ACTAS  
 
9/2/2016
EUROPA: Futuro ou futuros?
 
Dep.Carlos Coelho

… Europa, futuro ou futuros.

O nosso convidado dispensa apresentações. O deputado Paulo Rangel é sobejamente conhecido, foi um brilhante líder parlamentar na Assembleia da República, é atualmente vice-presidente do PPE, o Partido Popular Europeu, o maior grupo parlamentar no Parlamento, e é o chefe da delegação portuguesa no Parlamento Europeu, no PPE.

É docente universitário e tem como hobby ler, a comida preferida é o arroz de frango, o animal preferido é o cão, o livro que sugere, como já aconteceu com outro convidado, o Eng.º Carlos Pimenta, é "As Memórias de Adriano”, um livro notável de Marguerite Yourcenar. Para quem não conhece sugiro a leitura; é um livro que é um monólogo mas que não chateia do princípio ao fim. O filme que sugere, "Trainspotting”, e a qualidade que mais aprecia é a frontalidade.

O deputado Paulo Rangel é, além do mais, um amigo da Universidade de Verão, nunca recusou nenhum convite que lhe fizemos para estar presente, e como chefe da delegação portuguesa dos deputados ao Parlamento Europeu, é um financiador desta iniciativa. Portanto, estamos duplamente agradecidos pela presença e pelo apoio.

E, sem mais delongas, tem V. Exa. a palavra.

 
Paulo Rangel

Em primeiro lugar, bom dia a todos. Queria naturalmente agradecer à Universidade de Verão, mais uma vez, o convite que me fez. Em particular ao Carlos Coelho, sem o qual não haveria, tenho a certeza, Universidade de Verão. Agora já são uns anos, apesar de tudo, portanto posso dizer que já me sinto íntimo e à vontade aqui.

Hoje, o tema que que me propus tratar, é: Europa, futuro ou futuros?

E penso que, imediatamente a partir deste título, desta ideia "futuro ou futuros”, se percebe que nós temos de começar, basicamente, pela questão inglesa, - ou a questão britânica, talvez seja melhor colocar assim -, porque essa é que nos dá o mote para perceber se a União Europeia, em particular, vai ter um futuro ou se vai ter futuros. Isto é, se vamos assistir, de alguma maneira, a uma diversificação, e até, num certo sentido, a uma desagregação e ao desaparecimento da União Europeia.

Portanto, acho que esse ponto tem que estar em cima da mesa. Já estava antes, mas a partir do momento em que aconteceu o referendo no sentido do brexit , ele põe-se como uma questão incontornável.

Ate aí, digamos, era uma questão de bastidores. Nos corredores da União Europeia, nos bastidores das políticas nacionais, em alguns discursos de líderes mais ou menos nacionalistas, a questão de saber se a União Europeia estava de pé e pronta a continuar como uma realidade política global, era uma questão que se punha em surdina, digamos assim. Quando se dá o referendo britânico no sentido da saída da União Europeia, evidentemente que esta questão não pode mais ser evitada e tem de ser tratada com realismo e com toda a força, todo o vigor político, tem que ser enfrentada diretamente pelos Estados e pela própria União Europeia.

Quando se fala de futuro, nós podemos ter duas leituras possíveis sobre o futuro ou sobre os futuros. Uma é a leitura do Leibniz, que dizia o presente está grávido do futuro. Portanto, para nós percebermos o que vai acontecer, quais são os futuros possíveis, temos de nos centrar no passado, e em particular no passado recente, e até numa análise do presente. Portanto, o presente está grávido do futuro.

Ou então podemos ter uma análise diferente, também de um matemático eminente, e também de um filósofo eminente, que é o Karl Popper, que dizia que, no fundo, é o futuro que provoca o presente e não o contrário.

Portanto, aquilo que nós estamos habituados a raciocinar, o nosso raciocínio habitual, mais tradicional, vem da lógica do Leibniz. Nós temos de conhecer a História, e temos de conhecer o presente para perceber o futuro. Mas o Popper, que era um matemático eminente, disse: bem, as coisas deviam ser lidas ao contrário. É o futuro que provoca o presente, não é o presente que provoca o futuro.

E o que é que ele queria dizer com isto? Ele queria dizer uma coisa que parece um raciocínio complexo mas depois de visto, afinal, não é, que é isto: são as probabilidades de futuro que explicam o presente. Ou seja, muitas pessoas, muitos atores políticos, muitas instituições, atuam no presente em função daquilo que são as probabilidades de futuro.

O que é o presente? É a probabilidade verificada. Portanto, o presente é também condicionado não apenas pelo passado mas pelo futuro. As escolhas que nós fazemos e que condicionam o nosso presente político, em grande parte, são determinadas por aquilo que nós esperamos do futuro.

Portanto, são as probabilidades, é a probabilidade que tem mais chances de se realizar, é aquela que vai determinar, de alguma maneira, o presente.

É nesta dialética – se quiserem assim, para voltar a um termo filosófico – entre o presente e o futuro, entre o passado e o futuro, que nós temos de nos situar.

Eu, a respeito do caso inglês – começaria por aí -, gostava de fazer duas anotações. Uma anotação estritamente política e uma anotação, política num sentido lato, mais social, mais económica, mais alargada, mais global.

A primeira, que parece uma particularidade inglesa, porque aquilo que os comentadores e os analistas nos vão dizer – e andam para aí a dizer então na imprensa portuguesa, que é uma imprensa muito anglófona – é que o Reino Unido, a Grã-Bretanha é um caso muito particular e muito especial. Hoje existe em Portugal um deslumbramento com as questões, diria eu, inglesas ou anglo-saxónicas, que é aquele que existia no tempo dos "Maias” com Paris. Portanto, o provincianismo é o mesmo.

Quando nós vemos para aí gente dizer: "a exceção inglesa, e Londres é que é o mundo, e lá é que está toda a visão cosmopolita e global e lá é que estão a passar-se as coisas todas - é exatamente a atitude que nós tínhamos com Paris no século XIX. No fundo, nada mudou, mudou apenas o objeto de admiração. Mas, na verdade, isso basicamente é a mesma coisa.

Dito isto, quais são então as tais singularidades? A primeira, à qual eu queria que estivessem muito, muito, muito atentos, é porque é que David Cameron resolveu fazer um referendo? David Cameron resolveu fazer um referendo apenas para salvar a sua pele política. Foi um instinto de sobrevivência política que acabou por ditar a sua morte política, diga-se de passagem. E provavelmente – ou possivelmente, talvez seja melhor dizer assim – não foi apenas a morte política de David Cameron, pode ter sido o enterro político do Reino Unido – enquanto realidade, enquanto Estado, enquanto solução política para as ilhas britânicas.

O que é que David Cameron viu? Encostado como estava pelos eurocéticos do seu partido - o seu partido está amplamente dividido entre eurocéticos e, digamos, pessoas que entendiam que, apesar de tudo, a União Europeia era uma boa solução para a economia e para a sociedade inglesa -, encostado por eles, a única fuga que teve para a frente foi dizer eu faço um referendo sobre a saída da União Europeia. Se não houver um reajustamento das políticas da União Europeia que eu não consiga negociar, eu até defenderei a saída do Reino Unido da União Europeia.

Isto foi apenas para se salvar como líder, porque senão não tinha hipóteses absolutamente nenhumas. Portanto, foi por uma razão estritamente pessoal que ele fez isto. Pessoal, no sentido de sobrevivência política. Não foi pensando nos interesses dos ingleses e do Reino Unido, foi pensando como salvar a sua liderança política.

E depois, curiosamente, um dos políticos ingleses que era mais pró-europeu, que era o Boris Johnson, veio defender a saída da União Europeia, mesmo depois do acordo que tinha sido feito por Cameron com a União Europeia. Para quê? Para tentar tomar o lugar de David Cameron. Portanto, mais uma vez, foi um jogo pessoal. Um jogo pessoal que lhe saiu mal, porque Boris Johnson estava à espera de ser, no fundo, o primeiro-ministro que ia liderar a saída do Reino Unido da União Europeia, e Michael Gove, que era o ministro da justiça, tirou-lhe o tapete. Aliás, tirou-lhe o tapete, curiosamente, muito ajudado pela sua mulher.

Portanto, isto é um drama telenovelesco, não sei se estão a ver. E isto é um drama shakespeariano, é uma tragédia à Shakespeare. O que é uma tragédia? Uma tragédia é um drama em que nenhuma das personagens tem razão. Quando há um drama, em teatro, ou numa telenovela, ou num romance, um drama o que é? É uma coisa que corre muito mal, mas em que nós, apesar de tudo, temos a satisfação de encontrar um culpado. E, portanto, isso dá-nos um resgate – há os bons e há os maus.

O que é uma tragédia? Uma tragédia é um drama em que não há culpados. Em que ao fim, toda a gente morre. É o Romeu e Julieta. Em que um dos amantes toma uma espécie de veneno para parecer que está morto, e o outro pensando que ele está morto suicida-se, e depois quando o outro acorda e vê que ele está morto, suicida-se também.

Isto é o Romeu e Julieta. Isto é a tragédia shakespeariana – toda a gente morreu. Morreu o Cameron, morreu o Johnson e morreu o Gove. Ninguém sobreviveu politicamente. Claro, o Johnson hoje é ministro dos negócios estrangeiros, mas para aquilo que ele pretendia, que era vir a ser primeiro-ministro, foi um golpe crasso.

A primeira coisa que nós vemos é que um facto desta importância foi altamente marcado pela pequena política, pela intriga, no fundo, de corredores. David Cameron e Boris Johnson eram colegas do Colégio das elites inglesas - que é Eton – e trataram o Reino Unido como se fosse uma associação de estudantes, em que ainda estavam no colégio e resolveram competir entre si para ver quem era o presidente da associação de estudantes. Ou, se quiserem, numa versão mais própria de Castelo de Vide, o Presidente da Junta de Freguesia.

Quem seria o presidente? Foi isto que eles andaram a fazer. E entretanto o mundo era um joguete nas mãos destas pessoas, que têm essa visão aristocrática da vida política e não a visão realmente dos interesses da sua nação, do seu Estado, das suas populações.

Este é um aspeto. O aspeto de porque é que tudo se precipitou. Há um outro aspeto que é: porque é que ganhou o Brexit? Muita gente acha, e acham convencidíssimos de que isto é a grande resposta para as questões europeias, que é: os ingleses, os britânicos sempre desconfiaram da União Europeia, e são os únicos que têm coragem de se afirmar, e por isso resolveram, todos eles, votar de uma forma excecional contra a União Europeia.

Foi uma vitória, nós sabemos, muito à pele. Foi uma vitória mesmo limitada. Mas em todo o caso, como era inesperada, foi uma grande vitória. Portanto, dir-se-ia aqui em Portugal… há imensa gente, nas várias áreas políticas, e na Europa inteira, a dizerem: estes sim, percebem que isto da União Europeia é uma máquina burocrática infernal, que estamos às ordens dos alemães e das pessoas do Norte da Europa, que isto é tudo um desastre, e só os britânicos, como sempre, com o seu caráter de exceção, é que têm coragem de dizer não e pôr um "basta”, um "stop” nesta questão europeia e arrumar com isto tudo de vez.

Portanto aqui está um povo cheio de coragem e cheio de determinação política e que tem, de facto, uma visão sobre o que quer para si. Restaurar o velho Estado soberano, afirmar o império inglês… Sim, porque quem assistisse à leitura dos jornais ingleses ou ao espetáculo das televisões inglesas, parecia que o Reino Unido era uma das grandes potências mundiais que influenciava toda a vida política e que, evidentemente, agora sozinho, finalmente, podia ir fazer a política britânica em todo o mundo. Ora o Reino Unido tem menos habitantes que o Vietname, é preciso nós termos esta noção. A Alemanha, aliás, tem tantos habitantes como o Vietname. Por isso, nós podemos dizer que a Alemanha é um Vietname da Europa, num certo sentido. Para pormos as coisas em escala, pelo menos em escala demográfica, que é uma coisa importante para se perceber o que está em questão aqui.

E muita gente pensou isto. Mas agora vamos entrar na política a sério, substantiva, e entrar na verdadeira questão europeia. Eu até iria mais longe: não é apenas uma questão europeia. É uma questão ocidental – ocidental, portanto do ocidente -, no contexto da globalização, é: porque é que isto aconteceu no Reino Unido? E a questão é saber: não aconteceria isto noutros países? Não aconteceria isto na França? Não aconteceria isto na Alemanha? Não aconteceria isto na Itália? Já não falo, enfim, da Grécia ou da Espanha. Não aconteceria?

Porque, verdadeiramente, quem é que votou pelo Brexit? Se nós formos às análises sociológicas, quem é que fez a diferença? Claro, há sempre motivações individuais, e há com certeza pessoas que acreditam numa espécie de regresso ao passado. A ideia de que podem voltar ao século XIX, em que o Império Britânico era a grande superpotência mundial, e em que os Estados tinham fronteiras, e em que era possível conter as coisas dentro de um determinado território, e em que havia uma armada e um exército inglês absolutamente imbatíveis. E portanto, com uma grande capacidade de afirmação e, portanto, no fundo, que nós podíamos retornar ao modelo – que não é apenas britânico, seria um modelo global – dos Estados nacionais, com as suas fronteirazinhas fechadas e com a tal democracia impecável (que também sobre a democracia inglesa muito haverá a dizer, mas isso é outra questão).

O que se passou aqui? Haverá alguns que ainda pensam isto. Mas a maioria, o que fez a diferença, são aquelas pessoas que votam no UKIP, que é um partido justamente antieuropeu e demagógico e populista, e muitos trabalhistas, nomeadamente do norte e do centro de Inglaterra. Muita gente que votava no partido socialista, isto é, no Partido Trabalhista inglês, que fez transferência de voto – já nas eleições anteriores fez, nas eleições para o parlamento inglês e, portanto, para determinar o governo inglês -, mas agora no Brexit isso foi claríssimo. É o Norte e Centro de Inglaterra, das classes mais baixas, das classes médias-baixas, que essencialmente apoia a saída da União Europeia.

Quem são estas pessoas? Curiosamente, até são pessoas que têm muito medo da imigração, mas estão nas cidades, muitas delas, em que há menos imigração. Aliás, foi curioso verificar, por exemplo, na Áustria – e vamos ter eleições presidenciais outra vez -, o candidato que é mais anti-imigração teve votos nas aldeias e nas cidades em que não há imigração nenhuma, e portanto em que, supostamente, esse problema não seria um problema tão visível ou tão presente para as pessoas.

O quê que isto quer dizer? Há aqui uma leitura política, social e económica que nós temos de fazer. São as pessoas que perderam estatuto económico e social, que perderam direitos com a globalização, com a internacionalização, com as novas tecnologias, são os info-excluídos, é essa massa humana enorme que perdeu o comboio que basicamente está a alimentar estes fenómenos, este fenómeno do Brexit.

Ou seja, são as pessoas que não usam o Facebook, que não usam o Twitter, que não usam as low cost , que não usam o Airbnb, as pessoas que, em rigor, estavam nas velhas indústrias, que eram indústrias pesadas, e que hoje estão desempregadas porque não têm que fazer. Pessoas que, muitas delas, não têm grande formação escolar, que essencialmente não são viajadas, que vivem nas suas aldeias, nas suas terras, e que são os deserdados do comércio internacional e da globalização.

Por isso, o que é que eles querem? Querem retornar ao Estado nacional fechado, onde tinham alguma proteção. Eles sentem-se desintegrados. Estas pessoas sentem-se perdidas, sentem que alguma coisa lhes tirou o tapete.

Portanto, as pessoas que ganharam com o comércio internacional, as pessoas que têm, no fundo, literacia informática e digital, isto é, têm alfabetização dos computadores, andam com os seus iPhones e à procura de Pokémons, e que fazem tudo por computador, e que estão em contacto com mil universidades no mundo, e que estão em constantes viagens e que vão aqui e acolá, e que…

Se olharem para a escala geracional, os jovens votaram largamente, maioritariamente, por se manterem na União Europeia e os mais velhos não. Porque os pensionistas também estão neste grupo. Muitos porque não têm, por razões geracionais, literacia digital, mas outros também, nomeadamente quanto à sustentabilidade do sistema de pensões, porque perderam certezas. Têm medo, nos últimos vinte anos de vida, de perderem o seu fundo de maneio, o seu pecúlio, a sua segurança económica.

São estas pessoas que votaram pela saída. Ora, estas pessoas que votaram pela saída… e nós temos que estar muito atentos a isto, porque a política, nos próximos anos, vai passar por aqui, por esta clivagem social, entre aqueles que, mesmo que estejam só a ganhar quinhentos euros – são a geração quinhentos euros –, estão de tal maneira já preparados para o novo mundo, que acham que mais tarde ou mais cedo vão ter a estrelinha da sorte e vão conseguir afirmar-se no mundo internacional, global, etc. Muitos jovens, mesmo que estejam transitoriamente num situação que eles consideram aflitiva ou preocupante, estão a pensar passar para uma classe "triunfante” da globalização e da liberalização do comércio internacional, da mobilidade das pessoas, das fronteiras abertas, dessa ideia de que são cidadãos do mundo. E, ao mesmo tempo, os outros, que são os tais excluídos.

Meus caros amigos, eu estou a dizer isto para vos mostrar que o Brexit não tem nada de singular ou de especial no caso britânico. Não é por um ódio à União Europeia, em si, ou por se achar que a União Europeia era necessariamente má – não!

É justamente porque existe, hoje, esta clivagem social. Esta clivagem é que explica – vamos agora sair do contexto europeu para percebermos como isto é um fenómeno muito mais espalhado do que nós supomos -, esta clivagem é que explica o Donald Trump.

Quem é que vota no Donald Trump? Quem é que apoia o Donald Trump? Ele é um milionário, até seria de supor que seriam as classes médias-altas e as classes bem instaladas na vida; ele é um cidadão do mundo, viajou por todo o lado, como grande empresário que é, conhece tudo, etc.; seria de esperar que fossem as pessoas mais sofisticadas que o apoiassem.

Mas não. É justamente aquela América mais fechada, que foi excluída, porque a revolução tecnológica acabou com as conquistas da revolução industrial. E até, curiosamente, não são as minorias, é uma maioria branca, mas de classe média, média-baixa, baixa, que perdeu muito com a ideia da internacionalização. E de quê que eles têm medo? Têm medo da abertura de fronteiras, têm medo do comércio internacional, têm medo que os imigrantes venham roubar-lhes o emprego, ou que lhes venham fazer concorrência ganhando menos, ou trabalhando mais, ou sabendo manipular os tais computadores, os tais smartphones , as novas tecnologias que eles não sabem. Portanto, é esse receio, é esse medo, é essa metade da população que está excluída, que está a votar no fenómeno Trump.

E é essa metade da população excluída que está a votar na senhora Le Pen, em França. Portanto, isto não é uma singularidade inglesa. Aquilo que nós estamos a olhar… eu diria, isto é um rascunho, é um esboço, isto não é uma teoria que esteja cientificamente ou empiricamente comprovada. É uma análise só com pistas para nós percebermos o fenómeno político, mas, no fundo, indo ver o que está por trás da motivação política das pessoas.

E o que está nesse mundo, é que nós vivemos em dois mundos totalmente diferentes. Todos os dias se cruzam pessoas que pertencem a dois mundos diversos. Umas que pertencem a um mundo de abertura a todas as novas tecnologias e um mundo alfabetizado, que dá algumas chances e hipóteses de futuro internacionalizado. E um mundo que está ainda a viver no final do século XX, na segunda metade do século XX.

Atenção, eu não estou a dizer, ao contrário do que poderia parecer, que os mais sofisticados são bons e os outros são maus. É o contrário. Quem quiser triunfar politicamente tem que ter uma resposta para esta classe excluída. Nós temos que retrazer estas pessoas para o debate político. Nós temos que lhes dar alternativas e soluções de vida. Nós não podemos abandoná-las, pô-las numa espécie de depósito ou caixote do lixo da História. E tanto não podemos, que elas estão a manifestar-se.

São elas que apoiam a senhora Le Pen em França, são elas que apoiam o Partido da Liberdade, na Holanda, que vai à frente nas sondagens e que é um partido xenófobo igualzinho ao da senhora Le Pen; ou o Partido da Liberdade, na Áustria, que pode eleger o presidente, pois agora vão ser repetidas as eleições na segunda volta, agora no início de outubro; ou que vai à frente nas sondagens na Suécia; que tem uma importância enorme na Dinamarca, o Partido do Povo; ou a importância relativa mas relevantes que, aliás, já esteve para castigar Portugal bastante, como foram os Verdadeiros Finlandeses, na Finlândia. Ou, por exemplo, a importância que têm governos altamente conservadores e até um pouco xenófobos e, em muitos casos, com pergaminhos democráticos pelo menos no limite da dúvida, como são o atual governo polaco ou até o atual governo húngaro que pertence à nossa família do PPE, mas que levanta as maiores reservas sob o ponto de vista das liberdades cívicas fundamentais.

Portanto, este discurso está em marcha. E depois, ao mesmo tempo, os Syriza na Grécia, o Podemos em Espanha, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista em Portugal. Eles representam, justamente, essas forças populistas que procuram dar resposta a muitas pessoas que estão excluídas desta globalização e desta internacionalização.

Portanto, eu queria que percebessem que o Brexit não é tanto uma questão europeia, como muita gente julga. A votação do Brexit é uma questão fundamental da política europeia e ocidental atual. É que nós, neste momento, temos duas camadas políticas, grosso modo - isto é muito mais complexo e muito mais diverso do que o que eu estou a dizer aqui. Isto é apenas uma chave de leitura, é para abrirmos o cofre onde estão os segredos políticos, para percebermos o que é o futuro que temos de enfrentar, que respostas é que temos de encontrar para estas pessoas. E portanto perceber que é isto que está em causa na Europa.

E se nós fizermos esta análise – vejam bem! – em que, enquanto nós temos este problema de fundo posto diante de nós, duas legiões de pessoas, umas com entendimento, digamos, muito aberto, e outras com entendimento mais fechado. Mas estas com razão, porque ficaram fora das oportunidades que um novo mundo de tecnologia, de mobilidade, de viagem, de interconexão, de desterritorialização, de capacidade, no fundo… ficaram fora desse mundo.

Vejam como os políticos, as elites políticas, estão divorciadas disso e andam a fazer jogos de poder. E a combinação de uma elite política que não percebeu o que tem pela frente e está entretida na sua associação de estudantes, ou na sua paróquia, ou na sua freguesia a fazer joguinhos, a ver quem é que sobrevive mais meio ano ou mais um ano. E a pôr em risco coisas cruciais para o país respetivo. E não olha a este fenómeno que é um fenómeno global.

Porque é que este fenómeno é perigoso? Porque neste momento, meus caros amigos, o maior risco para a Europa e, portanto, para nós, em vez de termos um futuro comum – com a diversidade que obviamente a Europa implica, mas comum –, é passarmos a ter uma série de futuros que se vão bater uns com os outros, e que terminarão, digo-o aqui sem qualquer dúvida – já o disse em 2010, quando isto era muito mais arriscado dizer –, terminarão seguramente numa guerra.

Portanto, se nós em vez de termos um futuro comum, partilhado, coordenado, articulado, tivermos futuros para cada uma das várias potências europeias, e das várias regiões europeias, o que vai suceder é que nós vamos resolver os nossos problemas como sempre os resolvemos, isto é, no campo de batalha. Porque a Europa tem essa tradição e, portanto, costuma matar-se de vez em quando, de forma bastante ostensiva e massificada.

Portanto, isso está cá nos nossos genes e é isso que vai acontecer. Se nós não formos capazes de ter um futuro comum e formos para os futuros individualizados, é isso que vai acontecer.

Qual é a grande ameaça? São os populismos. Primeira ameaça fundamental são os populismos. É o Podemos em Espanha; é Le Pen em França; é o Syriza , embora hoje esteja profundamente recauchutado, na Grécia. Mas a Aurora Dourada , por exemplo, os neonazis, está em grande alta na Grécia, está a cavalgar o descontentamento das pessoas. São estes partidos de extrema-direita na Suécia, na Holanda, que já estão no governo na Suíça e na Noruega, que são do Espaço Económico Europeu, ou são países, de alguma maneira, associados à União Europeia não pertencendo à União Europeia. Mas que estão no Espaço Schengen, que entram no mercado interno, etc.

Este fenómeno é o grande risco, porque estes são nacionalistas. Querem o isolamento, querem a divisão, querem, no fundo, acabar com as nossas sociedades democráticas, tal como nós as conhecemos. E isto no Norte da Europa tende para a direita, no Sul da Europa tende para a esquerda. É o caso português com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista, é o caso espanhol com o Podemos , é o caso grego com o Syriza. Também em Chipre, é um país pequeno mas tem estes fenómenos. Portanto, atenção que isto é uma questão que vamos ter em cima da mesa.

Esta é a primeira grande ameaça. Esta ameaça está ligada a uma outra ameaça, que também está ligada ao Reino Unido, que é o seguinte: com o Brexit, neste momento, o que nós sentimos é que a Europa não sabe o que há de fazer. Mas eu vou-vos dizer o seguinte: os britânicos ainda sabem menos o que hão de fazer. Porque os britânicos estão com muito medo.

O primeiro grande medo dos britânicos é que, se eles saem da Europa, mesmo com um acordo razoável, coisa que não é fácil de atingir, há o risco de a Escócia e da Irlanda do Norte poderem sair do Reino Unido. Portanto, é a dissolução desta realidade britânica que tem mais de quatrocentos anos.

Agora vejam: se a Escócia se torna independente, isso é imediatamente aplicado à Península Ibérica, porque a Catalunha e o País Basco não vão estar quietos no caso de a Escócia se tornar independente. Eles já estão num processo de afirmação grande. Note-se que, em parte, o impasse em Espanha dá-se porque o Podemos apoia, de forma subtil, mas apoia as reivindicações autonomistas, independentistas, da Catalunha e do País Basco. E se, no caso das ilhas britânicas, houver uma secessão, aparecendo a Escócia – e até a Irlanda do Norte reunificando-se com a Irlanda – e aparecendo a Escócia como um país independente, isto significa uma rotura com quatrocentos anos de estabilidade territorial. No caso da Península é com quinhentos anos de estabilidade territorial – mais de quinhentos anos.

Portanto, vejam bem: se nós assistirmos, nos próximos cinco, seis, dez anos, a quebrar o princípio que domina há mais de quinhentos anos, uma península, dois Estados, isto vai ter repercussões enormes sobre Portugal, não tenham dúvidas sobre isso. Porque não se muda a geopolítica de um território que tem quinhentos anos, de um dia para o outro, e isso deixa tudo igual ao que estava antes. Até porque os espanhóis nunca vão aceitar, a Espanha castelhana nunca vai aceitar a independência da Catalunha ou do País Basco de uma forma pacífica. Portanto, podemos ter aqui um conflito à nossa porta. E um conflito sério.

Muitos dizem: mas isso é uma coisa altamente improvável. Improvável? Mas se ainda nem há cem anos nós tivemos um dos conflitos mais devastadores e mais mortíferos – a guerra civil espanhola de 36 a 39 -, porque é que agora havia de ser uma exceção e isso não acontecer?

Eu não estou a dizer que vai acontecer. Só estou a dizer que nós, quando estamos a fazer a tal geopolítica para ver como é que queremos o presente, temos de pensar quais são as possibilidades no futuro, para tentar escolher aquela que é a melhor e condicionar o presente, não o deixando aprisionar por certas possibilidades. Estamos aqui, no fundo, a dar tradução àquela ideia do Popper de que o presente, muitas vezes, é resultado daquilo que nós pensamos sobre o futuro. Equacionamos várias possibilidades e temos de escolher os caminhos que nos evitam as possibilidades piores e que nos aproximam das possibilidades melhores. E portanto nós temos de ter isto dentro deste leque.

Portanto, segundo risco que aqui está, é o risco das secessões, porque isto depois valeria para a Itália. O Norte de Itália, a Padânia, que inclui a Ligúria onde está Génova, o Piemonte onde está Turim, a Lombardia onde está Milão, o Véneto onde está Veneza, a Emília-Romanha onde está Bolonha, eventualmente até a Toscânia onde está Florença - embora isso talvez já esteja fora deste leque -, estes também querem tornar-se independentes.

Sempre com uma lógica que, aliás, nós já conhecemos. A lógica qual é? Por exemplo, na Bélgica, a Flandres relativamente à Valónia, a Catalunha e o País Basco relativamente à Andaluzia, justamente este Norte de Itália relativamente ao Sul de Itália, que se chama Mezzogiorno.

O quê que é isto? É a ideia de que as forças do Norte são mais ricas, são regiões mais ricas, e estão a pagar pelas regiões mais pobres. No fundo, é aquela ideia dos países do Norte, quando nós olhamos para a Alemanha ou para Holanda e eles, no fundo, estão sempre contra os países do Sul – vemos esta oposição Norte/Sul –, isto reproduz-se em cada país.

Porventura, muitos dirão: mas no caso da Grã-Bretanha não é assim, porque a Escócia é pobre e a Inglaterra é rica. A Escócia diz: nós somos pobres, mais ou menos. Nós temos o petróleo do Mar do Norte, só que ele é repartido por sessenta e cinco milhões de pessoas. Mas se houvesse a Escócia era só para cinco milhões e, então, nós já podíamos ser uma pequena Noruega, uma pequena Dinamarca. Portanto, o sonho dos escoceses é a chamada escandinivização – é tornarem-se numa espécie de país escandinavo e, portanto, com um bem-estar resultante do sonho de ficarem com as receitas do petróleo só para si, embora o petróleo do Mar do Norte não esteja nos seus melhores dias e o petróleo em geral esteja até em muito maus dias, como sabem.

Mas atenção a este fator. Isto é muito importante nós percebermos, porque nós vimos todo o século XX, e o final do século XIX, mas todo o século XX a ter muitos problemas de fronteiras na Europa Central e de Leste, mas não vimos problemas de fronteiras na Europa Ocidental. E isto seria quebrar com uma tradição de séculos. Então no caso inglês e no caso espanhol com uma tradição de muitos séculos.

E agora notem bem. Eu estou a falar destes casos a propósito da Europa e globalmente, mas em Portugal isto tem um impacto enorme. Porque, do ponto de vista geopolítico, os dois países mais importantes para nós são o Reino Unido, que é o nosso velho aliado tradicional, e a Espanha, que é o nosso vizinho e o nosso rival tradicional, entre aspas, embora hoje não seja rival nenhum, mas, enfim, aí está: são estes dois países. Os dois países mais importantes para o território português, são os dois países que estão em ampla convulsão interna. Estão com grandes problemas de identidade nacional e estatal. E isto não pode deixar de ter consequências sobre nós, porque eles são, no fundo, os termos principais da nossa equação. Temos de ter isso em atenção.

Outro ponto que eu queria chamar a atenção, e é outra ameaça para os futuros, e está ligado a tudo isto, mas em particular aos populismos, de esquerda e de direita, são os nossos vizinhos, é a nossa vizinhança. Que vizinhança é essa? O grande vizinho da Europa tem um nome: é a Rússia. E o senhor Putin, que é um homem muito inteligente e muito bem informado - neste momento o grande centro de hackers mundiais está em Moscovo.

Portanto, como a Rússia perdeu a batalha económica, não foi capaz de se modernizar economicamente, a Rússia concentrou-se nas duas coisas que sabe fazer bem. Uma é indústria de defesa – remilitarização. E outra é controlar a informação. Não é por acaso que o presidente da Rússia foi presidente do KGB e foi um espião de grande categoria. E é um homem que conhece como nenhum o mundo ocidental.

Meus senhores, nunca se esqueçam: a Frente Nacional, populista, em França, é diretamente financiada por bancos russos. As campanhas eleitorais são feitas com empréstimos de bancos russos. A Rússia ajudou o Syriza. O senhor Tsípras, quando foi eleito, recebeu primeiro, antes de qualquer embaixador, o embaixador russo. Chipre: antes do resgate ainda foi à Rússia ver se conseguia dinheiro. A política búlgara e a política sérvia – a Sérvia está fora da União Europeia, a Bulgária está dentro da União Europeia – são amplamente dominadas pela Rússia.

Que eixo é este? O eixo grego, búlgaro, sérvio – é o eixo ortodoxo. Certo? É o eixo ortodoxo. Portanto, há aqui o lado cultural e civilizacional. A Rússia sempre terá influência sobre estes países. Mas, ao mesmo tempo, está a apoiar todas as forças de extrema-esquerda e de extrema-direita na Europa que possam desestabilizar. A Rússia, por canais pouco ortodoxos, eu diria por canais até altamente secretos, financiou o UKIP para que o Brexit ganhasse em Inglaterra e isso instabilizasse a União Europeia. A Rússia financia a senhora Le Pen e quer que ela ganhe as eleições. A senhora Le Pen vai a Moscovo. O Partido da Liberdade, na Holanda, faz a mesma coisa. Os partidos na Suécia, nos países escandinavos, fazem a mesma coisa.

A Hungria que era, tradicionalmente, anti russa, totalmente anti russa, o senhor Orban era totalmente contra a Rússia, porque a Rússia foi a potência dominante na Hungria durante os anos da União Soviética e do Bloco de Leste. Agora é o maior aliado da Rússia. Porquê? Porque a Rússia vende à Hungria a energia a um terço do preço que vende aos outros países. E isto permite ganhar eleições. Porquê? Porque a grande fatura dos húngaros é o inverno energético. Porque é que eu consigo maiorias absolutas? Porque eu vendo a energia a um preço muito mais barato do que ela era vendida antes. E portanto eu tenho um contrato com a Rússia. A Rússia está disposta a agitar o panorama europeu.

Reparem, eu acho que nós, Europa – mas isto é uma coisa de um português, e claro, nós estamos muito longe da Rússia e por isso podemos dizer isto com uma certa facilidade -, erramos completamente na nossa política face à Rússia. Não há Europa sem uma boa relação com a Rússia. O senhor Putin está a atuar como atuou porque nós lhe demos pretextos e oportunidades para ele o fazer. Porque nós hostilizamos os russos em vez de os tentar captar. E isso foi um erro nosso.

Porque os russos, ao contrário do que aqui se imagina, vêem-se a si próprio como europeus. Mais: vêem-se como mais europeus do que os europeus. Porque, se pensarem bem, o que é que acontece? Temos o Czar russo. No fundo, o Czar regressou, assim como regressou o Sultão. O senhor Putin é um czar e o senhor Erdogan é um sultão. Portanto, estamos outra vez em 1914, mais ou menos. Certo? Nada de espantar, porque estas coisas não mudam assim tão facilmente.

Pois bem, se na palavra Czar meterem um "e” entre o "c” e o "z” dá César. Portanto, ele vê-se como o substituto do César. Porque houve a primeira Roma, é Roma. A segunda Roma foi Constantinopla. Quando o Império Otomano – os otomanos – tomam conta de Bizâncio, de Constantinopla, toda a herança romana passa de Constantinopla para Moscovo. Portanto, como é que se vê o chefe dos russos? Vê-se como o verdadeiro representante da tradição do império romano e, portanto, da tradição greco-romana. E portanto ele é que se vê como verdadeiro europeu.

E reparem, quando as pessoas dizem: mas os russos estão fora da Europa. Isso… Haveria hoje literatura europeia, como ela existe, sem o Tolstoi? Haveria música europeia sem o Tchaikovsky ou o Stravinsky? Haveria artes performativas, por exemplo, o caso do ballet, teria chegado onde chegou, no mundo ocidental, sem os russos? Os russos estão no cume da cultura europeia. Ou o Tchekov, ou um Rachmaninov, enfim, um Prokofiev. Não vale a pena pensar que há cultura europeia sem os russos.

Eu estou a fazer esta denúncia da atuação russa, estou a chamar a atenção para ela, mas eu acho que nós, em grande parte, demos azo a que isto acontecesse. Quando nós estamos a desprezar estas camadas de pessoas que são excluídas pela globalização, pela mobilidade, pela desterritorialização, por todo este novo movimento, nós estamos a criar as condições para pormos em causa as nossas próprias sociedades democráticas.

Portanto, nós temos que pensar no que estamos a fazer. Há aqui uma ameaça externa que tem que ser tida em conta, e que é séria, e que é a ameaça russa. E há uma ameaça que hoje é visível para todos que é a Turquia, onde nós também cometemos erros, e não foram pequenos.

Mas atenção, não são tudo erros nossos. Isso é retórica do Bloco Esquerda e do Partido Comunista que é, quando nos acontece uma coisa má, incluindo atentados terroristas, a culpa é nossa. Nós não temos culpa que as pessoas se queiram matar umas às outras. Nós podíamos fazer algumas coisas de outra maneira. Mas quando alguém decide matar alguém, isso tem sempre um pretexto interno, não tem pretextos externos. Certo? Portanto, nada justifica isso.

Depois temos a questão também do Norte de África e a questão demográfica, que é outro desafio muito importante e fundamental. E sobre o qual já muita gente falou, e todos conhecem bem essa realidade, mas eu acho que só há uma pessoa que está a ver isto com olhos de futuro - embora vá pagar o preço nas próprias eleições - que é a senhora Merkel.

Nós não podemos ver as pessoas a morrer e deixá-las morrer. Nós estamos aqui num grande problema, porque eu até acho que há muitos países que até estão disponíveis para uma política um pouco mais aberta, mas temos os países de Visegrado, a Hungria, a República Checa, a Eslováquia e a própria Polónia, que estão completamente a bloquear este processo. E atenção: aí tanto estão os líderes de centro-direita como os de centro-esquerda. Sejam socialistas ou sejam democratas-cristãos. É tudo igual. Têm todos a mesma retorica anti refugiados, anti imigrantes, anti estrangeiros. Quando eles até têm poucos estrangeiros no seu seio, portanto, nem sequer têm o problema que tem uma Alemanha, ou que tem um Reino Unido, ou que tem uma França, ou que tem uma Holanda ou uma Bélgica, ou que tem uma Suíça, ou que tem hoje uma Itália ou uma Grécia, com fluxos constantes. Eles são um pouco como nós. Nós, apesar de tudo, estamos imunes, para já, a esse movimento. Basta comparar com Espanha, onde isso é muito mais forte.

Portanto, já vimos aqui um catálogo de quatro ameaças, e eu vou já rematar esta intervenção, mas tenho que a rematar procurando perceber o que é que estas ameaças ensinam para a política portuguesa, para o nosso futuro. Não apenas para os futuros na Europa, mas também para o futuro português.

Portanto, uma ameaça é a não compreensão da divisão e da clivagem político-social que está aí. E penso que esse é o principal problema, é que as pessoas ainda não digeriram isto.

Outra ameaça são os populismos, e é a grande ameaça, porque eles é que estão a capitalizar nessa população, a que está a votar neles para encontrar uma resposta porque não encontra resposta nos políticos tradicionais. Já não confia neles, perdeu a confiança.

Outra questão muito importante é a questão das secessões nacionais. Porque onde há populismo naturalmente também vai haver nacionalismo, e se a nossa resposta for a tentativa de fechar mais, se nós nos voltarmos a fechar nos Estados nacionais, estes nacionalismos ainda vão ser mais insuflados. Porque eles no espaço da União sentem alguma capacidade de afirmação; fora desse espaço sentir-se-ão quase que ameaçados pelo Estado nacional, que, obviamente, vai ter outra vez mais força.

E depois temos as ameaças externas. A Turquia, a Rússia, a questão dos refugiados, a questão do Estado Islâmico, do terrorismo, etc. Estas são grandes ameaças que nós temos. Temos depois também os problemas económicos, mas, enfim, eu para já não entraria aí.

Em Portugal não há um problema de secessões, em Portugal as ameaças externas poderão estar um pouco no Magrebe, mas nós estamos muito longe da Rússia e da Turquia, etc. – estamos nos antípodas.

Portanto, qual pode ser o problema, onde é que ele pode estar? Ora, ele está claramente no populismo. E em Portugal há, claramente, dois partidos profundamente populistas. Um é o Partido Comunista e outro é ainda mais populista do que esse, mais demagógico, é o Bloco de Esquerda. Eles têm o papel do Podemos e o papel que o Syriza teve na Grécia. E nós vemos quais são os resultados possíveis disso.

Ora, qual é o problema português que parece o problema inglês? E por isso eu disse aqui: Cameron, para salvar a sua pele, acabou por escolher uma solução que não apenas o matou a ele, como também pós o seu país numa situação extremamente difícil, tão difícil que o país não sabe o que é que há de fazer hoje. Pois há uma coisa que eu lhes digo: António Costa é o David Cameron português. Porque também foi um político que renegou os seus princípios para salvar a sua pele.

[Aplausos]

Quando há um político socialista, claramente pró europeu, que tinha no seu historial essa ligação à União Europeia, que aceita fazer concessões, fazer uma aliança, fazer um pacto com dois partidos que, para além de serem antidemocráticos, são profundamente, no caso do Partido Comunista, profundamente antieuropeu, e no caso do Bloco de Esquerda, profundamente contra a União Europeia de direitos e de livre comércio e de mercado, como nós a conhecemos, ele está, para salvar a sua pele política, a trair o seu próprio partido e a, no fundo, pôr em risco o seu país.

E portanto, o que está a fazer António Costa, é um pouco o que fez David Cameron. António Costa, se, obviamente, não tivesse feito esta coligação com a esquerda radical e populista, António Costa o que é que teria feito? Teria desaparecido como líder. O que é que lhe teria acontecido? Teria desaparecido.

Portanto, a escolha dele era a espada ou a parede. E ele preferiu a parede. E agora qual é o futuro de Portugal? Uma parede. O futuro de Portugal é uma parede.

[Aplausos]

Porque vejam bem: neste momento, é preciso que tenham consciência disto. Com os números económicos que nós temos, é evidente, por mais que venham para aí fazer declarações, que falhou por completo a receita de António Costa e dos seus aliados populistas da esquerda radical.

O crescimento é miserável. Ia ser a procura interna que ia salvar, não salvou nada. O investimento caiu a pique; nem nos anos da troika esteve nestes números. As exportações caem. Portanto, o célebre milagre económico que ele, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda iam fazer, desapareceu. Portanto, nós temos, mais uma vez, um político que, só para salvar a sua pele, é capaz de renegar os princípios do seu partido. E hoje, eu vou-lhes dizer o seguinte: na Europa, Portugal está claramente em perda profunda de credibilidade.

Enquanto um país como o Chipre, que teve um resgate talvez mais violento do que o português, está a crescer e é respeitado. A Irlanda nem se fala. A Espanha, quase há um ano sem governo, e está a crescer a 3%.

Portugal tem o pior crescimento da Europa, ou o segundo pior, está completamente colado à Grécia, neste momento. Vê muitas vezes as suas taxas de juro a irem outra vez para limites impensáveis há um ano atrás, porque se perdeu totalmente a confiança em Portugal. Totalmente. Neste momento, nós estamos totalmente atrelados e colados à Grécia. Outra vez.

E é por isso muito importante aquilo que amanhã, aqui, a nossa Universidade de Verão, e o nosso presidente de partido, vai fazer, que é trazer aqui o chefe da oposição grega que está à frente nas sondagens, que é o Kyriakos Mitsotakis, para ele dizer que na Grécia também há quem denuncie a forma como a esquerda radical está a conduzir algumas políticas.

No fundo, vejam bem: foi feita aqui uma operação de ligação ao Partido Comunista, que é um partido que defende a Coreia do Norte, que defende a Venezuela. Foi feita uma ligação ao Bloco de Esquerda. Mas um país pode ter credibilidade quando a política é chantageada, é ameaçada, é condicionada por esses dois partidos radicais de esquerda? Aquilo que nós ouvimos na Europa é que a esquerda radical está no governo e que o PS se hipotecou a isso.

Claro, eu digo aqui já com toda a transparência: o PS não é isto. O PS não é o PS de António Costa. António Costa é a perversão do PS. Porque fez uma aliança que é uma aliança com as forças populistas que põem em risco o país. E aquilo que nós sabemos é que as coisas, a continuarem como estão, vão levar inevitavelmente a um outro resgate. É o caminho que está a ser percorrido todos os dias.

Reparem, todas as reformas na educação voltaram para trás. Na questão do fisco, é subir o fisco todos os dias. É o IMI. Mas reparem, isto não é nada de novo. Aí, António Costa segue a sua tradição. Quem é que na Câmara de Lisboa tinhas as taxas e taxinhas para tudo e mais alguma coisa? Foi sempre à custa da subida dos impostos que ele fez a sua política. E, portanto, ele agora no governo só sabe fazer isso. Está sempre a subir impostos. E, claro, ao subir impostos estrangula a economia. Como é que ele quer crescimento, se está sempre a subir impostos? Está sempre a aumentar a despesa?

E vejam, uma das reformas que tinha mudado a habitação em Portugal, que foi a reforma do arrendamento, já está a ser revertida pelo Bloco de Esquerda e pelo Partido Comunista. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista entregaram outra vez os transportes públicos, que já estão outra vez com grandes dívidas – estão a endividar-se outra vez -, entregaram-nos outra vez aos sindicatos. Porquê? Porque o Partido Comunista e a CGTP Intersindical precisam de força política. Se não a têm nos votos têm que ter nos sindicatos.

No caso da saúde. No caso da saúde, as dívidas por pagar aumentam todos os dias. Ainda hoje há um artigo do bastonário da Ordem dos Médicos a dizer que não são apenas os hospitais públicos que têm dívidas enormes por pagar. A falta de pagamentos a pequenos médicos, a pequenas clínicas, etc. é brutal.

Tudo isto porquê? O governo quis gastar para agradar a certas classes, quis reverter para agradar a certas classes e, claro, agora não pode pagar as dívidas. Ao não pagar as dívidas, o quê que acontece? As empresas deixam de receber e começam a ficar aflitas em tesouraria. Portanto, o governo não está a incentivar o crescimento, está a destruir a economia. É com os impostos sobre os combustíveis, este governo está a queimar a economia ao preço do combustível.

Portanto, o que eu queria dizer-vos era isto: atenção, Portugal, neste momento, vive dois problemas graves, que são problemas tipicamente europeus. Um, é ter estes dirigentes políticos que, em vez de visarem o interesse do país e a linha justa que era a linha tradicional dos seus partidos, só para sobreviverem politicamente fazem alianças com as forças populistas e com as forças contra o crescimento e contra o progresso da economia – é o caso de António Costa.

E depois o segundo problema é que nós estamos em verdadeiro populismo. Porque reparem: perante os números do INE, o primeiro-ministro vem dizer que está tudo bem, e que o país está ótimo, e que não é preciso fazer nada, e que está tudo muito controlado e que está tudo a correr muito bem. Quem diz isto, vive num mundo de fantasia.

E por isso eu não arrisco um milímetro quando digo: estamos em 2016, com António Costa, a repetir a receita de 2009 com José Sócrates. E pior do que isso: estamos a repeti-la nas mãos do PCP e do Bloco de Esquerda, que vão destruir a economia e que vão destruir Portugal. Vão ser os portugueses que vão pagar este preço e vão pagá-lo mais alto do que alguma vez imaginaram.

Por isso, mesmo que o futuro da União Europeia seja bom, eu, com isto, com este episódio que foi o lançamento de uma coligação com populistas de esquerda radical por parte de António Costa, auguro que pelo menos o nosso futuro próximo vai ser amargo e vai ser bem difícil para todos.

Muito obrigado e agora estou à vossa disposição.

[Aplausos]

 
Nuno Matias

Muito obrigado pela brilhante exposição. Vamos então passar ao período das questões. Tem a palavra pelo Grupo Roxo, o Pedro Abreu.

 
Pedro Abreu

Antes de mais, queria cumprimentar a Mesa e em especial o deputado Paulo Rangel. E a minha questão é: será que a União Europeia tem capacidade para superar as diferenças culturais entre os Estados membros de maneira a concretizar o sonho europeu dos Estados Unidos da Europa?

Muito obrigado.

 
Paulo Rangel

Eu penso que a União Europeia tem todas as condições para ultrapassar algumas diferenças culturais e civilizacionais que existem nos Estados europeus porque os Estados europeus e as Nações europeias, vistas de fora, são muito mais comuns do que parece.

Eu vou dar aqui um exemplo. Para um português não há grandes diferenças, ele não sabe diferenciar, entre um letão e um lituano, ou entre um sueco e um dinamarquês. Assim como para eles um português e um espanhol serão a mesma coisa. Ou seja, quanto mais nós estamos distantes, mais nós somos vistos como parecidos, mais vistos pelas nossas identidades. Ora, não há dúvida de que os europeus em geral, vistos pela Índia, vistos pela China, vistos pela África, vistos até, num certo sentido, pelas Américas, são vistos com grandes identidades. Portanto, existem entre nós grandes identidades.

Claro que depois isto passa-se muito como com os irmãos. Eles até são parecidos, mas entre si conhecem-se tão bem que notam mais as diferenças do que as semelhanças. Portanto, isso é evidente.

Eu acho que nós temos todas as condições para ultrapassar essas dificuldades de relacionamento cultural e civilizacional, mas eu acho que isso não nos mete necessariamente naquele caminho que é o caminho para os Estados Unidos da Europa. Os Estados Unidos da Europa, que é uma coisa que eu desejo ardentemente que aconteça, são, neste momento, apenas um objetivo muito longínquo. Porque isso implicaria uma federação e, neste momento, a conjugação de forças é tal, no contexto europeu e no contexto de cada Estado, que eu penso que esse objetivo, que essa finalidade última, não está ao alcance de se poder levar para a frente.

Claro que poderia haver aqui uma chance, por exemplo, de reforçar a integração. A saída do Reino Unido poderia fazer com que a resposta da União Europeia fosse acelerar o processo de integração. Isto é um futuro possível. Mas temos que ver que vai haver, já em 2017, eleições para o Presidente em França, eleições legislativas na Alemanha, e tudo vai estar em standby até estas duas potências definirem qual é o seu futuro.

Aliás, eu penso que isto explica porque é que a senhora Theresa May está a demorar no acionar do chamado artigo 50.º para o Brexit. Ela está a fazê-lo porque está na estratégia do "wait and see”. Quer dizer, ela tem esperança de que, havendo mudanças na política francesa e na política alemã, o Reino Unido possa obter um acordo melhor do que obteria com as atuais circunstâncias. Portanto, tudo isto está num "wait and see”.

Acho que nós, até este ciclo eleitoral franco-alemão, estaremos provavelmente a fazer estudos e em grandes conversações, mas não teremos nenhum passo decisivo no sentido de uma maior integração e, portanto, de uma aproximação, se quiser assim, desse sonho que alguns têm (cada vez menos) dos Estados Unidos da Europa.

 
Nuno Matias

Em primeiro lugar queria pedir desculpa ao Tiago Dinis e ao Grupo Bege, porque houve aqui uma troca de ordem, e a falha foi exclusivamente minha, mas têm, agora sim, o Grupo Bege e o Tiago Dinis a palavra para fazer a questão. Desculpa, Tiago.

 
Tiago Diniz

Não tem problema. Em primeiro lugar, saudar todos os presentes, em especial o nosso convidado, o Dr. Paulo Rangel.

Partindo dos principais ideais da União Europeia, onde temos integração, igualdade, queria aqui referir-me a uma parte. Àquela parte que não apanha o comboio tecnológico, e essa parte terá uma expressão nesses tais referendos.

E vendo o caso de Portugal, se António Costa quiser mesmo ter a sua escapa política e convocar um referendo, quais as medidas imediatas para que consigamos ter, não o ideal, porque isso é muito difícil, mas então o menos mau. Para que nós, que temos essa perspetiva mais avançada, consigamos ter alguma garantia de que Portugal não irá ter uma cisão com o projeto europeu.

Obrigado.

 
Paulo Rangel

Eu acho que, no estado em que as coisas estão, mais depressa o projeto europeu tem uma cisão com Portugal do que Portugal uma cisão com o projeto europeu. Portanto, é um bocadinho ao contrário.

Em Portugal não há a perspetiva de convocação de um referendo desse modo, porque ele obriga à conjugação de vontades do Governo, da Assembleia da República e do Presidente da República que não é fácil fazer. Eu acho que a perspetiva de um referendo em Portugal, na atual circunstância, não é provável, não tem grande probabilidade.

O que eu acho que pode acontecer é: se entretanto a União Europeia avançasse para um próximo passo de integração mais forte, aí sim, podia justificar-se fazer um referendo para ver se queria dar esse passo ou não. E aí até acho que era desejável fazê-lo. E sinceramente, acho que em Portugal, mesmo com algum descontentamento cada vez maior, a ideia de estarmos na União Europeia acabaria sempre por triunfar. Portanto, não se poria em Portugal a questão que se põe noutros países, do meu ponto de vista.

Por isso, eu não diria que nós temos que tomar esta medida ou aquela. Eu diria que, genericamente, os portugueses compreendem que nós, sozinhos, estaríamos pior. Porque há aqui uma coisa que é preciso dizer. Quando o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, com questões muito populistas, e até algumas que eu estimo muito e por quem tenho grande apreço, mas que falam na soberania de Portugal – caso de Pacheco Pereira -, e que estamos prestes a ser esmagados, espanholizados, e tal. Sinceramente, isso parece-me uma retórica muito vazia e muito populista e demagógica. Porquê?

Porque o problema de Portugal e da sua afirmação não é o problema de estar na Europa ou fora da Europa. Portugal, no século XIX, entrou em bancarrota e ficou completamente à mercê, perdeu a sua soberania. Até teve o ultimato britânico por causa do mapa cor-de-rosa, em 1890.

Portanto, o que é que eu quero dizer? Aquilo que torna um país autónomo e capaz de pôr a mão no seu próprio destino é a capacidade de ter contas equilibradas. Isto é como uma pessoa. É evidente que, se uma pessoa tem as suas contas, não gasta mais do que ganha e tem as suas contas equilibradas, evidentemente que esta pessoa tem condições de dizer sim e dizer não às diferentes coisas. Se a pessoa está completamente nas mãos dos credores, a sua vontade não conta.

Reparem, eu queria chamar a atenção para isto, que é fundamental percebermos. Não foi a União Europeia que nos pôs nesta situação. Nós é que nos pusemos nesta situação. Depois a União Europeia poderia ajudar-nos mais ou menos. Eu também sou a favor de um conjunto de reformas enormes a nível europeu, a nível económico e financeiro. Há muitas coisas que eu acho que estão mal e que deviam ser alteradas. Mas Portugal, se tem alguma incapacidade de afirmação, hoje, essa incapacidade deve-se à nossa dívida. Fomos nós que a fizemos, não foram os outros que a contraíram por nós.

E Portugal já esteve nesta situação antes e não havia nem uniões europeias nem nada que se parecesse. Portugal entre 83/85 teve um resgate do FMI; em 76/77 teve outro resgate, ou 77/78, melhor dito. E antes já tinha tido na Primeira República, e já tinha tido no fim da Monarquia. Aliás, a Monarquia, em parte, acabou por causa disso. Portanto, o problema das contas públicas, das contas nacionais, da dívida externa, da bancarrota, da falência, este problema é que tira autonomia e capacidade de escolha aos países. Não é haver União Europeia ou deixar de haver União Europeia. Porque os países que têm as contas mais ou menos em ordem – não precisam se estar muitíssimo bem, mas estão, pelo menos, relativamente desafogados – obviamente que têm uma capacidade de escolha muito maior do que aqueles que não têm… e que estão sempre, enfim, com a mão estendida.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Azul, o Bruno Rocha.

 
Bruno Rocha

Muito bom dia. Queriam em primeiro lugar saudar os membros da Mesa, em especial o nosso convidado, o Dr. Paulo Rangel.

A minha pergunta centra-se na questão da Turquia. A tentativa de golpe de estado na Turquia veio dificultar as relações que esta tem com a União Europeia. A notícia de que Erdogan estava a ponderar a reposição da pena de morte, que foi abolida em 2004, a par da extensa purga que continua a atingir os setores público e privado, que certos académicos turcos afirmaram ser semelhante a uma União Soviética de Estaline ou a uma China de Mao, e também a suspensão da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, mereceu duras críticas dos líderes europeus.

Erdogan também criticou o Ocidente em geral por apoiar o terrorismo, e os Estados Unidos em particular, pois o guião para a tentativa de golpe na Turquia tinha sido escrito no estrangeiro. A Turquia caminha para não ser uma democracia mas sim uma autocracia. E, além disso, a Áustria é contra a continuação das negociações com a Turquia.

Apesar de tudo isto – e agora indo direto à minha pergunta –, considera que a União Europeia deve continuar a tentar a adesão da Turquia, que já leva quase trinta anos, tendo em conta que uma boa relação com Ancara é fundamental para a gestão eficaz da crise dos migrantes e refugiados que continuam a chegar da Síria e do Iraque?

Muito obrigado.

 
Paulo Rangel

A questão turca é uma questão muito complexa. Quanto à questão turca, diria o seguinte: eu acho que nós fizemos mal desde o início, do meu ponto de vista, em darmos à Turquia uma perspetiva de que ela aderiria à União Europeia. Eu sempre achei que a Turquia, por razões geopolíticas, por razões culturais, iria causar muitos problemas com a sua entrada na União Europeia. O ideal teria sido não ter acenado com a cenoura da adesão à Turquia e ter, desde o início, sido justo e correto com os turcos, dizendo: não faz parte dos limites territoriais da União Europeia a ideia de uma adesão da Turquia, mas nós queremos uma associação muito aproximada e muito forte com a Turquia.

Teria sido preferível esta discussão honesta e séria. O que é que aconteceu? Começou-se a criar a ideia de que eles poderiam entrar, criou-se-lhes esse sonho, e depois, evidentemente, como havia muitos países que não queriam que a Turquia entrasse, a começar pela França, uma parte dos alemães, os austríacos seguramente, haverá outros também nesse campeonato. E portanto isto começou a criar muitas dificuldades.

Eu há um ponto que devo esclarecer. Eu acho que, para mim, este desenvolvimento da Turquia, do Erdogan, nunca me surpreendeu. Eu sempre achei que a Turquia tinha uma tradição que era uma tradição muito laica. Quando há um partido que está claramente em rotura com essa tradição, que era o partido do Erdogan, basicamente um partido que era pró muçulmano e, portanto, a pôr em causa a tradição laicista da República Turca do Kemal Atatürk – chamada kemalista -, a partir desse momento eu achei que o caminho ia ser este.

Evidentemente, nas democracias, o voto é muito importante. E nós sabemos que, demograficamente, a Anatólia, a Turquia Central e Leste, era formada por muçulmanos muito convictos da sua própria afirmação e com algum ressentimento relativamente às elites de Istanbul e até de Ancara, que eram profundamente ocidentalizadas e laicas. E portanto os votos vão-se recolher aí. E recolhendo-se aí, há tendência para agradar cada vez mais a essas pessoas de forma a que elas votem e reforcem as maiorias do Erdogan. E portanto este ciclo começou.

Agora, a partir do momento em que as coisas se precipitaram cada vez mais, e nomeadamente com este golpe de estado, que nós nem sabemos se foi um golpe de estado autêntico, se foi um pouco encenado, se foi quase que provocado para permitir este reajustamento de toda a política turca, eu acho que estamos outra vez, como eu dizia, naquilo que eu chamaria uma putinização da Turquia. Quer dizer, aquilo que o Putin fez com a Rússia, é o que o Erdogan está a fazer com a Turquia. E portanto que é, no fundo, o caminho para uma autocracia ou para uma democracia cada vez mais musculada. Isso é claramente o que está a acontecer.

Portanto, o que é que eu acho? Eu acho que nós vamos ter aqui muitos problemas de relacionamento com a Turquia. Nomeadamente, na questão dos direitos humanos. A questão da pena de morte é uma questão muito importante, porque é uma questão simbólica. Mas eu lembro que um país com o qual nós temos, por tradição, as melhores relações, que é os Estados Unidos, também têm a pena de morte. E também devem ser condenados por isso.

O caminho que eu vejo a prazo, é um caminho que - por acaso podia ter enunciado no discurso inicial, mas há tanta coisa para dizer que é impossível concentrá-lo numa hora -, que é isto: eu acho que o caminho para a União Europeia de futuro é um caminho a duas velocidades. Em que nós tenhamos um núcleo de países que avançam para uma integração maior, de tipo federal ou quase federal, os que quiserem. E outros que estão num segundo ranking, e que fazem parte do mercado interno e terão um conjunto de direitos e obrigações de associação limitada, portanto, não são full members.

Que será o caso do Reino Unido, é uma hipótese de integração do Reino Unido, da Noruega, da Suíça e de outros países que queiram abraçar isso. Admito que alguns escandinavos queiram ir para isso, que alguns eslavos queiram ir para isso, e eventualmente aí poderia caber uma Turquia. Claro que para isso era preciso cumprir os critérios democráticos, essa questão teríamos que resolvê-la, mas resolvendo isso poderia caber.

Esta é uma solução. É ter uma Europa com duas velocidades, uma espécie de membros gold e membros normais. Os membros gold estão numa federação, os outros numa associação. E portanto, com esta dinâmica dupla, eventualmente ter espaço para integrar uma Turquia.

Agora, atenção, há outra questão que não tem nada a ver com esta, e que é a questão da realpolitik. E nós temos que ter sempre essa realpolitik nas relações internacionais. Não há dúvida de que os turcos demonstraram uma coisa. É que eles controlam, em grande parte, a questão dos refugiados sírios, iraquianos e afegãos. Não do Norte de África. Como se vê, os refugiados do Norte de África continuam a vir com grande força. Através da Líbia para Itália. Mas aqueles que vinham pela Grécia, eles têm uma espécie de torneira. Quando abrem a torneira os refugiados vêm, quando fecham a torneira, os refugiados não vêm. Ou vêm muito menos.

Portanto, é essencial, é absolutamente essencial, para nós, que continuemos a ter algumas pontes com a Turquia. Embora, para o problema dos refugiados, eu gostasse de outra solução. Mas vou deixar desenvolvimento para uma outra eventual pergunta ou para uma próxima Universidade de Verão, uma vez que, como verão, os refugiados não vão desaparecer, é uma questão que está aí para ficar, e portanto à qual se pode responder mais tarde, se for necessário.

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra, pelo Grupo Amarelo, o João Madeira.

 
João Madeira

Bom dia. Permitam-me cumprimentar todos os presentes e em especial o nosso convidado.

Eu gostaria de pegar numa coisa que afirmou para colocar a minha questão. Disse que há russos que se sentem mais europeus do que os próprios europeus. Eu acho que isto revela uma falha a nível da cidadania europeia dos habitantes desta União, desta Europa.

Além disso, nós sabemos que existe uma associação entre as questões de mercado e o euro como a principal fonte de coesão e identidade europeia. Eu acho que este tema é altamente problemático porque, quando a moeda entra em crise, nós temos também uma crise da identidade cultural, que o Grupo Amarelo acha que foi o que se verificou, talvez, aquando da crise do Euro.

Assim, a minha questão é: que medidas podemos nós tomar para aumentar a coesão europeia e aumentar a nossa identificação, primeiro como cidadãos da Europa, senão do mundo, e só depois cidadãos dos nossos países de origem, e não ao contrário, como é o que está a ocorrer, evitando assim o aumento do poder dos ideais mais fechados e nacionalistas.

Muito obrigado.

 
Paulo Rangel

A pergunta é complexa. Uma coisa que eu queria dizer é o seguinte: quando eu referi o caso dos russos, não foi tanto para dizer que os europeus não têm sentimento europeu, foi para dizer que nós, normalmente, achamos que os russos não se consideram europeus, ou nós não os consideramos, e eles consideram-se. Era só para dizer isso. Não era para dizer que nós temos um défice de sentimento europeu.

Indo à vossa questão. Eu, sinceramente, vou dizer o seguinte: ao contrário do que está pressuposto na vossa pergunta, eu acho que aquele elemento que dá mais identidade à Europa hoje, não é o euro, não é a moeda comum. Embora, sem dúvida – basta a pessoa viajar por países que têm o euro – facilite muito e seja um fator de alguma construção de identidade.

Para mim, justamente o fator principal, e é aquele que está em crise agora com a questão dos refugiados, e até com o Brexit, é a liberdade de circulação das pessoas. Esse é que é o grande fator de identidade europeia. Quando nós atravessamos fronteiras – e isto para os jovens vale muito – e não notamos que atravessamos nada, passamos de Portugal para Espanha, de Espanha para a França, da França para a Alemanha, da Alemanha para a Polónia, da Polónia para a Eslováquia, da Eslováquia para a Hungria, da Hungria para a Roménia, da Roménia para a Bulgária, da Bulgária para a Grécia, e não sentimos que mudamos de país, não sentimos nenhuma fronteira, quando nós fazemos isto, evidentemente que isto é que nos dá a ideia de que estamos num espaço comum.

Para mim, este é o fator principal. E isto é uma coisa que os jovens não sabem. Os jovens não sabem, mas Carlos Coelho e eu sabemos bem, o que é uma pessoa estar três horas, ou duas horas, para passar uma fronteira. Esta ideia de circulação é uma coisa muito recente.

Ainda recentemente contava que ainda me lembro do meu grande espanto, a primeira vez que fui à Bélgica e à Holanda e ao Luxemburgo – penso que foi em 81 ou 82, já não sei bem -, em que passei de carro, e o Benelux já não tinha fronteiras, e nós não sabíamos se estávamos na Bélgica se estávamos na Holanda. E aquilo para mim foi um milagre, porque eu estava habituado a ir de Portugal para Espanha, por exemplo, e ter que estar às vezes uma hora, duas horas, na fronteira, para ser revistado, etc.

Eu ainda me lembro de fazer o interrail e mudar de comboio, que tinha de se mudar na fronteira entre a Espanha e a França, porque o comboio tinha a bitola europeia e a bitola ibérica, portanto tinha que ser um comboio diferente, e sermos totalmente revistados, porque havia os problemas da ETA, etc., etc. – totalmente revistados, de alto a baixo, para mudar de um comboio para o outro. As pessoas não têm noção do que isto significava.

Portanto, eu diria que este é o grande emblema europeu.

Agora, o que é que nós podemos fazer? Há uma coisa que se tem feito e que tem sido excecional, e que se viu, aliás, no referendo inglês que funcionou, que é o caso do Erasmus, com os jovens. Eu acho que nas gerações mais jovens, elas já não compreendem que houvesse um recolocar das fronteiras. Para além de que eu acho que recolocar as fronteiras não ia responder aos problemas que se põem.

Acho que nós, basicamente, temos que investir nestes projetos, que são projetos educativos, que são projetos de sensibilização para criar essa ideia de Europa. Porque ela existe. O grande problema, no fundo, do sentimento europeu, é o desconhecimento do outro. Se eu, de repente, perceber que as histórias que ouve um polaco, quando é pequeno, são as mesmas histórias que eu ouvi quando era pequeno, então, de repente começo a ter alguma afinidade com a polaca ou com o polaco, e o mesmo acontece com o lituano ou com a lituana, e o mesmo acontece com o grego ou com a grega, e por aí fora.

Portanto, eu acho que o desconhecimento mútuo é o grande fator de ressentimento. É o desconhecimento mútuo. Porque nós, de facto, temos uma herança comum. Toda a gente ouviu falar no Capuchino Vermelho quando era pequeno. Ou no menino Jesus e no burro. Isto são histórias fundacionais que estão nas nossas origens.

É esta ideia de uma certa liberdade, a ideia, hoje, por exemplo, da igualdade entre homens e mulheres, que é uma ideia que em grande parte do território do mundo não existe. Isto são fatores de grande identidade. Portanto, eu sinceramente acho que nós temos que apostar muito nessa Europa da cultura, Europa da educação, para criar esse espaço.

Mas para isso é fundamental que as pessoas possam circular livremente. Claro, se houver mais justiça, mais direitos sociais, se a Europa responder… eu até acho, e vou dizer aqui uma coisa um bocadinho polémica, mas, ao contrário do que parece – até um pouco pelo discurso que eu trouxe das ameaças -, hoje a opinião pública está mais recetiva para ter mais Europa do que estava há dois anos ou três atrás.

Com os atentados terroristas e com a crise dos refugiados, há muitos cidadãos da Europa que percebem que o problema só pode ser resolvido a nível europeu, já não pode ser resolvido a nível nacional.

Por exemplo, toda a gente percebe que era fundamental nós termos uma guarda fronteiriça europeia. Termos uma espécie de marinha ou guarda marítima europeia, uma guarda costeira, para apoiar os refugiados que aparecem, para evitar o tráfico de seres humanos, e que os países sozinhos não podem fazer isto. Malta, Chipre, a Grécia, Portugal, a Espanha, a Itália, não podem fazer isto sozinhos. É impossível. Portanto, era preciso uma força europeia.

As pessoas estão disponíveis para isso. E, em parte, culpam a União Europeia, porque, no fundo, não vêm uma resposta da União Europeia. Se ela der uma resposta a estas necessidades das pessoas, eu acho que as pessoas vão confiar na União Europeia.

Aliás, eu acho que hoje, a compreensão de que o terrorismo, por um lado, e os refugiados, por outro, estas duas crises, não têm uma possibilidade de resposta nacional, precisam de uma resposta mais geral, mais global, faz com que as pessoas esperem mais da União Europeia do que esperavam há uns dois ou três anos atrás, onde estavam mais dispostas a fechar-se.

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra, pelo Grupo Laranja, o Robert Neves.

 
Robert Neves

Bom dia. Em primeiro lugar, cumprimentar e congratular o Dr. Paulo Rangel pelo seu incansável trabalho no Parlamento Europeu, e naturalmente estender esse cumprimento aos membros da Mesa.

A questão que lhe coloco está ligada diretamente à primeira parte da sua intervenção aqui, e tem a ver com as implicações do Brexit, a médio prazo, na vida dos cidadãos dos outros Estados membros emigrados no Reino Unido, e nomeadamente na dos milhares de portugueses aí presentes, com maior incidência na área da saúde.

Obrigado.

 
Paulo Rangel

Quanto às implicações do Brexit sobre os cidadãos que lá vivem, cidadãos europeus da União Europeia, estou a falar desses, eu penso que, com aqueles que lá estão neste exato momento, eu penso que não haverá implicações praticamente nenhumas.

O Reino Unido não vai, em caso nenhum, cair nessa asneira nem nessa tentação. Portanto, ele vai garantir um estatuto às pessoas que lá estão ou que estavam antes do referendo. A questão é, depois do referendo, o que vai fazer?

Sinceramente, eu não compreendo muito bem a questão do Reino Unido com a imigração, e nomeadamente com a emigração europeia, porque o Reino Unido não tem, realmente, grandes problemas com a imigração europeia. É uma coisa um pouco incompreensível. É uma reação emocional, e para mim mais baseada numa certa histeria dos tabloides, do tal populismo e da tal demagogia, do que real.

Aliás, eu acho que até há um certo argumento quase que xenófobo ao contrário, no caso do Reino Unido. O Reino Unido tem uma quantidade enorme de imigrantes vindos, por exemplo, da índia, do Bangladesh, do Paquistão, do Sri Lanka, por causa de a Índia ter sido a joia da coroa do império britânico. Tem de muitos outros países africanos. E também tem europeus. E, curiosamente, os problemas que houve, que aliás também existiram em Paris, existiram em Berlim, existiram em Estocolmo, nos últimos anos, 2011, 2012, 2013, em que houve verões em que houve grandes tensões, conflitos, queimaram-se carros, destruíram-se bairros inteiros, etc., nunca foram com imigrantes europeus. Normalmente não foram com imigrantes europeus. Foram ou com imigrantes do Magrebe, ou com imigrantes do Paquistão.

No caso de Paris, tinha muito a ver com o Magrebe, no caso de Berlim e Estocolmo, tinha muito a ver com imigrantes asiáticos, e no caso inglês claramente até tinha sido a morte de um paquistanês que originou imediatamente toda essa reação.

A mim, o que me pareceu, é que houve aqui alguma hipocrisia, que é: no fundo há um certo preconceito inglês contra essa imigração da Commonwealth, mas como não podem dizer isso, porque isso ficaria muito mal de acordo com o politicamente correto, acabam por desviar o problema para os imigrantes europeus, que não lhes causam normalmente esse tipo de problemas.

Só para terem uma noção, o Nigel Farage, que aqui em Portugal, no youtube, muita gente achava muito bem, porque ele dizia mal do Durão Barroso, e dizia mal de Bruxelas, e não sei que mais, que era um herói de alguns intelectuais, quando ele é um verdadeiro protofascista, é isto que tem de ser dito, é um protofascista. Aliás, foi apoiar agora o Trump, mas é um protofascista. Ele chegou a dizer – eu sou testemunha presencial e ocular – chegou a dizer que 80% do crime em Londres era provocado por búlgaros e romenos. Ao que me apeteceu perguntar-lhe se no tempo do Sherlock Holmes havia muitos romenos e búlgaros em Londres. Porque, pelos vistos, já havia grande romance policial e crimes gigantescos, Jack o Estripador… entretanto até descobriram uma coisa fabulosa, é que Jack o Estripador era polaco. Isto no contexto desta discussão agora sobre o Brexit, houve um jornal que disse que, depois de fazer umas análises, ele seria polaco, seria um canalizador polaco, com certeza que no século XIX emigrou para Londres, para permitir, no fundo, o Brexit em pleno século XXI.

Sinceramente, eu acho que este discurso é um discurso completamente sem sentido, no caso inglês, porque não se compreende que um país que tem imigrantes provenientes de todo o lado - Londres é a cidade mais cosmopolita do mundo, nem Nova Iorque se compara a Londres, sob esse ponto de vista -, que realmente faça disto o que fez. Parece-me uma coisa absolutamente extraordinária.

Outra coisa que, para mim, era extraordinária, era a questão dos social benefits , portanto dos benefícios sociais. São os ingleses que regulam quais são os benefícios sociais que dão. Evidentemente que isso é uma questão inglesa, não era uma questão europeia. O que eles não podiam era discriminar os europeus face aos ingleses, o que é uma coisa diferente. Que é: eu dou benefícios sociais aos ingleses, mas não dou aos trabalhadores europeus. Quando é sabido que os trabalhadores europeus pagam mais impostos do que aqueles benefícios que têm. Portanto, eles são contribuintes líquidos para a riqueza britânica.

Eu estou absolutamente convicto de que os imigrantes portugueses e os imigrantes europeus em geral, que estão em Inglaterra, e que para mim não são imigrantes, são trabalhadores europeus em Inglaterra, porque imigrante supõe que não tem liberdade de circulação, o que não é o caso – esses não vão ter nenhum problema.

Aqueles que fossem agora poderão ter problemas. Porque é capaz de haver uma regulação específica para as pessoas que se tenham estabelecido em Inglaterra depois de 23 de junho. Isto é possível que aconteça. Quem foi antes, eu penso que vai estar perfeitamente salvaguardado sob todos os pontos de vista. Até porque os britânicos têm muita gente a morar em Espanha, muita gente a morar em França, muita gente a morar em Portugal, muita gente a morar pela Europa fora, e obviamente que não vão querer retaliações sobre essas pessoas. Aliás, a quantidade de britânicos que estão a pedir a nacionalidade portuguesa, ou que estão a pedir a nacionalidade espanhola ou francesa, muitos que são casados com pessoas de vários países europeus, é enorme, justamente para não terem nenhum problema.

Penso sinceramente que, sob esse ponto de vista, o bom senso vai imperar. E há uma coisa que temos de ter em atenção: os britânicos têm um grande apreço pela rule of law. Isto é, pelo respeito pelo direito, e não vão com certeza ter uma política discriminatória, no mau sentido do termo. Nisso eu acho que eles têm sempre um comportamento muito fair e vão fazer jus a essa cultura de fairness , isto é, de justiça, de sensatez, de equidade, que é típica da cultura britânica. Portanto, sinceramente, por aí eu não estou preocupado.

Claro que eu acho que as autoridades portuguesas devem estar com olho vivo e pé ligeiro. Em todo o caso eu acho que não vai ser um problema, sinceramente.

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra, pelo Grupo Castanho, o António Silva.

 
António Silva

Muito bom dia. A minha questão vai no seguimento de um dos problemas que afeta a União Europeia, que é o seguinte: para além dos populismos, podemos também identificar a falta de legitimidade nas instituições europeias como um grande desafio… - peço desculpa por ter bloqueado – como um grande desafio que nós enfrentamos. E é isso. Obrigado.

 
Paulo Rangel

Em primeiro lugar, não peça desculpa por ter bloqueado, porque bloquear a falar da União Europeia é a coisa mais normal do mundo.

[Aplausos]

O contrário é que seria de espantar.

Vou dizer uma coisa que estou farto de dizer, mas, por mais que eu diga, não há ninguém que acredite. Ao contrário do que se diz, na União Europeia não há uma falta de legitimidade democrática. Surpresa das surpresas.

Vamos olhar para a União Europeia e ver o seguinte: a comissão europeia, que não é bem um governo europeu - antes fosse, mas não é -, é uma espécie de administração pública europeia. É algo entre um governo e uma espécie de corpo administrativo. Falta-lhe aquela capacidade política que os governos têm, aquilo que os italianos chamam o indirizzo politico , que é a capacidade de direção política, mas que dito em italiano é mais do que isso. Aliás, é muito usada até pelos politólogos anglo-saxónicos, esta expressão, porque ela, de facto, com graça, é isso. E depois tem o lado administrativo, de execução, de aplicação das regras.

A Comissão Europeia tem um presidente que é indicado pelo Conselho Europeu, em que estão os primeiros-ministros e presidentes dos vinte e oito países, que têm legitimidade democrática interna e nacional. Escolhem uma pessoa que depois tem de ser aprovada pelo Parlamento Europeu. E o Parlamento Europeu é eleito diretamente pelos cidadãos europeus.

Portanto, o presidente da Comissão tem não só a legitimidade de ter sido escolhido por um corpo em que estão os vinte e oito chefes de executivo dos vinte e oito países – todos são países democráticos, portanto têm legitimidade democrática –, como depois tem uma legitimidade democrática não apenas nacional, mas europeia, porque tem que ser aprovado no Parlamento Europeu.

Depois o programa da Comissão Europeia – embora isso não esteja escrito – também é aprovado no Parlamento Europeu. E depois ele escolhe vinte e sete comissários, em articulação com os governos nacionais – portanto, ficam vinte e oito -, e eles têm que ser todos aprovados, o colégio todo, são ouvidos, um a um (já várias vezes foi removido um ou outro porque o Parlamento Europeu não gostou deles), e depois o colégio tem que ser todo votado pelo Parlamento Europeu. E depois de o colégio estar em funções – como está agora – a qualquer altura pode ser objeto de uma moção de censura e cair no Parlamento Europeu. Parlamento Europeu que tem legitimidade democrática.

Nas últimas eleições de 2014, os principais partidos europeus até apontaram candidatos a presidente da Comissão. No caso do PPE foi o Juncker; no caso dos socialistas foi o Schulz. Ganhou o PPE e o Conselho, que estava a pensar, eventualmente, fazer aqui uma habilidade e indicar outra pessoa, não foi capaz, perante os resultados eleitorais, de indicar outra pessoa senão aquela que tinha sido apontada pelo partido que ganhou as eleições europeias.

Portanto, mais democrático do que isto, não sei o que possa ser. Aqui o grande problema é que se está sempre a dizer "é um conjunto de burocratas que estão lá…”. Mas não é nada um conjunto de burocratas. Nós até temos um problema hoje que é o seguinte: desde a crise de 2008, da crise financeira, que grande parte das decisões, em vez de serem tomadas pelo eixo Conselho de Ministros, Comissão, Parlamento Europeu (são, no fundo, estes órgãos), é tomada pelas Cimeiras europeias, pelo Conselho Europeu propriamente dito. Ele passou a ser a driving force , é ele que tem o chamado indirizzo politico.

Quando se diz: os Estados nacionais estão a ser esmagados… Os Estados nacionais nunca tiveram tanto poder na União Europeia como têm hoje. Ao contrário do que dizem os eurocéticos, a verdade é que (do meu ponto de vista) lamentavelmente são os Estados nacionais que têm força. Mais força do que tinham no passado. Porquê? Porque grande parte dos problemas que surgiram, nomeadamente ligados à moeda única, e agora à crise dos refugiados, não tinham instrumentos de resposta federal, a nível europeu. E como não tinham, tiveram que ser desenhados a la carte , a cada momento, pelo Conselho Europeu, isto é, pela vontade unânime dos Estados.

Portanto, vir dizer que aqui há uma falta de legitimidade democrática, não sei onde é que existe falta de legitimidade democrática. As pessoas dizem: o Juncker não foi eleito por ninguém. Mas António Costa foi eleito por alguém? Não foi!

[Aplausos]

E não há ninguém que diga que nós não estamos numa democracia. Certo? Porque o primeiro-ministro não é eleito, por definição. E só por isso é que ele pôde ser primeiro-ministro, porque se ele fosse eleito, ele nunca poderia ser, porque ele perdeu as eleições. Ele só pode ser primeiro-ministro porque um primeiro-ministro, o chefe do executivo, não é eleito, no caso de um sistema como o português, ou no caso de um sistema como o sistema europeu.

Portanto, não há é falta de democracia. Porquê? Porque ele depois tem a aprovação do Parlamento, que é o que tem o nosso presidente da Comissão. E depois nós temos um tribunal, o Tribunal de Justiça da União Europeia, para controlar as decisões. Existe uma independência, uma garantia de independência.

Há outro aspeto sobre o qual eu gostaria de falar; faço só aqui uma referência, que é a seguinte. Toda a gente diz que a União Europeia é o monstro dos monstros, está ao serviço das multinacionais, e do capitalismo, e não sei o quê. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista passam a vida a dizer isso. Eu gostava de saber qual é a opinião do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista sobre a decisão da Comissão de obrigar a Apple a pagar treze mil milhões de euros de impostos. Se há algum Estado nacional que era capaz de fazer isto? Porque a Irlanda, pelos vistos, até está contra, portanto não ia fazer. Foi ela que fez o acordo para eles não pagarem.

Portanto, se nós não tivéssemos União Europeia, podia haver este controlo? Claro que não podia. Porque para enfrentar gigantes dessa dimensão, um Estado nacional pode ser pouco forte para isso. E precisa de um corpo de outra natureza, e de um corpo independente que não tem esse tipo de interesses.

Portanto, quando se olha para estas questões, talvez puxar um bocadinho por aquilo que tem que ser puxado e não olhar só para o lado negativo.

Quanto à questão da legitimidade democrática, eu sinceramente acho que nós podemos fazer mais. Mas porque é que se tem esta sensação, de que não há…? Porque obviamente Bruxelas está longe das pessoas. As pessoas interessam-se mais pelas coisas que estão no seu dia-a-dia do que pelas outras. E as pessoas não têm noção disto.

A abstenção para as eleições presidenciais nos Estados Unidos é enorme. Ou para as eleições do Congresso. Porque as pessoas que estão no Wisconsin, ou que estão no Novo México, ou que estão no Nevada, ou que estão Nebrasca, ou que estão na Carolina do Norte, não querem saber do que se passa em Washington, querem saber do que se passa no seu Estado. Washington é uma coisa longínqua. Para nós, europeus, nós seguimos com mais atenção as eleições presidenciais que muita parte dos americanos. Porque para eles aquilo não tem grande repercussão. E é um pouco o que acontece com Bruxelas.

Portanto, Bruxelas está para a Europa como Washington está para os Estados Unidos, de alguma maneira. É uma coisa longínqua. E por isso é que as pessoas não fiscalizam tanto e não acompanham tanto. Mas não quer dizer que não haja legitimidade democrática. Ela existe.

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra, pelo Grupo Encanado, o João Pedreda.

 
João Pedreda

Bom dia. Aqui, na Universidade de Verão do ano passado, disse que o ar democrático em Portugal hoje é mais respirável e nós somos um país mais decente. Depois, passado um ou dois dias, veio reiterar e dizer que em 2015 este ar era muito mais limpo do que era em 2009 ou em 2011.

Antes de mais, gostaria de saber onde é que 2016 se inclui nesta tabela toda e como se compara. E se está no plano próximo fazer alguma coisa sobre o ar, nomeadamente da cidade do Porto.

Obrigado.

 
Paulo Rangel

Lá o ar não está poluído.

Eu acho que nesse particular não houve nenhum desenvolvimento deste então. Não acho que as coisas tenham mudado. Acho, sem dúvida, que, com tudo aquilo que fez o governo anterior, a ideia de promiscuidade entre os poderes, entre a separação do poder económico e do poder político, melhorou muito.

Este governo, ao estatizar tantas coisas, o caso da TAP, o caso dos transportes, etc., ao envolver-se como se envolveu nas questões da Caixa, com as trapalhadas que fez, etc., está a dar algumas pistas para uma futura promiscuidade. Mas eu, sinceramente, não acho que, até ao momento, nós estejamos naquele ambiente que José Sócrates criou e que era, claramente, um ambiente de claustrofobia democrática, como eu em 2007 disse. Acho que não estamos aí.

Mas, em termos de democracia, e de clara separação entre a esfera económica e a esfera política, entre a esfera mediática e a esfera política, temos de estar sempre vigilantes. Temos de estar sempre vigilantes.

E devo dizer que são conhecidos alguns tiques autocráticos do primeiro-ministro. Eu recordo-me que houve, ainda antes das eleições, aquele SMS para o João Vieira Pereira, por causa de um artigo de que ele não gostou. Portanto, o primeiro-ministro não gosta que o contrariem. É pouco dado… tem esses tiques. Mas até agora, sinceramente, eu acho, que até este momento nós não temos ainda, felizmente, a situação que tínhamos nos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, que foi uma situação, eu diria de uma espécie de "venezuelização” da democracia portuguesa, um certo "chavismo” à portuguesa, que eu acho sinceramente que se conseguiu erradicar, e que isso se deve muito ao cuidado e à decência que impôs no país o primeiro-ministro Passos Coelho.

E quanto ao Porto, não percebo muito bem a pergunta, porque não vejo lá nenhuma dessas realidades presentes.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Rosa, o Artur Teixeira Gomes.

 
Artur Teixeira Gomes

Muito bom dia. Senhor deputado, nas últimas semanas, em França, temos vindo a assistir a atos de xenofobia, nomeadamente das autoridades, contra as mulheres muçulmanas, nas praias, na utilização do chamado "burkini”.

O que eu venho perguntar ao senhor deputado é qual é o papel das autoridades europeias, e nomeadamente da União Europeia, para a prevenção destas restrições de liberdades a que estamos a assistir nos Estados membros.

Muito obrigado.

 
Paulo Rangel

Em primeiro lugar, eu recuso-me, em qualquer caso, a considerar que a atuação das autoridades francesas é xenófoba. Porque a justificação não é nenhuma justificação xenófoba, nem é antimuçulmana, é uma justificação mais de segurança e de proteção, até, num certo sentido, dos direitos das mulheres.

Embora eu ache essa uma má decisão, não acho que ela seja xenófoba nem ela tem uma intenção xenófoba. É a minha opinião.

Vamos cá ver. Isto são questões muito delicadas. Eu lembro-me sempre da primeira vez em que me confrontei com este problema. Eu vivi em Frankfurt por dois meses, em 92 ou 93, talvez 93, e lembro-me que, frequentando os meios universitários, havia na altura um grupo de uma esquerda alternativa – depois vieram a ser os Verdes – que era muito defensor dos direitos dos imigrantes, e nomeadamente dos imigrantes turcos. Portanto, fazia uma grande defesa dos imigrantes turcos e era um movimento alternativo à esquerda, que tinha uma grande implantação, e que depois até veio a dar origem a um grande partido alemão, hoje, e já foi governo e é governo em muitos dos Estados federados alemães, que é o partido "Os Verdes”.

Um belo dia, no Bild , que é um jornal tipo tabloide vinha uma notícia em que um pai na cidade de Frankfurt, um pai turco, proibiu as duas filhas, de seis e sete anos, de irem à escola. Porque ele dizia que as mulheres não precisavam de saber ler e escrever para nada.

E eu vi o incómodo que esse grupo alternativo teve em gerir isto. Porque, por um lado, queria muito respeitar a cultura turca, e a cultura muçulmana e os direitos dos muçulmanos a terem a sua identidade cultural e civilizacional, etc. Mas, por outro lado, estávamos a oprimir os direitos das mulheres. Portanto, isto é uma discussão muito complicada, porque há limites.

Há certas pessoas da África Ocidental, ali da zona da Guiné, do Senegal, do Gabão, por aí fora, que lhes dirão que a excisão genital feminina é uma coisa cultural. E nós achamos que isso é uma barbárie cometida contra as pequenas crianças do sexo feminino africanas. Portanto, onde é que está o limite? Eu acho que tem que haver aqui um limite, realmente, de direitos humanos.

De facto, a forma de as pessoas trajarem, desde que ela não ponha em causa a identidade, de um lado, e por outro lado a própria segurança, eu acho que realmente não devia ser objeto deste tipo de proibições. Estou de acordo com isso. Mas daí a considerar isso xenófobo, não acho. Porque os limites são muito pouco claros. São mesmo questões de fronteira. São questões de fronteira.

É que depois nós podemos ver coisas absolutamente extraordinárias. Por exemplo: nós vimos, também no final dos anos 90, que, tanto na Áustria como na Holanda, o movimento de extrema-direita era liderado por um ativista gay, contra as minorias. Porquê? Porque os muçulmanos tinham uma hostilização aos homossexuais de tal ordem que eles, no fundo, sendo uma minoria ocidental estavam contra as minorias muçulmanas que oprimiam os direitos dos homossexuais.

Nós estamos aqui perante situações que são muito de fronteira, e portanto eu não seria categórico no sentido de chegar aqui e dizer "isto é tudo um absurdo e não tem sentido nenhum”. Isto põe limites, porque nós sabemos que, evidentemente, em muitos casos, as mulheres são obrigadas a trajar dessa maneira e elas não queriam trajar-se assim. Mas não há maneira de nós as resgatarmos para lhes darmos a liberdade de elas se trajarem como querem.

Portanto, isto é uma questão muito complicada. É uma questão, sinceramente, muito, muito complicada. Eu acho que é contraproducente o que fizeram alguns municípios franceses, acho que é contra os direitos fundamentais das pessoas, acho que o "burkini” não põe em causa as questões de identidade nem as questões de segurança, e nesse sentido está dentro da liberdade da pessoa se exprimir também pela forma como se veste, mas, cuidado, que nestas discussões, ser extremamente simplista, levar as coisas todas muito a preto e branco pode levar-nos a situações muito complexas. É preciso ponderar todos os interesses.

Eu, por exemplo, considero patético que em Inglaterra se diga que se tenha de mudar os uniformes dos polícias para os sikhs poderem andar com o turbante. Acho uma coisa que não tem pés nem cabeça. E também me podem dizer, eles têm direito a usar o turbante e vamos mudar o uniforme dos polícias para eles poderem usar o turbante. Ou, como alguns juízes já defenderam, aceitar que a Sharia se pode aplicar em determinados tipos de resolução de conflitos. O que eu acho que é uma coisa inaceitável.

Isto são questões muito delicadas, e não são questões de se chegar aqui e faz-se um artigo de jornal e já está! Eu até alinho completamente pela visão que têm, mas nunca classificaria como radical ou xenófoba a medida que foi tomada por alguns municípios franceses.

Poderia dizer: é uma medida infeliz, talvez não seja a mais adequada. Mas ela não é uma coisa totalmente insensata, não é uma coisa que caia do nada, não é uma repressão, nem é uma vingança, nem é nada disso. Nem é uma discriminação nem é isso que pretende ser. Depois, se é a melhor medida a tomar, eu penso que não é. Penso que é preferível mantermos aqui este consenso. Mas cuidado com os simplismos nesta matéria.

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra, pelo Grupo Verde, o Gonçalo Silva.

 
Gonçalo Silva

Antes de mais, muito bom dia a todos. Dr. Paulo Rangel, a pergunta que lhe faço exige um certo exercício imaginativo e também crítico ao mesmo tempo.

E é a seguinte: no clímax, seja ele amanhã, daqui a dez anos, ou daqui a cem anos, ou seja, no ponto em que a Europa vai estar mais evoluída, onde é que ela vai estar, como é que ela vai ser? E não lhe pergunto isto estritamente ligado à questão de será federal, não será federal? Mas também relacionado com outras matérias. Política monetária, política económica, território… No clímax, onde é que vai estar a Europa, na sua opinião?

 
Paulo Rangel

Não faço a menor ideia. Apelou à minha imaginação, e eu até me considero uma pessoa imaginativa, mas depois de me dizer isso acho que não sou, não sou capaz de imaginar.

Há uma coisa que eu queria chamar a atenção. E para mim é o facto fundamental para olhar para o futuro da Europa, que é a demografia. Alguém disse alguma vez, com alguma graça, que a demografia é a única ciência social exata, porque é aquela que nunca falha.

Se nós pensarmos que, no início do século XX, um em cada vinte humanos era africano, e um em cada cinco humanos era europeu, e que, em 2050, um em cada cinco humanos será africano e um em cada vinte será europeu, isso quer dizer que se mudou por completo o termo de relação entre a Europa e o resto do mundo. Certo?

Portanto, o que nós de pensar é que, provavelmente, esta Europa de europeus, tal como nós os conhecemos, daqui a cem anos não existirá com estas características, porque nós temos uma crise demográfica gravíssima. E isso é um facto que não é suscitável de ser revertido facilmente. Há países que conseguiram grandes resultados – é o caso dos países escandinavos -, mas eu diria que a tendência geral é uma tendência para o envelhecimento da população.

Uma vez, num seminário para que me convidaram, era orador o atual dean , ou deão, o reitor de Fontainebleau, que é um indiano. Ele esteve a falar muito sobre os países emergentes e sobre o avanço dos países emergentes - isso já foi há cinco ou seis anos -, a China, a Índia, o Brasil, a Rússia, a África do Sul, como é que eles iam evoluir. E como ele era indiano e falou imenso da China, e do sucesso da China e do futuro da China, alguém com intuito muito provocador, disse-lhe assim: o senhor reitor, desculpe, mas diga-me aqui uma coisa (reitor do INSEAD, aquela grande escola de negócios de que, aliás, foi diretor também o António Borges, antes dele, e criou a escola em Singapura, também, que é ali perto de Paris), e perguntaram-lhe: mas quem é que acha que vai vencer isto? Vai ser a China ou vai ser a Índia? Claro, aquilo era muito provocador para ele, porque ele era indiano e tinha estado a fazer o elogio da China e tinha falado muito pouco da Índia.

E ele respondeu de uma forma muito curiosa e que nos ajuda a perceber a importância da demografia para a questão europeia, que é: a China vai ficar velha antes de ser rica e a Índia vai ficar rica antes de ser velha. E isto mostra como a demografia é fundamental. Não é por acaso que a China já mudou a política de uma família, um filho. Mudou há dois anos, ou assim. Passou a permitir dois. Porquê? O que acontece na China é que, a prazo, vai ter toda a gente com mais de sessenta anos … é o caso português, não é?

Como sabem, a Standard & Poor’s também veio com isso. Veio dizer que 24% do PIB, em 2050, seriam gastos só com segurança social. Porque a pirâmide demográfica em Portugal está totalmente invertida. Isto será um país essencialmente com pessoas com mais de 60 ou 65 anos. E isso é fatal. Não é possível haver progresso nem desenvolvimento num país em que a massa crítica das pessoas tem uma média etária muito alta.

E o que vai acontecer à Europa é isso. Vai haver pressão demográfica. Se nós pensarmos que metade das pessoas na Argélia tem menos de quinze anos… essa gente tem de ir para algum lado. Se nós pensarmos que na Índia há mais de seiscentos e cinquenta milhões de pessoas com menos de 24 anos; e há mais de oitocentos e cinquenta milhões de pessoas com menos de 35. Quer dizer, na Índia há mais pessoas com menos de 35 anos do que a população da Europa e dos Estados Unidos junta. Esta gente tem que ir para algum lado. Certo? Eles não vão ficar todos lá.

Por isso é que a demografia é uma ciência social exata. Agora, nós podemos construir um muro pago pelo México. Uma das coisas que proponho é fazer um muro no Mediterrâneo pago pelo México, assim uma coisa à Trump. Mas há um dia em que a pressão vai ser tal que o muro vai abaixo. Não se pára o vento com as mãos.

E por isso é que a senhora Merkel era inteligente na questão dos refugiados. Porque já que eles têm de vir é possível regular, acolher, integrar, encontrar formas também de fazer desenvolvimento nos próprios sítios. É preferível isso.

Para mim a grande mudança da Europa vai ser uma mudança demográfica e, portanto, nós temos que estar preparados para isso.

Segundo aspeto para que eu chamaria a atenção, e que tem a ver, curiosamente, também, com o problema português, que é o problema do investimento. Não há investimento – não há investimento, não há futuro.

Nem que nós triplicássemos agora as verbas para investigação e desenvolvimento na Europa, atingiríamos, nos próximos dez anos, o desenvolvimento tecnológico que têm os Estados Unidos, em toda a Europa. Nós investimos imenso em investigação e desenvolvimento, mas é tradicional, não é disruptivo. Num seminário que eu organizei no think tank do PPE em Berlim, alguém dizia que se 10% do orçamento da Audi – não era do Grupo Volkswagen, era só da Audi – que é gasto em investigação, inovação e desenvolvimento, fosse aplicado em start-ups, o ninho de start-ups de Berlim era maior do que o de Silicon Valley.

E se fosse 1% das empresas alemãs, do orçamento só para investigação… A Alemanha aposta em investigação, mas é investigação tradicional. Se nós olharmos para um carro, qual é a evolução tecnológica de um carro? O carro está como no século XIX – tem quatro rodas, tem um volante. Não aconteceu o que aconteceu com os computadores, o que aconteceu com a internet, o que aconteceu com os telemóveis – não aconteceu isso nos carros. Poderá estar agora a acontecer com os carros sem condutor e com os carros voadores que, entretanto, para aí estão a pensar fazer.

Nós também não estamos a apostar nessa batalha decisiva. Porque uma coisa é inovação, e outra coisa é inovação disruptiva, que é a das start-ups. Que é aquela que verdadeiramente agita e muda as coisas. A outra aperfeiçoa, torna mais seguros, mais rápidos, mais céleres, mas está sempre dentro do mesmo padrão, não está com padrão de mudança. De sair fora da caixa.

E porque é que a Europa é assim? Porque, como a Europa está velha, é conservadora. É que a demografia está ligada a isto. Se a Europa tivesse uma massa crítica jovem muito alta, a tendência para inovar seria muito maior. Mas estando ela envelhecida, a tendência é para conservar.

Alguém dizia uma vez, criticando a política da senhora Merkel, que a política europeia estava condicionado pela política alemã, económica e tal, porque a senhora Merkel tinha que governar para os pensionistas alemães. E os pensionistas alemães não queriam riscos. Como não queriam riscos, ela tinha de ter uma política económica muito conservadora. Porque a grande preocupação dos pensionistas alemães é não perderem a sua pensão. Eles não estão a pensar no que vai ser o crescimento da Alemanha daqui a quarenta anos. Porque daqui a quarenta anos eles não estão cá. Eles estão a pensar é se a sua pensão se conserva até eles fazerem 90.

Portanto, a questão demográfica, para mim, é que é a questão essencial. E o que é a demografia? Não é apenas aumentar a natalidade. É saber como integrar quem vem de fora, quem é que deve vir de fora, como é que nós construímos essa sociedade? É preparar tudo isso. Esse é que é o grande desafio estratégico para os próximos trinta a quarenta anos.

 
Nuno Matias

Para finalizar a ronda de perguntas, pelo menos a ronda que estava sorteada, o Grupo Cinzento, Diogo Oliveira. E pedia a quem tenha interesse em fazer questões na fase do catch the eye que me fosse dando indicação.

 
Diogo Oliveira

Bom dia. Muito obrigado pela excelente aula e pela avalanche de conhecimento a nível europeu que nos veio proporcionar aqui hoje.

Em casos como o Brexit, ou até mesmo como o que está acontecer em França com a Marine Le Pen são vislumbrados os blocos eleitorais de que falou, ou seja, a nível das classes da pirâmide social. Mas eu julgo que existem também blocos eleitorais relacionados com a faixa etária.

E a minha pergunta é esta: não estará uma espécie de um conflito intergeracional também por trás do crescimento das políticas populistas na Europa?

 
Paulo Rangel

Esta pergunta é muito difícil de responder, não porque seja difícil dar uma resposta, mas porque ela põe um problema que eu, sinceramente, creio ser um problema errado.

A questão é: há ou não há um conflito geracional em termos políticos? Eu sinceramente não acho que haja. Eu acho que nós temos diversidade política nas várias camadas geracionais.

Agora, há sem dúvida, um problema que é o problema do Estado Social e que, no fundo, está ligado à questão anterior, que é a sustentabilidade da Segurança Social. Esta é que é a grande questão. Porque, evidentemente que nós, tendo camadas sociais mais velhas, temos que assegurar a sua sobrevivência. E muitas delas já não são capazes de trabalhar. Porque têm doenças, porque estão cansadas, porque têm menos faculdades. São pessoas perfeitamente integráveis, altamente úteis à sociedade, podem desempenhar um grande papel, mas não como força produtiva ou laboral, no sentido tradicional do termo.

Estas pessoas contavam com um determinado quadro para a sua segurança social. Evidentemente que, com as crises económicas e financeiras graves, isso começa a ficar em causa. Portanto, elas exigem e querem essa proteção.

O que é que acontece? Acontece que, com o desemprego que existe, as camadas mais jovens têm muita dificuldade de acesso ao mercado de emprego. E cria-se esse conflito: a ideia de que, dos cinquenta anos para cima, as pessoas têm todos os direitos sociais; e dos cinquenta anos para baixo as pessoas não têm nenhuns direitos sociais. Isto é um paradoxo que não é novo, isto aconteceu em Portugal com o caso da lei das rendas, que eu referi há pouco. E por este caminho, vamos voltar outra vez… nem sei como é que António Costa cai nisto. Porque António Costa, que foi autarca, sabia muito bem o problema que as cidades tinham por causa da lei anterior. Como é que ele agora se deixa ir nesta cantiga? Claramente está refém, como eu disse, refém da esquerda populista, porque eu não acredito que ele pense que isto é uma boa medida.

Mas quanto às rendas, o quê que nós víamos? Os que tinham rendas antigas estavam com rendas dos anos setenta. Os pobres que entravam no mercado de arrendamento, tinham rendas altíssimas. Portanto, isto era de uma injustiça atroz.

E o mesmo acontecia, curiosamente, no mercado de trabalho. Quem tinha um contrato feito há bastante tempo, tinha um contrato blindado. Não podia ser despedido em caso nenhum. E quem entrava no mercado de trabalho, só tinha contratos a prazo, portanto estava despedido a prazo, de seis em seis meses, ou de dois em dois anos, ou de ano em ano. E ponto final.

De facto, há aqui uma fratura, que é: neste novo mundo que nós temos, em que o modo de trabalhar e de operar é totalmente diferente, em que há muito mais uma perspetiva de trabalho quase que liberal, os jovens estão muito mais desprotegidos do ponto de vista social do que estão os mais velhos. Eu estou a falar em termos europeus, porque no caso português a questão talvez se ponha com outros contornos ainda.

Eu dou um exemplo. Nós hoje o que que temos? Nós temos a Uber; os taxistas era uma solução rígida, a Uber é uma solução flexível. Nós agora temos o Airbnb; dantes as pessoas para arranjarem um hotel ou um alojamento tinham que ir a uma agência de viagens. Agora, não só fazem diretamente pela internet já as suas reservas, as agências de viagens praticamente ficaram só para excursões, já não dá para mais nada, como ao mesmo tempo, em muitos caos, até diretamente contratam com particulares o seu alojamento. Que é o caso do Airbnb.

De repente nós estamos a mudar de paradigma do ponto de vista do funcionamento da economia. Tudo isto vai liberalizar… Os jovens, que são quem acede basicamente a este novo mundo de serviços, estão numa situação que, depois, em termos de direitos, por exemplo, de consumidor, etc., estão muito mais desprotegidos do que estavam anteriormente.

Há aqui, de facto, uma clivagem geracional, mas eu acho que ela não tem uma tradução política imediata.

Há uma coisa que é evidente: a velha regulação que nós temos, não serve para este novo mundo. E é isto que o Partido Comunista não percebe, é isto que o Bloco de Esquerda não percebe, e é isto que o Partido Socialista devia perceber, mas preferiu, para salvar a pele, não perceber.

Agora, há uma questão que é essencial afrontar e que é essencial defrontar. É a questão da segurança social e de como pagar a segurança social. Nós temos de ter segurança social. Nós temos de ter apoio aos desempregados, apoio aos reformados, apoio às pessoas com deficiência, etc., etc. Nós temos de ter isso. Agora, temos de saber como é que vamos pagar isso. E este governo está a meter a cabeça na areia. António Costa está a fugir a este debate como o diabo da cruz. E este é um debate essencial. Não é por acaso que a Standard & Poor’s vem levantar esta questão nestes dias.

É porque este é que é o debate crucial para Portugal. É este debate. Que, mais uma vez, caros amigos, tem a ver com as contas. Não há liberdade se não houver alguma autonomia económica. Isto acontece a cada um de nós e acontece também aos países, aos Estados, às nações. É uma coisa fundamental. E o caminho que nós levamos é um caminho mau.

Eu até digo aqui com alguma ironia: hoje vem aí uma notícia de que o PS está quase na falência, como partido. Pois se o PS não se governa a si mesmo, como é que há de governar o país? Esta é que é a questão.

[Aplausos]

Este é o caminho para que nós vamos.

E com esta termino a fase das perguntas oficiais.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. A primeira ronda do catch the eye , tem a palavra, pelo Grupo Laranja, o Vítor Nascimento. E tem a seguir a palavra, pelo Grupo Castanho, o João Coelho.

 
Vitor Nascimento

Olá, Paulo. Muito obrigado pela tua palestra. Acho que qualquer um de nós poderia ficar horas e horas a fazer-te perguntas, porque é um tópico superinteressante. Vou tentar ser o mais breve possível. Assisti a umas quantas, portanto…

Paulo, mencionaste que na Áustria quem mais votou no FPO, o partido populista, foram as aldeias que não têm imigrantes. Agora, de uma forma… de alguém que vota nesse partido, vou-te fazer perguntas que podem ser talvez inconvenientes.

Pode ser porque os imigrantes que votam nas grandes cidades já são suficientes para virar a balança? Pode ser porque as pessoas que vivem nessas aldeias olham para as grandes cidades e notam alguma perda de identidade da cidade e, como tal, não se identificam? Existe algum efeito da chamada silent majory , que se vê também no efeito Trump, e agora na Suécia também existe o SD que tem feito diversas propostas anti-imigração. O atual governo tem legitimado e implementado algumas das suas propostas; será que isso faz a legitimação do SD enquanto partido?

Obrigado.

 
João Coelho

Bom dia. Obrigado pelos vários pontos que levantou. Eu tinha aqui uma questão e uma pequena provocação. Vou tentar lançar as duas.

A questão é: falamos da legitimidade da União Europeia em geral que é democrática, portanto, não há essa questão da não democratização. Temos eleições para o Parlamento Europeu e depois daí pinga tudo para o resto. Mas as eleições para o Parlamento Europeu são feitas a nível nacional, em contextos em que, muitas vezes, os resultados acabam por refletir os contextos nacionais e não necessariamente os contextos europeus.

E a pergunta que eu queria deixar é se vê espaço para, no futuro, existirem partidos que podemos chamar pan-europeus, que tenham uma agenda europeia e não nacional, e o Parlamento Europeu não é apenas uma agregação de partidos nacionais mais ou menos próximos ideologicamente, mas um próprio partido com uma visão europeia.

Isso é a pergunta. A provocação, enfim… Disse agora mesmo ao fim que… a questão dos pensionistas alemães, que eles não querem saber o que é que vai acontecer daqui a quarenta anos com a Alemanha. E foi também um argumento que ouvimos também no caso do Brexit. Os velhos é que votaram para sair, os novos queriam votar para ficar, portanto, se calhar os velhos não deviam estar a decidir o que vai acontecer aos novos daqui a trinta ou quarenta anos.

E a minha pergunta é se temos aqui uma hipótese de pensar num modelo em que o voto não vale a mesma coisa para todas as pessoas, tendo em conta o que vai acontecer no futuro. Obrigado.

 
Paulo Rangel

Começando já por esta última pergunta, porque ela é, apesar de tudo, de fácil resposta: isso é impensável. Do meu ponto de vista, one man one vote , ou one woman one vote , portanto, isso é impensável. As pessoas com mais idade têm tanto direito… porque, no fundo, o que se pergunta às pessoas é o que elas pensam para os próximos anos. E elas, com a sua experiência, podem ter um contributo para pensar o que é melhor para os próximos anos para os outros. Portanto, isso do meu ponto de vista é impensável.

Eu acho que, apesar de tudo, se exagera um pouco nessa questão nessa questão novos/velhos. Isso é a tal caricatura que se faz mas que, apesar de tudo, mostra uma coisa que, para mim, essa é que é muito importante, que é a questão demográfica. De facto, o balanço demográfico devia ser outro, e se fosse outro, porventura, nós estaríamos noutra situação. Essa é que é a questão.

Quanto à questão do direito de voto, no dia em que se mexer nessa questão de uma pessoa, um voto, evidentemente que isso não é democracia absolutamente nenhuma, e portanto está terminada a democracia de vez. Só no Benfica é que é possível essa coisa, em que uns têm mais votos do que outros.

Depois, ia à questão dos imigrantes, que é uma questão importante. É evidente que a imigração, a convivência com aquilo que é estrangeiro, cria sempre algumas tensões, isso é evidente, pela diversidade. Depois é evidente que a diversidade não é toda igual. Isto é, quando as vagas de imigrantes eram vagas de imigrantes de cultura europeia típica, a quantidade de problemas era realmente menor. Portanto, quando os portugueses, os italianos, os espanhóis e os gregos, e até alguns jugoslavos, emigraram para a Alemanha, para a França, para o Luxemburgo, para a Suíça, para a Bélgica, para a Holanda, para o Reino Unido, isto não gerou nenhuns problemas de convivência em geral.

Porquê? Porque, evidentemente, eles vinham do mesmo substrato cultural e civilizacional e isso facilitava a sua integração, ou pelo menos diminuía a possibilidade de tensões. Quando vêm de outros quadros culturais e civilizacionais, isso aumenta. Aí, o que eu acho que é essencial, e voltando àquela questão dos conflitos muito delicados de direitos e de valores, é: nós temos de ter uma red line , temos de ter uma linha vermelha, a partir da qual não aceitamos certo tipo de comportamentos, que são contrários àquela que é a nossa cultura. E isso eu percebo.

O quê que nós podemos tirar, ou aspirar ou extrair de positivo desses movimentos xenófobos, que são movimentos altamente negativos? A única coisa que nós podemos tirar é: nós devemos ter uma defesa, também, dos nossos valores e da nossa cultura. Nós não devemos de maneira nenhuma desprezar as outras culturas, mas nós não podemos deixar de defender os nossos valores e a nossa cultura.

Nós não podemos aceitar, por exemplo, que em Bruxelas, na Grand Place, se deixe de pôr a árvore de Natal, e se ponha um monumento verde com luzes, só para não ofender a comunidade muçulmana, porque a árvore de Natal é um símbolo cristão. Quando, a árvore de Natal, dos símbolos cristão, é o menos de todos. É o mais sóbrio e o mais pagão. E sinceramente isto é um disparate completo, porque isto não tem sentido absolutamente nenhum.

Mais uma vez, há uma coisa que é preciso termos sempre presente. Alguns dos desconfortos que nós vemos, e dos problemas, eles têm uma razão de ser, e nós não podemos ignorá-los. Por isso, eu não acho mal que os governos - é o caso do governo sueco, é o caso do governo austríaco, em alguns casos – respondam, tomando algumas medidas que justamente procuram pôr as coisas no seu lugar. A Suécia é um exemplo a vários títulos, na integração. Mais do que qualquer outro. E, na verdade, se ela toma algumas medidas, não será com certeza por nenhum intuito discriminatório, será apenas porque, de facto, também há abusos.

Eu acho que aqui, mais uma vez, nós temos que fazer uma ponderação de direitos. A nossa civilização ocidental, de raiz greco-romana, cristã, judeo-cristã, nós não devemos pô-la entre parêntesis. Nós devemos afirmá-la. E devemos aceitar que ela é uma cultura de tolerância e de abertura, mas que é uma cultura que tem a sua identidade e que não a pode renegar.

Agora esqueci-me da primeira pergunta…

Os partidos pan-europeus. Os partidos europeus já existem de alguma maneira. Mas, de facto, nós temos tentado, no Parlamento Europeu, que ao menos a sigla dos partidos europeus apareça nas eleições europeias. Mas até agora isto ainda não foi possível.

Não há dúvida de que, muitas vezes, as pessoas nas eleições europeias votam por motivos que não têm a ver com as eleições europeias. É o que acontece, geralmente, também nos referendos. Normalmente as pessoas, nos referendos, votam, não por causa do sim ou do não, mas para expressar um protesto ou um descontentamento com qualquer coisa que não tem a ver com aquilo. Acontece muito isso. E isso não é uma coisa que possamos resolver facilmente.

Há uma outra proposta, que é uma proposta intermédia. Em vez de termos partidos europeus a concorrer nas eleições europeias, termos uma lista que é uma lista, digamos, nacional, e uma lista que seria uma lista europeia, transnacional. Isso depois poderia ter um problema, é que tínhamos deputados europeus, europeus, e os deputados europeus, nacionais. E isso poderia criar aqui também algum conflito.

Há várias soluções possíveis para tentar criar esse espírito europeu, mas eu acho que, apesar de tudo, ainda é cedo. E há uma coisa que nós temos de aceitar: o motivo individual por que cada um vota é sempre uma coisa que nós não sabemos exatamente qual é. Agora, a lei dos grandes números permite-nos tirar algumas conclusões. Portanto, nós temos que nos fiar um pouco mais nessas leis dos grandes números do que nas motivações individuais.

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Para a segunda e, em princípio, última ronda de questões do catch the eye , tem a palavra o Grupo Bege, pelo Mário Cristelo, e o Grupo Rosa, pelo Tiago Lucas.

 
Mário Pedro Cristelo

Começava por cumprimentar a Mesa. Senhor deputado Paulo Rangel, a questão que lhe coloco tem que ver com o seguinte: em resposta aos desafios da globalização, e também no contexto atual da União Europeia, será que a criação de uns Estados Unidos da Europa e o caminhar para o federalismo, é a melhor resposta?

E a segunda pergunta, se tiver oportunidade, prende-se com o seguinte: tem que ver com o populismo; nós somos melhores do que eles, nós temos melhores argumentos do que eles, só que as pessoas não acreditam que sejamos melhores do que eles. O que está a falhar?

 
Tiago Lucas

Bom dia a todos. Há muito tempo que eu já não ouvia uma visão tão cristalina sobre as circunstâncias atuais da Europa.

Mas voltando à questão da Espanha, e ao impasse político em Espanha, há uma questão muito especial que é: Rajoy tem a possibilidade de efetivamente formar governo. Mas, para além do apoio do Ciudadanos , pode também contar com o apoio de outros partidos ligados ao independentismo que emerge em Espanha. Rajoy, para tentar coordenar esta circunstância política e tentar formar governo, poderá, ou será que podemos vir a assistir a uma federalização da Espanha? Será que uma Espanha federal é uma solução para mitigar este efeito da tentativa de a Catalunha se despegar da restante Espanha?

Só mais uma pequena nota sobre aquilo que é a atual União Europeia e a possibilidade de virmos a assistir a uma grande reforma da União Europeia. Eu já perguntei ao Dr. Jaime Gama, ainda nesta edição da Universidade de Verão, se poderíamos vir a assistir à possibilidade de o Parlamento Europeu ter mais poderes junto da Comissão. Fiscalizar a Comissão, acompanhar todo o trabalho da Comissão, e digamos que seria um pouco como, à margem daquilo que é feito no sistema político nacional, ter o Parlamento e a Assembleia da República a fiscalizar o Governo.

Será que esta poderá vir a ser uma das soluções para combater a ideia ou a narrativa da falta de democracia dentro da União Europeia?

Obrigado.

 
Paulo Rangel

Eu, muito rapidamente, diria o seguinte. Quanto a esta última questão, devo dizer que o Parlamento Europeu já fiscaliza a Comissão Europeia e fiscaliza, aliás, de forma bastante forte. Há talvez uma coisa que está em falta, que é a existência de verdadeiras comissões parlamentares de inquérito com todos os poderes que têm as comissões parlamentares de inquérito nos parlamentos nacionais. E tem-se trabalhado muito nisso, mas ainda não se chegou a um modelo que seja um modelo aceitável por todas as partes. Partes, é Conselho, Comissão e Parlamento Europeu.

Mas os poderes de fiscalização do Parlamento Europeu são bastante efetivos. Eu diria que essa função já existe e que ela é cumprida, aliás, do meu ponto de vista, com alguma vantagem sobre os parlamentos nacionais, porque os parlamentos nacionais, muitas vezes, como têm uma maioria, as fiscalizações são um bocadinho enviesadas em função da maioria. E no caso do Parlamento Europeu, como não há maiorias absolutas, e há muita liberdade de voto, a fiscalização eu penso que é mais efetiva. Este é um aspeto que eu gostava de frisar.

Depois, indo para a questão da Federação na Europa, se é possível, aquilo que eu acho é que, sinceramente, no médio prazo não antevejo isso como possível. Eu sou um federalista, acho que a verdadeira solução para a Europa era uma federação. Ao contrário do que toda a gente diz para aí – diz por ignorar o que é o federalismo; há para aí umas pessoas que se intitulam de antifederalistas, mas não sabem o que é o federalismo -, o federalismo era o regime que mais protegeria um país como Portugal, os países pequenos e médios. Porque tornava claro quais são as competências da União, quais são as competências dos Estados nacionais. Portanto, repartia muito bem… até nos daria mais autonomia em muitos aspetos do que aquele que temos aqui.

Se nós pensarmos que, por exemplo, nos Estados Unidos, uma carta de condução tirada no Alabama não é reconhecida na Carolina do Sul ou na Flórida, e a pessoa tem que a tirar outra vez, nós vemos que o federalismo, nos Estados Unidos, dá grande autonomia. Os Estados, em muitos casos, não têm sequer reconhecimentos como nós temos aqui, em que uma carta de condução tirada em Portugal vale na Alemanha. Portanto, isto não acontece nos Estados Unidos, só para vermos que nós, às tantas, estamos mais integrados do que pensamos.

Mas eu acho que não há, neste momento, espaço para nós avançarmos para essa solução. Portanto, numa reforma que a União Europeia venha a fazer, poderão fazer-se alguns progressos. Eu acho que era muito importante fazermos progressos na questão económica e financeira, nomeadamente com a união bancária, nomeadamente com a criação de um tesouro, com a criação até de alguns instrumentos de dívida, futuros, etc. Tudo isto era muito importante, mas a verdade é que vai ser muito difícil, na atual situação política, conseguirmos os consensos necessários para esse efeito.

E eu terminaria – porque estamos quase em cima da hora – terminaria com a questão espanhola.

Para dizer o seguinte. Rajoy nunca vai, na fase atual da política espanhola, nunca vai negociar com os partidos autonomistas, independentistas. Portanto, ele não vai ter esse apoio. Até porque, para ter esse apoio, não teria dos Ciudadanos , que é um partido profundamente nacionalista.

Ao contrário do que se passou há alguns anos atrás, em que tanto o PSOE como o Partido Popular, com algumas concessões ao Partido Nacionalista basco e à Convergência e União, na Catalunha, acabaram por ter os seus apoios no parlamento nacional e, portanto, com governos minoritários, quase maioritários, conseguiram as maiorias necessárias para governar. Isso hoje, tendo em conta a polarização da política das autonomias regionais, nomeadamente da Catalunha e do País Basco, é impossível no cenário político espanhol.

Qual é a solução para a Espanha? Será ela uma solução federal? Eu, sinceramente digo, do meu ponto de vista, é uma solução federal. Mas eu acho que o Partido Popular espanhol não está nesse caminho.

Eu sempre defendi, não é de agora, que a questão espanhola se resolveria com uma constituição federal, e que os espanhóis deviam ter feito isso a tempo. Não fizeram. E isso foi um erro, do meu ponto de vista.

E foi um erro porquê? Porque, em rigor, a Espanha já é uma federação. É aquilo a que alguns politólogos chamam o federalismo assimétrico, quer dizer, em que há umas regiões que têm uns poderes e outras regiões que têm outros poderes.

Mas a Catalunha, a Navarra e o País Basco têm mais poderes de autonomia do que têm os Lander, isto é, os Estados federados alemães. E portanto, é um disparate não ter reconhecido isto na Constituição espanhola. Se se reconhecesse na Constituição espanhola que estávamos perante um Estado federal, em que a Catalunha, o País Basco, a Navarra, eventualmente a Galiza, talvez um ou outro, estou a pensar nas Baleares ou nas Canárias, eram Estados federados, penso que grande parte do problema teria sido esvaziado com tempo. Agora penso que as coisas estão muito polarizadas, estão muito encarniçadas, e é muito difícil, mesmo com uma reforma desse tipo, estancar o processo.

Em todo o caso, nós temos o exemplo belga. A Bélgica passou de uma Constituição unitária, nos anos 70, para uma Constituição federal, que devolve imensas competências aos Estados federados, agora.

Provavelmente, a solução para o Reino Unido será essa também. Portanto, o que vai acontecer, se se seguisse o guião de Cameron, que foi dado na manhã do dia 24 de junho, seria justamente uma espécie de criação de uma federação, em que a Escócia, o País de Gales, a Irlanda do Norte, e a própria Inglaterra, eventualmente, teriam a sua própria Constituição, o seu próprio governo, e o Reino Unido teria depois um governo federal, que trataria de um conjunto de questão mais, digamos, nacionais: defesa, negócios estrangeiros, e eventualmente as questões do comércio internacional, etc.

Portanto, foi um bocadinho este o guião que ele apontou. Admito que o que até agora tem contido a Bélgica, tem sido basicamente esta solução, mesmo assim com impasses sucessivos. Mas não deixa de ser curioso que nós estejamos a verificar que existe alguma similitude entre o problema espanhol e o problema belga. Porque a Bélgica também é conhecida pelo impasse na formação de governos. E o impasse na formação de governos dá-se por causa da dependência das forças que pretendem, nomeadamente, a independência da Flandres.

Portanto, nós estamos a assistir àquilo a que eu chamaria uma espécie de "belgização” da Europa. Primeiro, no Reino Unido e depois, também, na Espanha. Aliás, muitas vezes se diz que… qual é o melhor laboratório para a Europa? Eu acho que o melhor laboratório para a Europa é mesmo a Bélgica. Porque a Bélgica tem o problema do Norte e do Sul, tem o problema de diferentes línguas, tem o problema de diferentes comunidades, tem o problema dos impasses sucessivos e de um esquema de decisão extremamente moroso, extremamente pesado, que no fundo é o esquema europeu.

Portanto, a verdade é que a Europa não passa, em rigor, de uma grande Bélgica. É isso que é a Europa e é isso que ameaça tornar-se a Espanha e, eventualmente, o Reino Unido, a prazo.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, nós terminamos a aula da manhã. Eu vou acompanhar o nosso convidado à saída, mas regresso porque tenho uma comunicação para vos fazer.

Em nosso nome, em vosso nome, agradeço ao Dr. Paulo Rangel a excecional aula com que ele nos presenteou esta manhã.

[Aplausos]