ACTAS  
 
03/09/2016
Simulação de Assembleia: Proibir símbolos religiosos
 
Joana Barata Lopes

Peço aos grupos que ocupem os seus lugares. Para ocupar o lugar do Governo, chamo o Grupo Azul. Da Oposição 1, à nossa esquerda, o Grupo Roxo, e a Oposição 2, à nossa direita, o Grupo Rosa.

Tão rápido quanto puderem…

 
Dep.Carlos Coelho

Atenção a todos. Como estamos numa lógica de rotação, quando vocês saem dos vossos lugares têm que trazer as vossas coisas, sob pena de não haver depois lugar para sentar aqueles que saem aqui das filas da frente.

Há outra coisa que me esqueci de dizer, mas que digo a todos. A parte mais divertida do exercício anterior foi uma coisa que todos fizeram. Estas assembleias estão a ser presididas alternadamente pela Joana e pelo Nuno Matias. Foi uma delícia ver todos os grupos dirigirem-se ao Nuno Matias por senhora presidente.

Nós vamos atazanar o Nuno nos próximos três meses à conta de vocês.

[Risos]

 
Joana Barata Lopes

Vamos prosseguir a nossa sessão parlamentar. Vamos para o ponto três da ordem do dia que se relaciona com o tema da proibição dos símbolos religiosos.

Para apresentar a proposta do Governo Azul tem a palavra o senhor Ministro Bernardo Barbosa. Dispõe de cinco minutos.

 
Bernardo Barbosa

Boa tarde a todos. Gostava de começar por cumprimentar os membros da Mesa, na pessoa da senhora Presidente, Joana Barata Lopes.

Caríssimos governantes, senhoras e senhores Deputados, restantes persentes;

Ao longo da história mundial temos vindo a assistir a vários conflitos causados por divergências religiosas, sendo este o denominador comum dos diferentes conflitos. As cruzadas, que foram uma série de campanhas entre os séculos VI e VII, com o objetivo declarado de reconquistas as terras santas das invasões muçulmanas, e vir em auxílio do império bizantino.

As guerras religiosas francesas, que foram sucessões de guerras em França durante o século XVI, entre os católicos e os protestantes. Ou, como todos conhecemos, a guerra dos trinta anos, outra guerra entre católicos e protestantes.

Ilustres Deputados, já nos dias que correm assistimos a diversos conflitos armados por motivos religiosos, e todos vocês os conhecem bem. Desde logo no Afeganistão. Assistimos a um conflito entre fundamentalistas radicais islâmicos e não islâmicos. A violência no país já matou mais de 150 mil pessoas, senhores Deputados.

Já na Nigéria, não é só o rio Níger que separa cristãos e muçulmanos, mas também a sharia, a Lei Islâmica, principal legislador daquele país. A violência naquele país já matou mais de dez mil pessoas – um escândalo!

No Iraque verificamos um conflito armado entre xiitas e sunitas, originando a morte de mais de cerca de setenta mil pessoas. Em Israel observamos também o conflito entre judeus e muçulmanos, originando a morte a mais de dez mil pessoas.

Após estes exemplos internacionais, dos quais já todos sofremos consequências, está na hora de salvaguardar a nossa nação e o nosso povo. Os símbolos religiosos podem ter, por si só, um elevado poder de exclusão de pessoas na sociedade, prejudicando assim os demais direitos, liberdades e garantias. Com a vaga de terrorismo que se tem sentido em toda a Europa, vimos por este meio proibir a utilização de todos e quaisquer símbolos religiosos em locais públicos. Por isso, propomos o presente projeto de Lei.

Senhores Deputados, há que convergir quando temos de convergir e divergir quando temos de divergir.

[Aplausos]

Caros Deputados, apesar de todas as divergências, a segurança do nosso povo tem que ser o mais importante.

Obrigado.

[Aplausos]

 
Joana Barata Lopes

Muito obrigada, senhor Ministro. Para a primeira interpelação ao Governo, pelo Partido Roxo, tem a palavra a Deputada Daniela Lourenço. Dispõe de três minutos.

 
Daniela Lourenço

Senhora Presidente da Assembleia da República, senhores membros do Governo, senhor e senhoras Deputadas;

Começo por citar o seguinte excerto constante do preâmbulo da proposta de Lei do seu Governo: os símbolos religiosos podem ter, por si só, um elevado poder de inclusão. É o que diz aqui; não é exclusão, como vocês estão a dizer. Ou seja, trabalho de casa mal feito, estou a ver. É só um erro que eu quero mencionar.

Depois, é assim: proibir a utilização de todos e quaisquer símbolos religiosos em locais públicos é, a nosso ver, uma proposta de uma medida inconstitucional. A Constituição da República Portuguesa consagra o laicismo de Estado. Isto é, o Governo rejeita a influência da Igreja na esfera pública do Estado e vice-versa, considerando que os assuntos religiosos devem pertencer somente ao indivíduo.

Peço desculpa, mas aqui também outro erro. Trabalho de casa mal feito. Artigo 2.º: o presente diploma destina-se a todos os residentes e não residentes em território nacional? Peço dez segundos da sua atenção para me explicar isto.

Para continuar, vamos aqui aos objetivos desta medida. Peço desculpa, eu vou continuar, e no fim… Prevenir conflitos entre grupos religiosos. É com a negação da liberdade de expressão que vai acabar com os conflitos?

Meus caros, a liberdade de expressão foi conquistada, demoramos décadas, temos que a preservar. A exclusão social… falámos aqui de assegurar a segurança nacional e a ordem pública e prevenção de ataques terroristas. Meus caros, a exclusão social alimenta ainda mais o terrorismo.

Vamos falar então do exemplo do Estado Islâmico, que tem como grande fonte de recrutamento, precisamente, os jovens que se sentem menosprezados e alienados da sociedade. Terá efeito, assim, esta medida que vocês tendem a ir contra todos os ideais que temos lutado. Grupos extremistas, meus caros, grupos extremistas, começam exatamente com estas medidas. [ Joana Barata Lopes : Dispõe de 30 segundos, senhora Deputada]

Para acabar. Evitar discriminações religiosas, igualdade de acesso ao trabalho? Este argumento não faz sentido nenhum. Pelos princípios constitucionais e laborais, não temos de lutar no sentido da possibilidade de discriminação por crença religiosa. Ou seja, não pode ser, sequer, uma hipótese admissível.

Para acabar. Mudam-se os tempos, meus caros; mudam-se os tempos, mudam-se as medidas. Conquistamos a liberdade… [ Joana Barata Lopes : Tem que terminar, senhora Deputada]

[Aplausos]

 
Joana Barata Lopes

Muito obrigada. Para a segunda interpelação ao Governo Azul, tem a palavra a Oposição 2, do Grupo Parlamentar Rosa, senhor Deputado Gustavo Pereira. Dispõe de três minutos.

 
Gustavo Pereira

Obrigado, senhora Presidente.

Senhora Presidente, caros membros do Governo, senhoras e senhores Deputados;

Senhor Ministro, eu sei que já tem uns aninhos e que já sofreu algumas alterações, mas no que respeita a matéria de liberdade religiosa, não sofreu alterações. Sim, eu estou a falar deste livro, da Constituição da República Portuguesa, que os senhores não conhecem.

Eu aconselho a leitura, é leitura fácil, 296 artigos, passa à frente o Preâmbulo, e em meia hora tem a coisa resolvida. O seu problema vai ser cumprir e respeitar a Constituição da República Portuguesa. Isso é que vai ser difícil.

Mas deixe-me dizer-lhe uma coisa. Quem conhece a Constituição da República Portuguesa, chega à alínea d) do 288.º e pensa assim: qual é a necessidade? É que só um governo que governasse de forma ditatorial seria capaz de pensar numa revisão constitucional com vista a restrição de direitos, liberdades e garantias. É aí que damos de caras com o seu governo. É aí que percebemos que realmente a Constituição tem a necessidade de limitar as revisões constitucionais nesta matéria.

Mas digo-lhe mais. Mesmo que a Constituição não travasse à partida esta proposta, que ataca violentamente o Estado de Direito, acredite que nós fá-lo-íamos. Não conta com esta bancada para atacar os direitos dos portugueses. Esta medida por aqui não passa. Como se costuma dizer, vá à volta, que por aqui não passa. Para passar esta medida, teria de correr connosco daqui.

Esta proposta é uma autêntica e genuína promoção ao ódio. Os esforços por parte dos líderes religiosos têm sido imensos, no sentido de fazer a separação ente religião e terrorismo. E agora, vem o Estado português, o Governo português, membro de organizações internacionais, apresentar uma medida, uma proposta que associa diretamente religião e terrorismo.

E como é que se faz isto? Proibindo símbolos religiosos, a utilização de símbolos religiosos. Senhor Primeiro-ministro, eu não entendo, eu não entendo como é que eu, ficando proibido, ou alguém, ficando proibido de usar uma cruz, um crescente ou um bode às costas, vai evitar que se faça um ataque terrorista, senhor Primeiro-ministro. Não consigo compreender, e vai ter de nos explicar isto.

Senhor Ministro, deixe-me terminar com um conselho. Eu há pouco dizia que para fazer passar medidas deste tipo, tinha de correr connosco daqui. [ Joana Barata Lopes : 30 segundos, senhor Deputado] Vou terminar. Tinha de correr connosco daqui. Mas termino com um conselho. É que se os senhores continuarem a apresentar medidas como esta, quem vai ser corrido daqui são os senhores, e é pelo povo português.

Obrigado.

[Aplausos]

 
Joana Barata Lopes

Muito obrigada, senhor Deputado. Para responder às interpelações, tem a palavra o senhor Ministro Bruno Rocha, pelo Governo. Dispõe de três minutos.

 
Bruno Rocha

Muito obrigado, senhora Presidente da Assembleia República, caríssimos Deputados;

A religião é algo que, têm que perceber, é algo íntimo, é algo que parte da pessoa individual, não é algo que passe por todo o coletivo. Uma pessoa não deixa de ser religiosa só por não usar um símbolo. É algo que parte da fé. Um católico não deixa de ser católico por não andar com uma bíblia ou não andar com um crucifixo. Um muçulmano não deixa de ser muçulmano por não andar com uma burka. A religião não é baseada em adereços.

Falam da liberdade que está na Constituição portuguesa. Este Governo defende essa liberdade. O Estado português é laico, certo? Como tal, a esfera pública também tem que ser laica, não pode haver manifestações. Vocês sabem, deduzo eu, que há pessoas, em Portugal, que não têm religião. São ateus. Como é que vocês vêm essas pessoas? Os ateus também se podem sentir ofendidos ao ver símbolos religiosos. Há que defender também essas pessoas.

Falam da questão das minorias. A existência de minorias, concordo com a senhora Deputada, pode ser aproveitada pelo Estado Islâmico para a criação de grupos extremistas em Portugal que pode favorecer o terrorismo. Nós, com esta proposta, pretendemos combater isso mesmo.

Imagine-se, em Portugal, a maioria da população é católica. Existem feriados católicos, o Natal. Não vamos pensar nas pessoas que, se calhar, não têm a religião católica e também mereciam festejar os seus feriados? Mas não festejam. Mas sabe que têm Subsídio de Natal, sabe que tem férias no Natal. Existe feriados para os muçulmanos? Não existe. Se quer igualdade, é igualdade para todos.

 
Joana Barata Lopes
Pedia que criassem condições para que o senhor Ministro terminasse, por favor.
 
Bruno Rocha

Se educar é sensibilizar, então se educarmos a população portuguesa e sensibilizarmos que, para se darem ao respeito, têm que ser respeitados, temos que implementar esta medida, porque se não implementarmos esta medida estamos a favorecer o extremismo, sim, e vocês, na realidade, estão a ser os verdadeiros terroristas que estão em Portugal.

Muito obrigado.

[Aplausos]

 
Joana Barata Lopes

Muito bem. Finalizado o exercício, vamos passar às votações.

Peço aos grupos neutros que votem. Quem entende que foi o Grupo Azul, representado no Governo, que ganhou o debate, por favor levante o braço.

Podem baixar, muito obrigada.

Quem entende que foi o Grupo Roxo, a Oposição 1, que ganhou o debate, levante o braço.

Muito obrigada.

Quem entende que foi o Grupo Rosa, a Oposição 2, que venceu o debate? Sendo que o grupo não pode votar. Mas ainda bem que concordas que foi o teu grupo.

Nós estamos a contar exatamente os mesmos votos para um lado e para o outro. Eu vou pedir novamente…

Quem entende que foi o Governo do Grupo Azul que venceu o debate, por favor levante o braço. Decida de uma vez, não mude de ideias, essas coisas…

Muito obrigada, podem baixar.

Quem entende que foi a Oposição 2, do Grupo Rosa, que venceu o debate, por favor levante o braço.

A diferença que nos dá é por um voto. Naturalmente dando os parabéns a todos os grupo, dizer que, de acordo com a nossa contagem, por um voto ganhou a Oposição Rosa neste debate.

Relativamente à temática – e agora peço a todos que votem – quem é a favor da proibição dos símbolos religiosos?

Quem é contra a proibição dos símbolos religiosos?

Muito bem, resulta claro que a larga, larga, larga maioria é contra a proibição dos símbolos religiosos. Muito obrigada.

Passo a palavra agora ao magnífico Reitor.

 
Dep.Carlos Coelho

O que é que se deve evitar? Bernardo, aquilo que é mais crucial no terreno parlamentar é o tempo. O tempo é o nosso património mais disputado. Na Assembleia da República ou no Parlamento Europeu ou em qualquer outro… No Parlamento Europeu, então, é uma coisa impressionante, a maior pate das intervenções são entre um minuto e meio e quatro minutos.

Vocês tinham cinco minutos para fruir e desperdiçaram metade. Falaram dois minutos e meio e deixaram pela borda fora dois minutos e meio. Às vezes não é por falar mais que se ganha mais razão, não é por falar mais que se ganha mais apoio. Mas a ideia de que vocês tinham um património e que só gastaram metade, dá a ideia de que desperdiçaram alguma coisa. Eu não posso hoje responder à pergunta se o Bernardo tivesse falado o dobro do tempo, se não teria conseguido ganhar o dobro dos apoiantes.

Dito isto… Daniela, cuidado com os solavancos. É bom modular a voz, não fazer sempre um registo regular, porque isso adormece a audiência, mas excessivos solavancos dão uma imagem de insegurança e não permite captar a atenção.

Na minha opinião pessoal, a vossa votação foi justa, a Oposição 2 ganhou claramente o debate, e a prestação do Gustavo foi fantástica. Mostrou a Constituição da República Portuguesa, teve imensa graça na forma como disse que aquilo é uma leitura fácil. Os que tiveram que estudar direito e estudaram a Constituição, devem-se ter arrepiado com a maneira completamente à vontade com que ele disse isto é uma leitura fácil, você passa o Preâmbulo, e depois é só uma tarde para ler aquilo, são pouco mais de duzentos artigos – fantástico!

Teve bons argumentos, teve fantásticos sound bites , "não contem com esta bancada para limitar os direitos dos portugueses”. "Não defendemos a promoção do ódio”. Teve um excelente punch final. O Gustavo esteve cinco estrelas, e dou-lhe os parabéns.

O Bruno, salvou a prestação do Governo, na minha opinião. O Bruno demonstrou muita inteligência a tentar contornar os argumentos, alguns deles falaciosos. Fê-lo com muita eloquência, fê-lo com muita inteligência. O sound bite mais brilhante do Bruno é que os símbolos não são só adereços, ou são só adereços. Teve muito… a piada de como é que se faz com os ateus. Viu-se que prepararam os argumentos, os contra-argumentos, e estiveram muito bem nisso.

Esta ponta final do debate foi, de facto, a mais excitante. Eu acho que esta votação à pele que aconteceu é muito graças à forma inteligente como o Bruno respondeu às acusações do Gustavo.

 
Duarte Marques

Três ou quatro notas bastante rápidas. O Bernardo tem uma boa voz, mas estavas a falar aos tiros, parecias o Pedro Mota Soares. Tu tinhas as coisas pensadas, estruturadas, a pesquisa foi boa, foi inteligente ir buscar esses exemplos todos, mas estavas ali aos solavancos. Tu sabias as frases, ou ias lendo, e cada vez que lias, falavas. E isso não parecia uma coisa harmoniosa.

Aliás, é o mesmo erro da Daniela. Também tem boa voz, ia tendo umas coisas engraçadas a dizer, tinha razão nos argumentos, mas estava assim… E tu fizeste a mesma coisa. Se isso fosse tudo mais suave, terias tido muito mais impacto e muito mais resultado. E foi inteligente a forma como agarraste aí o computador, e como puseste uma caneta na mão, porque as tuas mãos tremiam todas. Vocês não veem daí, mas ele ia agarrando a caneta para um lado, a caneta para o outro, para saber onde é que devia pôr as mãos. É um truque, é um bom truque, vocês não viam, que ele tinha o computador à frente, mas atenção ao que aprenderam na aula do Falar Claro: se as pessoas estão a ver isso, por acaso, estão distraídas com a vossa mão e não andam a ver o que vocês estão a dizer. Cuidado com esse truque, mas foi inteligente.

O Gustavo, eu estava deliciado a ouvi-lo, foi top. A sério, foi mesmo brutal. A primeira parte, então, foi muito, muito acima da média. Depois para o final atrapalhaste-te mais um bocadinho. Mas foi, até agora, acho que a melhor intervenção, pela forma como estavas ali a fazer quase uma lide numa corrida de toiros, a brincar com eles, porque estavas tão à vontade e com os argumentos tão bem pensados, que estiveste mesmo, mesmo muito acima da média. Para um adepto do Futebol Clube do Porto, surpreendeste-me.

[Risos]

O Bruno esteve muito bem, foste muito inteligente. Eu não concordo nada com isso, mas quase que me convenceste com a tua teoria, que foi bastante esperta, inteligente, e conseguiste ser populista também nalguma parte, e eu acho que isso foi inteligente.

A única crítica que te faço: não digas "vocês”, fica mal, não fica bem. Nem "você” nem "vocês”, não se usa. Os senhores deputados, os senhores eleitores, etc. E há bocado houve alguém que disse "quaisqueres”, não sei se não foste tu. Foi um deles que disse. Não digam "quaisqueres”, é "quaisquer”, o plural é "quaisquer”.

Mas de resto foi um bom debate, e felizmente só houve um voto a favor desta proposta, o que me deixa bastante mais descansado sobre esta geração da JSD.

Muito obrigado.

[Aplausos]