O nosso convidado dispensa apresentações. O deputado
Paulo Rangel é sobejamente conhecido, foi um brilhante líder parlamentar na
Assembleia da República, é atualmente vice-presidente do PPE, o Partido Popular
Europeu, o maior grupo parlamentar no Parlamento, e é o chefe da delegação
portuguesa no Parlamento Europeu, no PPE.
É docente universitário e tem como hobby ler, a comida
preferida é o arroz de frango, o animal preferido é o cão, o livro que sugere,
como já aconteceu com outro convidado, o Eng.º Carlos Pimenta, é "As Memórias
de Adriano”, um livro notável de Marguerite Yourcenar. Para quem não conhece
sugiro a leitura; é um livro que é um monólogo mas que não chateia do princípio
ao fim. O filme que sugere, "Trainspotting”, e a qualidade que mais aprecia é a
frontalidade.
O deputado Paulo Rangel é, além do mais, um amigo da
Universidade de Verão, nunca recusou nenhum convite que lhe fizemos para estar
presente, e como chefe da delegação portuguesa dos deputados ao Parlamento
Europeu, é um financiador desta iniciativa. Portanto, estamos duplamente
agradecidos pela presença e pelo apoio.
E, sem mais delongas, tem V. Exa. a palavra.
Paulo Rangel
Em primeiro lugar, bom dia a todos. Queria naturalmente
agradecer à Universidade de Verão, mais uma vez, o convite que me fez. Em
particular ao Carlos Coelho, sem o qual não haveria, tenho a certeza,
Universidade de Verão. Agora já são uns anos, apesar de tudo, portanto posso
dizer que já me sinto íntimo e à vontade aqui.
Hoje, o tema que que me propus tratar, é: Europa, futuro
ou futuros?
E penso que, imediatamente a partir deste título, desta
ideia "futuro ou futuros”, se percebe que nós temos de começar, basicamente,
pela questão inglesa, - ou a questão britânica, talvez seja melhor colocar
assim -, porque essa é que nos dá o mote para perceber se a União Europeia, em
particular, vai ter um futuro ou se vai ter futuros. Isto é, se vamos assistir,
de alguma maneira, a uma diversificação, e até, num certo sentido, a uma
desagregação e ao desaparecimento da União Europeia.
Portanto, acho que esse ponto tem que estar em cima da
mesa. Já estava antes, mas a partir do momento em que aconteceu o referendo no
sentido do brexit , ele põe-se como
uma questão incontornável.
Ate aí, digamos, era uma questão de bastidores. Nos
corredores da União Europeia, nos bastidores das políticas nacionais, em alguns
discursos de líderes mais ou menos nacionalistas, a questão de saber se a União
Europeia estava de pé e pronta a continuar como uma realidade política global,
era uma questão que se punha em surdina, digamos assim. Quando se dá o
referendo britânico no sentido da saída da União Europeia, evidentemente que
esta questão não pode mais ser evitada e tem de ser tratada com realismo e com
toda a força, todo o vigor político, tem que ser enfrentada diretamente pelos Estados
e pela própria União Europeia.
Quando se fala de futuro, nós podemos ter duas leituras
possíveis sobre o futuro ou sobre os futuros. Uma é a leitura do Leibniz, que
dizia o presente está grávido do futuro. Portanto, para nós percebermos o que
vai acontecer, quais são os futuros possíveis, temos de nos centrar no passado,
e em particular no passado recente, e até numa análise do presente. Portanto, o
presente está grávido do futuro.
Ou então podemos ter uma análise diferente, também de um
matemático eminente, e também de um filósofo eminente, que é o Karl Popper, que
dizia que, no fundo, é o futuro que provoca o presente e não o contrário.
Portanto, aquilo que nós estamos habituados a raciocinar,
o nosso raciocínio habitual, mais tradicional, vem da lógica do Leibniz. Nós
temos de conhecer a História, e temos de conhecer o presente para perceber o
futuro. Mas o Popper, que era um matemático eminente, disse: bem, as coisas
deviam ser lidas ao contrário. É o futuro que provoca o presente, não é o presente
que provoca o futuro.
E o que é que ele queria dizer com isto? Ele queria dizer
uma coisa que parece um raciocínio complexo mas depois de visto, afinal, não é,
que é isto: são as probabilidades de futuro que explicam o presente. Ou seja,
muitas pessoas, muitos atores políticos, muitas instituições, atuam no presente
em função daquilo que são as probabilidades de futuro.
O que é o presente? É a probabilidade verificada.
Portanto, o presente é também condicionado não apenas pelo passado mas pelo
futuro. As escolhas que nós fazemos e que condicionam o nosso presente
político, em grande parte, são determinadas por aquilo que nós esperamos do
futuro.
Portanto, são as probabilidades, é a probabilidade que
tem mais chances de se realizar, é aquela que vai determinar, de alguma
maneira, o presente.
É nesta dialética – se quiserem assim, para voltar a um
termo filosófico – entre o presente e o futuro, entre o passado e o futuro, que
nós temos de nos situar.
Eu, a respeito do caso inglês – começaria por aí -,
gostava de fazer duas anotações. Uma anotação estritamente política e uma
anotação, política num sentido lato, mais social, mais económica, mais
alargada, mais global.
A primeira, que parece uma particularidade inglesa,
porque aquilo que os comentadores e os analistas nos vão dizer – e andam para
aí a dizer então na imprensa portuguesa, que é uma imprensa muito anglófona – é
que o Reino Unido, a Grã-Bretanha é um caso muito particular e muito especial.
Hoje existe em Portugal um deslumbramento com as questões, diria eu, inglesas
ou anglo-saxónicas, que é aquele que existia no tempo dos "Maias” com Paris.
Portanto, o provincianismo é o mesmo.
Quando nós vemos para aí gente dizer: "a exceção inglesa,
e Londres é que é o mundo, e lá é que está toda a visão cosmopolita e global e
lá é que estão a passar-se as coisas todas - é exatamente a atitude que nós
tínhamos com Paris no século XIX. No fundo, nada mudou, mudou apenas o objeto
de admiração. Mas, na verdade, isso basicamente é a mesma coisa.
Dito isto, quais são então as tais singularidades? A
primeira, à qual eu queria que estivessem muito, muito, muito atentos, é porque
é que David Cameron resolveu fazer um referendo? David Cameron resolveu fazer
um referendo apenas para salvar a sua pele política. Foi um instinto de
sobrevivência política que acabou por ditar a sua morte política, diga-se de
passagem. E provavelmente – ou possivelmente, talvez seja melhor dizer assim –
não foi apenas a morte política de David Cameron, pode ter sido o enterro
político do Reino Unido – enquanto realidade, enquanto Estado, enquanto solução
política para as ilhas britânicas.
O que é que David Cameron viu? Encostado como estava
pelos eurocéticos do seu partido - o seu partido está amplamente dividido entre
eurocéticos e, digamos, pessoas que entendiam que, apesar de tudo, a União
Europeia era uma boa solução para a economia e para a sociedade inglesa -, encostado
por eles, a única fuga que teve para a frente foi dizer eu faço um referendo
sobre a saída da União Europeia. Se não houver um reajustamento das políticas
da União Europeia que eu não consiga negociar, eu até defenderei a saída do
Reino Unido da União Europeia.
Isto foi apenas para se salvar como líder, porque senão
não tinha hipóteses absolutamente nenhumas. Portanto, foi por uma razão
estritamente pessoal que ele fez isto. Pessoal, no sentido de sobrevivência
política. Não foi pensando nos interesses dos ingleses e do Reino Unido, foi
pensando como salvar a sua liderança política.
E depois, curiosamente, um dos políticos ingleses que era
mais pró-europeu, que era o Boris Johnson, veio defender a saída da União
Europeia, mesmo depois do acordo que tinha sido feito por Cameron com a União
Europeia. Para quê? Para tentar tomar o lugar de David Cameron. Portanto, mais
uma vez, foi um jogo pessoal. Um jogo pessoal que lhe saiu mal, porque Boris
Johnson estava à espera de ser, no fundo, o primeiro-ministro que ia liderar a
saída do Reino Unido da União Europeia, e Michael Gove, que era o ministro da justiça,
tirou-lhe o tapete. Aliás, tirou-lhe o tapete, curiosamente, muito ajudado pela
sua mulher.
Portanto, isto é um drama telenovelesco, não sei se estão
a ver. E isto é um drama shakespeariano, é uma tragédia à Shakespeare. O que é
uma tragédia? Uma tragédia é um drama em que nenhuma das personagens tem razão.
Quando há um drama, em teatro, ou numa telenovela, ou num romance, um drama o
que é? É uma coisa que corre muito mal, mas em que nós, apesar de tudo, temos a
satisfação de encontrar um culpado. E, portanto, isso dá-nos um resgate – há os
bons e há os maus.
O que é uma tragédia? Uma tragédia é um drama em que não
há culpados. Em que ao fim, toda a gente morre. É o Romeu e Julieta. Em que um
dos amantes toma uma espécie de veneno para parecer que está morto, e o outro
pensando que ele está morto suicida-se, e depois quando o outro acorda e vê que
ele está morto, suicida-se também.
Isto é o Romeu e Julieta. Isto é a tragédia
shakespeariana – toda a gente morreu. Morreu o Cameron, morreu o Johnson e
morreu o Gove. Ninguém sobreviveu politicamente. Claro, o Johnson hoje é
ministro dos negócios estrangeiros, mas para aquilo que ele pretendia, que era
vir a ser primeiro-ministro, foi um golpe crasso.
A primeira coisa que nós vemos é que um facto desta
importância foi altamente marcado pela pequena política, pela intriga, no
fundo, de corredores. David Cameron e Boris Johnson eram colegas do Colégio das
elites inglesas - que é Eton – e trataram o Reino Unido como se fosse uma
associação de estudantes, em que ainda estavam no colégio e resolveram competir
entre si para ver quem era o presidente da associação de estudantes. Ou, se
quiserem, numa versão mais própria de Castelo de Vide, o Presidente da Junta de
Freguesia.
Quem seria o presidente? Foi isto que eles andaram a
fazer. E entretanto o mundo era um joguete nas mãos destas pessoas, que têm
essa visão aristocrática da vida política e não a visão realmente dos interesses
da sua nação, do seu Estado, das suas populações.
Este é um aspeto. O aspeto de porque é que tudo se
precipitou. Há um outro aspeto que é: porque é que ganhou o Brexit? Muita gente
acha, e acham convencidíssimos de que isto é a grande resposta para as questões
europeias, que é: os ingleses, os britânicos sempre desconfiaram da União
Europeia, e são os únicos que têm coragem de se afirmar, e por isso resolveram,
todos eles, votar de uma forma excecional contra a União Europeia.
Foi uma vitória, nós sabemos, muito à pele. Foi uma
vitória mesmo limitada. Mas em todo o caso, como era inesperada, foi uma grande
vitória. Portanto, dir-se-ia aqui em Portugal… há imensa gente, nas várias
áreas políticas, e na Europa inteira, a dizerem: estes sim, percebem que isto
da União Europeia é uma máquina burocrática infernal, que estamos às ordens dos
alemães e das pessoas do Norte da Europa, que isto é tudo um desastre, e só os
britânicos, como sempre, com o seu caráter de exceção, é que têm coragem de
dizer não e pôr um "basta”, um "stop” nesta questão europeia e arrumar com isto
tudo de vez.
Portanto aqui está um povo cheio de coragem e cheio de
determinação política e que tem, de facto, uma visão sobre o que quer para si.
Restaurar o velho Estado soberano, afirmar o império inglês… Sim, porque quem
assistisse à leitura dos jornais ingleses ou ao espetáculo das televisões
inglesas, parecia que o Reino Unido era uma das grandes potências mundiais que
influenciava toda a vida política e que, evidentemente, agora sozinho,
finalmente, podia ir fazer a política britânica em todo o mundo. Ora o Reino
Unido tem menos habitantes que o Vietname, é preciso nós termos esta noção. A
Alemanha, aliás, tem tantos habitantes como o Vietname. Por isso, nós podemos
dizer que a Alemanha é um Vietname da Europa, num certo sentido. Para pormos as
coisas em escala, pelo menos em escala demográfica, que é uma coisa importante
para se perceber o que está em questão aqui.
E muita gente pensou isto. Mas agora vamos entrar na política
a sério, substantiva, e entrar na verdadeira questão europeia. Eu até iria mais
longe: não é apenas uma questão europeia. É uma questão ocidental – ocidental,
portanto do ocidente -, no contexto da globalização, é: porque é que isto
aconteceu no Reino Unido? E a questão é saber: não aconteceria isto noutros
países? Não aconteceria isto na França? Não aconteceria isto na Alemanha? Não
aconteceria isto na Itália? Já não falo, enfim, da Grécia ou da Espanha. Não
aconteceria?
Porque, verdadeiramente, quem é que votou pelo Brexit? Se
nós formos às análises sociológicas, quem é que fez a diferença? Claro, há
sempre motivações individuais, e há com certeza pessoas que acreditam numa
espécie de regresso ao passado. A ideia de que podem voltar ao século XIX, em
que o Império Britânico era a grande superpotência mundial, e em que os Estados
tinham fronteiras, e em que era possível conter as coisas dentro de um
determinado território, e em que havia uma armada e um exército inglês
absolutamente imbatíveis. E portanto, com uma grande capacidade de afirmação e,
portanto, no fundo, que nós podíamos retornar ao modelo – que não é apenas
britânico, seria um modelo global – dos Estados nacionais, com as suas
fronteirazinhas fechadas e com a tal democracia impecável (que também sobre a
democracia inglesa muito haverá a dizer, mas isso é outra questão).
O que se passou aqui? Haverá alguns que ainda pensam
isto. Mas a maioria, o que fez a diferença, são aquelas pessoas que votam no UKIP,
que é um partido justamente antieuropeu e demagógico e populista, e muitos
trabalhistas, nomeadamente do norte e do centro de Inglaterra. Muita gente que
votava no partido socialista, isto é, no Partido Trabalhista inglês, que fez
transferência de voto – já nas eleições anteriores fez, nas eleições para o
parlamento inglês e, portanto, para determinar o governo inglês -, mas agora no
Brexit isso foi claríssimo. É o Norte e Centro de Inglaterra, das classes mais
baixas, das classes médias-baixas, que essencialmente apoia a saída da União
Europeia.
Quem são estas pessoas? Curiosamente, até são pessoas que
têm muito medo da imigração, mas estão nas cidades, muitas delas, em que há
menos imigração. Aliás, foi curioso verificar, por exemplo, na Áustria – e
vamos ter eleições presidenciais outra vez -, o candidato que é mais
anti-imigração teve votos nas aldeias e nas cidades em que não há imigração
nenhuma, e portanto em que, supostamente, esse problema não seria um problema
tão visível ou tão presente para as pessoas.
O quê que isto quer dizer? Há aqui uma leitura política,
social e económica que nós temos de fazer. São as pessoas que perderam estatuto
económico e social, que perderam direitos com a globalização, com a
internacionalização, com as novas tecnologias, são os info-excluídos, é essa
massa humana enorme que perdeu o comboio que basicamente está a alimentar estes
fenómenos, este fenómeno do Brexit.
Ou seja, são as pessoas que não usam o Facebook, que não
usam o Twitter, que não usam as low cost ,
que não usam o Airbnb, as pessoas que, em rigor, estavam nas velhas indústrias,
que eram indústrias pesadas, e que hoje estão desempregadas porque não têm que
fazer. Pessoas que, muitas delas, não têm grande formação escolar, que
essencialmente não são viajadas, que vivem nas suas aldeias, nas suas terras, e
que são os deserdados do comércio internacional e da globalização.
Por isso, o que é que eles querem? Querem retornar ao
Estado nacional fechado, onde tinham alguma proteção. Eles sentem-se
desintegrados. Estas pessoas sentem-se perdidas, sentem que alguma coisa lhes
tirou o tapete.
Portanto, as pessoas que ganharam com o comércio
internacional, as pessoas que têm, no fundo, literacia informática e digital,
isto é, têm alfabetização dos computadores, andam com os seus iPhones e à
procura de Pokémons, e que fazem tudo por computador, e que estão em contacto
com mil universidades no mundo, e que estão em constantes viagens e que vão
aqui e acolá, e que…
Se olharem para a escala geracional, os jovens votaram
largamente, maioritariamente, por se manterem na União Europeia e os mais
velhos não. Porque os pensionistas também estão neste grupo. Muitos porque não
têm, por razões geracionais, literacia digital, mas outros também, nomeadamente
quanto à sustentabilidade do sistema de pensões, porque perderam certezas. Têm
medo, nos últimos vinte anos de vida, de perderem o seu fundo de maneio, o seu
pecúlio, a sua segurança económica.
São estas pessoas que votaram pela saída. Ora, estas
pessoas que votaram pela saída… e nós temos que estar muito atentos a isto,
porque a política, nos próximos anos, vai passar por aqui, por esta clivagem
social, entre aqueles que, mesmo que estejam só a ganhar quinhentos euros – são
a geração quinhentos euros –, estão de tal maneira já preparados para o novo
mundo, que acham que mais tarde ou mais cedo vão ter a estrelinha da sorte e
vão conseguir afirmar-se no mundo internacional, global, etc. Muitos jovens,
mesmo que estejam transitoriamente num situação que eles consideram aflitiva ou
preocupante, estão a pensar passar para uma classe "triunfante” da globalização
e da liberalização do comércio internacional, da mobilidade das pessoas, das
fronteiras abertas, dessa ideia de que são cidadãos do mundo. E, ao mesmo
tempo, os outros, que são os tais excluídos.
Meus caros amigos, eu estou a dizer isto para vos mostrar
que o Brexit não tem nada de singular ou de especial no caso britânico. Não é
por um ódio à União Europeia, em si, ou por se achar que a União Europeia era
necessariamente má – não!
É justamente porque existe, hoje, esta clivagem social.
Esta clivagem é que explica – vamos agora sair do contexto europeu para
percebermos como isto é um fenómeno muito mais espalhado do que nós supomos -,
esta clivagem é que explica o Donald Trump.
Quem é que vota no Donald Trump? Quem é que apoia o
Donald Trump? Ele é um milionário, até seria de supor que seriam as classes
médias-altas e as classes bem instaladas na vida; ele é um cidadão do mundo,
viajou por todo o lado, como grande empresário que é, conhece tudo, etc.; seria
de esperar que fossem as pessoas mais sofisticadas que o apoiassem.
Mas não. É justamente aquela América mais fechada, que
foi excluída, porque a revolução tecnológica acabou com as conquistas da
revolução industrial. E até, curiosamente, não são as minorias, é uma maioria
branca, mas de classe média, média-baixa, baixa, que perdeu muito com a ideia
da internacionalização. E de quê que eles têm medo? Têm medo da abertura de
fronteiras, têm medo do comércio internacional, têm medo que os imigrantes
venham roubar-lhes o emprego, ou que lhes venham fazer concorrência ganhando
menos, ou trabalhando mais, ou sabendo manipular os tais computadores, os tais smartphones , as novas tecnologias que
eles não sabem. Portanto, é esse receio, é esse medo, é essa metade da
população que está excluída, que está a votar no fenómeno Trump.
E é essa metade da população excluída que está a votar na
senhora Le Pen, em França. Portanto, isto não é uma singularidade inglesa.
Aquilo que nós estamos a olhar… eu diria, isto é um rascunho, é um esboço, isto
não é uma teoria que esteja cientificamente ou empiricamente comprovada. É uma
análise só com pistas para nós percebermos o fenómeno político, mas, no fundo,
indo ver o que está por trás da motivação política das pessoas.
E o que está nesse mundo, é que nós vivemos em dois
mundos totalmente diferentes. Todos os dias se cruzam pessoas que pertencem a
dois mundos diversos. Umas que pertencem a um mundo de abertura a todas as
novas tecnologias e um mundo alfabetizado, que dá algumas chances e hipóteses
de futuro internacionalizado. E um mundo que está ainda a viver no final do
século XX, na segunda metade do século XX.
Atenção, eu não estou a dizer, ao contrário do que
poderia parecer, que os mais sofisticados são bons e os outros são maus. É o
contrário. Quem quiser triunfar politicamente tem que ter uma resposta para
esta classe excluída. Nós temos que retrazer estas pessoas para o debate político.
Nós temos que lhes dar alternativas e soluções de vida. Nós não podemos
abandoná-las, pô-las numa espécie de depósito ou caixote do lixo da História. E
tanto não podemos, que elas estão a manifestar-se.
São elas que apoiam a senhora Le Pen em França, são elas
que apoiam o Partido da Liberdade, na Holanda, que vai à frente nas sondagens e
que é um partido xenófobo igualzinho ao da senhora Le Pen; ou o Partido da
Liberdade, na Áustria, que pode eleger o presidente, pois agora vão ser
repetidas as eleições na segunda volta, agora no início de outubro; ou que vai
à frente nas sondagens na Suécia; que tem uma importância enorme na Dinamarca,
o Partido do Povo; ou a importância relativa mas relevantes que, aliás, já
esteve para castigar Portugal bastante, como foram os Verdadeiros Finlandeses,
na Finlândia. Ou, por exemplo, a importância que têm governos altamente
conservadores e até um pouco xenófobos e, em muitos casos, com pergaminhos
democráticos pelo menos no limite da dúvida, como são o atual governo polaco ou
até o atual governo húngaro que pertence à nossa família do PPE, mas que
levanta as maiores reservas sob o ponto de vista das liberdades cívicas
fundamentais.
Portanto, este discurso está em marcha. E depois, ao
mesmo tempo, os Syriza na Grécia, o Podemos em Espanha, o Bloco de Esquerda
e o Partido Comunista em Portugal. Eles representam, justamente, essas forças
populistas que procuram dar resposta a muitas pessoas que estão excluídas desta
globalização e desta internacionalização.
Portanto, eu queria que percebessem que o Brexit não é
tanto uma questão europeia, como muita gente julga. A votação do Brexit é uma
questão fundamental da política europeia e ocidental atual. É que nós, neste
momento, temos duas camadas políticas, grosso
modo - isto é muito mais complexo e muito mais diverso do que o que eu
estou a dizer aqui. Isto é apenas uma chave de leitura, é para abrirmos o cofre
onde estão os segredos políticos, para percebermos o que é o futuro que temos
de enfrentar, que respostas é que temos de encontrar para estas pessoas. E
portanto perceber que é isto que está em causa na Europa.
E se nós fizermos esta análise – vejam bem! – em que,
enquanto nós temos este problema de fundo posto diante de nós, duas legiões de
pessoas, umas com entendimento, digamos, muito aberto, e outras com
entendimento mais fechado. Mas estas com razão, porque ficaram fora das
oportunidades que um novo mundo de tecnologia, de mobilidade, de viagem, de
interconexão, de desterritorialização, de capacidade, no fundo… ficaram fora
desse mundo.
Vejam como os políticos, as elites políticas, estão
divorciadas disso e andam a fazer jogos de poder. E a combinação de uma elite
política que não percebeu o que tem pela frente e está entretida na sua
associação de estudantes, ou na sua paróquia, ou na sua freguesia a fazer
joguinhos, a ver quem é que sobrevive mais meio ano ou mais um ano. E a pôr em
risco coisas cruciais para o país respetivo. E não olha a este fenómeno que é
um fenómeno global.
Porque é que este fenómeno é perigoso? Porque neste
momento, meus caros amigos, o maior risco para a Europa e, portanto, para nós,
em vez de termos um futuro comum – com a diversidade que obviamente a Europa
implica, mas comum –, é passarmos a ter uma série de futuros que se vão bater
uns com os outros, e que terminarão, digo-o aqui sem qualquer dúvida – já o
disse em 2010, quando isto era muito mais arriscado dizer –, terminarão
seguramente numa guerra.
Portanto, se nós em vez de termos um futuro comum,
partilhado, coordenado, articulado, tivermos futuros para cada uma das várias
potências europeias, e das várias regiões europeias, o que vai suceder é que
nós vamos resolver os nossos problemas como sempre os resolvemos, isto é, no
campo de batalha. Porque a Europa tem essa tradição e, portanto, costuma
matar-se de vez em quando, de forma bastante ostensiva e massificada.
Portanto, isso está cá nos nossos genes e é isso que vai
acontecer. Se nós não formos capazes de ter um futuro comum e formos para os
futuros individualizados, é isso que vai acontecer.
Qual é a grande ameaça? São os populismos. Primeira
ameaça fundamental são os populismos. É o Podemos em Espanha; é Le Pen em França; é o Syriza ,
embora hoje esteja profundamente recauchutado, na Grécia. Mas a Aurora Dourada , por exemplo, os
neonazis, está em grande alta na Grécia, está a cavalgar o descontentamento das
pessoas. São estes partidos de extrema-direita na Suécia, na Holanda, que já
estão no governo na Suíça e na Noruega, que são do Espaço Económico Europeu, ou
são países, de alguma maneira, associados à União Europeia não pertencendo à
União Europeia. Mas que estão no Espaço Schengen, que entram no mercado
interno, etc.
Este fenómeno é o grande risco, porque estes são
nacionalistas. Querem o isolamento, querem a divisão, querem, no fundo, acabar
com as nossas sociedades democráticas, tal como nós as conhecemos. E isto no
Norte da Europa tende para a direita, no Sul da Europa tende para a esquerda. É
o caso português com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista, é o caso
espanhol com o Podemos , é o caso
grego com o Syriza. Também em Chipre,
é um país pequeno mas tem estes fenómenos. Portanto, atenção que isto é uma
questão que vamos ter em cima da mesa.
Esta é a primeira grande ameaça. Esta ameaça está ligada
a uma outra ameaça, que também está ligada ao Reino Unido, que é o seguinte:
com o Brexit, neste momento, o que nós sentimos é que a Europa não sabe o que
há de fazer. Mas eu vou-vos dizer o seguinte: os britânicos ainda sabem menos o
que hão de fazer. Porque os britânicos estão com muito medo.
O primeiro grande medo dos britânicos é que, se eles saem
da Europa, mesmo com um acordo razoável, coisa que não é fácil de atingir, há o
risco de a Escócia e da Irlanda do Norte poderem sair do Reino Unido. Portanto,
é a dissolução desta realidade britânica que tem mais de quatrocentos anos.
Agora vejam: se a Escócia se torna independente, isso é
imediatamente aplicado à Península Ibérica, porque a Catalunha e o País Basco
não vão estar quietos no caso de a Escócia se tornar independente. Eles já
estão num processo de afirmação grande. Note-se que, em parte, o impasse em
Espanha dá-se porque o Podemos apoia,
de forma subtil, mas apoia as reivindicações autonomistas, independentistas, da
Catalunha e do País Basco. E se, no caso das ilhas britânicas, houver uma secessão,
aparecendo a Escócia – e até a Irlanda do Norte reunificando-se com a Irlanda –
e aparecendo a Escócia como um país independente, isto significa uma rotura com
quatrocentos anos de estabilidade territorial. No caso da Península é com
quinhentos anos de estabilidade territorial – mais de quinhentos anos.
Portanto, vejam bem: se nós assistirmos, nos próximos
cinco, seis, dez anos, a quebrar o princípio que domina há mais de quinhentos
anos, uma península, dois Estados, isto vai ter repercussões enormes sobre
Portugal, não tenham dúvidas sobre isso. Porque não se muda a geopolítica de um
território que tem quinhentos anos, de um dia para o outro, e isso deixa tudo
igual ao que estava antes. Até porque os espanhóis nunca vão aceitar, a Espanha
castelhana nunca vai aceitar a independência da Catalunha ou do País Basco de
uma forma pacífica. Portanto, podemos ter aqui um conflito à nossa porta. E um
conflito sério.
Muitos dizem: mas isso é uma coisa altamente improvável.
Improvável? Mas se ainda nem há cem anos nós tivemos um dos conflitos mais
devastadores e mais mortíferos – a guerra civil espanhola de 36 a 39 -, porque
é que agora havia de ser uma exceção e isso não acontecer?
Eu não estou a dizer que vai acontecer. Só estou a dizer
que nós, quando estamos a fazer a tal geopolítica para ver como é que queremos
o presente, temos de pensar quais são as possibilidades no futuro, para tentar
escolher aquela que é a melhor e condicionar o presente, não o deixando
aprisionar por certas possibilidades. Estamos aqui, no fundo, a dar tradução
àquela ideia do Popper de que o presente, muitas vezes, é resultado daquilo que
nós pensamos sobre o futuro. Equacionamos várias possibilidades e temos de
escolher os caminhos que nos evitam as possibilidades piores e que nos aproximam
das possibilidades melhores. E portanto nós temos de ter isto dentro deste
leque.
Portanto, segundo risco que aqui está, é o risco das
secessões, porque isto depois valeria para a Itália. O Norte de Itália, a Padânia,
que inclui a Ligúria onde está Génova, o Piemonte onde está Turim, a Lombardia
onde está Milão, o Véneto onde está Veneza, a Emília-Romanha onde está Bolonha,
eventualmente até a Toscânia onde está Florença - embora isso talvez já esteja
fora deste leque -, estes também querem tornar-se independentes.
Sempre com uma lógica que, aliás, nós já conhecemos. A
lógica qual é? Por exemplo, na Bélgica, a Flandres relativamente à Valónia, a
Catalunha e o País Basco relativamente à Andaluzia, justamente este Norte de
Itália relativamente ao Sul de Itália, que se chama Mezzogiorno.
O quê que é isto? É a ideia de que as forças do Norte são
mais ricas, são regiões mais ricas, e estão a pagar pelas regiões mais pobres.
No fundo, é aquela ideia dos países do Norte, quando nós olhamos para a
Alemanha ou para Holanda e eles, no fundo, estão sempre contra os países do Sul
– vemos esta oposição Norte/Sul –, isto reproduz-se em cada país.
Porventura, muitos dirão: mas no caso da Grã-Bretanha não
é assim, porque a Escócia é pobre e a Inglaterra é rica. A Escócia diz: nós
somos pobres, mais ou menos. Nós temos o petróleo do Mar do Norte, só que ele é
repartido por sessenta e cinco milhões de pessoas. Mas se houvesse a Escócia
era só para cinco milhões e, então, nós já podíamos ser uma pequena Noruega,
uma pequena Dinamarca. Portanto, o sonho dos escoceses é a chamada
escandinivização – é tornarem-se numa espécie de país escandinavo e, portanto,
com um bem-estar resultante do sonho de ficarem com as receitas do petróleo só
para si, embora o petróleo do Mar do Norte não esteja nos seus melhores dias e
o petróleo em geral esteja até em muito maus dias, como sabem.
Mas atenção a este fator. Isto é muito importante nós
percebermos, porque nós vimos todo o século XX, e o final do século XIX, mas
todo o século XX a ter muitos problemas de fronteiras na Europa Central e de
Leste, mas não vimos problemas de fronteiras na Europa Ocidental. E isto seria
quebrar com uma tradição de séculos. Então no caso inglês e no caso espanhol
com uma tradição de muitos séculos.
E agora notem bem. Eu estou a falar destes casos a
propósito da Europa e globalmente, mas em Portugal isto tem um impacto enorme.
Porque, do ponto de vista geopolítico, os dois países mais importantes para nós
são o Reino Unido, que é o nosso velho aliado tradicional, e a Espanha, que é o
nosso vizinho e o nosso rival tradicional, entre aspas, embora hoje não seja
rival nenhum, mas, enfim, aí está: são estes dois países. Os dois países mais
importantes para o território português, são os dois países que estão em ampla
convulsão interna. Estão com grandes problemas de identidade nacional e
estatal. E isto não pode deixar de ter consequências sobre nós, porque eles
são, no fundo, os termos principais da nossa equação. Temos de ter isso em
atenção.
Outro ponto que eu queria chamar a atenção, e é outra
ameaça para os futuros, e está ligado a tudo isto, mas em particular aos
populismos, de esquerda e de direita, são os nossos vizinhos, é a nossa
vizinhança. Que vizinhança é essa? O grande vizinho da Europa tem um nome: é a
Rússia. E o senhor Putin, que é um homem muito inteligente e muito bem
informado - neste momento o grande centro de hackers mundiais está em Moscovo.
Portanto, como a Rússia perdeu a batalha económica, não
foi capaz de se modernizar economicamente, a Rússia concentrou-se nas duas
coisas que sabe fazer bem. Uma é indústria de defesa – remilitarização. E outra
é controlar a informação. Não é por acaso que o presidente da Rússia foi
presidente do KGB e foi um espião de grande categoria. E é um homem que conhece
como nenhum o mundo ocidental.
Meus senhores, nunca se esqueçam: a Frente Nacional,
populista, em França, é diretamente financiada por bancos russos. As campanhas
eleitorais são feitas com empréstimos de bancos russos. A Rússia ajudou o
Syriza. O senhor Tsípras, quando foi eleito, recebeu primeiro, antes de
qualquer embaixador, o embaixador russo. Chipre: antes do resgate ainda foi à
Rússia ver se conseguia dinheiro. A política búlgara e a política sérvia – a
Sérvia está fora da União Europeia, a Bulgária está dentro da União Europeia –
são amplamente dominadas pela Rússia.
Que eixo é este? O eixo grego, búlgaro, sérvio – é o eixo
ortodoxo. Certo? É o eixo ortodoxo. Portanto, há aqui o lado cultural e
civilizacional. A Rússia sempre terá influência sobre estes países. Mas, ao
mesmo tempo, está a apoiar todas as forças de extrema-esquerda e de extrema-direita
na Europa que possam desestabilizar. A Rússia, por canais pouco ortodoxos, eu
diria por canais até altamente secretos, financiou o UKIP para que o Brexit
ganhasse em Inglaterra e isso instabilizasse a União Europeia. A Rússia
financia a senhora Le Pen e quer que ela ganhe as eleições. A senhora Le Pen
vai a Moscovo. O Partido da Liberdade, na Holanda, faz a mesma coisa. Os
partidos na Suécia, nos países escandinavos, fazem a mesma coisa.
A Hungria que era, tradicionalmente, anti russa,
totalmente anti russa, o senhor Orban era totalmente contra a Rússia, porque a
Rússia foi a potência dominante na Hungria durante os anos da União Soviética e
do Bloco de Leste. Agora é o maior aliado da Rússia. Porquê? Porque a Rússia
vende à Hungria a energia a um terço do preço que vende aos outros países. E
isto permite ganhar eleições. Porquê? Porque a grande fatura dos húngaros é o
inverno energético. Porque é que eu consigo maiorias absolutas? Porque eu vendo
a energia a um preço muito mais barato do que ela era vendida antes. E portanto
eu tenho um contrato com a Rússia. A Rússia está disposta a agitar o panorama
europeu.
Reparem, eu acho que nós, Europa – mas isto é uma coisa
de um português, e claro, nós estamos muito longe da Rússia e por isso podemos
dizer isto com uma certa facilidade -, erramos completamente na nossa política
face à Rússia. Não há Europa sem uma boa relação com a Rússia. O senhor Putin
está a atuar como atuou porque nós lhe demos pretextos e oportunidades para ele
o fazer. Porque nós hostilizamos os russos em vez de os tentar captar. E isso
foi um erro nosso.
Porque os russos, ao contrário do que aqui se imagina,
vêem-se a si próprio como europeus. Mais: vêem-se como mais europeus do que os
europeus. Porque, se pensarem bem, o que é que acontece? Temos o Czar russo. No
fundo, o Czar regressou, assim como regressou o Sultão. O senhor Putin é um
czar e o senhor Erdogan é um sultão. Portanto, estamos outra vez em 1914, mais
ou menos. Certo? Nada de espantar, porque estas coisas não mudam assim tão
facilmente.
Pois bem, se na palavra Czar meterem um "e” entre o "c” e
o "z” dá César. Portanto, ele vê-se como o substituto do César. Porque houve a
primeira Roma, é Roma. A segunda Roma foi Constantinopla. Quando o Império
Otomano – os otomanos – tomam conta de Bizâncio, de Constantinopla, toda a
herança romana passa de Constantinopla para Moscovo. Portanto, como é que se vê
o chefe dos russos? Vê-se como o verdadeiro representante da tradição do
império romano e, portanto, da tradição greco-romana. E portanto ele é que se
vê como verdadeiro europeu.
E reparem, quando as pessoas dizem: mas os russos estão
fora da Europa. Isso… Haveria hoje literatura europeia, como ela existe, sem o
Tolstoi? Haveria música europeia sem o Tchaikovsky ou o Stravinsky? Haveria
artes performativas, por exemplo, o caso do ballet, teria chegado onde chegou,
no mundo ocidental, sem os russos? Os russos estão no cume da cultura europeia.
Ou o Tchekov, ou um Rachmaninov, enfim, um Prokofiev. Não vale a pena pensar
que há cultura europeia sem os russos.
Eu estou a fazer esta denúncia da atuação russa, estou a
chamar a atenção para ela, mas eu acho que nós, em grande parte, demos azo a
que isto acontecesse. Quando nós estamos a desprezar estas camadas de pessoas
que são excluídas pela globalização, pela mobilidade, pela
desterritorialização, por todo este novo movimento, nós estamos a criar as
condições para pormos em causa as nossas próprias sociedades democráticas.
Portanto, nós temos que pensar no que estamos a fazer. Há
aqui uma ameaça externa que tem que ser tida em conta, e que é séria, e que é a
ameaça russa. E há uma ameaça que hoje é visível para todos que é a Turquia,
onde nós também cometemos erros, e não foram pequenos.
Mas atenção, não são tudo erros nossos. Isso é retórica
do Bloco Esquerda e do Partido Comunista que é, quando nos acontece uma coisa
má, incluindo atentados terroristas, a culpa é nossa. Nós não temos culpa que
as pessoas se queiram matar umas às outras. Nós podíamos fazer algumas coisas
de outra maneira. Mas quando alguém decide matar alguém, isso tem sempre um
pretexto interno, não tem pretextos externos. Certo? Portanto, nada justifica
isso.
Depois temos a questão também do Norte de África e a
questão demográfica, que é outro desafio muito importante e fundamental. E
sobre o qual já muita gente falou, e todos conhecem bem essa realidade, mas eu
acho que só há uma pessoa que está a ver isto com olhos de futuro - embora vá
pagar o preço nas próprias eleições - que é a senhora Merkel.
Nós não podemos ver as pessoas a morrer e deixá-las
morrer. Nós estamos aqui num grande problema, porque eu até acho que há muitos
países que até estão disponíveis para uma política um pouco mais aberta, mas
temos os países de Visegrado, a Hungria, a República Checa, a Eslováquia e a
própria Polónia, que estão completamente a bloquear este processo. E atenção:
aí tanto estão os líderes de centro-direita como os de centro-esquerda. Sejam
socialistas ou sejam democratas-cristãos. É tudo igual. Têm todos a mesma
retorica anti refugiados, anti imigrantes, anti estrangeiros. Quando eles até
têm poucos estrangeiros no seu seio, portanto, nem sequer têm o problema que
tem uma Alemanha, ou que tem um Reino Unido, ou que tem uma França, ou que tem
uma Holanda ou uma Bélgica, ou que tem uma Suíça, ou que tem hoje uma Itália ou
uma Grécia, com fluxos constantes. Eles são um pouco como nós. Nós, apesar de
tudo, estamos imunes, para já, a esse movimento. Basta comparar com Espanha,
onde isso é muito mais forte.
Portanto, já vimos aqui um catálogo de quatro ameaças, e
eu vou já rematar esta intervenção, mas tenho que a rematar procurando perceber
o que é que estas ameaças ensinam para a política portuguesa, para o nosso
futuro. Não apenas para os futuros na Europa, mas também para o futuro
português.
Portanto, uma ameaça é a não compreensão da divisão e da
clivagem político-social que está aí. E penso que esse é o principal problema,
é que as pessoas ainda não digeriram isto.
Outra ameaça são os populismos, e é a grande ameaça,
porque eles é que estão a capitalizar nessa população, a que está a votar neles
para encontrar uma resposta porque não encontra resposta nos políticos
tradicionais. Já não confia neles, perdeu a confiança.
Outra questão muito importante é a questão das secessões nacionais.
Porque onde há populismo naturalmente também vai haver nacionalismo, e se a
nossa resposta for a tentativa de fechar mais, se nós nos voltarmos a fechar
nos Estados nacionais, estes nacionalismos ainda vão ser mais insuflados.
Porque eles no espaço da União sentem alguma capacidade de afirmação; fora
desse espaço sentir-se-ão quase que ameaçados pelo Estado nacional, que,
obviamente, vai ter outra vez mais força.
E depois temos as ameaças externas. A Turquia, a Rússia,
a questão dos refugiados, a questão do Estado Islâmico, do terrorismo, etc.
Estas são grandes ameaças que nós temos. Temos depois também os problemas
económicos, mas, enfim, eu para já não entraria aí.
Em Portugal não há um problema de secessões, em Portugal
as ameaças externas poderão estar um pouco no Magrebe, mas nós estamos muito
longe da Rússia e da Turquia, etc. – estamos nos antípodas.
Portanto, qual pode ser o problema, onde é que ele pode
estar? Ora, ele está claramente no populismo. E em Portugal há, claramente,
dois partidos profundamente populistas. Um é o Partido Comunista e outro é
ainda mais populista do que esse, mais demagógico, é o Bloco de Esquerda. Eles
têm o papel do Podemos e o papel que
o Syriza teve na Grécia. E nós vemos
quais são os resultados possíveis disso.
Ora, qual é o problema português que parece o problema
inglês? E por isso eu disse aqui: Cameron, para salvar a sua pele, acabou por
escolher uma solução que não apenas o matou a ele, como também pós o seu país
numa situação extremamente difícil, tão difícil que o país não sabe o que é que
há de fazer hoje. Pois há uma coisa que eu lhes digo: António Costa é o David
Cameron português. Porque também foi um político que renegou os seus princípios
para salvar a sua pele.
[Aplausos]
Quando há um político socialista, claramente pró europeu,
que tinha no seu historial essa ligação à União Europeia, que aceita fazer
concessões, fazer uma aliança, fazer um pacto com dois partidos que, para além
de serem antidemocráticos, são profundamente, no caso do Partido Comunista,
profundamente antieuropeu, e no caso do Bloco de Esquerda, profundamente contra
a União Europeia de direitos e de livre comércio e de mercado, como nós a
conhecemos, ele está, para salvar a sua pele política, a trair o seu próprio
partido e a, no fundo, pôr em risco o seu país.
E portanto, o que está a fazer António Costa, é um pouco
o que fez David Cameron. António Costa, se, obviamente, não tivesse feito esta
coligação com a esquerda radical e populista, António Costa o que é que teria
feito? Teria desaparecido como líder. O que é que lhe teria acontecido? Teria
desaparecido.
Portanto, a escolha dele era a espada ou a parede. E ele
preferiu a parede. E agora qual é o futuro de Portugal? Uma parede. O futuro de
Portugal é uma parede.
[Aplausos]
Porque vejam bem: neste momento, é preciso que tenham
consciência disto. Com os números económicos que nós temos, é evidente, por
mais que venham para aí fazer declarações, que falhou por completo a receita de
António Costa e dos seus aliados populistas da esquerda radical.
O crescimento é miserável. Ia ser a procura interna que
ia salvar, não salvou nada. O investimento caiu a pique; nem nos anos da troika
esteve nestes números. As exportações caem. Portanto, o célebre milagre
económico que ele, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda iam fazer,
desapareceu. Portanto, nós temos, mais uma vez, um político que, só para salvar
a sua pele, é capaz de renegar os princípios do seu partido. E hoje, eu
vou-lhes dizer o seguinte: na Europa, Portugal está claramente em perda
profunda de credibilidade.
Enquanto um país como o Chipre, que teve um resgate
talvez mais violento do que o português, está a crescer e é respeitado. A
Irlanda nem se fala. A Espanha, quase há um ano sem governo, e está a crescer a
3%.
Portugal tem o pior crescimento da Europa, ou o segundo
pior, está completamente colado à Grécia, neste momento. Vê muitas vezes as
suas taxas de juro a irem outra vez para limites impensáveis há um ano atrás,
porque se perdeu totalmente a confiança em Portugal. Totalmente. Neste momento,
nós estamos totalmente atrelados e colados à Grécia. Outra vez.
E é por isso muito importante aquilo que amanhã, aqui, a
nossa Universidade de Verão, e o nosso presidente de partido, vai fazer, que é
trazer aqui o chefe da oposição grega que está à frente nas sondagens, que é o Kyriakos
Mitsotakis, para ele dizer que na Grécia também há quem denuncie a forma como a
esquerda radical está a conduzir algumas políticas.
No fundo, vejam bem: foi feita aqui uma operação de
ligação ao Partido Comunista, que é um partido que defende a Coreia do Norte,
que defende a Venezuela. Foi feita uma ligação ao Bloco de Esquerda. Mas um
país pode ter credibilidade quando a política é chantageada, é ameaçada, é
condicionada por esses dois partidos radicais de esquerda? Aquilo que nós
ouvimos na Europa é que a esquerda radical está no governo e que o PS se
hipotecou a isso.
Claro, eu digo aqui já com toda a transparência: o PS não
é isto. O PS não é o PS de António Costa. António Costa é a perversão do PS.
Porque fez uma aliança que é uma aliança com as forças populistas que põem em
risco o país. E aquilo que nós sabemos é que as coisas, a continuarem como
estão, vão levar inevitavelmente a um outro resgate. É o caminho que está a ser
percorrido todos os dias.
Reparem, todas as reformas na educação voltaram para
trás. Na questão do fisco, é subir o fisco todos os dias. É o IMI. Mas reparem,
isto não é nada de novo. Aí, António Costa segue a sua tradição. Quem é que na
Câmara de Lisboa tinhas as taxas e taxinhas para tudo e mais alguma coisa? Foi
sempre à custa da subida dos impostos que ele fez a sua política. E, portanto,
ele agora no governo só sabe fazer isso. Está sempre a subir impostos. E,
claro, ao subir impostos estrangula a economia. Como é que ele quer
crescimento, se está sempre a subir impostos? Está sempre a aumentar a despesa?
E vejam, uma das reformas que tinha mudado a habitação em
Portugal, que foi a reforma do arrendamento, já está a ser revertida pelo Bloco
de Esquerda e pelo Partido Comunista. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista
entregaram outra vez os transportes públicos, que já estão outra vez com
grandes dívidas – estão a endividar-se outra vez -, entregaram-nos outra vez
aos sindicatos. Porquê? Porque o Partido Comunista e a CGTP Intersindical
precisam de força política. Se não a têm nos votos têm que ter nos sindicatos.
No caso da saúde. No caso da saúde, as dívidas por pagar
aumentam todos os dias. Ainda hoje há um artigo do bastonário da Ordem dos
Médicos a dizer que não são apenas os hospitais públicos que têm dívidas
enormes por pagar. A falta de pagamentos a pequenos médicos, a pequenas
clínicas, etc. é brutal.
Tudo isto porquê? O governo quis gastar para agradar a
certas classes, quis reverter para agradar a certas classes e, claro, agora não
pode pagar as dívidas. Ao não pagar as dívidas, o quê que acontece? As empresas
deixam de receber e começam a ficar aflitas em tesouraria. Portanto, o governo
não está a incentivar o crescimento, está a destruir a economia. É com os
impostos sobre os combustíveis, este governo está a queimar a economia ao preço
do combustível.
Portanto, o que eu queria dizer-vos era isto: atenção,
Portugal, neste momento, vive dois problemas graves, que são problemas
tipicamente europeus. Um, é ter estes dirigentes políticos que, em vez de
visarem o interesse do país e a linha justa que era a linha tradicional dos
seus partidos, só para sobreviverem politicamente fazem alianças com as forças
populistas e com as forças contra o crescimento e contra o progresso da
economia – é o caso de António Costa.
E depois o segundo problema é que nós estamos em
verdadeiro populismo. Porque reparem: perante os números do INE, o
primeiro-ministro vem dizer que está tudo bem, e que o país está ótimo, e que
não é preciso fazer nada, e que está tudo muito controlado e que está tudo a
correr muito bem. Quem diz isto, vive num mundo de fantasia.
E por isso eu não arrisco um milímetro quando digo:
estamos em 2016, com António Costa, a repetir a receita de 2009 com José
Sócrates. E pior do que isso: estamos a repeti-la nas mãos do PCP e do Bloco de
Esquerda, que vão destruir a economia e que vão destruir Portugal. Vão ser os
portugueses que vão pagar este preço e vão pagá-lo mais alto do que alguma vez
imaginaram.
Por isso, mesmo que o futuro da União Europeia seja bom,
eu, com isto, com este episódio que foi o lançamento de uma coligação com
populistas de esquerda radical por parte de António Costa, auguro que pelo
menos o nosso futuro próximo vai ser amargo e vai ser bem difícil para todos.
Muito obrigado e agora estou à vossa disposição.
[Aplausos]
Nuno Matias
Muito obrigado pela brilhante exposição. Vamos então
passar ao período das questões. Tem a palavra pelo Grupo Roxo, o Pedro Abreu.
Pedro Abreu
Antes de mais, queria cumprimentar a Mesa e em especial o
deputado Paulo Rangel. E a minha questão é: será que a União Europeia tem
capacidade para superar as diferenças culturais entre os Estados membros de maneira
a concretizar o sonho europeu dos Estados Unidos da Europa?
Muito obrigado.
Paulo Rangel
Eu penso que a União Europeia tem todas as condições para
ultrapassar algumas diferenças culturais e civilizacionais que existem nos
Estados europeus porque os Estados europeus e as Nações europeias, vistas de
fora, são muito mais comuns do que parece.
Eu vou dar aqui um exemplo. Para um português não há
grandes diferenças, ele não sabe diferenciar, entre um letão e um lituano, ou
entre um sueco e um dinamarquês. Assim como para eles um português e um espanhol
serão a mesma coisa. Ou seja, quanto mais nós estamos distantes, mais nós somos
vistos como parecidos, mais vistos pelas nossas identidades. Ora, não há dúvida
de que os europeus em geral, vistos pela Índia, vistos pela China, vistos pela
África, vistos até, num certo sentido, pelas Américas, são vistos com grandes
identidades. Portanto, existem entre nós grandes identidades.
Claro que depois isto passa-se muito como com os irmãos.
Eles até são parecidos, mas entre si conhecem-se tão bem que notam mais as
diferenças do que as semelhanças. Portanto, isso é evidente.
Eu acho que nós temos todas as condições para ultrapassar
essas dificuldades de relacionamento cultural e civilizacional, mas eu acho que
isso não nos mete necessariamente naquele caminho que é o caminho para os
Estados Unidos da Europa. Os Estados Unidos da Europa, que é uma coisa que eu
desejo ardentemente que aconteça, são, neste momento, apenas um objetivo muito
longínquo. Porque isso implicaria uma federação e, neste momento, a conjugação
de forças é tal, no contexto europeu e no contexto de cada Estado, que eu penso
que esse objetivo, que essa finalidade última, não está ao alcance de se poder
levar para a frente.
Claro que poderia haver aqui uma chance, por exemplo, de
reforçar a integração. A saída do Reino Unido poderia fazer com que a resposta
da União Europeia fosse acelerar o processo de integração. Isto é um futuro
possível. Mas temos que ver que vai haver, já em 2017, eleições para o
Presidente em França, eleições legislativas na Alemanha, e tudo vai estar em
standby até estas duas potências definirem qual é o seu futuro.
Aliás, eu penso que isto explica porque é que a senhora Theresa
May está a demorar no acionar do chamado artigo 50.º para o Brexit. Ela está a
fazê-lo porque está na estratégia do "wait and see”. Quer dizer, ela tem
esperança de que, havendo mudanças na política francesa e na política alemã, o
Reino Unido possa obter um acordo melhor do que obteria com as atuais
circunstâncias. Portanto, tudo isto está num "wait and see”.
Acho que nós, até este ciclo eleitoral franco-alemão,
estaremos provavelmente a fazer estudos e em grandes conversações, mas não
teremos nenhum passo decisivo no sentido de uma maior integração e, portanto,
de uma aproximação, se quiser assim, desse sonho que alguns têm (cada vez menos)
dos Estados Unidos da Europa.
Nuno Matias
Em primeiro lugar queria pedir desculpa ao Tiago Dinis e
ao Grupo Bege, porque houve aqui uma troca de ordem, e a falha foi
exclusivamente minha, mas têm, agora sim, o Grupo Bege e o Tiago Dinis a
palavra para fazer a questão. Desculpa, Tiago.
Tiago Diniz
Não tem problema. Em primeiro lugar, saudar todos os
presentes, em especial o nosso convidado, o Dr. Paulo Rangel.
Partindo dos principais ideais da União Europeia, onde
temos integração, igualdade, queria aqui referir-me a uma parte. Àquela parte
que não apanha o comboio tecnológico, e essa parte terá uma expressão nesses
tais referendos.
E vendo o caso de Portugal, se António Costa quiser mesmo
ter a sua escapa política e convocar um referendo, quais as medidas imediatas
para que consigamos ter, não o ideal, porque isso é muito difícil, mas então o
menos mau. Para que nós, que temos essa perspetiva mais avançada, consigamos
ter alguma garantia de que Portugal não irá ter uma cisão com o projeto
europeu.
Obrigado.
Paulo Rangel
Eu acho que, no estado em que as coisas estão, mais
depressa o projeto europeu tem uma cisão com Portugal do que Portugal uma cisão
com o projeto europeu. Portanto, é um bocadinho ao contrário.
Em Portugal não há a perspetiva de convocação de um
referendo desse modo, porque ele obriga à conjugação de vontades do Governo, da
Assembleia da República e do Presidente da República que não é fácil fazer. Eu
acho que a perspetiva de um referendo em Portugal, na atual circunstância, não
é provável, não tem grande probabilidade.
O que eu acho que pode acontecer é: se entretanto a União
Europeia avançasse para um próximo passo de integração mais forte, aí sim,
podia justificar-se fazer um referendo para ver se queria dar esse passo ou
não. E aí até acho que era desejável fazê-lo. E sinceramente, acho que em
Portugal, mesmo com algum descontentamento cada vez maior, a ideia de estarmos
na União Europeia acabaria sempre por triunfar. Portanto, não se poria em
Portugal a questão que se põe noutros países, do meu ponto de vista.
Por isso, eu não diria que nós temos que tomar esta
medida ou aquela. Eu diria que, genericamente, os portugueses compreendem que
nós, sozinhos, estaríamos pior. Porque há aqui uma coisa que é preciso dizer.
Quando o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, com questões muito
populistas, e até algumas que eu estimo muito e por quem tenho grande apreço,
mas que falam na soberania de Portugal – caso de Pacheco Pereira -, e que
estamos prestes a ser esmagados, espanholizados, e tal. Sinceramente, isso
parece-me uma retórica muito vazia e muito populista e demagógica. Porquê?
Porque o problema de Portugal e da sua afirmação não é o
problema de estar na Europa ou fora da Europa. Portugal, no século XIX, entrou
em bancarrota e ficou completamente à mercê, perdeu a sua soberania. Até teve o
ultimato britânico por causa do mapa cor-de-rosa, em 1890.
Portanto, o que é que eu quero dizer? Aquilo que torna um
país autónomo e capaz de pôr a mão no seu próprio destino é a capacidade de ter
contas equilibradas. Isto é como uma pessoa. É evidente que, se uma pessoa tem
as suas contas, não gasta mais do que ganha e tem as suas contas equilibradas,
evidentemente que esta pessoa tem condições de dizer sim e dizer não às
diferentes coisas. Se a pessoa está completamente nas mãos dos credores, a sua
vontade não conta.
Reparem, eu queria chamar a atenção para isto, que é
fundamental percebermos. Não foi a União Europeia que nos pôs nesta situação.
Nós é que nos pusemos nesta situação. Depois a União Europeia poderia
ajudar-nos mais ou menos. Eu também sou a favor de um conjunto de reformas
enormes a nível europeu, a nível económico e financeiro. Há muitas coisas que
eu acho que estão mal e que deviam ser alteradas. Mas Portugal, se tem alguma
incapacidade de afirmação, hoje, essa incapacidade deve-se à nossa dívida.
Fomos nós que a fizemos, não foram os outros que a contraíram por nós.
E Portugal já esteve nesta situação antes e não havia nem uniões europeias nem nada que se
parecesse. Portugal entre 83/85 teve um resgate do FMI; em 76/77 teve outro
resgate, ou 77/78, melhor dito. E antes já tinha tido na Primeira República, e
já tinha tido no fim da Monarquia. Aliás, a Monarquia, em parte, acabou por
causa disso. Portanto, o problema das contas públicas, das contas nacionais, da
dívida externa, da bancarrota, da falência, este problema é que tira autonomia
e capacidade de escolha aos países. Não é haver União Europeia ou deixar de
haver União Europeia. Porque os países que têm as contas mais ou menos em ordem
– não precisam se estar muitíssimo bem, mas estão, pelo menos, relativamente
desafogados – obviamente que têm uma capacidade de escolha muito maior do que
aqueles que não têm… e que estão sempre, enfim, com a mão estendida.
Nuno Matias
Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Azul, o
Bruno Rocha.
Bruno Rocha
Muito bom dia. Queriam em primeiro lugar saudar os
membros da Mesa, em especial o nosso convidado, o Dr. Paulo Rangel.
A minha pergunta centra-se na questão da Turquia. A
tentativa de golpe de estado na Turquia veio dificultar as relações que esta
tem com a União Europeia. A notícia de que Erdogan estava a ponderar a
reposição da pena de morte, que foi abolida em 2004, a par da extensa purga que
continua a atingir os setores público e privado, que certos académicos turcos
afirmaram ser semelhante a uma União Soviética de Estaline ou a uma China de
Mao, e também a suspensão da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, mereceu
duras críticas dos líderes europeus.
Erdogan também criticou o Ocidente em geral por apoiar o
terrorismo, e os Estados Unidos em particular, pois o guião para a tentativa de
golpe na Turquia tinha sido escrito no estrangeiro. A Turquia caminha para não
ser uma democracia mas sim uma autocracia. E, além disso, a Áustria é contra a
continuação das negociações com a Turquia.
Apesar de tudo isto – e agora indo direto à minha
pergunta –, considera que a União Europeia deve continuar a tentar a adesão da
Turquia, que já leva quase trinta anos, tendo em conta que uma boa relação com
Ancara é fundamental para a gestão eficaz da crise dos migrantes e refugiados
que continuam a chegar da Síria e do Iraque?
Muito obrigado.
Paulo Rangel
A questão turca é uma questão muito complexa. Quanto à
questão turca, diria o seguinte: eu acho que nós fizemos mal desde o início, do
meu ponto de vista, em darmos à Turquia uma perspetiva de que ela aderiria à
União Europeia. Eu sempre achei que a Turquia, por razões geopolíticas, por
razões culturais, iria causar muitos problemas com a sua entrada na União
Europeia. O ideal teria sido não ter acenado com a cenoura da adesão à Turquia
e ter, desde o início, sido justo e correto com os turcos, dizendo: não faz
parte dos limites territoriais da União Europeia a ideia de uma adesão da
Turquia, mas nós queremos uma associação muito aproximada e muito forte com a
Turquia.
Teria sido preferível esta discussão honesta e séria. O
que é que aconteceu? Começou-se a criar a ideia de que eles poderiam entrar,
criou-se-lhes esse sonho, e depois, evidentemente, como havia muitos países que
não queriam que a Turquia entrasse, a começar pela França, uma parte dos
alemães, os austríacos seguramente, haverá outros também nesse campeonato. E
portanto isto começou a criar muitas dificuldades.
Eu há um ponto que devo esclarecer. Eu acho que, para
mim, este desenvolvimento da Turquia, do Erdogan, nunca me surpreendeu. Eu
sempre achei que a Turquia tinha uma tradição que era uma tradição muito laica.
Quando há um partido que está claramente em rotura com essa tradição, que era o
partido do Erdogan, basicamente um partido que era pró muçulmano e, portanto, a
pôr em causa a tradição laicista da República Turca do Kemal Atatürk – chamada
kemalista -, a partir desse momento eu achei que o caminho ia ser este.
Evidentemente, nas democracias, o voto é muito
importante. E nós sabemos que, demograficamente, a Anatólia, a Turquia Central
e Leste, era formada por muçulmanos muito convictos da sua própria afirmação e
com algum ressentimento relativamente às elites de Istanbul e até de Ancara,
que eram profundamente ocidentalizadas e laicas. E portanto os votos vão-se
recolher aí. E recolhendo-se aí, há tendência para agradar cada vez mais a
essas pessoas de forma a que elas votem e reforcem as maiorias do Erdogan. E
portanto este ciclo começou.
Agora, a partir do momento em que as coisas se
precipitaram cada vez mais, e nomeadamente com este golpe de estado, que nós
nem sabemos se foi um golpe de estado autêntico, se foi um pouco encenado, se
foi quase que provocado para permitir este reajustamento de toda a política
turca, eu acho que estamos outra vez, como eu dizia, naquilo que eu chamaria
uma putinização da Turquia. Quer
dizer, aquilo que o Putin fez com a Rússia, é o que o Erdogan está a fazer com
a Turquia. E portanto que é, no fundo, o caminho para uma autocracia ou para
uma democracia cada vez mais musculada. Isso é claramente o que está a
acontecer.
Portanto, o que é que eu acho? Eu acho que nós vamos ter
aqui muitos problemas de relacionamento com a Turquia. Nomeadamente, na questão
dos direitos humanos. A questão da pena de morte é uma questão muito
importante, porque é uma questão simbólica. Mas eu lembro que um país com o
qual nós temos, por tradição, as melhores relações, que é os Estados Unidos,
também têm a pena de morte. E também devem ser condenados por isso.
O caminho que eu vejo a prazo, é um caminho que - por
acaso podia ter enunciado no discurso inicial, mas há tanta coisa para dizer
que é impossível concentrá-lo numa hora -, que é isto: eu acho que o caminho
para a União Europeia de futuro é um caminho a duas velocidades. Em que nós
tenhamos um núcleo de países que avançam para uma integração maior, de tipo
federal ou quase federal, os que quiserem. E outros que estão num segundo
ranking, e que fazem parte do mercado interno e terão um conjunto de direitos e
obrigações de associação limitada, portanto, não são full members.
Que será o caso do Reino Unido, é uma hipótese de
integração do Reino Unido, da Noruega, da Suíça e de outros países que queiram
abraçar isso. Admito que alguns escandinavos queiram ir para isso, que alguns
eslavos queiram ir para isso, e eventualmente aí poderia caber uma Turquia.
Claro que para isso era preciso cumprir os critérios democráticos, essa questão
teríamos que resolvê-la, mas resolvendo isso poderia caber.
Esta é uma solução. É ter uma Europa com duas
velocidades, uma espécie de membros gold e membros normais. Os membros gold estão numa federação, os outros numa associação. E portanto, com esta dinâmica
dupla, eventualmente ter espaço para integrar uma Turquia.
Agora, atenção, há outra questão que não tem nada a ver
com esta, e que é a questão da realpolitik. E nós temos que ter sempre essa
realpolitik nas relações internacionais. Não há dúvida de que os turcos
demonstraram uma coisa. É que eles controlam, em grande parte, a questão dos
refugiados sírios, iraquianos e afegãos. Não do Norte de África. Como se vê, os
refugiados do Norte de África continuam a vir com grande força. Através da
Líbia para Itália. Mas aqueles que vinham pela Grécia, eles têm uma espécie de
torneira. Quando abrem a torneira os refugiados vêm, quando fecham a torneira,
os refugiados não vêm. Ou vêm muito menos.
Portanto, é essencial, é absolutamente essencial, para
nós, que continuemos a ter algumas pontes com a Turquia. Embora, para o
problema dos refugiados, eu gostasse de outra solução. Mas vou deixar
desenvolvimento para uma outra eventual pergunta ou para uma próxima
Universidade de Verão, uma vez que, como verão, os refugiados não vão
desaparecer, é uma questão que está aí para ficar, e portanto à qual se pode
responder mais tarde, se for necessário.
Nuno Matias
Tem agora a palavra, pelo Grupo Amarelo, o João Madeira.
João Madeira
Bom dia. Permitam-me cumprimentar todos os presentes e em
especial o nosso convidado.
Eu gostaria de pegar numa coisa que afirmou para colocar
a minha questão. Disse que há russos que se sentem mais europeus do que os
próprios europeus. Eu acho que isto revela uma falha a nível da cidadania
europeia dos habitantes desta União, desta Europa.
Além disso, nós sabemos que existe uma associação entre
as questões de mercado e o euro como a principal fonte de coesão e identidade
europeia. Eu acho que este tema é altamente problemático porque, quando a moeda
entra em crise, nós temos também uma crise da identidade cultural, que o Grupo
Amarelo acha que foi o que se verificou, talvez, aquando da crise do Euro.
Assim, a minha questão é: que medidas podemos nós tomar
para aumentar a coesão europeia e aumentar a nossa identificação, primeiro como
cidadãos da Europa, senão do mundo, e só depois cidadãos dos nossos países de
origem, e não ao contrário, como é o que está a ocorrer, evitando assim o
aumento do poder dos ideais mais fechados e nacionalistas.
Muito obrigado.
Paulo Rangel
A pergunta é complexa. Uma coisa que eu queria dizer é o
seguinte: quando eu referi o caso dos russos, não foi tanto para dizer que os
europeus não têm sentimento europeu, foi para dizer que nós, normalmente,
achamos que os russos não se consideram europeus, ou nós não os consideramos, e
eles consideram-se. Era só para dizer isso. Não era para dizer que nós temos um
défice de sentimento europeu.
Indo à vossa questão. Eu, sinceramente, vou dizer o
seguinte: ao contrário do que está pressuposto na vossa pergunta, eu acho que
aquele elemento que dá mais identidade à Europa hoje, não é o euro, não é a
moeda comum. Embora, sem dúvida – basta a pessoa viajar por países que têm o
euro – facilite muito e seja um fator de alguma construção de identidade.
Para mim, justamente o fator principal, e é aquele que
está em crise agora com a questão dos refugiados, e até com o Brexit, é a
liberdade de circulação das pessoas. Esse é que é o grande fator de identidade
europeia. Quando nós atravessamos fronteiras – e isto para os jovens vale muito
– e não notamos que atravessamos nada, passamos de Portugal para Espanha, de
Espanha para a França, da França para a Alemanha, da Alemanha para a Polónia,
da Polónia para a Eslováquia, da Eslováquia para a Hungria, da Hungria para a
Roménia, da Roménia para a Bulgária, da Bulgária para a Grécia, e não sentimos
que mudamos de país, não sentimos nenhuma fronteira, quando nós fazemos isto,
evidentemente que isto é que nos dá a ideia de que estamos num espaço comum.
Para mim, este é o fator principal. E isto é uma coisa
que os jovens não sabem. Os jovens não sabem, mas Carlos Coelho e eu sabemos
bem, o que é uma pessoa estar três horas, ou duas horas, para passar uma
fronteira. Esta ideia de circulação é uma coisa muito recente.
Ainda recentemente contava que ainda me lembro do meu
grande espanto, a primeira vez que fui à Bélgica e à Holanda e ao Luxemburgo –
penso que foi em 81 ou 82, já não sei bem -, em que passei de carro, e o
Benelux já não tinha fronteiras, e nós não sabíamos se estávamos na Bélgica se
estávamos na Holanda. E aquilo para mim foi um milagre, porque eu estava
habituado a ir de Portugal para Espanha, por exemplo, e ter que estar às vezes
uma hora, duas horas, na fronteira, para ser revistado, etc.
Eu ainda me lembro de fazer o interrail e mudar de
comboio, que tinha de se mudar na fronteira entre a Espanha e a França, porque
o comboio tinha a bitola europeia e a bitola ibérica, portanto tinha que ser um
comboio diferente, e sermos totalmente revistados, porque havia os problemas da
ETA, etc., etc. – totalmente revistados, de alto a baixo, para mudar de um
comboio para o outro. As pessoas não têm noção do que isto significava.
Portanto, eu diria que este é o grande emblema europeu.
Agora, o que é que nós podemos fazer? Há uma coisa que se
tem feito e que tem sido excecional, e que se viu, aliás, no referendo inglês
que funcionou, que é o caso do Erasmus, com os jovens. Eu acho que nas gerações
mais jovens, elas já não compreendem que houvesse um recolocar das fronteiras.
Para além de que eu acho que recolocar as fronteiras não ia responder aos
problemas que se põem.
Acho que nós, basicamente, temos que investir nestes
projetos, que são projetos educativos, que são projetos de sensibilização para
criar essa ideia de Europa. Porque ela existe. O grande problema, no fundo, do
sentimento europeu, é o desconhecimento do outro. Se eu, de repente, perceber
que as histórias que ouve um polaco, quando é pequeno, são as mesmas histórias
que eu ouvi quando era pequeno, então, de repente começo a ter alguma afinidade
com a polaca ou com o polaco, e o mesmo acontece com o lituano ou com a
lituana, e o mesmo acontece com o grego ou com a grega, e por aí fora.
Portanto, eu acho que o desconhecimento mútuo é o grande
fator de ressentimento. É o desconhecimento mútuo. Porque nós, de facto, temos
uma herança comum. Toda a gente ouviu falar no Capuchino Vermelho quando era
pequeno. Ou no menino Jesus e no burro. Isto são histórias fundacionais que
estão nas nossas origens.
É esta ideia de uma certa liberdade, a ideia, hoje, por
exemplo, da igualdade entre homens e mulheres, que é uma ideia que em grande
parte do território do mundo não existe. Isto são fatores de grande identidade.
Portanto, eu sinceramente acho que nós temos que apostar muito nessa Europa da
cultura, Europa da educação, para criar esse espaço.
Mas para isso é fundamental que as pessoas possam
circular livremente. Claro, se houver mais justiça, mais direitos sociais, se a
Europa responder… eu até acho, e vou dizer aqui uma coisa um bocadinho
polémica, mas, ao contrário do que parece – até um pouco pelo discurso que eu
trouxe das ameaças -, hoje a opinião pública está mais recetiva para ter mais
Europa do que estava há dois anos ou três atrás.
Com os atentados terroristas e com a crise dos
refugiados, há muitos cidadãos da Europa que percebem que o problema só pode
ser resolvido a nível europeu, já não pode ser resolvido a nível nacional.
Por exemplo, toda a gente percebe que era fundamental nós
termos uma guarda fronteiriça europeia. Termos uma espécie de marinha ou guarda
marítima europeia, uma guarda costeira, para apoiar os refugiados que aparecem,
para evitar o tráfico de seres humanos, e que os países sozinhos não podem
fazer isto. Malta, Chipre, a Grécia, Portugal, a Espanha, a Itália, não podem
fazer isto sozinhos. É impossível. Portanto, era preciso uma força europeia.
As pessoas estão disponíveis para isso. E, em parte,
culpam a União Europeia, porque, no fundo, não vêm uma resposta da União
Europeia. Se ela der uma resposta a estas necessidades das pessoas, eu acho que
as pessoas vão confiar na União Europeia.
Aliás, eu acho que hoje, a compreensão de que o
terrorismo, por um lado, e os refugiados, por outro, estas duas crises, não têm
uma possibilidade de resposta nacional, precisam de uma resposta mais geral,
mais global, faz com que as pessoas esperem mais da União Europeia do que esperavam
há uns dois ou três anos atrás, onde estavam mais dispostas a fechar-se.
Nuno Matias
Tem agora a palavra, pelo Grupo Laranja, o Robert Neves.
Robert Neves
Bom dia. Em primeiro lugar, cumprimentar e congratular o
Dr. Paulo Rangel pelo seu incansável trabalho no Parlamento Europeu, e
naturalmente estender esse cumprimento aos membros da Mesa.
A questão que lhe coloco está ligada diretamente à
primeira parte da sua intervenção aqui, e tem a ver com as implicações do
Brexit, a médio prazo, na vida dos cidadãos dos outros Estados membros
emigrados no Reino Unido, e nomeadamente na dos milhares de portugueses aí
presentes, com maior incidência na área da saúde.
Obrigado.
Paulo Rangel
Quanto às implicações do Brexit sobre os cidadãos que lá
vivem, cidadãos europeus da União Europeia, estou a falar desses, eu penso que,
com aqueles que lá estão neste exato momento, eu penso que não haverá
implicações praticamente nenhumas.
O Reino Unido não vai, em caso nenhum, cair nessa asneira
nem nessa tentação. Portanto, ele vai garantir um estatuto às pessoas que lá
estão ou que estavam antes do referendo. A questão é, depois do referendo, o
que vai fazer?
Sinceramente, eu não compreendo muito bem a questão do
Reino Unido com a imigração, e nomeadamente com a emigração europeia, porque o
Reino Unido não tem, realmente, grandes problemas com a imigração europeia. É
uma coisa um pouco incompreensível. É uma reação emocional, e para mim mais
baseada numa certa histeria dos tabloides, do tal populismo e da tal demagogia,
do que real.
Aliás, eu acho que até há um certo argumento quase que
xenófobo ao contrário, no caso do Reino Unido. O Reino Unido tem uma quantidade
enorme de imigrantes vindos, por exemplo, da índia, do Bangladesh, do
Paquistão, do Sri Lanka, por causa de a Índia ter sido a joia da coroa do
império britânico. Tem de muitos outros países africanos. E também tem
europeus. E, curiosamente, os problemas que houve, que aliás também existiram
em Paris, existiram em Berlim, existiram em Estocolmo, nos últimos anos, 2011,
2012, 2013, em que houve verões em que houve grandes tensões, conflitos,
queimaram-se carros, destruíram-se bairros inteiros, etc., nunca foram com imigrantes
europeus. Normalmente não foram com imigrantes europeus. Foram ou com imigrantes
do Magrebe, ou com imigrantes do Paquistão.
No caso de Paris, tinha muito a ver com o Magrebe, no
caso de Berlim e Estocolmo, tinha muito a ver com imigrantes asiáticos, e no
caso inglês claramente até tinha sido a morte de um paquistanês que originou
imediatamente toda essa reação.
A mim, o que me pareceu, é que houve aqui alguma
hipocrisia, que é: no fundo há um certo preconceito inglês contra essa
imigração da Commonwealth, mas como não podem dizer isso, porque isso ficaria
muito mal de acordo com o politicamente correto, acabam por desviar o problema
para os imigrantes europeus, que não lhes causam normalmente esse tipo de
problemas.
Só para terem uma noção, o Nigel Farage, que aqui em
Portugal, no youtube, muita gente achava muito bem, porque ele dizia mal do
Durão Barroso, e dizia mal de Bruxelas, e não sei que mais, que era um herói de
alguns intelectuais, quando ele é um verdadeiro protofascista, é isto que tem
de ser dito, é um protofascista. Aliás, foi apoiar agora o Trump, mas é um
protofascista. Ele chegou a dizer – eu sou testemunha presencial e ocular –
chegou a dizer que 80% do crime em Londres era provocado por búlgaros e
romenos. Ao que me apeteceu perguntar-lhe se no tempo do Sherlock Holmes havia
muitos romenos e búlgaros em Londres. Porque, pelos vistos, já havia grande
romance policial e crimes gigantescos, Jack o Estripador… entretanto até
descobriram uma coisa fabulosa, é que Jack o Estripador era polaco. Isto no
contexto desta discussão agora sobre o Brexit, houve um jornal que disse que,
depois de fazer umas análises, ele seria polaco, seria um canalizador polaco,
com certeza que no século XIX emigrou para Londres, para permitir, no fundo, o
Brexit em pleno século XXI.
Sinceramente, eu acho que este discurso é um discurso
completamente sem sentido, no caso inglês, porque não se compreende que um país
que tem imigrantes provenientes de todo o lado - Londres é a cidade mais
cosmopolita do mundo, nem Nova Iorque se compara a Londres, sob esse ponto de
vista -, que realmente faça disto o que fez. Parece-me uma coisa absolutamente
extraordinária.
Outra coisa que, para mim, era extraordinária, era a
questão dos social benefits , portanto
dos benefícios sociais. São os ingleses que regulam quais são os benefícios
sociais que dão. Evidentemente que isso é uma questão inglesa, não era uma
questão europeia. O que eles não podiam era discriminar os europeus face aos
ingleses, o que é uma coisa diferente. Que é: eu dou benefícios sociais aos
ingleses, mas não dou aos trabalhadores europeus. Quando é sabido que os
trabalhadores europeus pagam mais impostos do que aqueles benefícios que têm.
Portanto, eles são contribuintes líquidos para a riqueza britânica.
Eu estou absolutamente convicto de que os imigrantes
portugueses e os imigrantes europeus em geral, que estão em Inglaterra, e que
para mim não são imigrantes, são trabalhadores europeus em Inglaterra, porque
imigrante supõe que não tem liberdade de circulação, o que não é o caso – esses
não vão ter nenhum problema.
Aqueles que fossem agora poderão ter problemas. Porque é
capaz de haver uma regulação específica para as pessoas que se tenham
estabelecido em Inglaterra depois de 23 de junho. Isto é possível que aconteça.
Quem foi antes, eu penso que vai estar perfeitamente salvaguardado sob todos os
pontos de vista. Até porque os britânicos têm muita gente a morar em Espanha,
muita gente a morar em França, muita gente a morar em Portugal, muita gente a
morar pela Europa fora, e obviamente que não vão querer retaliações sobre essas
pessoas. Aliás, a quantidade de britânicos que estão a pedir a nacionalidade
portuguesa, ou que estão a pedir a nacionalidade espanhola ou francesa, muitos
que são casados com pessoas de vários países europeus, é enorme, justamente para
não terem nenhum problema.
Penso sinceramente que, sob esse ponto de vista, o bom
senso vai imperar. E há uma coisa que temos de ter em atenção: os britânicos
têm um grande apreço pela rule of law.
Isto é, pelo respeito pelo direito, e não vão com certeza ter uma política
discriminatória, no mau sentido do termo. Nisso eu acho que eles têm sempre um
comportamento muito fair e vão fazer
jus a essa cultura de fairness , isto
é, de justiça, de sensatez, de equidade, que é típica da cultura britânica.
Portanto, sinceramente, por aí eu não estou preocupado.
Claro que eu acho que as autoridades portuguesas devem
estar com olho vivo e pé ligeiro. Em todo o caso eu acho que não vai ser um
problema, sinceramente.
Nuno Matias
Tem agora a palavra, pelo Grupo Castanho, o António
Silva.
António Silva
Muito bom dia. A minha questão vai no seguimento de um
dos problemas que afeta a União Europeia, que é o seguinte: para além dos
populismos, podemos também identificar a falta de legitimidade nas instituições
europeias como um grande desafio… - peço desculpa por ter bloqueado – como um
grande desafio que nós enfrentamos. E é isso. Obrigado.
Paulo Rangel
Em primeiro lugar, não peça desculpa por ter bloqueado,
porque bloquear a falar da União Europeia é a coisa mais normal do mundo.
[Aplausos]
O contrário é que seria de espantar.
Vou dizer uma coisa que estou farto de dizer, mas, por
mais que eu diga, não há ninguém que acredite. Ao contrário do que se diz, na
União Europeia não há uma falta de legitimidade democrática. Surpresa das
surpresas.
Vamos olhar para a União Europeia e ver o seguinte: a
comissão europeia, que não é bem um governo europeu - antes fosse, mas não é -,
é uma espécie de administração pública europeia. É algo entre um governo e uma
espécie de corpo administrativo. Falta-lhe aquela capacidade política que os
governos têm, aquilo que os italianos chamam o indirizzo politico , que é a capacidade de direção política, mas que
dito em italiano é mais do que isso. Aliás, é muito usada até pelos politólogos
anglo-saxónicos, esta expressão, porque ela, de facto, com graça, é isso. E
depois tem o lado administrativo, de execução, de aplicação das regras.
A Comissão Europeia tem um presidente que é indicado pelo
Conselho Europeu, em que estão os primeiros-ministros e presidentes dos vinte e
oito países, que têm legitimidade democrática interna e nacional. Escolhem uma
pessoa que depois tem de ser aprovada pelo Parlamento Europeu. E o Parlamento
Europeu é eleito diretamente pelos cidadãos europeus.
Portanto, o presidente da Comissão tem não só a legitimidade
de ter sido escolhido por um corpo em que estão os vinte e oito chefes de
executivo dos vinte e oito países – todos são países democráticos, portanto têm
legitimidade democrática –, como depois tem uma legitimidade democrática não
apenas nacional, mas europeia, porque tem que ser aprovado no Parlamento
Europeu.
Depois o programa da Comissão Europeia – embora isso não
esteja escrito – também é aprovado no Parlamento Europeu. E depois ele escolhe
vinte e sete comissários, em articulação com os governos nacionais – portanto,
ficam vinte e oito -, e eles têm que ser todos aprovados, o colégio todo, são
ouvidos, um a um (já várias vezes foi removido um ou outro porque o Parlamento
Europeu não gostou deles), e depois o colégio tem que ser todo votado pelo Parlamento
Europeu. E depois de o colégio estar em funções – como está agora – a qualquer
altura pode ser objeto de uma moção de censura e cair no Parlamento Europeu.
Parlamento Europeu que tem legitimidade democrática.
Nas últimas eleições de 2014, os principais partidos
europeus até apontaram candidatos a presidente da Comissão. No caso do PPE foi
o Juncker; no caso dos socialistas foi o Schulz. Ganhou o PPE e o Conselho, que
estava a pensar, eventualmente, fazer aqui uma habilidade e indicar outra
pessoa, não foi capaz, perante os resultados eleitorais, de indicar outra
pessoa senão aquela que tinha sido apontada pelo partido que ganhou as eleições
europeias.
Portanto, mais democrático do que isto, não sei o que
possa ser. Aqui o grande problema é que se está sempre a dizer "é um conjunto
de burocratas que estão lá…”. Mas não é nada um conjunto de burocratas. Nós até
temos um problema hoje que é o seguinte: desde a crise de 2008, da crise
financeira, que grande parte das decisões, em vez de serem tomadas pelo eixo
Conselho de Ministros, Comissão, Parlamento Europeu (são, no fundo, estes
órgãos), é tomada pelas Cimeiras europeias, pelo Conselho Europeu propriamente
dito. Ele passou a ser a driving force ,
é ele que tem o chamado indirizzo
politico.
Quando se diz: os Estados nacionais estão a ser
esmagados… Os Estados nacionais nunca tiveram tanto poder na União Europeia
como têm hoje. Ao contrário do que dizem os eurocéticos, a verdade é que (do
meu ponto de vista) lamentavelmente são os Estados nacionais que têm força.
Mais força do que tinham no passado. Porquê? Porque grande parte dos problemas
que surgiram, nomeadamente ligados à moeda única, e agora à crise dos
refugiados, não tinham instrumentos de resposta federal, a nível europeu. E
como não tinham, tiveram que ser desenhados a
la carte , a cada momento, pelo Conselho Europeu, isto é, pela vontade
unânime dos Estados.
Portanto, vir dizer que aqui há uma falta de legitimidade
democrática, não sei onde é que existe falta de legitimidade democrática. As
pessoas dizem: o Juncker não foi eleito por ninguém. Mas António Costa foi
eleito por alguém? Não foi!
[Aplausos]
E não há ninguém que diga que nós não estamos numa
democracia. Certo? Porque o primeiro-ministro não é eleito, por definição. E só
por isso é que ele pôde ser primeiro-ministro, porque se ele fosse eleito, ele
nunca poderia ser, porque ele perdeu as eleições. Ele só pode ser
primeiro-ministro porque um primeiro-ministro, o chefe do executivo, não é
eleito, no caso de um sistema como o português, ou no caso de um sistema como o
sistema europeu.
Portanto, não há é falta de democracia. Porquê? Porque
ele depois tem a aprovação do Parlamento, que é o que tem o nosso presidente da
Comissão. E depois nós temos um tribunal, o Tribunal de Justiça da União Europeia,
para controlar as decisões. Existe uma independência, uma garantia de
independência.
Há outro aspeto sobre o qual eu gostaria de falar; faço
só aqui uma referência, que é a seguinte. Toda a gente diz que a União Europeia
é o monstro dos monstros, está ao serviço das multinacionais, e do capitalismo,
e não sei o quê. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista passam a vida a
dizer isso. Eu gostava de saber qual é a opinião do Bloco de Esquerda e do
Partido Comunista sobre a decisão da Comissão de obrigar a Apple a pagar treze
mil milhões de euros de impostos. Se há algum Estado nacional que era capaz de
fazer isto? Porque a Irlanda, pelos vistos, até está contra, portanto não ia
fazer. Foi ela que fez o acordo para eles não pagarem.
Portanto, se nós não tivéssemos União Europeia, podia
haver este controlo? Claro que não podia. Porque para enfrentar gigantes dessa
dimensão, um Estado nacional pode ser pouco forte para isso. E precisa de um
corpo de outra natureza, e de um corpo independente que não tem esse tipo de
interesses.
Portanto, quando se olha para estas questões, talvez
puxar um bocadinho por aquilo que tem que ser puxado e não olhar só para o lado
negativo.
Quanto à questão da legitimidade democrática, eu
sinceramente acho que nós podemos fazer mais. Mas porque é que se tem esta
sensação, de que não há…? Porque obviamente Bruxelas está longe das pessoas. As
pessoas interessam-se mais pelas coisas que estão no seu dia-a-dia do que pelas
outras. E as pessoas não têm noção disto.
A abstenção para as eleições presidenciais nos Estados
Unidos é enorme. Ou para as eleições do Congresso. Porque as pessoas que estão
no Wisconsin, ou que estão no Novo México, ou que estão no Nevada, ou que estão
Nebrasca, ou que estão na Carolina do Norte, não querem saber do que se passa
em Washington, querem saber do que se passa no seu Estado. Washington é uma
coisa longínqua. Para nós, europeus, nós seguimos com mais atenção as eleições
presidenciais que muita parte dos americanos. Porque para eles aquilo não tem
grande repercussão. E é um pouco o que acontece com Bruxelas.
Portanto, Bruxelas está para a Europa como Washington
está para os Estados Unidos, de alguma maneira. É uma coisa longínqua. E por
isso é que as pessoas não fiscalizam tanto e não acompanham tanto. Mas não quer
dizer que não haja legitimidade democrática. Ela existe.
Nuno Matias
Tem agora a palavra, pelo Grupo Encanado, o João Pedreda.
João Pedreda
Bom dia. Aqui, na Universidade de Verão do ano passado,
disse que o ar democrático em Portugal hoje é mais respirável e nós somos um
país mais decente. Depois, passado um ou dois dias, veio reiterar e dizer que
em 2015 este ar era muito mais limpo do que era em 2009 ou em 2011.
Antes de mais, gostaria de saber onde é que 2016 se
inclui nesta tabela toda e como se compara. E se está no plano próximo fazer
alguma coisa sobre o ar, nomeadamente da cidade do Porto.
Obrigado.
Paulo Rangel
Lá o ar não está poluído.
Eu acho que nesse particular não houve nenhum
desenvolvimento deste então. Não acho que as coisas tenham mudado. Acho, sem
dúvida, que, com tudo aquilo que fez o governo anterior, a ideia de
promiscuidade entre os poderes, entre a separação do poder económico e do poder
político, melhorou muito.
Este governo, ao estatizar tantas coisas, o caso da TAP,
o caso dos transportes, etc., ao envolver-se como se envolveu nas questões da Caixa,
com as trapalhadas que fez, etc., está a dar algumas pistas para uma futura
promiscuidade. Mas eu, sinceramente, não acho que, até ao momento, nós
estejamos naquele ambiente que José Sócrates criou e que era, claramente, um
ambiente de claustrofobia democrática, como eu em 2007 disse. Acho que não
estamos aí.
Mas, em termos de democracia, e de clara separação entre
a esfera económica e a esfera política, entre a esfera mediática e a esfera
política, temos de estar sempre vigilantes. Temos de estar sempre vigilantes.
E devo dizer que são conhecidos alguns tiques
autocráticos do primeiro-ministro. Eu recordo-me que houve, ainda antes das
eleições, aquele SMS para o João Vieira Pereira, por causa de um artigo de que
ele não gostou. Portanto, o primeiro-ministro não gosta que o contrariem. É
pouco dado… tem esses tiques. Mas até agora, sinceramente, eu acho, que até
este momento nós não temos ainda, felizmente, a situação que tínhamos nos anos
de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, que foi uma situação, eu diria de uma espécie
de "venezuelização” da democracia portuguesa, um certo "chavismo” à portuguesa,
que eu acho sinceramente que se conseguiu erradicar, e que isso se deve muito
ao cuidado e à decência que impôs no país o primeiro-ministro Passos Coelho.
E quanto ao Porto, não percebo muito bem a pergunta,
porque não vejo lá nenhuma dessas realidades presentes.
Nuno Matias
Muito obrigado. Tem agora a palavra, pelo Grupo Rosa, o
Artur Teixeira Gomes.
Artur Teixeira Gomes
Muito bom dia. Senhor deputado, nas últimas semanas, em
França, temos vindo a assistir a atos de xenofobia, nomeadamente das
autoridades, contra as mulheres muçulmanas, nas praias, na utilização do
chamado "burkini”.
O que eu venho perguntar ao senhor deputado é qual é o
papel das autoridades europeias, e nomeadamente da União Europeia, para a
prevenção destas restrições de liberdades a que estamos a assistir nos Estados
membros.
Muito obrigado.
Paulo Rangel
Em primeiro lugar, eu recuso-me, em qualquer caso, a considerar
que a atuação das autoridades francesas é xenófoba. Porque a justificação não é
nenhuma justificação xenófoba, nem é antimuçulmana, é uma justificação mais de
segurança e de proteção, até, num certo sentido, dos direitos das mulheres.
Embora eu ache essa uma má decisão, não acho que ela seja
xenófoba nem ela tem uma intenção xenófoba. É a minha opinião.
Vamos cá ver. Isto são questões muito delicadas. Eu
lembro-me sempre da primeira vez em que me confrontei com este problema. Eu
vivi em Frankfurt por dois meses, em 92 ou 93, talvez 93, e lembro-me que,
frequentando os meios universitários, havia na altura um grupo de uma esquerda
alternativa – depois vieram a ser os Verdes – que era muito defensor dos
direitos dos imigrantes, e nomeadamente dos imigrantes turcos. Portanto, fazia
uma grande defesa dos imigrantes turcos e era um movimento alternativo à
esquerda, que tinha uma grande implantação, e que depois até veio a dar origem
a um grande partido alemão, hoje, e já foi governo e é governo em muitos dos Estados
federados alemães, que é o partido "Os Verdes”.
Um belo dia, no Bild ,
que é um jornal tipo tabloide vinha uma notícia em que um pai na cidade de
Frankfurt, um pai turco, proibiu as duas filhas, de seis e sete anos, de irem à
escola. Porque ele dizia que as mulheres não precisavam de saber ler e escrever
para nada.
E eu vi o incómodo que esse grupo alternativo teve em
gerir isto. Porque, por um lado, queria muito respeitar a cultura turca, e a
cultura muçulmana e os direitos dos muçulmanos a terem a sua identidade
cultural e civilizacional, etc. Mas, por outro lado, estávamos a oprimir os
direitos das mulheres. Portanto, isto é uma discussão muito complicada, porque
há limites.
Há certas pessoas da África Ocidental, ali da zona da
Guiné, do Senegal, do Gabão, por aí fora, que lhes dirão que a excisão genital
feminina é uma coisa cultural. E nós achamos que isso é uma barbárie cometida
contra as pequenas crianças do sexo feminino africanas. Portanto, onde é que
está o limite? Eu acho que tem que haver aqui um limite, realmente, de direitos
humanos.
De facto, a forma de as pessoas trajarem, desde que ela
não ponha em causa a identidade, de um lado, e por outro lado a própria
segurança, eu acho que realmente não devia ser objeto deste tipo de proibições.
Estou de acordo com isso. Mas daí a considerar isso xenófobo, não acho. Porque
os limites são muito pouco claros. São mesmo questões de fronteira. São
questões de fronteira.
É que depois nós podemos ver coisas absolutamente
extraordinárias. Por exemplo: nós vimos, também no final dos anos 90, que,
tanto na Áustria como na Holanda, o movimento de extrema-direita era liderado
por um ativista gay, contra as minorias. Porquê? Porque os muçulmanos tinham
uma hostilização aos homossexuais de tal ordem que eles, no fundo, sendo uma
minoria ocidental estavam contra as minorias muçulmanas que oprimiam os
direitos dos homossexuais.
Nós estamos aqui perante situações que são muito de
fronteira, e portanto eu não seria categórico no sentido de chegar aqui e dizer
"isto é tudo um absurdo e não tem sentido nenhum”. Isto põe limites, porque nós
sabemos que, evidentemente, em muitos casos, as mulheres são obrigadas a trajar
dessa maneira e elas não queriam trajar-se assim. Mas não há maneira de nós as
resgatarmos para lhes darmos a liberdade de elas se trajarem como querem.
Portanto, isto é uma questão muito complicada. É uma
questão, sinceramente, muito, muito complicada. Eu acho que é contraproducente
o que fizeram alguns municípios franceses, acho que é contra os direitos
fundamentais das pessoas, acho que o "burkini” não põe em causa as questões de
identidade nem as questões de segurança, e nesse sentido está dentro da
liberdade da pessoa se exprimir também pela forma como se veste, mas, cuidado,
que nestas discussões, ser extremamente simplista, levar as coisas todas muito
a preto e branco pode levar-nos a situações muito complexas. É preciso ponderar
todos os interesses.
Eu, por exemplo, considero patético que em Inglaterra se
diga que se tenha de mudar os uniformes dos polícias para os sikhs poderem
andar com o turbante. Acho uma coisa que não tem pés nem cabeça. E também me
podem dizer, eles têm direito a usar o turbante e vamos mudar o uniforme dos
polícias para eles poderem usar o turbante. Ou, como alguns juízes já
defenderam, aceitar que a Sharia se pode aplicar em determinados tipos de
resolução de conflitos. O que eu acho que é uma coisa inaceitável.
Isto são questões muito delicadas, e não são questões de se
chegar aqui e faz-se um artigo de jornal e já está! Eu até alinho completamente
pela visão que têm, mas nunca classificaria como radical ou xenófoba a medida
que foi tomada por alguns municípios franceses.
Poderia dizer: é uma medida infeliz, talvez não seja a
mais adequada. Mas ela não é uma coisa totalmente insensata, não é uma coisa
que caia do nada, não é uma repressão, nem é uma vingança, nem é nada disso.
Nem é uma discriminação nem é isso que pretende ser. Depois, se é a melhor
medida a tomar, eu penso que não é. Penso que é preferível mantermos aqui este
consenso. Mas cuidado com os simplismos nesta matéria.
Nuno Matias
Tem agora a palavra, pelo Grupo Verde, o Gonçalo Silva.
Gonçalo Silva
Antes de mais, muito bom dia a todos. Dr. Paulo Rangel, a
pergunta que lhe faço exige um certo exercício imaginativo e também crítico ao
mesmo tempo.
E é a seguinte: no clímax, seja ele amanhã, daqui a dez
anos, ou daqui a cem anos, ou seja, no ponto em que a Europa vai estar mais
evoluída, onde é que ela vai estar, como é que ela vai ser? E não lhe pergunto
isto estritamente ligado à questão de será federal, não será federal? Mas
também relacionado com outras matérias. Política monetária, política económica,
território… No clímax, onde é que vai estar a Europa, na sua opinião?
Paulo Rangel
Não faço a menor ideia. Apelou à minha imaginação, e eu
até me considero uma pessoa imaginativa, mas depois de me dizer isso acho que
não sou, não sou capaz de imaginar.
Há uma coisa que eu queria chamar a atenção. E para mim é
o facto fundamental para olhar para o futuro da Europa, que é a demografia.
Alguém disse alguma vez, com alguma graça, que a demografia é a única ciência
social exata, porque é aquela que nunca falha.
Se nós pensarmos que, no início do século XX, um em cada
vinte humanos era africano, e um em cada cinco humanos era europeu, e que, em
2050, um em cada cinco humanos será africano e um em cada vinte será europeu,
isso quer dizer que se mudou por completo o termo de relação entre a Europa e o
resto do mundo. Certo?
Portanto, o que nós de pensar é que, provavelmente, esta
Europa de europeus, tal como nós os conhecemos, daqui a cem anos não existirá
com estas características, porque nós temos uma crise demográfica gravíssima. E
isso é um facto que não é suscitável de ser revertido facilmente. Há países que
conseguiram grandes resultados – é o caso dos países escandinavos -, mas eu
diria que a tendência geral é uma tendência para o envelhecimento da população.
Uma vez, num seminário para que me convidaram, era orador
o atual dean , ou deão, o reitor de
Fontainebleau, que é um indiano. Ele esteve a falar muito sobre os países
emergentes e sobre o avanço dos países emergentes - isso já foi há cinco ou
seis anos -, a China, a Índia, o Brasil, a Rússia, a África do Sul, como é que
eles iam evoluir. E como ele era indiano e falou imenso da China, e do sucesso
da China e do futuro da China, alguém com intuito muito provocador, disse-lhe
assim: o senhor reitor, desculpe, mas diga-me aqui uma coisa (reitor do INSEAD,
aquela grande escola de negócios de que, aliás, foi diretor também o António
Borges, antes dele, e criou a escola em Singapura, também, que é ali perto de
Paris), e perguntaram-lhe: mas quem é que acha que vai vencer isto? Vai ser a
China ou vai ser a Índia? Claro, aquilo era muito provocador para ele, porque
ele era indiano e tinha estado a fazer o elogio da China e tinha falado muito
pouco da Índia.
E ele respondeu de uma forma muito curiosa e que nos
ajuda a perceber a importância da demografia para a questão europeia, que é: a
China vai ficar velha antes de ser rica e a Índia vai ficar rica antes de ser
velha. E isto mostra como a demografia é fundamental. Não é por acaso que a China
já mudou a política de uma família, um filho. Mudou há dois anos, ou assim.
Passou a permitir dois. Porquê? O que acontece na China é que, a prazo, vai ter
toda a gente com mais de sessenta anos … é o caso português, não é?
Como sabem, a Standard & Poor’s também veio com isso.
Veio dizer que 24% do PIB, em 2050, seriam gastos só com segurança social.
Porque a pirâmide demográfica em Portugal está totalmente invertida. Isto será
um país essencialmente com pessoas com mais de 60 ou 65 anos. E isso é fatal.
Não é possível haver progresso nem desenvolvimento num país em que a massa
crítica das pessoas tem uma média etária muito alta.
E o que vai acontecer à Europa é isso. Vai haver pressão
demográfica. Se nós pensarmos que metade das pessoas na Argélia tem menos de
quinze anos… essa gente tem de ir para algum lado. Se nós pensarmos que na
Índia há mais de seiscentos e cinquenta milhões de pessoas com menos de 24
anos; e há mais de oitocentos e cinquenta milhões de pessoas com menos de 35.
Quer dizer, na Índia há mais pessoas com menos de 35 anos do que a população da
Europa e dos Estados Unidos junta. Esta gente tem que ir para algum lado.
Certo? Eles não vão ficar todos lá.
Por isso é que a demografia é uma ciência social exata.
Agora, nós podemos construir um muro pago pelo México. Uma das coisas que
proponho é fazer um muro no Mediterrâneo pago pelo México, assim uma coisa à
Trump. Mas há um dia em que a pressão vai ser tal que o muro vai abaixo. Não se
pára o vento com as mãos.
E por isso é que a senhora Merkel era inteligente na
questão dos refugiados. Porque já que eles têm de vir é possível regular,
acolher, integrar, encontrar formas também de fazer desenvolvimento nos
próprios sítios. É preferível isso.
Para mim a grande mudança da Europa vai ser uma mudança
demográfica e, portanto, nós temos que estar preparados para isso.
Segundo aspeto para que eu chamaria a atenção, e que tem
a ver, curiosamente, também, com o problema português, que é o problema do
investimento. Não há investimento – não há investimento, não há futuro.
Nem que nós triplicássemos agora as verbas para
investigação e desenvolvimento na Europa, atingiríamos, nos próximos dez anos,
o desenvolvimento tecnológico que têm os Estados Unidos, em toda a Europa. Nós
investimos imenso em investigação e desenvolvimento, mas é tradicional, não é
disruptivo. Num seminário que eu organizei no think tank do PPE em Berlim, alguém dizia que se 10% do orçamento
da Audi – não era do Grupo Volkswagen, era só da Audi – que é gasto em
investigação, inovação e desenvolvimento, fosse aplicado em start-ups, o ninho
de start-ups de Berlim era maior do que o de Silicon Valley.
E se fosse 1% das empresas alemãs, do orçamento só para
investigação… A Alemanha aposta em investigação, mas é investigação
tradicional. Se nós olharmos para um carro, qual é a evolução tecnológica de um
carro? O carro está como no século XIX – tem quatro rodas, tem um volante. Não
aconteceu o que aconteceu com os computadores, o que aconteceu com a internet,
o que aconteceu com os telemóveis – não aconteceu isso nos carros. Poderá estar
agora a acontecer com os carros sem condutor e com os carros voadores que,
entretanto, para aí estão a pensar fazer.
Nós também não estamos a apostar nessa batalha decisiva.
Porque uma coisa é inovação, e outra coisa é inovação disruptiva, que é a das
start-ups. Que é aquela que verdadeiramente agita e muda as coisas. A outra
aperfeiçoa, torna mais seguros, mais rápidos, mais céleres, mas está sempre
dentro do mesmo padrão, não está com padrão de mudança. De sair fora da caixa.
E porque é que a Europa é assim? Porque, como a Europa
está velha, é conservadora. É que a demografia está ligada a isto. Se a Europa
tivesse uma massa crítica jovem muito alta, a tendência para inovar seria muito
maior. Mas estando ela envelhecida, a tendência é para conservar.
Alguém dizia uma vez, criticando a política da senhora
Merkel, que a política europeia estava condicionado pela política alemã,
económica e tal, porque a senhora Merkel tinha que governar para os
pensionistas alemães. E os pensionistas alemães não queriam riscos. Como não
queriam riscos, ela tinha de ter uma política económica muito conservadora.
Porque a grande preocupação dos pensionistas alemães é não perderem a sua
pensão. Eles não estão a pensar no que vai ser o crescimento da Alemanha daqui
a quarenta anos. Porque daqui a quarenta anos eles não estão cá. Eles estão a
pensar é se a sua pensão se conserva até eles fazerem 90.
Portanto, a questão demográfica, para mim, é que é a
questão essencial. E o que é a demografia? Não é apenas aumentar a natalidade.
É saber como integrar quem vem de fora, quem é que deve vir de fora, como é que
nós construímos essa sociedade? É preparar tudo isso. Esse é que é o grande
desafio estratégico para os próximos trinta a quarenta anos.
Nuno Matias
Para finalizar a ronda de perguntas, pelo menos a ronda
que estava sorteada, o Grupo Cinzento, Diogo Oliveira. E pedia a quem tenha
interesse em fazer questões na fase do catch
the eye que me fosse dando indicação.
Diogo Oliveira
Bom dia. Muito obrigado pela excelente aula e pela
avalanche de conhecimento a nível europeu que nos veio proporcionar aqui hoje.
Em casos como o Brexit, ou até mesmo como o que está
acontecer em França com a Marine Le Pen são vislumbrados os blocos eleitorais
de que falou, ou seja, a nível das classes da pirâmide social. Mas eu julgo que
existem também blocos eleitorais relacionados com a faixa etária.
E a minha pergunta é esta: não estará uma espécie de um
conflito intergeracional também por trás do crescimento das políticas
populistas na Europa?
Paulo Rangel
Esta pergunta é muito difícil de responder, não porque
seja difícil dar uma resposta, mas porque ela põe um problema que eu,
sinceramente, creio ser um problema errado.
A questão é: há ou não há um conflito geracional em
termos políticos? Eu sinceramente não acho que haja. Eu acho que nós temos
diversidade política nas várias camadas geracionais.
Agora, há sem dúvida, um problema que é o problema do
Estado Social e que, no fundo, está ligado à questão anterior, que é a
sustentabilidade da Segurança Social. Esta é que é a grande questão. Porque,
evidentemente que nós, tendo camadas sociais mais velhas, temos que assegurar a
sua sobrevivência. E muitas delas já não são capazes de trabalhar. Porque têm
doenças, porque estão cansadas, porque têm menos faculdades. São pessoas
perfeitamente integráveis, altamente úteis à sociedade, podem desempenhar um
grande papel, mas não como força produtiva ou laboral, no sentido tradicional
do termo.
Estas pessoas contavam com um determinado quadro para a
sua segurança social. Evidentemente que, com as crises económicas e financeiras
graves, isso começa a ficar em causa. Portanto, elas exigem e querem essa
proteção.
O que é que acontece? Acontece que, com o desemprego que
existe, as camadas mais jovens têm muita dificuldade de acesso ao mercado de
emprego. E cria-se esse conflito: a ideia de que, dos cinquenta anos para cima,
as pessoas têm todos os direitos sociais; e dos cinquenta anos para baixo as
pessoas não têm nenhuns direitos sociais. Isto é um paradoxo que não é novo,
isto aconteceu em Portugal com o caso da lei das rendas, que eu referi há
pouco. E por este caminho, vamos voltar outra vez… nem sei como é que António
Costa cai nisto. Porque António Costa, que foi autarca, sabia muito bem o
problema que as cidades tinham por causa da lei anterior. Como é que ele agora
se deixa ir nesta cantiga? Claramente está refém, como eu disse, refém da
esquerda populista, porque eu não acredito que ele pense que isto é uma boa
medida.
Mas quanto às rendas, o quê que nós víamos? Os que tinham
rendas antigas estavam com rendas dos anos setenta. Os pobres que entravam no
mercado de arrendamento, tinham rendas altíssimas. Portanto, isto era de uma
injustiça atroz.
E o mesmo acontecia, curiosamente, no mercado de
trabalho. Quem tinha um contrato feito há bastante tempo, tinha um contrato
blindado. Não podia ser despedido em caso nenhum. E quem entrava no mercado de
trabalho, só tinha contratos a prazo, portanto estava despedido a prazo, de
seis em seis meses, ou de dois em dois anos, ou de ano em ano. E ponto final.
De facto, há aqui uma fratura, que é: neste novo mundo
que nós temos, em que o modo de trabalhar e de operar é totalmente diferente,
em que há muito mais uma perspetiva de trabalho quase que liberal, os jovens
estão muito mais desprotegidos do ponto de vista social do que estão os mais
velhos. Eu estou a falar em termos europeus, porque no caso português a questão
talvez se ponha com outros contornos ainda.
Eu dou um exemplo. Nós hoje o que que temos? Nós temos a
Uber; os taxistas era uma solução rígida, a Uber é uma solução flexível. Nós
agora temos o Airbnb; dantes as pessoas para arranjarem um hotel ou um
alojamento tinham que ir a uma agência de viagens. Agora, não só fazem
diretamente pela internet já as suas reservas, as agências de viagens
praticamente ficaram só para excursões, já não dá para mais nada, como ao mesmo
tempo, em muitos caos, até diretamente contratam com particulares o seu
alojamento. Que é o caso do Airbnb.
De repente nós estamos a mudar de paradigma do ponto de
vista do funcionamento da economia. Tudo isto vai liberalizar… Os jovens, que
são quem acede basicamente a este novo mundo de serviços, estão numa situação
que, depois, em termos de direitos, por exemplo, de consumidor, etc., estão
muito mais desprotegidos do que estavam anteriormente.
Há aqui, de facto, uma clivagem geracional, mas eu acho
que ela não tem uma tradução política imediata.
Há uma coisa que é evidente: a velha regulação que nós
temos, não serve para este novo mundo. E é isto que o Partido Comunista não
percebe, é isto que o Bloco de Esquerda não percebe, e é isto que o Partido
Socialista devia perceber, mas preferiu, para salvar a pele, não perceber.
Agora, há uma questão que é essencial afrontar e que é
essencial defrontar. É a questão da segurança social e de como pagar a
segurança social. Nós temos de ter segurança social. Nós temos de ter apoio aos
desempregados, apoio aos reformados, apoio às pessoas com deficiência, etc.,
etc. Nós temos de ter isso. Agora, temos de saber como é que vamos pagar isso.
E este governo está a meter a cabeça na areia. António Costa está a fugir a
este debate como o diabo da cruz. E este é um debate essencial. Não é por acaso
que a Standard & Poor’s vem levantar esta questão nestes dias.
É porque este é que é o debate crucial para Portugal. É
este debate. Que, mais uma vez, caros amigos, tem a ver com as contas. Não há
liberdade se não houver alguma autonomia económica. Isto acontece a cada um de
nós e acontece também aos países, aos Estados, às nações. É uma coisa
fundamental. E o caminho que nós levamos é um caminho mau.
Eu até digo aqui com alguma ironia: hoje vem aí uma
notícia de que o PS está quase na falência, como partido. Pois se o PS não se
governa a si mesmo, como é que há de governar o país? Esta é que é a questão.
[Aplausos]
Este é o caminho para que nós vamos.
E com esta termino a fase das perguntas oficiais.
Nuno Matias
Muito obrigado. A primeira ronda do catch the eye , tem a palavra, pelo Grupo Laranja, o Vítor
Nascimento. E tem a seguir a palavra, pelo Grupo Castanho, o João Coelho.
Vitor Nascimento
Olá, Paulo. Muito obrigado pela tua palestra. Acho que qualquer
um de nós poderia ficar horas e horas a fazer-te perguntas, porque é um tópico
superinteressante. Vou tentar ser o mais breve possível. Assisti a umas
quantas, portanto…
Paulo, mencionaste que na Áustria quem mais votou no FPO,
o partido populista, foram as aldeias que não têm imigrantes. Agora, de uma
forma… de alguém que vota nesse partido, vou-te fazer perguntas que podem ser
talvez inconvenientes.
Pode ser porque os imigrantes que votam nas grandes
cidades já são suficientes para virar a balança? Pode ser porque as pessoas que
vivem nessas aldeias olham para as grandes cidades e notam alguma perda de
identidade da cidade e, como tal, não se identificam? Existe algum efeito da
chamada silent majory , que se vê
também no efeito Trump, e agora na Suécia também existe o SD que tem feito
diversas propostas anti-imigração. O atual governo tem legitimado e
implementado algumas das suas propostas; será que isso faz a legitimação do SD
enquanto partido?
Obrigado.
João Coelho
Bom dia. Obrigado pelos vários pontos que levantou. Eu
tinha aqui uma questão e uma pequena provocação. Vou tentar lançar as duas.
A questão é: falamos da legitimidade da União Europeia em
geral que é democrática, portanto, não há essa questão da não democratização.
Temos eleições para o Parlamento Europeu e depois daí pinga tudo para o resto.
Mas as eleições para o Parlamento Europeu são feitas a nível nacional, em
contextos em que, muitas vezes, os resultados acabam por refletir os contextos
nacionais e não necessariamente os contextos europeus.
E a pergunta que eu queria deixar é se vê espaço para, no
futuro, existirem partidos que podemos chamar pan-europeus, que tenham uma
agenda europeia e não nacional, e o Parlamento Europeu não é apenas uma
agregação de partidos nacionais mais ou menos próximos ideologicamente, mas um
próprio partido com uma visão europeia.
Isso é a pergunta. A provocação, enfim… Disse agora mesmo
ao fim que… a questão dos pensionistas alemães, que eles não querem saber o que
é que vai acontecer daqui a quarenta anos com a Alemanha. E foi também um
argumento que ouvimos também no caso do Brexit. Os velhos é que votaram para
sair, os novos queriam votar para ficar, portanto, se calhar os velhos não
deviam estar a decidir o que vai acontecer aos novos daqui a trinta ou quarenta
anos.
E a minha pergunta é se temos aqui uma hipótese de pensar
num modelo em que o voto não vale a mesma coisa para todas as pessoas, tendo em
conta o que vai acontecer no futuro. Obrigado.
Paulo Rangel
Começando já por esta última pergunta, porque ela é,
apesar de tudo, de fácil resposta: isso é impensável. Do meu ponto de vista, one man one vote , ou one woman one vote , portanto, isso é
impensável. As pessoas com mais idade têm tanto direito… porque, no fundo, o
que se pergunta às pessoas é o que elas pensam para os próximos anos. E elas,
com a sua experiência, podem ter um contributo para pensar o que é melhor para
os próximos anos para os outros. Portanto, isso do meu ponto de vista é
impensável.
Eu acho que, apesar de tudo, se exagera um pouco nessa
questão nessa questão novos/velhos. Isso é a tal caricatura que se faz mas que,
apesar de tudo, mostra uma coisa que, para mim, essa é que é muito importante,
que é a questão demográfica. De facto, o balanço demográfico devia ser outro, e
se fosse outro, porventura, nós estaríamos noutra situação. Essa é que é a
questão.
Quanto à questão do direito de voto, no dia em que se
mexer nessa questão de uma pessoa, um voto, evidentemente que isso não é
democracia absolutamente nenhuma, e portanto está terminada a democracia de
vez. Só no Benfica é que é possível essa coisa, em que uns têm mais votos do
que outros.
Depois, ia à questão dos imigrantes, que é uma questão
importante. É evidente que a imigração, a convivência com aquilo que é
estrangeiro, cria sempre algumas tensões, isso é evidente, pela diversidade.
Depois é evidente que a diversidade não é toda igual. Isto é, quando as vagas
de imigrantes eram vagas de imigrantes de cultura europeia típica, a quantidade
de problemas era realmente menor. Portanto, quando os portugueses, os
italianos, os espanhóis e os gregos, e até alguns jugoslavos, emigraram para a
Alemanha, para a França, para o Luxemburgo, para a Suíça, para a Bélgica, para
a Holanda, para o Reino Unido, isto não gerou nenhuns problemas de convivência
em geral.
Porquê? Porque, evidentemente, eles vinham do mesmo
substrato cultural e civilizacional e isso facilitava a sua integração, ou pelo
menos diminuía a possibilidade de tensões. Quando vêm de outros quadros culturais
e civilizacionais, isso aumenta. Aí, o que eu acho que é essencial, e voltando
àquela questão dos conflitos muito delicados de direitos e de valores, é: nós
temos de ter uma red line , temos de
ter uma linha vermelha, a partir da qual não aceitamos certo tipo de
comportamentos, que são contrários àquela que é a nossa cultura. E isso eu
percebo.
O quê que nós podemos tirar, ou aspirar ou extrair de
positivo desses movimentos xenófobos, que são movimentos altamente negativos? A
única coisa que nós podemos tirar é: nós devemos ter uma defesa, também, dos
nossos valores e da nossa cultura. Nós não devemos de maneira nenhuma desprezar
as outras culturas, mas nós não podemos deixar de defender os nossos valores e
a nossa cultura.
Nós não podemos aceitar, por exemplo, que em Bruxelas, na
Grand Place, se deixe de pôr a árvore de Natal, e se ponha um monumento verde
com luzes, só para não ofender a comunidade muçulmana, porque a árvore de Natal
é um símbolo cristão. Quando, a árvore de Natal, dos símbolos cristão, é o
menos de todos. É o mais sóbrio e o mais pagão. E sinceramente isto é um
disparate completo, porque isto não tem sentido absolutamente nenhum.
Mais uma vez, há uma coisa que é preciso termos sempre
presente. Alguns dos desconfortos que nós vemos, e dos problemas, eles têm uma
razão de ser, e nós não podemos ignorá-los. Por isso, eu não acho mal que os
governos - é o caso do governo sueco, é o caso do governo austríaco, em alguns
casos – respondam, tomando algumas medidas que justamente procuram pôr as
coisas no seu lugar. A Suécia é um exemplo a vários títulos, na integração.
Mais do que qualquer outro. E, na verdade, se ela toma algumas medidas, não
será com certeza por nenhum intuito discriminatório, será apenas porque, de
facto, também há abusos.
Eu acho que aqui, mais uma vez, nós temos que fazer uma
ponderação de direitos. A nossa civilização ocidental, de raiz greco-romana,
cristã, judeo-cristã, nós não devemos pô-la entre parêntesis. Nós devemos
afirmá-la. E devemos aceitar que ela é uma cultura de tolerância e de abertura,
mas que é uma cultura que tem a sua identidade e que não a pode renegar.
Agora esqueci-me da primeira pergunta…
Os partidos pan-europeus. Os partidos europeus já existem
de alguma maneira. Mas, de facto, nós temos tentado, no Parlamento Europeu, que
ao menos a sigla dos partidos europeus apareça nas eleições europeias. Mas até
agora isto ainda não foi possível.
Não há dúvida de que, muitas vezes, as pessoas nas
eleições europeias votam por motivos que não têm a ver com as eleições
europeias. É o que acontece, geralmente, também nos referendos. Normalmente as
pessoas, nos referendos, votam, não por causa do sim ou do não, mas para
expressar um protesto ou um descontentamento com qualquer coisa que não tem a
ver com aquilo. Acontece muito isso. E isso não é uma coisa que possamos
resolver facilmente.
Há uma outra proposta, que é uma proposta intermédia. Em
vez de termos partidos europeus a concorrer nas eleições europeias, termos uma
lista que é uma lista, digamos, nacional, e uma lista que seria uma lista
europeia, transnacional. Isso depois poderia ter um problema, é que tínhamos
deputados europeus, europeus, e os deputados europeus, nacionais. E isso
poderia criar aqui também algum conflito.
Há várias soluções possíveis para tentar criar esse
espírito europeu, mas eu acho que, apesar de tudo, ainda é cedo. E há uma coisa
que nós temos de aceitar: o motivo individual por que cada um vota é sempre uma
coisa que nós não sabemos exatamente qual é. Agora, a lei dos grandes números
permite-nos tirar algumas conclusões. Portanto, nós temos que nos fiar um pouco
mais nessas leis dos grandes números do que nas motivações individuais.
Nuno Matias
Muito obrigado. Para a segunda e, em princípio, última
ronda de questões do catch the eye ,
tem a palavra o Grupo Bege, pelo Mário Cristelo, e o Grupo Rosa, pelo Tiago
Lucas.
Mário Pedro Cristelo
Começava por cumprimentar a Mesa. Senhor deputado Paulo
Rangel, a questão que lhe coloco tem que ver com o seguinte: em resposta aos
desafios da globalização, e também no contexto atual da União Europeia, será
que a criação de uns Estados Unidos da Europa e o caminhar para o federalismo,
é a melhor resposta?
E a segunda pergunta, se tiver oportunidade, prende-se
com o seguinte: tem que ver com o populismo; nós somos melhores do que eles,
nós temos melhores argumentos do que eles, só que as pessoas não acreditam que
sejamos melhores do que eles. O que está a falhar?
Tiago Lucas
Bom dia a todos. Há muito tempo que eu já não ouvia uma
visão tão cristalina sobre as circunstâncias atuais da Europa.
Mas voltando à questão da Espanha, e ao impasse político
em Espanha, há uma questão muito especial que é: Rajoy tem a possibilidade de
efetivamente formar governo. Mas, para além do apoio do Ciudadanos , pode também contar com o apoio de outros partidos
ligados ao independentismo que emerge em Espanha. Rajoy, para tentar coordenar esta
circunstância política e tentar formar governo, poderá, ou será que podemos vir
a assistir a uma federalização da Espanha? Será que uma Espanha federal é uma
solução para mitigar este efeito da tentativa de a Catalunha se despegar da
restante Espanha?
Só mais uma pequena nota sobre aquilo que é a atual União
Europeia e a possibilidade de virmos a assistir a uma grande reforma da União
Europeia. Eu já perguntei ao Dr. Jaime Gama, ainda nesta edição da Universidade
de Verão, se poderíamos vir a assistir à possibilidade de o Parlamento Europeu
ter mais poderes junto da Comissão. Fiscalizar a Comissão, acompanhar todo o
trabalho da Comissão, e digamos que seria um pouco como, à margem daquilo que é
feito no sistema político nacional, ter o Parlamento e a Assembleia da
República a fiscalizar o Governo.
Será que esta poderá vir a ser uma das soluções para
combater a ideia ou a narrativa da falta de democracia dentro da União
Europeia?
Obrigado.
Paulo Rangel
Eu, muito rapidamente, diria o seguinte. Quanto a esta
última questão, devo dizer que o Parlamento Europeu já fiscaliza a Comissão
Europeia e fiscaliza, aliás, de forma bastante forte. Há talvez uma coisa que
está em falta, que é a existência de verdadeiras comissões parlamentares de
inquérito com todos os poderes que têm as comissões parlamentares de inquérito
nos parlamentos nacionais. E tem-se trabalhado muito nisso, mas ainda não se
chegou a um modelo que seja um modelo aceitável por todas as partes. Partes, é
Conselho, Comissão e Parlamento Europeu.
Mas os poderes de fiscalização do Parlamento Europeu são
bastante efetivos. Eu diria que essa função já existe e que ela é cumprida,
aliás, do meu ponto de vista, com alguma vantagem sobre os parlamentos
nacionais, porque os parlamentos nacionais, muitas vezes, como têm uma maioria,
as fiscalizações são um bocadinho enviesadas em função da maioria. E no caso do
Parlamento Europeu, como não há maiorias absolutas, e há muita liberdade de
voto, a fiscalização eu penso que é mais efetiva. Este é um aspeto que eu gostava
de frisar.
Depois, indo para a questão da Federação na Europa, se é
possível, aquilo que eu acho é que, sinceramente, no médio prazo não antevejo
isso como possível. Eu sou um federalista, acho que a verdadeira solução para a
Europa era uma federação. Ao contrário do que toda a gente diz para aí – diz
por ignorar o que é o federalismo; há para aí umas pessoas que se intitulam de
antifederalistas, mas não sabem o que é o federalismo -, o federalismo era o
regime que mais protegeria um país como Portugal, os países pequenos e médios.
Porque tornava claro quais são as competências da União, quais são as
competências dos Estados nacionais. Portanto, repartia muito bem… até nos daria
mais autonomia em muitos aspetos do que aquele que temos aqui.
Se nós pensarmos que, por exemplo, nos Estados Unidos,
uma carta de condução tirada no Alabama não é reconhecida na Carolina do Sul ou
na Flórida, e a pessoa tem que a tirar outra vez, nós vemos que o federalismo,
nos Estados Unidos, dá grande autonomia. Os Estados, em muitos casos, não têm
sequer reconhecimentos como nós temos aqui, em que uma carta de condução tirada
em Portugal vale na Alemanha. Portanto, isto não acontece nos Estados Unidos, só
para vermos que nós, às tantas, estamos mais integrados do que pensamos.
Mas eu acho que não há, neste momento, espaço para nós
avançarmos para essa solução. Portanto, numa reforma que a União Europeia venha
a fazer, poderão fazer-se alguns progressos. Eu acho que era muito importante
fazermos progressos na questão económica e financeira, nomeadamente com a união
bancária, nomeadamente com a criação de um tesouro, com a criação até de alguns
instrumentos de dívida, futuros, etc. Tudo isto era muito importante, mas a
verdade é que vai ser muito difícil, na atual situação política, conseguirmos
os consensos necessários para esse efeito.
E eu terminaria – porque estamos quase em cima da hora –
terminaria com a questão espanhola.
Para dizer o seguinte. Rajoy nunca vai, na fase atual da
política espanhola, nunca vai negociar com os partidos autonomistas,
independentistas. Portanto, ele não vai ter esse apoio. Até porque, para ter
esse apoio, não teria dos Ciudadanos ,
que é um partido profundamente nacionalista.
Ao contrário do que se passou há alguns anos atrás, em
que tanto o PSOE como o Partido Popular, com algumas concessões ao Partido
Nacionalista basco e à Convergência e União, na Catalunha, acabaram por ter os
seus apoios no parlamento nacional e, portanto, com governos minoritários,
quase maioritários, conseguiram as maiorias necessárias para governar. Isso
hoje, tendo em conta a polarização da política das autonomias regionais,
nomeadamente da Catalunha e do País Basco, é impossível no cenário político espanhol.
Qual é a solução para a Espanha? Será ela uma solução
federal? Eu, sinceramente digo, do meu ponto de vista, é uma solução federal.
Mas eu acho que o Partido Popular espanhol não está nesse caminho.
Eu sempre defendi, não é de agora, que a questão espanhola
se resolveria com uma constituição federal, e que os espanhóis deviam ter feito
isso a tempo. Não fizeram. E isso foi um erro, do meu ponto de vista.
E foi um erro porquê? Porque, em rigor, a Espanha já é
uma federação. É aquilo a que alguns politólogos chamam o federalismo
assimétrico, quer dizer, em que há umas regiões que têm uns poderes e outras
regiões que têm outros poderes.
Mas a Catalunha, a Navarra e o País Basco têm mais
poderes de autonomia do que têm os Lander, isto é, os Estados federados
alemães. E portanto, é um disparate não ter reconhecido isto na Constituição
espanhola. Se se reconhecesse na Constituição espanhola que estávamos perante
um Estado federal, em que a Catalunha, o País Basco, a Navarra, eventualmente a
Galiza, talvez um ou outro, estou a pensar nas Baleares ou nas Canárias, eram Estados
federados, penso que grande parte do problema teria sido esvaziado com tempo.
Agora penso que as coisas estão muito polarizadas, estão muito encarniçadas, e
é muito difícil, mesmo com uma reforma desse tipo, estancar o processo.
Em todo o caso, nós temos o exemplo belga. A Bélgica
passou de uma Constituição unitária, nos anos 70, para uma Constituição
federal, que devolve imensas competências aos Estados federados, agora.
Provavelmente, a solução para o Reino Unido será essa
também. Portanto, o que vai acontecer, se se seguisse o guião de Cameron, que
foi dado na manhã do dia 24 de junho, seria justamente uma espécie de criação
de uma federação, em que a Escócia, o País de Gales, a Irlanda do Norte, e a
própria Inglaterra, eventualmente, teriam a sua própria Constituição, o seu
próprio governo, e o Reino Unido teria depois um governo federal, que trataria
de um conjunto de questão mais, digamos, nacionais: defesa, negócios
estrangeiros, e eventualmente as questões do comércio internacional, etc.
Portanto, foi um bocadinho este o guião que ele apontou.
Admito que o que até agora tem contido a Bélgica, tem sido basicamente esta
solução, mesmo assim com impasses sucessivos. Mas não deixa de ser curioso que
nós estejamos a verificar que existe alguma similitude entre o problema
espanhol e o problema belga. Porque a Bélgica também é conhecida pelo impasse
na formação de governos. E o impasse na formação de governos dá-se por causa da
dependência das forças que pretendem, nomeadamente, a independência da
Flandres.
Portanto, nós estamos a assistir àquilo a que eu chamaria
uma espécie de "belgização” da Europa. Primeiro, no Reino Unido e depois,
também, na Espanha. Aliás, muitas vezes se diz que… qual é o melhor laboratório
para a Europa? Eu acho que o melhor laboratório para a Europa é mesmo a
Bélgica. Porque a Bélgica tem o problema do Norte e do Sul, tem o problema de diferentes
línguas, tem o problema de diferentes comunidades, tem o problema dos impasses
sucessivos e de um esquema de decisão extremamente moroso, extremamente pesado,
que no fundo é o esquema europeu.
Portanto, a verdade é que a Europa não passa, em rigor,
de uma grande Bélgica. É isso que é a Europa e é isso que ameaça tornar-se a
Espanha e, eventualmente, o Reino Unido, a prazo.
Dep.Carlos Coelho
Muito bem, nós terminamos a aula da manhã. Eu vou
acompanhar o nosso convidado à saída, mas regresso porque tenho uma comunicação
para vos fazer.
Em nosso nome, em vosso nome, agradeço ao Dr. Paulo
Rangel a excecional aula com que ele nos presenteou esta manhã.