse, um bocadinho menos
de nervos e um bocadinho mais de confiança. Isso é uma coisa que se ganha com
experiência.
E o João, que fez uma abordagem muito inteligente, é
necessário um bocadinho mais de convicção, mais de representação, se quiser, de
resto, sob o ponto de vista intelectual, a resposta foi muito, muito boa.