ACTAS  
 
8/30/2016
Falar Claro
 
Simão Ribeiro

Vamos dar início a uma das mais míticas e carismáticas aulas da Universidade de Verão, que é o Falar Claro. À semelhança daquilo que vai ocorrer na apresentação dos vossos trabalhos de grupo, esta é também uma aula que está vedada à comunicação social, precisamente porque a Universidade de Verão é feita a pensar em vocês. E para não se sentissem minimamente condicionados no tom das perguntas que possam colocar, e sobretudo pela natureza daquilo que aqui vai ser discutido, esta é uma aula que será fechada à comunicação social. Portanto, só cá estamos nós e sintam-se plenamente à vontade.

Um dos oradores dispensa todo e qualquer tipo de apresentação, é o nosso magnifico Reitor, Carlos Coelho.

E o nosso segundo orador tem como hobby escrever; a comida preferida, diz ele que infelizmente, todas (pois, partilhamos isso); o animal preferido é o escorpião; o filme que sugere é o "Henrique V”; e a qualidade que mais aprecia é a sagacidade.

É também comentador num programa bastante sui generis da RTP e é diretor do News Museum em Sintra. Convosco, Rodrigo Moita de Deus.

[Aplausos]

 
Dep.Carlos Coelho

Muito boa tarde a todos, estamos então no "Falar Claro”.

Como vocês devem ter reparado, há aqui um jogo semântico. "Falar, claro” porque não há política sem comunicação; e "falar claro” porque queremos que todos nos entendam.

O Rodrigo e eu estivemos a reduzir a nossa apresentação porque ela está grande demais. Cortámos mais uns slides – ainda assim ela está grande. Mas significa que não pudemos incluir na nossa apresentação uma componente que achamos que é muito importante, que é o "escrever claro”, que, no entanto, está na brochura que vos foi distribuída. Portanto, a brochura tem mais elementos e mais conteúdos do que aqueles que vão resultar da nossa intervenção aqui esta tarde.

O Falar Claro, na nossa apresentação, está dividido, assim, apenas em quatro partes.

A primeira chamada "Comunicar bem”; a segunda chamada "Contactos com a comunicação social”; a terceira "Os próprios meios”; e finalmente "Quinze conselhos para falar em público”.

E vamos começar com o comunicar bem. A primeira ideia que gostaria de sublinhar é que fazer política é comunicar.

Quem manda? Quem decide? Quem tem o poder?

Num regime como o iraniano, que é um regime teocrático, quem manda é quem tem o poder religioso.

Numa ditadura, quem manda é o ditador.

Numa monarquia absolutista, quem manda é o rei e é o sangue que determina quem manda.

Na democracia, quem determina, quem manda,... é o povo.

E como é o povo que decide em democracia, nós temos que ser eficazes na comunicação. Nós podemos ser os melhores do mundo; se não formos capazes de transmitir isso a quem decide estamos condenados ao insucesso.

E comunicar é explicar o que está a acontecer, o que estamos a fazer. Mas comunicar não é apenas falar; comunicar é também saber ouvir, estabelecer uma relação. Perceber o que as pessoas entendem, quais são os seus anseios e as suas necessidades.

A única parte teórica da nossa comunicação é recordar algo que muitos de vocês já sabem: quais são os três elementos da comunicação. E os três elementos são estes: o emissor e o recetor. Neste preciso momento, eu estou a ser emissor e vocês são recetores, mas também estão a ser emissores e eu estou a ser recetor. E aquilo que me liga a vocês é a mensagem.

O que significa que, para haver comunicação, e a comunicação é um fator determinante do nosso sucesso, seja na política, seja na vida - a nossa capacidade de comunicar, de falar e de ouvir, é essencial. Aquilo que estabelece a ligação entre os dois pontos – emissor e recetor - é a mensagem. Se esta comunicação não é feita em sintonia, ela não é eficaz.

Se eu estiver a dizer-vos exatamente o que estou a dizer, em chinês – no pressuposto de que eu conheceria o chinês – vocês não percebiam nada. E estavam vocês aqui na sala, estou eu aqui, estamos a falar exatamente nos mesmos termos, dos mesmos assuntos, mas esta sintonia não está estabelecida.

E isto vale também em Portugal. Isto é, quando nós estamos a falar português, não basta falarmos português, temos que falar na mesma sintonia.

É diferente vocês falarem para uma assembleia de jovens ou para uma assembleia de velhos; é diferente vocês falarem para uma sociedade de advogados ou para um clube de agricultores; é diferente vocês falarem na sede do partido ou falarem na televisão. Ou seja, têm que ter em atenção qual é o tipo de ambiente, o tipo de interlocutor para escolherem as palavras que querem ouvir.

Nunca se esqueçam de que, em comunicação, o que nós dizemos não é o que nos sai da boca. Em comunicação o que nós dizemos é aquilo que entra no ouvido das pessoas.

Em várias Universidades de Verão já dei este exemplo. Era deputado à Assembleia da República e falei num debate sobre educação. E se vocês forem ver as atas, está lá um discurso meu em que eu falo no recrutamento de doentes. O que é um disparate, como devem calcular. Eu disse recrutamento de docentes, mas aquilo que entrou na cabeça das pessoas, e desde logo das meninas que estavam a fazer a transcrição, foi um problema de dicção minha, seguramente, que ninguém se apercebeu no contexto, e que, de tão disparatado, deveria ter sido corrigido. Aparece lá recrutamento de doentes porque, provavelmente, foi aquilo que as pessoas ouviram. Eu posso dizer: "não, é um disparate, estávamos a falar de educação, é evidente que eu queria dizer docentes”. Mas aquilo que as pessoas ouviram foi outra coisa.

Em comunicação, aquilo que dizemos não é o que nos sai da boca, é aquilo que entra no ouvido dos outros.

E como vos disse, isto é biunívoco: vocês estão a comunicar. Não estão a comunicar por palavras, mas podiam estar, a dizer, tipo assembleia de hooligans , "muito bem” ou "concordo” ou … Mas eu estou a ver os vossos olhares. Estou a ver se vocês estão a abrir a boca, se estão com ar desinteressado ou se me estão a seguir.

Ou seja, esta capacidade de comunicação é essencial para estabelecermos um bom sucesso na comunicação entre todos. Rodrigo…

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Nós vamos tratar da parte do recetor da mensagem e, sobretudo, da forma como o cérebro reage à mensagem e assimila aquilo que foi dito ou aquilo que foi falado, ou aquilo que as pessoas vêm, na prática.

Na vossa imagem está um peixinho laranja, daqueles peixinhos simples que normalmente veem assim nos boiões em cima dos frigoríficos. O peixinho vive feliz, porque passa a vida às voltas no aquariozinho, e vive feliz porque tem uma memória de três segundos. Na prática, não se lembra de que já passou por lá antes. Portanto, passa a vida feliz às voltas.

Este é o nosso típico eleitor – tem uma memória de três segundos. Não é muito mais do que isso, mas são mais ou menos três segundos. E pior ainda: se vocês pensarem bem, as pessoas têm um comportamento absolutamente extraordinário e comportam-se mais ou menos como um rebanho de ovelhas. Pensem no eleitorado como um rebanho de ovelhas e nos partidos políticos como se fossem cães pastores, na prática, não é?

O cão pastor entra e há uma parte do rebanho que vai para a direita, há outra que vai para a esquerda, e a ovelha negra vai para o bloco de esquerda. [Risos]

E este é o vosso típico comportamento eleitoral. Na prática comportamo-nos, mais ou menos, todos como um rebanho. Aquilo que faz a diferença entre uma ditadura e uma democracia é a quantidade de cães pastores. Numa democracia são muito mais e, portanto, as pessoas dividem-se muito mais. Mas sempre em blocos e gostam sempre de seguir a sua manada.

Mas vamos falar-vos sobre um senhor, porque é importante para nós compreendermos melhor esta questão da comunicação. Pode parecer-vos estranho… este senhor chama-se António Damásio. Provavelmente já ouviram falar dele. Escreveu um livro chamado "O Erro de Descartes”. Descartes foi aquele senhor que disse: "cogito ergo sum”, portanto, o "penso logo existo”. E o António Damásio escreve "O Erro de Descartes” partindo do princípio de que não podia ser o "penso logo existo”, mas sim uma variável nova chamada o "sinto logo existo”.

Porquê? Na prática, hoje em dia, na neurologia, nós conseguimos identificar que parte do cérebro é que funciona em determinado momento. Conseguimos ver que o cérebro é dividido em partes estanques; portanto, nós tiramos um bocadinho e a pessoa deixa de falar mas continua a ouvir; deixa de sentir mas continua a pensar; continua a pensar mas deixa de sentir; ao contrário e ao contrário.

E hoje em dia os testes são de tal maneira elaborados e requintados que nos permitem descobrir coisas interessantíssimas sobre o nosso cérebro e a maneira como nós assimilamos aquilo que vemos ou aquilo que sentimos, na prática.

A primeira grande conclusão dos estudos da neurologia é que a memória visual é muito maior do que a memória auditiva. Quer isto dizer o quê? Que, na prática, mais depressa vocês se vão lembrar da cor da minha camisa do que aquilo que eu disse sobre a camisa. É mesmo assim.

Na prática, isto quer dizer o quê? Quer dizer que uma cor é identificada com determinado sentimento, com determinado princípio, às vezes com determinado partido político. Por isso é que nós associamos… vemos um laranja e já sabemos perfeitamente a que partido a pessoa pertence, sem pensarmos duas vezes sobre o assunto.

Mas a neurologia permitiu-nos retirar outras conclusões. Uma das mais engraçadas e interessantes é este efeito extraordinário de hipnose que vos queria mostrar. Isto é comum, é de senso comum… se vocês ficarem a olhar para esta imagem o tempo suficiente, o que na prática acontece é que vão ficar hipnotizados ou meio adormecidos. Isso em ciência tem um nome: chama-se zoning out. Na prática, cada vez que o cérebro se habitua a uma determinada tarefa, tipo lavar pratos – lava pratos, põe no lava-loiças, lava pratos, põe no lava-loiças, lava pratos, põe no lava-loiças - o cérebro deixa de pensar naquilo que está a fazer.

Traduzindo isto para comunicação. Se eu for um senhor muito chato, falar sempre com o mesmo tom de voz, não me mexer minimamente onde estou, o cérebro vai-se habituar à tarefa que está a fazer – que é ouvir as minhas palavras – e vai adormecer. Por isso é que há professores bons e há professores maus. Não é tanto pelo conteúdo mas sobretudo pela forma. Vocês ficam deslumbrados com a forma de uns e não julgam o conteúdo. Voltamos à questão também da memória – cruzando a questão da memória auditiva versus a memória visual. Parece cruel, mas a vida é mesmo assim.

Mas uma das conclusões mais importantes – é esta é a conclusão do próprio António Damásio, que dá título ao seu livro – é que um estímulo chega primeiro à parte do sentimento, da emoção, do cérebro, e só depois entra na parte racional. Ou seja, nós primeiro sentimos e só depois é que pensamos sobre aquilo que estamos a sentir.

Isto quer dizer o quê, traduzido outra vez em comunicação? Quer dizer que, assim que eu me levantei, ou vocês gostavam de mim ou não gostavam. Tudo o que eu disser a seguir serve para vocês validarem o vosso preconceito. Mesmo assim, eu levantei-me, vocês ou gostam ou não gostam, e só depois é que vão começar a pensar naquilo que eu estou a dizer. E isso só vai servir para reforçar o preconceito.

Parece trágico, parece que a imagem vale muito mais do que conteúdo – não é bem assim, como nós vamos ver à frente, mas é quase assim.

Deixem-me falar-vos sobre… (imagens famosas…). Deixem-me falar-vos sobre sound bytes e a técnica de sound bytes. Eu não sei se vocês conhecem… conhecem certamente o termo. Sound bytes é um termo que vem da indústria de cinema. Na prática, houve um momento na história em que a imagem era gravada, e depois gravava-se o som, e depois colava-se as duas coisas. Procurava-se o melhor excerto de som para ilustrar uma determinada imagem.

Em jornalismo - as coisas mudaram, evidentemente, conseguiu-se gravar som e imagem ao mesmo tempo – e em jornalismo, na prática, os jornalistas eram diariamente confrontados com uma decisão difícil: gravam um discurso… normalmente, em Portugal, os discursos costumam ser quase tão longos como em Cuba, portanto, uma hora de discurso, no mínimo. Não há uma hora de telejornal, portanto, eles têm que fazer uma escolha; têm que escolher qual é a melhor frase ou a frase que melhor resume um determinado discurso.

Os políticos, como não são parvos, começaram a trabalhar para essa frase. Na prática, começaram, no seu discurso, a colocar três ou quatro frases que passou a ser a mensagem ou o seu sound bytes , o seu resumo.

Sound byte tem uma conotação muito negativa, especialmente depois de o Dr. Pacheco Pereira ter ido para a Quadratura do Círculo. Mas não é, obrigatoriamente, negativo, é uma ferramenta de trabalho. Temos de ser realistas e pensar: não dá para pôr, de facto, quinze minutos inteiros de discurso num único noticiário. Portanto, ou nós nos adaptamos a essa realidade ou então, pura e simplesmente, somos excluídos dos noticiários – não é propriamente uma boa opção.

Deixem-me explicar-vos como é que se constrói um sound byte. Nós, inevitavelmente… temos aqui alguns exemplos de sound bytes , se quiserem ver alguns. Provavelmente há alguns que são familiares.

"Geringonça”, sound byte que o Dr. Portas… julgo que foi o Dr. Portas, na Assembleia da República, não foi?

"Geração rasca”, este ficou, tem décadas e ficou. Cada vez que há um problema qualquer com a juventude, lá vem o termo geração rasca.

O "ir para além da troika” – foi uma frase que marcou quase um governo inteiro, tal como outro, "que se lixem as eleições”.

"Porcaria na ventoinha”, frases… "Que se lixem as eleições”, lá está, o Dr. Passos Coelho em véspera das eleições regionais. Ficou, marcou. Aliás, é quase um símbolo de uma determinada atitude perante o governo – que se lixem as eleições.

E mais: "só em caso de invasão marciana”, ou então a palavra proibida, que é a promessa, o "eu prometo”. As pessoas dão cada vez menos valor à palavra… cada vez que um político diz a palavra "prometo”, normalmente costuma ser excluído eleitoralmente, as coisas eleitoralmente não lhe correm bem, inevitavelmente. As pessoas estão fartas de promessas, não acreditam em promessas. As pessoas não acreditam em políticos, acham que os políticos são todos iguais, e, quanto mais prometem, pior ainda. Aliás, vamos ver, ainda à frente, um pequeno exemplo disso mesmo.

Vamos ver o pequeno filme que trouxemos, a propósito das palavras e dos sound bytes e do efeito que isso tem na comunicação.

- Barack and I were raised with so many of the same values, like you work hard for what you want in life. That your word is your bond; that you do what you say you're going to do.

- My parents impressed on me the values that you work hard for what you want in life; that your word is your bond and you do what you say and keep your promise.

- That you treat people with dignity and respect, even if you don't know them and even if you don't agree with them.

- That you treat people with respect, they thought and showed me values and morals in their daily life. That is a lesson that I continue to pass along to our son, and we need to pass those lessons on to the many generations to follow.

- And Barack and I set out to build lives guided by these values, and pass them on to the next generation, because we want our children, and all children in this nation, to know that the only limit to the height of your achievements is the reach of your dreams and your willingness to work hard for them.

- Because we want our children in this nation to know that the only limit to your achievements is the strenght of your dreams and your willingness to work for them.

Para quem não sabe, a Sra. Obama é do lado esquerdo – isto é um discurso de 2008 -, e a Sra. Trump do lado direito, no discurso, este ano, de aceitação do marido.

Este é um caso de plágio. Mas não é a primeira vez que nós vemos políticos e políticas a usarem praticamente as mesmas palavras, ou as mesmas ideias, às vezes quase as mesmas frases (mais as palavras…), até quase as mesmas frases para definir uma determinada política ou uma determinada estratégia.

E porquê? Como é que isso pode acontecer? Na prática, nós fazemos um focus group (que é assim que se chama tecnicamente), juntamos quinze pessoas representativas da realidade eleitoral de uma determinada região ou do país, fechamo-las numa sala, e perguntamos-lhes de que cor é que gostam mais; o quê que as pessoas sentem quando vêm aquela cor; a fotografia – se fica melhor com barba, sem barba, se fica melhor com saias, sem saias. E por aí fora, por aí fora.

Até brincamos, às vezes, com as palavras. E por isso é que chegamos à conclusão de que há palavras que nós podemos utilizar em política e há outras que não podemos, mesmo, utilizar.

Palavras que nós podemos utilizar em política.

Novo. Novo é sempre bom; novo é uma coisa fantástica; novo é o novo Skip. O novo Skip é sempre melhor do que o velho Skip. É uma regra básica da publicidade. Novo é do melhor.

Atitude: precisamos de atitude!

Desenvolvimento: como se as pessoas não gostassem de desenvolvimento.

Confiança: as pessoas adoram ouvir falar de confiança, parece que ficam a confiar ainda mais em confiança.

Emprego. Investimento: adoram a palavra investimento, claro. Não associam nunca a custos, investimento é sempre investimento. Investimento é bom.

Crescimento. Economia. Continuar. Ou ambição. São palavras, daquelas típicas, que nós utilizamos em política, porque todas elas nos fazem despertar sentimentos bons, positivos, em relação à vida.

E depois há palavras que nós nunca podemos usar ou que devemos excluir, pura e simplesmente, do nosso dicionário.

A saber: dinheiro. Nós temos uma tradição judaico-cristã: gostamos imenso de dinheiro mas nunca falamos sobre dinheiro. Dinheiro é uma palavra proibida. Por isso, utilizamos outras palavras para definir a mesma coisa: fundos, verbas, receitas, etc. Dinheiro, não. Dinheiro é sujo. Dinheiro não se usa. Na prática, temos fundos para fazer uma determinada coisa, não temos dinheiro.

Mas há outras: obras. As pessoas estão fartas de obras. Sabem que as obras se pagam; são obrigadas a pagar impostos para pagar as obras que alguém fez.

Rigor. Rigor é mau. Rigor é sinónimo de austeridade. Austeridade significa tirar dinheiro às pessoas.

Défice. Défice é péssimo. PPPs. PPPs é perder dinheiro. Swaps, austeridade, troika, ou, então, a palavra mais maldita de todas, o prometo.

Eu trouxe-vos um cartaz muito engraçado, aliás, uma adaptação, a propósito de promessas. Este é o cartaz de 2009 do Eng.º Sócrates adaptado ao Dr. António Costa, nestas últimas eleições legislativas. Na prática, ele anunciou de facto este número: 207.500 novos empregos, o que é uma evolução em relação à anterior promessa. Parece uma coisa muito mais precisa, parece que alguém já fez as contas. 150.000 empregos, uma pessoa acha: atirou um número para o ar. Agora, 207.500 é uma coisa extraordinária. Melhor, só ir à casa decimal…

O único problema é que as pessoas não distinguem números com mais de três dígitos. Como o ordenado… há pouca gente a ganhar mais de mil euros, as pessoas nunca fazem contas para cima de mil. Baralham cinco mil milhões com dois mil milhões; aquilo é indiferente. – Ah, ele é um escroque, um bandido, roubou quinhentos milhões... É igual! Podia ter roubado cinco mil milhões, é só mais uns zeros. As pessoas só percebem até mil euros.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. E vamos para contactos com a comunicação social, e a primeira coisa, Rodrigo, é conhecer o interlocutor.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Exatamente! Nós temos um interlocutor quando falamos com a comunicação social, falamos com jornalistas, são profissionais. Têm um curso tirado, são especializados, têm uma determinada tarimba, mais ou menos experiência. E aquilo que nós não podemos ambicionar é que eles percebam a mesma coisa que nós percebemos – não percebem. A sua formação… eles tratam durante o dia de quinze assuntos diferentes. E, portanto, são incapazes de dedicar a mesma atenção, ou de ter o mesmo nível de conhecimento sobre os nossos assuntos que nós.

Portanto, não podemos esperar que o nosso interlocutor saiba a mesma coisa que nós sabemos.

Isto quer dizer o quê? Quer dizer que o nosso interlocutor tem um trabalho para realizar. Ele é um jornalista e está lá para dar notícias, não está nem para fazer fretes nem para fazer mal. Teoricamente. Nem para fazer fretes nem para fazer mal.

Tem que contar uma história e essa história tem que ser interessante e atual. Portanto, se nós estamos-lhe a contar uma história, ou a tentar vender, entre aspas, uma história, que não seja interessante nem atual, essa história não vai ser notícia. Não é um problema de bloqueio, é porque ele tem que apresentar uma notícia no final do dia.

Ele não tem que compreender aquilo que fazemos, que era aquilo que eu vos estava a dizer, não tem mesmo que compreender aquilo que nós fazemos, tem só que relatar uma história. Ele tem que saber contar histórias.

Em teoria, ou na prática mesmo, ele precisa sempre de contraditório, precisa de um conflito. Portanto, não basta, ou cada vez menos bastará contar a história pela positiva, precisa de ter sempre o contraditório. Isso significa que, por muito irrelevante que seja o contraditório, ele terá sempre que ouvir a outra parte ou alguém que não concorde connosco. E se esse alguém for muito importante, mais relevo vai ter a história, porque o conflito gera audiência, obrigatoriamente.

E depois, básico dos básicos, precisa de um título. Precisa sempre de um título. Ainda agora, a entrevista da Catarina Martins deu imensa polémica por causa do título. Houve quem dissesse que aquilo tinha sido uma maldade que foi feita à Catarina Martins porque ela não tinha usado o termo geringonça, etc., etc. etc.

O jornalista precisa sempre de um título – sempre. Portanto, ou nós, políticos, ou quem está a trabalhar nesta área, lhes dá o título, ou têm eles que criar. Quando nós não damos os títulos, normalmente acontecem umas desgraças. Carlos…

 
Dep.Carlos Coelho

Se nós não tivermos um título, podemos ter um caso. Isto é, podemos vender para um jornalista, não um título, uma ideia, mas uma história, um caso, que suscita atenção.

O exemplo que nós vamos dar foi uma criação do Nuno Matias. Na altura houve um ministro socialista que disse, a propósito da construção do aeroporto, que na margem sul aquilo era um deserto. E o Nuno e a JSD reagiram com este cartaz que dizia: "Na margem sul só conhecemos este camelo”, que era, na prática, o ministro; era um camelo cor-de-rosa, que era uma forma delicada de chamar camelo ao ministro.

O que teve impacto na comunicação social, no entanto, foi o facto de terem posto um camelo real em frente ao outdoor. Porque a história já era conhecida dos jornalistas, aquilo já não era novidade, portanto já não havia um título para vender, aquilo já tinha sido vendido. O que havia para vender era um caso, e o caso era ter um camelo autêntico, um camelo em pele e osso, em carne, para apresentar aos jornalistas.

Alguns conselhos para terem em conferências de imprensa.

A primeira pergunta é se é necessário fazer. Se vocês não precisam, não convoquem uma conferência de imprensa.

A segunda é se os jornalistas vêm, ou seja, se vocês têm alguma coisa de concreto para vender. Se acharem que é arriscado, é melhor não fazerem. Não há nada mais ridículo do que convocar uma conferência de imprensa e aparecerem zero jornalistas. O segundo é se fizemos uma coisa ontem. Tivemos um líder do partido que chegou a fazer três conferências de imprensa por dia. Isto cria alguma rarefação, os jornalistas começam a chatear-se. Nós, no plano local e digital, não podemos fazer conferências de imprensa todos os dias.

Finalmente, escolher um dia e hora. E isso é particularmente relevante nos jornais regionais. Por exemplo, se se tratar de um semanário que sai às quintas-feiras, não é boa ideia dar a conferência de imprensa numa sexta-feira, porque vai demorar a semana toda e pode já não ser notícia. Se o jornal sai à quinta, é melhor dar ou na quarta, ou na terça, ou na segunda, em função do dia em que ele fecha a redação.

Fazer uma convocatória com, pelo menos, cinco dias de antecedência; confirmar, na véspera, através de telefonema; ter em atenção o tamanho da sala, nem demasiado pequena, nem demasiado grande. E atenção à luz, não há nada pior do que fazer fotos em contraluz. Aquela ideia de nós fazermos conferências de imprensa com os meninos todos com a janela aberta por trás dá asneira, porque as fotos ficam uma porcaria.

E finalmente o décor. O décor é muito importante. Imaginem esta sala onde nós estamos hoje, sem nada disto, com as paredes brancas. Ou os pilares que vocês têm aí na sala, em vez de estarem decorados com a Universidade de Verão, serem pilares brancos. O impacto da sala, não apenas para nós, mas para a comunicação social que nos vê, seria completamente diferente.

Nós fizemos este exercício: este é o António - agora é seminarista, foi um membro da organização da Universidade de Verão -, a dar uma conferência de imprensa. E o mesmo António a dar a conferência de imprensa neste registo. Ou seja, a existência do décor valoriza imenso a imagem.

Outros cuidados a ter. Entrevistas: vejam se há algo a dizer mesmo e se têm fotos. Com a imprensa local e regional, nem sempre o jornalista vai com fotógrafo – se tiverem fotos para dar, é melhor.

Na rádio, usarem voz firme. Usar notas, mas não ler. Na rádio, vocês não estão a ver quem está a falar, as pessoas distinguem quando se está a falar autenticamente ou quando se está a ler um texto.

Muito cuidado com a qualidade do som. Uma das coisas boas que nós temos na Universidade de Verão é a qualidade do som. Não há nada mais irritante do que o som mau. Ou porque não chega a todos ou porque tem problemas. O problema mais conhecido é o feedback, é aquele guincho quando há uma ligação entre a origem do som e as colunas. Arruína qualquer sessão.

Eu assisti, no Porto, a uma sessão do então candidato Cavaco Silva, em que ele desistiu. Porque, quando ele se afastava do microfone, mais de metade da sala não ouvia. E quando ele se aproximava do microfone fazia "hiii, hiii”, e as pessoas levavam as mãos aos ouvidos e ele não conseguia ser ouvido nem de uma maneira nem de outra.

E como dizia há pouco o Rodrigo, vocês têm que pensar no título, na mensagem, e o ideal é fazer press release , não vamos falar disso, têm um exemplar de press release no vosso manual.

Se forem à televisão, atenção, usem roupa escura, evitem padrões, inclinem o corpo ligeiramente de frente para a câmara, nunca olhem diretamente para a câmara, olha-se para o entrevistador ou para os outros participantes num debate. E relaxem e sorriam porque, dizem os cientistas, os eleitores gravam mais na memória a imagem de um político que sorri do que de um político que faz a cara feia. Portanto, é sempre melhor sorrir do que fazer um esgar inconveniente.

Como falar com jornalistas? Mensagens chave.

O Rodrigo gosta muito de dizer que o trabalho de um entrevistado é comunicar mensagens chave e não é responder a perguntas. Evidentemente que isto tem de ser doseado. Mas, muitas vezes, o jornalista faz perguntas inconvenientes. Se vocês têm uma mensagem forte para lançar, vocês concentrem-se só nessa mensagem.

Eu o ano passado fiz uma brincadeira. Imaginem que a minha mensagem, imaginem que eu estou a ser entrevistado na televisão e que a minha mensagem é dizer que o Rodrigo é um ás na comunicação… o que, aliás, é verdade. E o jornalista vai-me perguntar: então, Carlos Coelho, você vai dar a aula do Falar Claro? – Sim, sim. Mas vou com o Rodrigo Moita de Deus, que ele é um ás em comunicação. O jornalista passa de conversa e pergunta se eu não acho que o Governo não está a passar a mensagem muito bem. Se o António Costa não devia ser mais eficaz? Eu disse: com certeza; sabe qual é o problema dele? É que não se aconselha com o Rodrigo, porque o Rodrigo é um ás na comunicação. Ele depois muda de assunto e diz: não acha que a Igreja Católica está com um problema de falta de vocações? Eu digo: ora aí está. O Papa devia falar com o Rodrigo, porque o Rodrigo é um ás na comunicação.

E o entrevistador já está chateado comigo e disse: vamos mudar de assunto, vamos falar de futebol? Você, quem acha que é melhor jogador? É o Messi ou o Ronaldo. Eu penso e digo: eu acho os dois muito bons, mas, para falar a sério, o Ronaldo a jogar futebol é como o Rodrigo na comunicação.

Eu não saio daquilo que quero dizer. Eu arranjo maneira de meter a minha frase, a minha mensagem nas respostas que o jornalista me quer fazer.

Depois, coisas básicas. Falar para o público, o jornalista é um mero intermediário. Ser direto, claro e breve. Não falar com exasperação, falar com classe. E não dar respostas evasivas, elas traem fragilidades.

E depois há um conceito que alguns de vocês já ouviram, que é o conceito do "kiss”, que começou por ser originariamente "keep it simple, stupid” e que os marketers passaram, arredondaram, para "keep it short and simple”. E isto é a mensagem essencial da comunicação. Se vocês tiverem uma comunicação clara, curta e simples, ela é entendida por todos. E passamos à terceira parte, aos próprios meios.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Esta parte é aquela em que vocês se queixam amargamente que os jornalistas não vos ligam nenhuma, o que não é mentira nenhuma. De facto, os jornalistas raramente ligam, ou ligam cada vez menos à política, porque estão muito ocupados com o futebol. O futebol ocupa 90% da grelha, para o próximo ano deverá ocupar 95%, até chegarmos finalmente aos 100%. Portanto, teremos mais transferências e mais futebol, quase em loop constante. Eles já não saem do estúdio. Portanto, a tendência é que as televisões ou os jornais vão prestando cada vez menos atenção à política, e os políticos ficam com cada vez menos meios para comunicar.

Esta, pelo menos, é a ideia generalizada. É mentira. Nós podemos perfeitamente trabalhar os nossos próprios meios para comunicar. Não estamos dependentes dos jornais, das revistas ou das televisões para conseguir comunicar com o nosso público.

Eu trouxe algumas perguntas a que gostaria que me respondessem. Quantas pessoas estão aqui na sala? Alguém faz ideia? Cem, muito bem.

Quantos é que se consideram aqui cidadãos informados? Informados. Só…? Caramba, vieram para o sítio errado. Pronto, muito bem. Então são todos cidadãos informados, é isso? Sim? Sim? Muito bem.

Quantos é que têm Facebook, bloque ou Twitter, ou alguma espécie de rede social? Isto é muito giro, porque quando a Universidade de Verão começou eu fazia as mesmas perguntas e ninguém tinha. É muito engraçado, hoje em dia…

Alguém que não tem rede social, aqui? Extraordinário, não é? Então, agora, explique-me lá, cidadãos informados. Quantos é que viram o noticiário ontem à noite?

[Risos]

Há uma pessoa que viu o noticiário ontem à noite. Muito bem. E os jornais? Em papel? Em papel? Como é que vocês têm acesso às notícias, hoje em dia? Através das redes sociais, através do online, certo? Muito bem.

E nas vossas redes sociais vocês têm amigos e grupos de amigos, certo? Sim ou não? Mais de dez? Quem é que aqui tem menos de dez amigos no Facebook? Ninguém.

Quantos é que estão online agora? Podem dizer a verdade, ninguém se chateia. Quantos é que estão online, agora? Só? Vá lá, digam lá a verdade, quantos é que estão online agora? Quantos é que têm a ligação do Facebook feita, agora? Muito bem.

Então quantas pessoas é que estão na sala? Muito mais que cem. Muito mais que cem. Quer dizer que as minhas palavras vão chegar muito mais longe do que as pessoas que estão aqui na sala. E essa é a vantagem dos nossos próprios meios. Primeiro, controlamos a mensagem. A mensagem é a nossa mensagem, é aquilo que nós queremos transmitir, certo? E depois conseguimos controlar o público a que dirigimos essa mensagem, o que faz de nós verdadeiros emissores; de todos nós pequenos emissores. Recetores, e depois retransmitimos essa mensagem.

Na prática, isto quer dizer o quê? Há um diagrama muito bom sobre os media. Divide os media em quatro áreas diferentes.

Os pagos, que é aquilo a que chamamos publicidade normal, aquilo que passa nos intervalos das telenovelas, para facilitar.

Os proprietários. Na prática, aquilo que significa eu ser dono de um jornal e ter esses meios à disposição, meios de comunicação social.

Os merecidos… Na prática, é aquilo que eu consigo através das conferências de imprensa, da assessoria de imprensa, dos comunicados, das convocatórias.

E depois temos outro, quase tão importante, ou ainda mais importante, porque as pessoas, tendencialmente, vão tendo cada vez menos contacto com as notícias através dos meios tradicionais e, cada vez mais, contacto através dos novos meios que são as redes sociais.

Vocês próprios podem ter jornais. Hoje em dia não é difícil fazer um jornal online, não é difícil fazer um blogue. Querem candidatar-se a uma Junta de Freguesia, não é difícil terem os vossos próprios meios para trabalhar essa campanha.

E que meios é que nós podemos criar? Na prática - eu trouxe um outro diagrama – podemos ter facebooks, blogues, twitters, jornais online ou mini jornais online. Podemos ter vídeos, podemos ter conteúdos multimédia, tudo isso com um telemóvel. Hoje em dia os meios nem sequer são o mais importante, é bastante acessível.

Portanto, quando nós temos os meios tradicionais cheios de comunicação não política ou com aversão à comunicação política, temos que criar os nossos próprios meios para continuar a comunicar na política.

Cinco coisas, cinco recomendações para não fazer nas redes sociais, e isto pode parecer um choque.

Primeiro, ser chato. Eu sei que isto parece um bocadinho óbvio, mas se vocês andarem um bocadinho pelas redes sociais e pelos blogues, especialmente quando aderimos a partidos, a tendência é nós sermos chatos. Porquê? Fazemos o discurso normal de um político, mas em versão redes sociais. Se eu estou no Facebook e estou na praia, aquilo que não me apetece ouvir é o discurso de tomada de posse ou uma intervenção na Assembleia de Freguesia posta na íntegra. Pode-me interessar o tema que estejamos a discutir, não me interessa o discurso inteiro, os trinta minutos colocados na íntegra.

Segundo: utilizar siglas, que é um vício da política. O PPD/PSD, o PODER, o PS. Siglas, normalmente, são chatas, e, portanto, tirar as siglas.

Insultar alguém, nunca, não vale a pena, mesmo quando perdemos a paciência. Há milhares de maneiras, muito mais criativas, simpáticas e educadas de insultar uma pessoa sem lhe chamar palavões.

Falar sem ouvir. Primeiro ouvimos, depois falamos. Primeiro ouvimos aquilo que as pessoas sentem e só depois é que intervimos.

E depois, pensar que o mundo é só política e que o mundo das outras pessoas é o nosso mundo. Não é verdade. Nós somos um microcosmos, não há assim tanta gente interessada no futuro da nação ou da autarquia, nem sequer da freguesia. Está-se toda a gente nas tintas, na prática. Está toda a gente a ver o futebol e a telenovela.

Portanto, pensar que o mundo é só política, é um erro que nós cometemos. Temos que sair para fora da política para conseguir trazer as pessoas de volta à política.
 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, última parte da nossa comunicação. Quinze conselhos para falar em público.

O primeiro conselho é não ter medo do medo. Vamos ser claros: é normal ter medo. E isso até pode ser positivo, porque funciona como mecanismo de autodefesa. Quando nós somos, às vezes, excessivamente confiantes, fazemos erros por estarmos com excesso de confiança.

A primeira vez que eu falei em público não foi a fazer um discurso meu, foi a ler uma leitura na missa. Estava com um púlpito de mármore, só o padre e os acólitos é que estavam por trás de mim e riram-se durante meses, porque as minhas pernas pareciam uma ventoinha. Quem estava à minha frente, graças a Deus, não percebeu; parece que não terei lido mal, mas fiz uma figura ridícula para quem estava atrás. A primeira vez que nós falamos em público envolve sempre algum receio.

Eu gosto muito de contar uma história da Sarah Bernhardt, foi uma grande atriz, que fez uma digressão norte-americana que ficou famosa – ela era uma atriz francesa – e esta cena passa-se num palco nos Estados Unidos. Ela está prestes a entrar em palco, estão as coristas, e ela vira-se para uma jovem corista e decide fazer uma brincadeira. Ela, a grande diva, pergunta à jovem corista se ela está nervosa antes de entrar em palco. E a jovem corista vira-se para a divina Sarah Bernhardt e diz: - Eu, nervosa? Eu nunca estou nervosa antes de entrar em palco. E a grande diva olha com condescendência para a corista e diz: - Nunca se sente nervosa? Pois há de se sentir quando tiver algum talento. Há de se sentir quando tiver algum talento.

E é isso que eu digo. Quando nós não sentimos medo nenhum de falar em público, alguma coisa não está a correr bem. Isso é normal, o que temos é de saber controlar esse receio. E uma das coisas fundamentais é saber lidar com as mãos. Rodrigo…
 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Vou contar também uma pequena história. Aqui há uns anos atrás, havia um programa na SIC que eu fazia, aquilo era em direto, três horas, eu já estava muito batido naquilo. Aquilo já faziam 3, 2, 1 e já não me doía nada. E houve um dia em que convidaram um apresentador da Antena 1 para fazer o programa comigo. O programa chamava-se Noites Marcianas… isto sem o Cláudio Ramos, calma. Eu fazia a quota heterossexual do programa. [Risos]

E estava sentado ao meu lado o apresentador da Antena 1 – era a primeira vez que ele ia à televisão. E suava, suava, suava… E enviava as mãos para baixo e teve de mudar de camisa a meio do programa. Bom, o senhor chamava-se José Carlos Malato. Para vocês verem… [Risos]

O que fez a diferença entre uma coisa e a outra? Foi trabalhando. Na prática, foi trabalhando, trabalhando, trabalhando. Habituando-se, habituando-se, habituando-se a saber lidar com a situação. Mas mesmo sabendo lidar com a situação, não há ninguém que se apresente e que não se sinta um pouco nervoso. O corpo produz uma coisa chamada adrenalina que dá para nós darmos conta, por exemplo, dessa coisa extraordinária que é a existência das nossas próprias mãos. Não é suposto, elas não deviam estar aqui.

Portanto, quando vamos falar a algum lado, damos conta de que, de repente, olhamos para as pessoas – porque isso é importante, olhar para as pessoas – e que temos mãos. A tendência primeira é enfiar as mãos nos bolsos, certo? Que é aquela coisa muito educada que não se deve fazer, nunca.

A tendência segunda é, se nós apanharmos um púlpito à frente, agarrar-nos ao púlpito e garantir que o púlpito não foge. Ficamos ali a controlar o púlpito que é para o púlpito não fugir a correr de nós.

Na prática, não há maneira de resolver isto. É preciso encarar as coisas como elas são. Nervosismo existirá sempre. Quanto maior a responsabilidade – era aquilo que eu estava a discutir com o Simão -, quanto maior for a responsabilidade, mais nervosos vocês vão ficar. Então, como é que nós resolvemos isto? Na prática, criamos escapes para o nosso próprio nervosismo. O meu é o da caneta, da brincadeira da caneta.

Há coisas que vocês… já devem ter visto nos comentários – quando havia comentários – do atual Presidente da República na televisão. Brincava com a caneta ou com o relógio. É um escape para o nervosismo. É uma maneira de nós colocarmos a adrenalina. Portanto, não podendo resolver o problema das mãos – não dá para cortar antes de nós falarmos – tentem entreter-se com as mãos, porque, se não, vai dar asneira, garanto-vos.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Segundo conselho: não atrair os abutres, ser firme.

Tal como as moscas são atraídas pelo sangue, numa assembleia, quem ataca é atraído pela fraqueza do adversário. Portanto, mostra-se fraco é um caminho aberto para ser o alvo desses ataques. Os predadores – isto é uma lei da natureza – atacam sempre quem parece mais frágil na manada. Os homens, aí, não são muito diferentes dos animais.

Uma das formas de mostrar firmeza é olhar de frente para as pessoas. Mas há pessoas que me dizem: eu quando estou a falar para uma assembleia não consigo olhar para as pessoas, fico muito nervoso. Há um truque que nós usamos, que é olhar para o meio da sala. Lá atrás está o Pedro Paulos e Cruz e estou a imaginar, por cima da cabeça do Pedro, um palmo. E imagino um ponto, um palmo por cima da cabeça do Pedro. Eu estou, neste momento, a fazer isso.

Portanto, eu não estou a olhar para os olhos de ninguém, eu não estou a fixar a cara de ninguém, eu não estou condicionado pela assembleia, mas estou a olhar para a frente. É melhor olhar para as vossas caras. Mas, o pior, é eu olhar para o papel que tenho na frente e afundar-me neste papel. Portanto, se eu não consigo olhar para a cara das pessoas, imagino aquele ponto virtual na parede, um palmo acima da cabeça do Pedro, e olho para ali. Portanto, dá a ideia de que eu estou a falar com firmeza perante a assembleia.

O terceiro conselho é não começar a falar sem definir o intuito. Vocês, antes de começarem a fala, têm de saber o que querem dizer. Mas não é apenas o que querem dizer, é qual é o intuito que querem dar à vossa comunicação. É totalmente diferente eu ir fazer uma intervenção, ser racional, apresentar argumentos ou transportar emoção.

É totalmente diferente eu fazer um discurso para uma academia científica ou fazer um comício. Ser racional ou ser emotivo. Mesmo nos pedidos de esclarecimento... Eu posso usar um pedido de esclarecimento para querer esclarecer, aprofundar um assunto, ou para enervar o adversário. E mesmo nas respostas aos pedidos de esclarecimento eu posso usar as respostas para argumentos completamente diferentes.

Vamos supor que o Rodrigo, no debate, me pergunta as horas: Sr. Carlos, que horas são? Eu posso responder as horas, mas estou a responder a um pedido que me foi feito. Mas o Rodrigo pergunta-me as horas e eu quero desconversar, quero passar para outra coisa e digo: ó Rodrigo, mais importante do que saber que horas são, é saber o quê que nós vamos dizer no Falar Claro, daqui a pouco, lá em baixo na sala. Portanto, eu passei das horas para o conteúdo do Falar Claro.

Eu posso usar uma resposta a um esclarecimento para contra-atacar. O Rodrigo pergunta-me as horas e eu digo: nunca sabes nada; não sabes as horas, não sabes para onde vais, não sabes como te organizas – és um baldas. Portanto, eu estou no contra-ataque.

Isto funciona, na política, da mesma maneira. Reparem, o pedido de esclarecimento, que é a figura mais bitolada numa assembleia – eu tenho que responder a um pedido –, eu posso usar essa figura da resposta ao esclarecimento para responder, para desconversar ou para contra-atacar. Portanto, posso moldar a minha intervenção àquilo que quiser.

Portanto, não se esqueçam: definir ideias chave, definir o intuito, ordenar ideias e argumentos.

Quarto conselho: não ignorem a assembleia. Discursar é comunicar, é falar com, vejam como é que as pessoas reagem.

Quinto conselho: não esquecer que, com exceção da rádio, os outros não se limitam a ouvir um discurso – vêm um discurso. Portanto, como se vê um discurso, há que representar o discurso. Há que transmitir argumentos, mas há também que transmitir emoção. Fala-se com o corpo. Convém não apalhaçar e ter cuidado com os tiques. Os tiques podem matar a eficácia da comunicação.

Um exemplo concreto: António Guterres era primeiro-ministro de Portugal e tinha um tique que era este. Era de tal forma que, nas entrevistas e sempre que aparecia na televisão, a certa altura as pessoas já não estavam a ouvir o que ele estava a dizer, estava toda a gente mortinha para ver qual era a próxima vez que ele levava a mão à testa para acertar a melena. Foi um tique fatal para a comunicação. As pessoas deixavam de ouvir, só estavam fixadas no gesto dele.

E não se esqueçam: um gesto vale mil palavras. E aí está a tradição portuguesa a representar isso bem. Uma imagem vale mil palavras, um gesto vale mil palavras.

Sexta recomendação: tenham atenção à vossa imagem. Rodrigo…

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Disse-vos há pouco que a memória visual é muito superior à memória auditiva e trouxe-vos um exemplo prático disso mesmo. Trago-vos, aliás, umas imagens de um senhor... reconhecem o senhor, não? Isto foi em 86, foi candidato às presidenciais. Se não me engano, ele candidatou-se às presidenciais duas ou três vezes antes de vencer as eleições.

E o quê que mudou? Mudou o discurso? Não, não mudou o discurso. Mudou a maneira de estar na vida? Talvez, um pouco, sim. Passou a gostar de viver melhor, nem sempre das melhores formas, imagino eu. E mudou, sobretudo, a imagem. Este foi o Lula da Silva que ganhou as eleições. A transformação é profunda, reparem na barba aparada, no fato, na gravata. Num senhor… nós não confiávamos sequer a chave… não lhe compraríamos um carro em segunda mão, que é uma boa expressão. Ao outro já confiaríamos o destino de um país. Aliás, fomos um bocado todos ao engano.

Mas o segundo é, de facto, muito mais confiável. E, quando falamos sobre política, falamos obrigatoriamente sobre confiança e credibilidade, esse palavrão que às vezes é utilizado. Carlos…

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Vocês têm aí, no vosso livro, um papel que está anexo que é o número 4. Se quiserem abrir, nós vamos precisar dele.

E porquê? Porque o conselho seguinte é não falar sem sentir o que se diz. Não falem sem sentirem o que dizem. Falem o que sentem, a vossa experiência, o que sabem. Ou seja, falem com autenticidade. As pessoas percebem quando nós estamos a falar com autenticidade ou quando nós estamos a ser falsos.

Esse papel que vocês têm é uma coisa gira. São quatro colunas com dez linhas e dizem que, juntando estas combinações… portanto, se vocês tirarem uma frase da coluna A, mais uma frase da coluna B, mais uma frase da coluna C, mais uma frase da coluna D, conseguem fazer dez mil frases bonitas.

Eu fui buscar, por exemplo, a frase número 10 da primeira coluna, número 6 da segunda, número 5 da terceira e número 1 da última. Isto dá esta frase: o incentivo ao avanço tecnológico, assim como o desenvolvimento de formas distintas de atuação, contribui para a correta determinação das nossas opções de desenvolvimento do futuro.

Isso parece muito bonito, parece muito elaborado, parece muito fundado, mas não diz nada. Portanto, se vocês usarem, como manual para o vosso discurso, este quadro, têm dez mil variações, têm dez mil frases, têm dez mil oportunidades de não dizerem nada, de não convencerem ninguém e de soarem a falso.

O discurso que vale a pena, a comunicação que vale a pena, é exatamente o contrário deste quadro. Portanto, na prática, não ao discurso monocórdico. Vocês falem de acordo com aquilo que acreditam e aquilo que sentem. Isso é determinante para o vosso sucesso.

Oitava recomendação: ganhem a simpatia do público. Sejam modestos, sem serem humildes ou simplórios. E o primeiro discurso é sempre muito importante. Já diz o ditado que não há uma segunda oportunidade para criar uma boa primeira impressão.

Entre parecer convencido ou parecer modesto, é melhor parecer modesto. Muitas vezes, nós quando fazemos a primeira intervenção, achamos que temos de mostrar que somos muito bons. E isso às vezes não é bom porque nos dá uma imagem muito convencida.

Nós fizemos umas gravações há alguns anos para dar uns exemplos disto. Isto é o Rodrigo Moita de Deus há mais de dez anos… há vinte quilos atrás, diz ele.

"Senhor presidente, senhores deputados, como todos sabem, é a primeira vez que tenho a honra de me dirigir a esta assembleia, e gostaria de aproveitar a ocasião para cumprimentar todos os partidos, sem qualquer tipo de exceção.

Eu gostaria de dizer que todos fomos eleitos legitimamente, e que existe uma legitimidade para respeitar. Gostaria também de dizer que nem sempre estaremos de acordo, mas espero, muito honestamente, que o debate decorra de forma civilizada, tal como a nossa democracia atingiu um grande grau de maturidade. Muito obrigado.”

Reparem, ele até se engasga, mas sorri sempre e passa a imagem de um bom rapaz. Portanto, a primeira impressão foi positiva. Depois ele tem tempo para ganhar o seu percurso, para se afirmar com mais qualidade, para fazer coisas com mais substância, mas a primeira impressão não foi de ganhar a animosidade de todos os outros.

O nono conselho é não ser chato. Não façam como eu e como o Rodrigo, não falem mais de vinte minutos. Sejam breves e sejam concisos. Cuidado quando falam sem papel, porque, quando se fala sem papel, nós falamos sempre demais. E não falem depressa demais. Uma vez, assisti a um colega meu na Assembleia da República, a quem o Presidente da Assembleia disse que ele já não tinha tempo, e ele decidiu acelerar a leitura. Isso é trágico.

Vocês, ontem, no jantar formal de abertura, ouviram o Paulo Colaço dizer, de uma forma muito boa, ao ler Jorge de Sena:

Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém

vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.

É isto o que mais importa - essa alegria.

Acreditai que a dignidade em que hão de falar-vos tanto

não é senão essa alegria que vem

de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém

está menos vivo ou sofre ou morre

para que um só de vós resista um pouco mais

à morte que é de todos e virá.

Agora, eu não tenho tempo e vou ler:

[Leitura muito rápida]

Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém

vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.

É isto o que mais importa - essa alegria.

Acreditai que a dignidade em que hão de falar-vos tanto

não é senão essa alegria que vem

de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém

está menos vivo ou sofre ou morre

para que um só de vós resista um pouco mais

à morte que é de todos e virá.

Qual é a eficácia desta leitura? Portanto, atenção, quando falam, não falem depressa demais.

E recusem o discurso redondo. Não se esqueçam disto: a comunicação não é um exercício de elegância, a comunicação é um exercício de eficácia. Às vezes nós temos a mania de usarmos palavras mais bonitas para toda a gente dizer: ele fala muito bem. Mas as pessoas não sabem o que nós estamos a dizer. A comunicação não é um exercício de elegância, é um exercício de eficácia.

Vamos ver dois exemplos. Um do discurso redondo e um do discurso concreto. Vamos ter o Gonçalo Capitão, que foi nosso deputado da Assembleia da República, depois fez carreira diplomática, e este é o discurso redondo.

"Houve quem, decerto sem intenção, colocasse em dúvida a legitimidade da nossa posição que aqui quisemos defender, esquecendo-se, porventura, de que na composição da nossa pirâmide etária demográfica perto de 47% da população se encontrar abaixo da linha demarcadora dos 30 anos.”

Nós ouvimos isto e perguntamos: o quê que ele disse? O que ele queria dizer era isto:

"E para quem queira colocar em causa a legitimidade da nossa posição, basta recordar, numa frase simples que toda a gente entende, que metade da nossa população tem menos de 30 anos.”

Era muito mais simples dizer assim. O discurso elaborado pode parecer muito bonito mas é totalmente ineficaz.

Décima recomendação: nunca decorem um discurso escrito. As linguagens são diferentes e há um bloqueio psicológico – acontece aos melhores. Um dos melhores oradores de sempre do parlamento britânico, e um primeiro-ministro que ficou na história, Wiston Churchill, aconteceu-lhe uma vez. Decorou um discurso, a meio esqueceu-se de uma palavra, de um parágrafo, e teve uma branca e teve que se sentar, humilhado.

Se vocês vão fazer um discurso que tem que ser lido, escrevam-no. Senão usem tópicos em cartões, porque se vocês se esquecerem de algum, saltam para outro. Agora, não memorizem um discurso escrito, isso é muito mau.

E não peçam, nunca, a alguém que escreva um discurso para vocês, sem vocês trabalharem o discurso. Não há problema nenhum em pedirmos a um amigo que nos ajude a escrever um discurso. O problema é se nós descansarmos naquilo que ele fez e não trabalharmos. Ele pode meter palavras que nós não gostamos de dizer ou que não sabemos pronunciar bem ou que usemos a despropósito. E que não é o nosso estilo. Mesmo quando pedimos a alguém para nos ajudar, devemos adaptar este discurso ao nosso estilo, senão o risco de fazermos figuras tristes é muito grande.

Décima primeira recomendação: nunca descurar as defesas. Ou seja, é fácil para alguém que faz uma primeira grande intervenção, haver pessoas a dizer: olhe, aquilo que o senhor disse, não se aproveita nada. Sobretudo se somos jovens, podemo-nos sentir um bocado em baixo. Se fizermos um discurso grande, portanto, um discurso de fundo, devemos pôr algumas frases, alguns conceitos que sejam universais. Pelo menos ninguém nos pode dizer: não concordo com nada. O senhor não concorda? Eu disse isto e o senhor não concorda?

Grandes princípios que todos têm que subscrever. Como por exemplo, não há solidariedade sem reduzir as diferenças gritantes entre os cidadãos. Quem é contra isto? Dizer: não há progresso justo em Portugal sem que ele se faça sentir em todas as regiões do país. Quem é contra isto? Dizer que é necessário reduzir as assimetrias de desenvolvimento entre o litoral e o interior, o norte e o sul, a cidade e o campo. Quem é contra isto?

Valores como a informação, a participação dos cidadãos, a qualidade de vida, o ambiente, o bem-estar, a transparência da administração, são valores com que toda a gente concorda. Portanto, num discurso de fundo, arranjem defesas para poderem escudar-se para a circunstância de serem atacados.

Muitas vezes é melhor – décimo segundo conselho – responder que não se sabe. Ou seja, a pior coisa é simular conhecimento. Faz uma pergunta e eu não sei, e eu vou à dobra e caio numa situação em que toda a gente percebe que eu não sei do que estou a falar. Isso é assassino para a reputação. Ficamos completamente no charco.

Há formas elegantes de sair disto. Dizer: olhe, nunca tinha visto este problema sob esse ângulo. Parece-me interessante, ou talvez perigoso, ou inaplicável – conforme as circunstâncias – mas gostaria de pensar um pouco melhor antes de me pronunciar. Isto num debate. Viro-me para o meu adversário e digo: o senhor invocou argumentos novos que merecem reflexão. Se reagisse de imediato não lhe faria justiça. Prefiro valorizar os seus argumentos, pesá-los com outras opiniões e voltar ao assunto na próxima oportunidade.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Por isso é que, às vezes, dizemos que o melhor mesmo é tentar não responder às perguntas que nos fazem. E a coisa tem nome de técnica. Chama-se bloqueio e ponte.

E o quê que significa isso de bloqueio e ponte? Primeiro bloqueamos o impacto negativo da pergunta com qualquer coisa do género: fico feliz por ter feito essa pergunta. O que é uma coisa sempre extraordinária. Quando vocês ouvem alguém dizer "fico feliz por fazer essa pergunta”, já sabem que não vai responder nada, porque a seguir fazem a ponte para: mas convém é lembrar que o Rodrigo é um ás em comunicação.

Bloqueio, no impacto negativo, e depois fazemos a transição para a nossa mensagem e voltamos a bater na nossa mensagem, mensagem, mensagem, mensagem…

 
Dep.Carlos Coelho

Décimo terceiro e antepenúltimo conselho: atacar com firmeza protegendo a retaguarda. Vocês não afirmem o que não sabem ou aquilo de que não tenham provas. No limite, usem o parece-nos que…, o que não é bom em comunicação, mas pode ser útil nalgumas circunstâncias.

Imaginem que há um escândalo com o Presidente da Câmara, um Presidente da Câmara do PS. E que nós queremos trazer para o debate público o escândalo, mas não podemos falar nele de forma perentória porque podemos ser acusados de difamação.

Formas de fazer isto, ou seja, de serem filhos da mãe educadinhos? A confirmarem-se os rumores que correm - eu não estou a dizer nada -, a confirmarem-se os rumores que correm, temos de apurar responsabilidades e retirar consequências jurídicas e políticas.

E reparem na força das palavras em português. Se eu disser: temos que retirar consequências políticas e criminais, isto tem mais força ainda. Porque a palavra "criminal” induz uma gravidade no comportamento. Eu não estou a afirmar, estou a dizer que se se confirmarem os rumores que correm.

Ou se eu disser: estamos preocupados com as informações que circulam que, a confirmarem-se – se forem confirmadas -, são prova da mais grave irresponsabilidade e de aproveitamento ilícito de recursos públicos. Ou posso dizer, de forma mais insidiosa e mais malévola, boatos com esta gravidade têm de ser desmentidos, sob pena de minarem a credibilidade de autarcas que, até prova em contrário, devem merecer a nossa consideração.

Portanto, formas de insinuar sem criarmos uma situação em que nós possamos ser atacados por afirmarmos algo de que não temos provas.

Penúltimo conselho: nunca ataquem com maldade e doseiem a agressividade. Evitem ataques pessoais, podem insinuar com fundamento e com clareza e, se forem atacados, devem representar a indignação de forma a deixar os nossos adversários envergonhados. Há vários exemplos, mas vamos só mostrar um exemplo com o Partido Comunista Português.

"Não deixa de ser surpreendente que o Partido Comunista, que tanto sofreu para que pudéssemos hoje ter a nossa liberdade, incorra agora naquilo em que acusou os fautores do anterior regime. O ataque pessoal, a calúnia, a difamação e, em certo aspeto, a tortura psicológica. A História encarregar-se-á de remeter o Partido Comunista para a arqueologia. Para já, agradecíamos apenas que fossem mais corretos.”

Quando somos atacados temos que representar a indignação. Ficámos verdadeiramente incomodados, que é para estabelecer limites e fazê-lo de uma maneira que envergonhe os nossos adversários.

Nunca ataquem com maldade, sejam simpáticos quando se ataca, podem ser filhos da mãe educadinhos. Um exemplo de ser filho da mãe educadinho.

"V. Exas. é, de facto, um orador interessantíssimo. Dir-se-ia que tem um discurso muito agradável, um discurso light, mas de tão light emagreceu excessivamente o conteúdo e não lhe descortinamos ponta de ideia.”

[Risos]

Finalmente, se forem jovens e forem atacados com base na vossa idade, não deixem isso também sem resposta. Um exemplo concreto do Gonçalo a reagir em defesa da honra.

"Deixe-me dizer-lhe que posso ser mais novo do que o senhor, mas estou aqui com a mesma legitimidade. Os meus votos, os votos que me elegeram, são tão bons ou melhores do que os seus e não admito que me discrimine em função da idade porque, nesse caso, seria obrigado a dizer-lhe que V. Exa. já prescreveu.”

[Risos]

Última mensagem: não permitam, nunca, ser inferiorizados pela idade, sexo, cor ou qualquer outro fator. A dignidade de cada um é aquilo que importa preservar. Sempre que essa dignidade é atacada temos que pôr as coisas como elas são. Numa Universidade de Verão, há alguns anos, houve uma colega vossa que se virou para mim e disse: isso é tudo muito bonito, mas há fatores de descriminação reforçada. Eu sou preta, sou jovem e sou mulher. Portanto, sou objeto de uma tripla descriminação. Como é que eu me defendo?

Eu fiquei a pensar naquilo e não é fácil. E acabei por lhe dizer o seguinte: se ela conseguisse ter sangue frio – porque nestes momentos nós temos que ter sangue frio – a resposta deveria ser qualquer coisa como esta (ela está a ser atacada por um machista, branco, velho), se ela conseguir dizer: vejo-o nervoso, agressivo e precipitado. Isto para dizer a um homem que está convencido de que é o rei da Prússia, que ele está nervoso, agressivo e precipitado, já põe o fulano - se não for careca – com os cabelos em pé. Não sei o que o perturba mais, se o facto de ser jovem, de ser mulher ou de ser preta. Qualquer dos receios (insinua que o tipo é um medroso), qualquer dos receios, só por si, já o deveria embaraçar. Concentre-se no que aqui afirmei e na razão que me assiste. Tudo o mais é preconceito que o deveria envergonhar.

Se ela conseguisse fazer qualquer coisa deste género, seria uma saída fantástica para alguém que a tinha tentado humilhar. Nunca se esqueçam que o sangue frio valoriza a reação e impede o disparate.

E, para terminarmos, e passar às vossas perguntas, nós tentamos falar-vos sobre o falar claro. Mas, em bom rigor, comunicar não é falar. Nós podemos comunicar através de palavras, através de gestos e através de atitudes. E até podemos comunicar sem falar.

Uma amiga minha disse-me uma vez que as mais lindas frases de amor são ditas no silêncio de um olhar. E se ela tem razão, não é tão importante falar, mas é fundamental comunicar. Que vocês comuniquem bem é o nosso desejo para todos. Muito obrigado.

[Aplausos]

 
Simão Ribeiro

Muito obrigado aos nossos oradores. Vamos começar então a ronda de questões e a primeira questão cabe à Telma Fróis do Grupo Azul.

 
Telma Cordeiro Fróis

Boa tarde. A equipa azul agradece as intervenções claras do deputado Carlos Coelho e do Dr. Rodrigo Moita de Deus, úteis a curto e, certamente, a longo prazo. A primeira impressão é crucial. Um sorriso quando se começa a falar é importante, mas uma queda quando se entra no púlpito pode arruinar logo o nosso discurso.

Como ultrapassar isso? Brincar com a situação ou prosseguir para a matéria pretendida? Obrigada.

 
Dep.Carlos Coelho

Eu brincaria. Eu brincaria. Pegava no microfone e… vamos supor que eu ia responder a uma coisa que o Rodrigo tinha dito, portanto eu ia atacá-lo. Dizia: venho tão atarantado com os disparates que o Rodrigo acabou de dizer que até tropecei. Uma coisa assim do género. Posso não dizer disparates, … mas eu faria uma brincadeira para as pessoas rirem e para se provar que eu não tinha ficado acabrunhado.

Nenhum de nós é culpado de dar um trambolhão. É uma coisa que pode acontecer a qualquer um de nós. Pior, pior, pior é se o trambolhão for muito grave e se deitarmos sangue e precisarmos de cuidados médicos, e aí, provavelmente, já não podemos fazer a nossa comunicação. Agora, se for só uma questão de equilíbrio, tornamo-nos a pôr de pé… sempre em pé. Conhecem aqueles bonequinhos amarelos com uma base redonda? Não… Eu usaria o humor para voltar à carga. Mas nunca, nunca, nunca dar parte de fraco.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Se me permitem acrescentar uma coisa, na própria apresentação que fizemos dizíamos que é importante terem a noção de que os outros nos veem. Ao contrário daquilo que nós gostaríamos, não podemos enfiar os olhos dentro de um papel e acharmos que o mundo não existe à volta. Não, os outros veem-nos.

Portanto, sempre que há asneiras, disparates, ou coisas semelhantes, o melhor é assumir. É assumir, porque os outros estão a ver-nos. É a única forma que nós temos de sair por cima de uma situação mais complicada, embaraçosa. Aquela coisa do virar a página e, de repente, perdemos a página e enganamos na página… É assumir. É a única forma que nós temos de sair. É comunicar… melhor dito, é utilizar a honestidade para comunicar.

 
Simão Ribeiro

Muito bem. Próxima questão, Vasco Curfé, do Grupo Amarelo.

 
Vasco Crufé

Boa tarde. Boa tarde à Mesa. Quero agradecer ao Carlos Coelho e ao Rodrigo Moita de Deus pelo tema apresentado. Quero ainda saudar todos os meus colegas que aqui estão presentes nesta Universidade de Verão JSD 2016.

Em relação à temática agora apresentada, a minha questão é a seguinte: assistimos repetidamente a situações nas quais a comunicação social retira excertos do discurso, descontextualizando-os, aliás, no sentido de criar polémica.

Qual deverá ser a posição da pessoa prejudicada? Recorrer a um desmentido, aumentando assim a atenção mediática para o assunto? Ou será mais prudente deixar o assunto esvanecer ao longo do tempo? Obrigado.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Boa pergunta. O Donald Trump, nos Estados Unidos, queixa-se muito da comunicação social e, muitas vezes, nós não damos conta disso, com razão. Aliás, no outro dia apareceu um título extraordinário do Expresso daquele ator americano mais velho… Clint Eastwood, desculpem.

Dizia que Clint Eastwood apoiava a homofobia de Donald Trump. E eu fui ler a entrevista e aquilo que o Clint Eastwood diz é: não apoio o Trump, nunca vou apoiar, provavelmente não vou apoiar nenhum candidato, estou-me nas tintas para aquilo que o Trump diz, e provavelmente vou-me estar nas tintas para as eleições. E por não ter censurado as palavras do Donald Trump – provavelmente tinha que fazer um disclaimer mais forte – o título, em português, saiu "Clint Eastwood apoia homofobia de Donald Trump”.

Isto vai acontecer sempre. Inevitavelmente, quanto mais aguerrido for o mercado da comunicação social – e vai-se tornar cada vez mais aguerrido, por variadíssimas razões -, mais hipóteses há de as nossas afirmações serem descontextualizadas, inevitavelmente.

Qual é o comportamento certo? Fazer uma fita, uma cena, um desmentido? Provavelmente não tem grande efeito, para dizer a verdade. A prática diz-me que não tem grande efeito fazer uma enorme fita a queixar-nos do árbitro, porque, na prática, é isso: é que estamos a queixar-nos do árbitro.

Há maneiras e formas de evitar que isso aconteça. A primeira é garantir que somos mais claros naquilo que dizermos. A segunda é garantir que temos os nossos próprios meios e tentamos sempre remeter para os nossos próprios meios.

O quê que quero dizer com isso? Se existir uma transcrição daquilo que eu disse, posso utilizar isso. Na minha página de Facebook, no meu site, no meu jornal online. Posso utilizar isso. Serve para compensar? Não, não serve, mas serve de algum consolo.

 
Simão Ribeiro

Eu antes de passar a palavra ao próximo aluno "uviano” deixava só uma sugestão, se me permitirem. Uma das imagens de marca da Universidade de Verão é precisamente a economia de tempo e a precisão no cumprimento de horários. Portanto, pelo que se aconselha à dispensa dos cumprimentos e agradecimentos à Mesa e sugere-se que sejam diretos na questão, objetivamente. OK? Vale?

Pedro Venâncio do Grupo Laranja.

 
Pedro Venâncio

Como devo proceder em caso de ser abordado e não ter um discurso já preparado, ou seja, um discurso de improviso. Como devo proceder?

 
Dep.Carlos Coelho

Ó Pedro, eu diria que essa é uma das situações a fugir. Nós temos que estar preparados para falar. E se não estamos preparados para falar, é melhor não falar, porque o risco de sair asneira é muito grande.

Vamos supor que eu estava convencido que ia fazer um discurso, hoje, às sete da tarde, e que ainda não pensei muito bem no que vou dizer. E chega agora o Presidente da Mesa, o Simão, e diz: vou chamar dentro de 2 minutos. Eu não tenho, em 2 minutos, capacidade de… eu vou dizer: olhe, eu não posso. Não posso.

Depois depende da confiança. Posso dizer não posso porque não tenho o discurso feito. Não posso porque estou com um desarranjo intestinal e tenho que ir a correr para a casa de banho. Ou não posso porque vou atender um telefonema importante, ou não posso porque a minha casa está a arder. Uma coisa qualquer… há sempre uma desculpa para dizer não.

Nenhum de nós é obrigado a falar. É melhor nós sermos criticados por faltar a um momento de intervenção do que sermos destruídos porque fomos falar sem pensar devidamente naquilo que íamos dizer.

É uma situação que o melhor é não acontecer. Mas acontecendo, eu arriscaria a dizer que o melhor é não falar sem estar preparado para tanto.

 
Simão Ribeiro

Rodrigo Almeida, Grupo Castanho.

 
Rodrigo Dias Almeida

De facto, muitas vezes, o importante é passar a nossa mensagem. Mas nem sempre essa mensagem é a mais agradável, apesar de ser a mais realista.

Olhando para os estilos dos Drs. António Costa e Pedro Passos Coelho, o primeiro com uma atitude exageradamente populista e o segundo mais realista, mas menos animador, cabe perguntar: que linha separa um discurso populista de um inspirador? E de que forma é que acha que a verdade pode e deve ser explicada de forma a ser melhor entendida pelo recetor? Obrigado.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Nós tivemos uma vez uma presidente do partido que fez uma campanha inteira com uma palavra que dizia "Verdade” nos cartazes. Levámos uma tareia. Ganhou um senhor chamado Sócrates, acho que hoje em dia está preso, ou está para ser preso outra vez. E o país faliu pelo caminho.

Isso que dizer o quê? Quer dizer que ela estava errada? Não, não estava errada. Há é momentos, de facto, em que o eleitorado provavelmente prefere que as pessoas mintam, que os políticos mintam. O que é absolutamente extraordinário, que isso aconteça.

Podemo-nos queixar do povo? Sim, podemos, mas então estamos na profissão errada. Uma pessoa que se senta aqui e diz "o povo é parvo, acredita na primeira coisa que lhe dizem, prefere que os políticos lhes mintam”, não tem grande futuro como político, na prática, diria eu! Nem interessa… nem interessa estar aqui na carreira, mais vale mudar de ofício rapidamente.

Isto tudo para dizer o quê? É inevitável que as pessoas precisam de algum ânimo. Precisam, gostam de sentir mimo. Pode-se fazer isso de diferentes maneiras? Pode-se! Reduzir o IVA da restauração é uma delas? É! Por exemplo, depois aquilo não bate certo com a conta do restaurante, é verdade. Aumenta-se o ordenado dos funcionários públicos, passa-se aquilo para 35 horas e dizemos que somos uns otimistas e aquilo contrasta ainda mais com uma visão mais austera da vida.

Queixar-nos do país em geral não nos leva muito longe e, portanto, das duas, uma: ou sabemos conduzir o país para onde nós queremos ou, então, o melhor é mudar de profissão.

 
Simão Ribeiro

Obrigado. Petru Murga, do Grupo Vermelho (Encarnado).

 
Petru Murga

Em nome do Grupo Encarnado queria agradecer ao deputado Carlos Coelho e ao Dr. Rodrigo Moita de Deus por esta palestra. A questão que o nosso grupo quer colocar é: como fazemos para chamar a atenção do público perante um discurso menos bem-sucedido?

 
Dep.Carlos Coelho

É muito simples, Petru, tem que ser antes. Como é que eu faço para vender bem uma coisa que foi mal feita? É muito complicado. Mais vale prevenir que remediar. Se o discurso não foi bem-sucedido, nós já não vamos a tempo de o vender como bem-sucedido.

Agora vamos tentar aprofundar um bocadinho mais o que o Petru estava a perguntar. Vamos supor que nós temos a consciência de que temos um produto difícil para vender, que temos uma mensagem que não é fácil de vender. Temos que pensar dez vezes como é que havemos de vender. Como é que conseguimos transmitir, com autenticidade, mas com eficácia, que aquela é uma boa medida.

Tivemos de manhã uma aula brilhante dada pela Maria Luís Albuquerque. Ela fez alusão a vários momentos em que isso sucedeu. Em que ela sabia que as medidas eram difíceis e… não vale a pena fugir, as medidas são difíceis. A questão é como é que se pode vender essas medidas para que as pessoas percebam que elas são inevitáveis e, não só são inevitáveis, como são a melhor maneira de evitar que pior venha a suceder no futuro.

Portanto, é estruturarmos a nossa comunicação para vendermos bem o nosso produto. Se não conseguirmos fazer antes, depois já não vai ser possível.

É como aquela metáfora da ânfora de barro que cai e se parte. Nós podemos, com a melhor cola do mundo, colar os pedacinhos todos. Parece que ela está inteira, mas ela já não está. Portanto, é mais frágil do que antes de ter caído.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Eu queria acrescentar uma coisa. Vou só "abardinar” um bocadinho, pode ser?

Os discursos não contam para nada, é mentira. Não acreditem nessas coisas. Vem cá o Dr. Passos Coelho fazer o discurso de encerramento, não é? Vai falar para vocês. Não está à procura do vosso apoio ou dos vossos votos, certo? Isso já está. Ele vai falar para quem? Vocês não contam para nada, são figurantes. Nós vamos a um comício e somos figurantes.

Vamos a um comício, encontramo-nos todos, cumprimentamo-nos: eh pá, já não te via há não sei quanto tempo, como estão as coisas lá no Porto? Estão porreiras, agora estás em Lisboa, e tal… É uma família. Um congresso, então, de um partido, é mesmo um encontro de família. Vemo-nos todos, não nos vemos há uma data de tempo, vamos lá acima, discursamos, e tal... mas discursamos para os amigos. Aqueles que estão à nossa frente não contam para rigorosamente nada.

Portanto, quem é que conta? Conta quem estiver lá fora. Para nós comunicarmos com quem está lá fora é preciso estar uma câmara ligada ou que filme. Se não houver alguma câmara ligada e que filme, temos nós que levar a nossa própria câmara para depois fazermos a nossa edição. Sim, tecnicamente até é possível salvar a situação.

Mas o que eu vos queria dizer é que o público à frente é o menos importante. Vocês vão para o parlamento. Temos aqui alguns deputados entre nós. Eles vão-se convencer uns aos outros? O Duarte vai conseguir convencer a Isabel Moreira alguma coisa? A Isabel Moreira vai conseguir convencer o Simão? O Nuno Matias vai conseguir convencer o Jaime Gama?

Ninguém vai convencer ninguém. Ninguém quer convencer ninguém. Eles estão a falar para a televisão. Ponto. É mentira, aquilo é tudo uma falsidade. É inacreditável. É um teatrinho.

Trabalhamos sempre para a mensagem, certo? A nossa mensagem. E isso existe independentemente do nosso interlocutor, daquele que temos à nossa frente.

Portanto, o discurso não é para aqueles que estão à nossa frente, porque esses já estão convertidos ou não são de todo conversíveis. Portanto, existe para quem está lá fora. Trabalhem essa mensagem e trabalhem, trabalhem, trabalhem.

 
Simão Ribeiro

Que isto não seja desculpa para não irem ao encerramento da UV, OK?

[Risos]

Marta Pires, Grupo Rosa.

 
Marta Pires

Todos nós conhecemos exemplos de personalidades públicas que conseguem alcançar relativo destaque através da quebra do protocolo, isto é, fazendo e colocando-se em situações diferentes, fora do comum. Temos o nosso Presidente da República como exemplo.

Posto isto, será que começamos a estar perante uma nova forma de comunicação. Ou seja, será que o padrão e os guiões de comunicação tradicionais estão a ficar fora da nossa realidade?

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

É mais do que isso. É muito engraçado, é mais do que isso. As pessoas estão fartas de políticos, odeiam política. Vocês, provavelmente, disseram aos vossos amigos: vou ali à Universidade de Verão do PSD, a Castelo de Vide. – Que grande seca. Bebe-se? – Não, os bares estão fechados. – O quê que vais lá fazer?

O quê que vocês estão aqui a fazer? E vocês percebem isso no vosso meio. Cada vez que vocês têm uma conversa sobre política com alguém que não esteja também na política, essa pessoa foge. Provavelmente deixa de vos atender o telefone, não sei se já repararam. Há ali uma coisa… Quando ele deixa de atender o telefone, é porque vocês estão a tentar evangelizá-lo e aquilo não está a correr bem.

E isso acontece com quase tudo. Porquê? Porque a política tem uma série de formalismos, rituais, regras, coisas incompreensíveis e as pessoas acabam sempre entaladas com a troika em Portugal. Nós temos aquelas regras todas, os formalismos, os discursos longos, o Senhor Presidente da Assembleia da República, os Senhores Deputados, os Senhores Ministros…

E aquilo que aconteceu foi: as pessoas fartas da política. Ponto. Comunicação social completamente farta da política. E o quê que aconteceu? De repente, temos um senhor que parecia normal. Ele parece normal, não é? Está na praia, diz olá, dá uns beijinhos, ainda por cima aparece na televisão todas as semanas. E não precisa de ter batedores à frente do carro para ser importante. Isso é que é o extraordinário.

Portanto, não é a fuga do protocolo pela fuga do protocolo, tipo Papa Francisco. Marcelo Rebelo de Sousa é muito mais do que isso. É, de repente, as pessoas olharem para quem têm à frente e acharem: não, esta pessoa é normal. Que é um bocadinho aquilo que fazia falta. Não é um super-homem, há de ter defeitos, com certeza, mas é normal. E isso faz falta.

 
Dep.Carlos Coelho

Eu queria complementar aquilo que o Rodrigo disse com um registo ligeiramente diferente. Eu acho que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o que está a fazer, é responder àquilo que o Rodrigo dizia no início da nossa conversa. É o novo. Ele está a marcar um contraste nítido entre a forma de exercer a função presidencial dele e do antecessor.

Sob esse ponto de vista, corresponde àquilo que o Rodrigo acabou de dizer. A malta está farta da política, está farta das pessoas importantes, e isto aparece como uma lufada de ar fresco. Aquilo que o Professor Marcelo está a fazer é puxar, como nunca aconteceu em Portugal, a popularidade do exercício presidencial para cima, muito para cima, dando cabo de qualquer competição com o Presidente mais popular que nós já tivemos no passado.

A questão diferente é saber se, a determinada altura, isto não satura. E se, a determinada altura, as pessoas querem o novo e o novo já não é este novo, é o novíssimo. Portanto, a questão é saber como se impede a banalização da função e a erosão de uma imagem que é demasiado próxima. Isso é a gestão que ele tem de fazer.

O Professor Marcelo Rebelo de Sousa é talvez das pessoas mais inteligentes que eu conheci em Portugal, e eu não tenho dúvidas de que ele tem a consciência… o Rodrigo acha que o Professor Marcelo é a segunda pessoa mais inteligentes porque ele acha que é a primeira. [Risos]

A questão é saber quais são os limites. Eu acho que esta é uma estratégia inteligente, resta saber quanto tempo é que ela pode permanecer neste registo. Mas nós estamos aqui para ver e faremos essa análise mais tarde.

 
Simão Ribeiro

David Luís, Grupo Verde.

 
David Luís

Boa tarde a todos. A pergunta do grupo verde é endereçada ao deputado Carlos Coelho e parte de um princípio que enunciou há pouco: a comunicação é um exercício de eficácia.

Ora, tendo em conta o tempo muito limitado que tem no Parlamento Europeu para as intervenções, como gere esse tempo e que estratégias usa para ser conciso.

E queria também desafiar para, de seguida, nomear um colega, também no âmbito do parlamento, que considere também um ás da comunicação.

 
Dep.Carlos Coelho

Vamos ser claros. Nós no Parlamento Europeu temos, geralmente, intervenções entre um minuto e meio, pode ser às vezes um minuto, e quatro minutos. Portanto, a intervenção maior é quatro minutos, quando nós somos autores do texto e vamos defender o texto. A maior parte das intervenções são um minuto e meio ou dois minutos, mas em bom rigor não é comunicação.

Ou seja, aquilo funciona como um registo de orientação política. Eu digo ao plenário e, através do plenário, digo ao povo que está a ouvir, ou seja, aos jornalistas que estão a seguir a sessão, eu tenho esta opinião sobre esta matéria. E a comunicação é feita fora do plenário. Isto é, é mais importante para o jornalista o comunicado que eu envio a dizer "Carlos Coelho hoje, no plenário em Estrasburgo, chamou a atenção para a necessidade de reforçar a eficácia dos instrumentos do mandato de detenção europeu, de forma a combater a criminalidade transfronteiriça por estas razões”, do que aquilo que eu digo exatamente no plenário.

Ou seja, enquanto que uma intervenção no plenário da Assembleia da República, quando o Simão fala, ou a Margarida, ou o Duarte, aquilo, em si, pode conter uma estratégia de comunicação, no Parlamento Europeu, não.

Porque aquilo não é comunicação, aquilo é um registo. Aquilo é como um registo público de orientação política, de intenção política. A comunicação é feita ao lado. Portanto, tenho que trabalhar ou com redes sociais, ou com press releases , ou com conferências de imprensa, como também já fiz, para sinalizar à comunicação social a importância daquilo que eu fiz.

Porque, em dois minutos, eu não tenho muito conteúdo para vender, os dois minutos esgotam-se rapidamente e por vezes tenho que usar preciosismos que só fazem sentido na vida parlamentar.

Por exemplo, eu já fiz uma intervenção completamente pateta que, se vocês vissem, diziam "o que é que este gajo está a falar?”, mas que era essencial naquele momento, que era dizer: eu, relativamente à proposta dos Liberais, concordo com a emenda n.º 4, com o segundo ponto da emenda n.º 7, acho que podemos fundi-la com a emenda n.º 24.

Quem está a ouvir isto cá fora não percebe nada. Mas eu tinha que usar aqueles minutos para conseguir um compromisso no plenário. A minha luta política traduzia-se em "tecnocratês”, naquele caso. Felizmente, na maior parte dos casos, não é assim. Mas nesse caso eu falei em números de emendas; quem não conhecer os documentos não percebe o que é que eu estou a dizer.

Respondendo à sua pergunta: David, eu não penso, na intervenção em plenário em Estrasburgo, como uma peça de comunicação, faço a comunicação à parte.

Ás de comunicação. Os melhores ases de comunicação no Parlamento Europeu, não o são por razões do Parlamento Europeu.

Por exemplo, quem é muito bom na comunicação? O Paulo Rangel, porque faz participação noutros fora. O Nuno Melo em órgãos de comunicação social… A Marisa Matias…

Talvez esses sejam os três deputados europeus com melhor record de comunicação. Mas são conhecidos e fazem comunicação não tanto por matérias europeias, mas por matérias nacionais. Ou porque foram candidatos disto, ou candidatos daquilo. Está a ver? Se me perguntar um deputado europeu que, enquanto deputado europeu, seja um ás de comunicação, eu não tenho nenhum caso português para lhe vender.

 
Simão Ribeiro

Muito obrigado. A Anyise Pereira do Grupo Cinzento.

 
Anyse Pereira

Boa tarde. Dr. Carlos Coelho e Dr. Rodrigo de Deus, antes de mais, quero agradecer, em nome de todo o grupo, a oportunidade de estar num ambiente tão rico, de viver e aprender a UV 2016. Agradeço particularmente a gentiliza e a amizade da JSD de dar-me a oportunidade de participar como um dos representantes da juventude partidária do partido congénere do PSD em Cabo Verde.

De facto, Cabo Verde e Portugal têm uma relação especial e inegável e, se Deus quiser, inextinguível.

Vamos à pergunta: sabendo que a taxa de alfabetização em Portugal aumentou imenso nos últimos dez anos, para cerca de… o analfabetismo dá cerca de 5% em 2015, da mesma forma o número de indivíduos com um diploma universitário tem vindo a aumentar. Temos agora, então, um eleitorado mais exigente, mais crítico, mas menos indiferente e menos conformista.

De que forma é que o discurso político tem de ser adaptado para acompanhar essa evolução na escolarização do eleitorado?

 
Dep.Carlos Coelho

É verdade que nós temos menor taxa de analfabetismo e temos mais estudantes no ensino superior. Ou seja, como disse, e bem, em Portugal há uma elevação das qualificações académicas do eleitorado. Mas isso não nos pode levar a concluir precipitadamente que temos de alterar o nosso registo. Porque a comunicação democrática é que a nossa mensagem chegue ao maior número possível de pessoas.

Portanto, se nós queremos que a nossa comunicação chegue a todos, nós não podemos bitolar a nossa comunicação pelo nível mais erudito, porque isso está a alienar parte substancial do eleitorado. Nós temos que manter a nossa comunicação de forma a que todos percebam.

O facto de haver pessoas mais exigentes, ou com mais formação, não exclui que continue a haver uma grande parte da população que tem níveis de escolaridade mais básica.

Portanto, eu diria que sobre a estrutura do discurso, sobre a linguagem, sobre as palavras, sobre as metáforas, nós devemo-nos manter no mais básico possível.

Outra coisa é sob o ponto de vista da estratégia. Aí, nós temos que construir as nossas propostas de forma a que as pessoas que têm um nível de exigência maior não pensem que nós estamos a brincar com elas, isto é, não as estamos a levar a sério. E têm que perceber que nós somos autênticos e que as nossas propostas são fundadas.

Portanto, eu não confundiria a elaboração da nossa estratégia ou das nossas propostas com a nossa comunicação. A nossa comunicação tem que continuar o mais básica, universal e democrática possível, senão ela não é eficaz.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Completando diria que o facto de a escolaridade aumentar não significa um maior interesse, um aumento do interesse na política. Pelo contrário.

O absentismo… mais do que o absentismo, o desinteresse na política é, talvez, o grande problema que nós temos. Já se tentaram todas as diferentes abordagens possíveis e imaginárias. Nós temos quem faça discursos mais articulados, mais para cima, e temos quem continue a fazer um discurso mais simples, ou mais popular, ou mais básico.

Nenhum deles fez a diferença. Não está na maneira como nós nos apresentamos ao eleitorado, o problema está provavelmente na forma como nós estamos com o eleitorado. Enquanto distinguirmos aquilo que são os políticos dos eleitores, a coisa provavelmente não correrá bem. Esquecemo-nos que nós, políticos, também somos eleitores. E que temos que, obrigatoriamente, tornar os eleitores políticos. E isso é cada vez mais difícil, independentemente do grau de alfabetização.

 
Simão Ribeiro

Muito obrigado. Tiago Dinis, do Grupo Bege.

 
Tiago Diniz

Muito boa tarde a todos. A questão do grupo bege vai no sentido de perceber algumas sugestões da vossa parte, no caso de encararmos uma plateia que seja um pouco descontextualizada.

Ou seja, irmos falar sobre um tema que não lhes é familiar. E se cairmos na monotonia e eles não entrarem bem no tema, existe algum mecanismo, algo que despolete a atenção, algo assim que seja já mais batido? Algum conselho? Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Ó Tiago, a pergunta é muito difícil. Eu diria que o essencial é termos uma metáfora. É começarmos com alguma coisa que torne evidente para essa assembleia que o assunto é importante.

Vamos supor que eu venho falar de economia e que vocês estão-se nas tintas para economia. Mas que ontem saíram à noite e que num bar da terra houve problemas com os preços, não estavam afixados, vamos supor que os preços não estavam afixados e vocês sentiram que foram enganados.

Se eu souber dessa história e começar com o exemplo da transparência do mercado, da informação ao consumidor, da obrigatoriedade da publicação dos preços, vocês já estão com os ouvidos todos a dizer: este gajo tem toda a razão, foi aquilo que nos aconteceu ontem no bar. Eu a partir daí passo para a conversa económica que quero fazer.

Isto é, eu desde que tenha informação, sou capaz de pegar numa história que capte o vosso interesse. É por isso que eu vos disse, quando vos falei na sintonia, que é fundamental conhecer a audiência. Não saber apenas se vocês são jovens ou se são velhos, se são formados ou se não são, se são do norte ou se são do interior, se são agricultores ou se são advogados… Mas saber alguma coisa de vós que permita utilizar uma história, uma metáfora, um exemplo, que toque a vossa sensibilidade. Isto tem que ser encontrado caso a caso.

Eu correria o risco de dizer que é praticamente seguro que qualquer pessoa consegue despertar a atenção de uma audiência adormecida, desde que encontre um bom pretexto. Para encontrar esse bom pretexto tem que ter informação, tem que a conhecer.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

A parte técnica, praticamente, nós já demos aqui na apresentação. Ou seja, há uma técnica que os anglo-saxónicos utilizam muito, nós cá não, porque temos aquele complexo académico de Coimbra, que é começar o discurso com uma graça.

Em vez de discursarmos à séria - "Senhor Presidente da Assembleia…” – só a parte da introdução dá para adormecer uma pessoa. Portanto, é evitar isso e começar com uma graça qualquer. Sorrir… aquilo que nós dissemos na apresentação. Olhar, as pessoas. Faz imensa diferença. Independentemente dos papéis que temos à frente, sermos capazes de olhar as pessoas.

Sei que é intimidatório, especialmente para quem começa a falar em público agora, mas a verdade é que o olhar resulta. Porquê? Porque, como nós estamos a olhar para as pessoas, sentem-se intimidadas de agarrar no telemóvel e começar às voltas com o telemóvel no Facebook. É muito engraçado, a sério. Pode ser que ele olhe para mim outra vez, não é? Portanto, as pessoas ficam intimidadas e têm algum receio.

Terceiro. Era aquilo que o Carlos estava a dizer que talvez seja o mais importante, que é termos cuidado com as palavras que usamos. Ou seja, traduzirmos aquilo que vamos dizer para algo que diga realmente qualquer coisa. Não nos perdermos no discurso redondo, mas sermos capazes de traduzir aquilo que queremos dizer para algo concreto, é logo meio caminho andado.

E, depois, a parte mais simples: se arriscar fazer um discurso chato, não faça. Não seja chato. As coisas não têm que ser monótonas, há técnicas para melhorar isso. Há mexer, ponha-se de pé, mexa-se, ponha-se a andar de um lado para o outro, quanto mais coisas estiverem a mexer, mais as pessoas são obrigadas a prestar atenção, porque já não sabem para onde é que você vai a seguir. Oscile a voz, levante a voz, baixe a voz, não deixe que a coisa caia na monotonia.

Mas isso são aqueles conselhos que nós demos para falar em público. Há técnicas para isso, o mais importante é ser capaz de traduzir aquilo que você quer transmitir para que uma pessoa entenda… desinteressada, uma pessoa desinteressada, pense sempre que os outros não querem saber.

 
Simão Ribeiro

Antes de passar a palavra ao nosso último inscrito regular, por assim dizer, quero deixar duas notas. A primeira é que o Paulo Colaço pediu-me para avisar que está um novo desafio na Intranet para o JUV. Portanto, está já à vossa disposição.

A segunda questão é que ficam desde já abertas as inscrições para as perguntas "Catch the Eye”. Portanto, mandem vir.

Hugo Ferreira, Grupo Roxo. Desculpa, Hugo. Têm que fazer sinal à Mesa enquanto ele está a fazer a pergunta. Quem quiser nas "catch the eye” que vá fazendo sinal, ok?

 
Hugo Ferreira

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer em particular à equipa bege por, à última hora, me roubarem, na mouche, a pergunta. Apesar de não ser exatamente aí que eu queria chegar. Mesmo assim, vou formulá-la e pode ser que os oradores vejam talvez aí uma certa diferença.

Passa pelo seguinte: como o senhor deputado Carlos Coelho começou, e muito bem, a sua intervenção, a comunicação passa em primeiro lugar, naturalmente, por falar. Mas, mais importante, e eventualmente, por nós desvalorizarmos tanto, o ouvir. Um estudo recente, de há três anos, da Universidade do Minesota, chegou à conclusão do seguinte: chegou à conclusão de que, imediatamente após um discurso, uma palestra, uma aula, o indivíduo lembra-se apenas de cerca de metade do que acabou de ouvir. Não importa quão atento ele esteve. Isto cria um problema, logo na base, do que é a comunicação.

Ou seja, o orador debate-se, nesta primeira instância, com esta limitação da comunicação. E daí ser tão importante ser claro, ser eloquente. Daí as técnicas todas que nos enumeraram. Mas o orador debate-se ainda com outro problema, que é exatamente o desinteresse, a desatenção, e que muitas vezes está associado às novas tecnologias.

Ora, neste contexto, como pode e deve o orador combater este problema? Que técnicas, em particular, é que podia utilizar? Obviamente que isto vai ao encontro da mesma pergunta, não sei se conseguem utilizar algo. Por isso, deixo só uma outra certa pergunta que, se quiserem, podem abordar. A Prof.ª Maria Luís Albuquerque terminou a sua intervenção a dizer: se a história for má, não há maneira de a contar. A minha questão é: tantos anos do Partido Socialista a mentir descaradamente à população portuguesa, é de facto possível não contar a história ou contar outra história de modo a manipular, de certo modo, o espectador e todo o eleitorado? E, neste caso, será que essas mesmas técnicas de comunicação não são, no seu fundamento, perversas por darem armas a quem, de não bem, pode utilizá-las. Muito obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Hugo, vamos começar pelo fim. Eu diria que é sempre possível vender uma história. Pode é não ser muito sustentável no tempo. Isto é, nós podemos enganar algumas pessoas durante algum tempo, mas não podemos enganar todas as pessoas durante todo o tempo.

Portanto, a história pode sustentar-se, o que não fica muito bem é para a credibilidade de quem tentou vender uma história que não tinha pernas para andar. A credibilidade de quem o fez, isso fica afetada. E a reputação, na política como na vida, é algo que demora muito tempo a construir e é muito fácil de destruir.

Deixem-me contar uma história real. Uma vez, uma pessoa, um amigo nosso, que era deputado à Assembleia da República, correu na Assembleia que ele tinha estado o dia inteiro a jogar ao computador. Vieram-me fazer queixa e eu disse-lhe: estiveste o dia todo agarrado ao computador. O gajo explodiu. Disse-me: o primeiro-ministro pediu-me uma coisa. Isto é incrível, isto é a reputação. Tu podes estar (tu, eu), podes estar um dia inteiro a jogar ao computador e toda a gente vai dizer "coitadinho do Carlos Coelho, passou o dia a trabalhar”; eu estive um dia a trabalhar e toda a gente diz "o gajo passou o dia a jogar…”.

[Risos]

Isso é o preço da reputação. Uma pessoa demora algum tempo a ganhar uma reputação. Num instante perde-a… num instante perde-a. Portanto, o problema de vender, não é a incapacidade de vender a história, é de sustentar isso durante algum tempo e de não ter custos de reputação.

Agora, aquilo que o Hugo disse é rigorosamente verdade. Nós, no final de uma intervenção, menos de metade fica na vossa memória. Fica na vossa memória imediata. No da seguinte é para aí 10% ou 5%.

Foi por isso que nós usamos dois truques. Um primeiro truque, que o Rodrigo explicou bem com o trabalho do Damásio, é nós associarmos à comunicação oral a comunicação visual. As mensagens principais, se vocês repararam, estavam no Power Point e na nossa boca. Portanto, vocês estavam a ser bombardeados com mensagens por via do vosso olhar e por via do vosso ouvido. Já ajuda a reter um bocadinho mais.

E segundo, porque ainda assim não somos demasiado convencidos relativamente às nossas capacidades de comunicação, pusemos tudo "escritinho”. Vocês levam para casa uma brochura que tem lá tudo. Quem tiver necessidade e vontade pode tornar e dizer "é verdade, os gajos disserem isto que está lá”. É uma forma de vos acorrentar a um registo escrito com as nossas mensagens fundamentais. Foi a nossa defesa, neste caso. Podemos ter outras defesas seguindo as técnicas que tentámos vender.

 
Simão Ribeiro

Na fase já do "Catch the Eye”, primeiro inscrito, Tiago Lucas, Grupo Rosa.

 
Tiago Lucas

Antes de mais, muito boa tarde a todos. Renovo mais uma vez os cumprimentos já aqui apresentados à Mesa.

A minha questão é muito simples. Aliás, são tecnicamente duas e muito breves, prometo. Já aqui falamos, várias vezes, no discurso tecnocrático, etc., e várias vezes Marcelo Rebelo de Sousa fez discurso de comentador a acertar nos erros, ou a adivinhar os erros da coligação, que é no fundo uma questão de comunicação. Dizia ele que o nosso problema, do governo de coligação, era da comunicação. Não estávamos a comunicar as coisas da forma certa, ou não estávamos a acertar no ponto ideal que a opinião pública exige.

De certa forma a minha questão é: será que o resultado que nós tivemos nas últimas legislativas e que conduziu a esta circunstância política, foi, digamos, uma causa da nossa insuficiência ou da nossa incapacidade para comunicarmos aquilo que de tão importante estávamos a fazer?

Indo portanto à última questão, e também breve. Muitas vezes nós falamos da questão do carisma. António José Seguro, líder do PS antes de Costa, era muitas vezes acusado de não ter carisma, e António Costa, o homem que parecia o grande balão das esperanças, acabou por sair um pouco esvaziado, visto que não ganhou efetivamente as eleições.

Portanto, indo novamente ao tópico da questão do carisma, a minha questão é: como é que nós, oradores, que tentamos passar uma mensagem clara e que queremos que as pessoas cheguem a elas, podemos ultrapassar esta dificuldade ou esta dificuldade acrescida de, muitas vezes, não termos carisma ou de não termos facilidade de cair na boa graça da opinião pública, como alguns políticos têm, como por exemplo António Costa teve para a vitória nas eleições internas do PS.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Tiago, três notas muito breves. O resultado das últimas eleições legislativas; da última vez que eu vi, acho que nós tínhamos ganho aquelas eleições, portanto a coisa não correu assim tão mal. O que é uma coisa extraordinária, tendo em conta que estivemos durante quatro anos sob o jugo de uma troika e de políticas de austeridade e de ausência completa de cuidados de comunicação. Nós até repetimos aqui a frase do "que se lixem as eleições”, uma coisa extraordinária. Nunca tinha isto acontecido no país, na história da democracia em Portugal. E mesmo assim nós ganhámos aquelas eleições.

Isto tem a ver com a segunda parte da sua pergunta, que é a questão do carisma. Não vou falar sobre o António José Seguro; eu gosto imenso do António José Seguro. Direi a coisa de outra maneira.

O carisma não se tem, você não nasce com carisma. Quer dizer, pode ter ali um bocado, um ex factor , de facto, pode ajudar. Mas, na maior parte dos casos, o carisma constrói-se – constrói-se, mesmo. Eu posso-lhe dar o exemplo de um senhor baixinho, gordo, com tendências para o alcoolismo – estou-me a referir a Churchill. Conhece político mais carismático do que esse? E ainda por cima nabo nas suas decisões. Antes de ter sido primeiro-ministro em Inglaterra tinha morto milhares de soldados, por causa de más decisões.

Estamos a falar a este nível. O carisma constrói-se, de facto. Constrói-se com quê? Persistência, 10%. E 90% de trabalho. Trabalho, trabalho, trabalho….

E não vale a pena nós estarmos a tentar desvalorizar o nosso adversário. O António Costa é um líder carismático. E aquilo que ele fez é uma coisa absolutamente extraordinária. Eu não teria paciência para aturar a Catarina Martins de manhã e o Jerónimo de Sousa à tarde. Eu não sou capaz de fazer aquilo que ele fez. Você é?

Portanto, vamos dar mérito ao homem. Vamos dar mérito ao homem. É uma coisa absolutamente extraordinária. Ultrapassa tudo aquilo que foi pensado até hoje, ele conseguiu ultrapassar. Por necessidade, talvez, sim, claro, evidentemente. Mas sobretudo por engenho. Porque ele tem essa capacidade. E isso é daquelas coisas que fazem construir carisma. Nós nem nos lembramos que o homem nunca ganhou umas eleições. É uma coisa extraordinária. Desde que é líder do PS foram sempre derrotas. Não conta, não é preciso.

Com o seu carisma – e o carisma alimenta carisma, a construção do carisma acrescenta carisma – vai chegando lá. Portanto, eu não me preocuparia em nascer com talento inato para a política, porque a persistência e o trabalho normalmente resultam quase tão bem.

Aliás, deixem-me dizer só mais uma coisa. Talento inato: Miguel Esteves Cardoso. É um crime, é um crime aquele homem andar desaparecido. É um crime.

Talento inato para a política: Pedro Santana Lopes. Talento inato, você olha para ele e diz "este homem nasceu para isto”.

Outro exemplo extraordinário de quem não tinha talento inato: Marcelo Rebelo de Sousa. Não tinha talento inato, é uma coisa extraordinária. Você vê a carreira… Há bocado o Carlos Coelho estava falar daquele líder do PSD que dava três conferências de imprensa por dia e que baralhava as coisas todas. Sabe quem era o líder? Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente da República, o senhor que esmagou nestas últimas eleições presidenciais. Vinham candidatos de esquerda e ele continuava a ganhar. Não tinha talento inato… Provavelmente dos piores presidentes do PSD de que há memória. Enquanto político, fez dois referendos, duas jogadas de bastidor absolutamente deliciosas e extraordinárias, conseguiu uma revisão constitucional. Mesmo assim, a coisa não correu bem porque arriscou tudo num acordo com o CDS, imagine-se a audácia na altura.

Mas não era uma pessoa com talento inato para a política. Professor, vivia em Cascais, tinha a mania que era cagão e, de vez em quando, dava-lhe assim umas maluqueiras tipo atirar-se ao rio Tejo. A coisa tinha tudo para correr mal. Tinha tudo para correr mal...

E de repete ele descobriu uma coisa extraordinária que é… ser ele próprio. Porque ele é mesmo assim, aquilo não é fabricado. E apresentar-se às pessoas sendo ele próprio: olha, sou mesmo assim, gosto de dar beijinhos. O que é uma coisa extraordinária. Nós, tecnicamente, durante aquelas eleições, chamamos-lhe afetos. Ficava melhor do que beijinhos. Beijinhos não dá para pôr no Facebook. Beijinhos do Presidente… fica melhor afetos como título da coisa. Mas ele é genuinamente assim.

Portanto, quando você compara o carisma dos lideres, ou o talento ou aquilo que é fabricado, confio muito mais naquilo que é trabalhado, de facto, do que propriamente em talentos inatos que normalmente não vão longe.

 
Simão Ribeiro

Rodrigo Passos, Grupo Laranja.

 
Rodrigo Passos

Desde já boa tarde, gostava de cumprimentar a Mesa. E a minha pergunta vai de encontro ao que o Rodrigo falou durante a sua intervenção, que é a utilização das plataformas móveis, dos smartphones , dos telemóveis e do Facebook para nos chegar a informação.

Eu gostava de perguntar, baseado no tema "falar claro” ou "escrever claro”, qual a melhor maneira de chegarmos às massas, aos nossos amigos, através do Facebook, do Twitter, por aí. Obrigado.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Você não queira chega aos seus amigos, você perdeu essa parte. Os nossos amigos já estão convertidos; se eles são nossos amigos não contam…

Eu não sei se costumam estar com presidentes de Câmara, mas os presidentes de Câmara são aquelas pessoas eternamente convencidas de que vão ganhar as eleições sempre com 90%. Porquê? Sempre que vão fazer um discurso perguntam para o lado: então, correu bem? – Oh senhor presidente, foi um discurso maravilhoso! Maravilhoso! Toda a gente mente ao presidente da Câmara; toda a gente mente. Qualquer presidente de Câmara é vítima de bullying mentiroso, toda a gente mente, nunca ninguém diz que está alguma coisa mal. O senhor pergunta: mas está tudo bem lá na rua? – Maravilhoso, senhor presidente. Grande trabalho, grande discurso! E o homem acabou de nos dar uma seca de 45 minutos.

Vocês não acreditem nos vossos amigos, também. Eles são mentirosos. É como confiar na nossa mulher. É péssimo… É péssimo! Se você estiver despenteado e lhe faltarem dois dentes à frente, e mesmo assim ela for ciumenta, ela vai sempre dizer que você está ótimo. Claro, tem medo que lhe roubem o marido. Óbvio, não é? Vai sempre mentir. Os seus amigos são aquilo que menos interessa.

Portanto, a pergunta devia ser: como é que nós chegamos às pessoas que nós não conhecemos? Isso é um bocadinho mais difícil porque nos obriga a ser interessantes. [Risos]

Na prática, obriga-nos a ser interessantes. A escrever coisas interessantes, a dizer coisas interessantes… e sair um bocadinho daquilo que é expectável e rotineiro nos políticos. Um bocadinho, não estou a dizer que é preciso agora… daí até ao mergulho no Tejo vai um grande passo.

Mas nós repetimos imensas vezes que as pessoas estão habituadas… as pessoas já sabem o quê que os políticos vão dizer. Em todos os casos ou em quase todos os casos. Portanto, se calhar, estão à espera de um bocadinho mais. Estão à espera de um miminho, de uma palavra diferente, de uma ideia diferente. Ideias, aliás, é uma coisa perigosíssima, destroem os políticos. Os políticos fogem das ideias como o diabo da cruz. As ideias criam antagonismo – há sempre 20% de pessoas que não gostam de ideias, da nossa ideia. Nomeadamente os comunistas. É normal. Mas as pessoas lidam mal como isso, lidam mal com a impopularidade. Nós não gostamos que digam mal de nós. Mas uma pessoa habitua-se.

Portanto, uma ideia nova, palavras novas e uma atitude um bocadinho nada fora da caixa, vai ver que consegue ficar interessante. No dia em que ficar interessante, consegue ir para além dos seus amigos.

 
Simão Ribeiro

André Soares, Grupo Bege.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Interessante era uma coisa, atenção, muito inocente, não…

 
André Soares

Muito boa tarde. Eu gostaria de fazer uma pergunta relacionada sobre como são transmitidos os discursos. Ou seja, nas presidenciais de 1960, na América do Norte, o Kennedy fez um debate contra o Nixon. Esse debate foi transmitido via rádio e televisão. No rádio, o público disse que Nixon era o vencedor, mas na televisão a maioria das pessoas elegeu Kennedy. Um dos motivos pelo qual se diz que se passou isso é porque Kennedy não estava a fazer o debate contra Nixon. Ou seja, Kennedy estava a transmitir as ideias dele virando os olhos sempre para a câmara e, penso eu, criando uma conexão com o público. O quê que isso influência?

 
Dep.Carlos Coelho

O exemplo que deu é um exemplo clássico de duas coisas. Primeiro, da emergência da televisão na política. Esse debate histórico marcou a emergência da televisão na política. Até então o que era determinante, não apenas na América mas também na Europa, era a rádio. E a televisão ganhou uma força pelas razões que o Rodrigo explicou bem no início da nossa conversa. É porque o impacto visual é mais importante do que o impacto só auditivo.

Em segundo lugar, esse debate marcou a força da imagem. Ou seja, se a memória me não trai – se estiver a dizer um disparate, o Rodrigo vai-me corrigir - a despeito de a comunicação ser mais estruturada em Nixon e, por isso, as pessoas que o ouviam gostaram mais daquilo que ele disse (ele falou mais às pessoas do que Kennedy), a imagem que passou na televisão foi uma imagem assassina. Kennedy transmitia jovialidade, juventude, força, energia, e Nixon passava uma imagem de velho, cansado e a suar.

Dizem, aliás, - já vi isso escrito, não sei se é rigorosamente verdade – que os spin doctors , à data, de Kennedy, exigiram que o debate fosse feito em pé, exatamente para prejudicar a imagem visual de Nixon e para favorecer a imagem de Kennedy, porque, como era mais jovem, era capaz de comunicar melhor com a câmara. E o outro estava de pé em vez de estar sentado e, portanto, tudo aquilo lhe custava mais. Não sei se é verdade, se houve ou não essa motivação perversa. Se houve, foi bem conduzida, e o que é verdade que a imagem de um foi muito melhor do que do outro.

E o facto de um ter ganho na imagem e o outro ter ganho no discurso, aquele que ganhou foi o que ganhou na imagem. Hoje, nós temos essa perceção clara. Temos de tal forma essa perceção clara que, na política portuguesa, num ato eleitoral em que se elegem deputados à Assembleia da República, isto é, em que os portugueses elegem os seus representantes para o parlamento nacional, a campanha é toda centrada na imagem dos cabeças de lista, que fazem de uma eleição legislativa, na prática, uma corrida ao posto de primeiro-ministro.

E que o PS e o PSD o façam tem algum sentido; são os partidos que podem disputar essa liderança. Agora, que os partidos mais pequenos, e que até os partidos mais marxistas, que tinham uma lógica mais coletivista – o próprio PC ou o Bloco de Esquerda, etc. -, aceitem essas regras do jogo… Se vocês virem, a campanha das últimas legislativas do PC, sob o ponto de vista da sua estrutura, não era muito diferente dos outros partidos. Era o líder, o Jerónimo, na maior parte dos cartazes.

Mas nós, se fossemos eleitores comunistas, não estávamos a eleger o Jerónimo. Estávamos a eleger o Jerónimo e os outros todos, o Tiago e os outros todos. Porquê? Porque a imagem tornou-se central na política. Tornou-se central na política depois desse debate histórico que você referiu.

Isso é bom ou mau? Eu, que dou mais valor à política substância do que à política espetáculo, vejo com alguma tristeza a sobrevalorização do papel da imagem relativamente à substância, mas, vocês compreenderão, não se faz política em Portugal nem o mundo em função da minha opinião pessoal. Faz-se em função da realidade das coisas. Portanto, se as coisas são assim, nós temos que jogar o jogo com as regras que o jogo estabeleceu para si próprio.

 
Simão Ribeiro

Gustavo Pereira, Grupo Rosa.

 
Gustavo Pereira

Boa tarde. Não querendo fugir muito ao tema, quando falamos em comunicação falamos também em liberdade de expressão. Há pouco o Dep. Carlos Coelho falava em algumas maneiras de não cairmos em algumas trapalhadas para não sermos acusados de difamação.

O Público publicou há poucos minutos uma peça que tem como título "Liberdade de expressão: Portugal com condenações superiores à média da União Europeia”, que diz que, entre janeiro de 2005 e janeiro de 2015, houve 18 decisões do Tribunal Europeu de Justiça contraditórias com as decisões da justiça portuguesa. Isso dava o triplo da média europeia.

Aquilo que eu gostava era que comentassem, obviamente, estes dados, ainda que provavelmente não tenham tido oportunidade de olhar para a notícia e que respondessem à pergunta se, em Portugal, é preciso ter algum cuidado com aquilo que se diz. Obrigado.

 
Dep.Carlos Coelho

Vamos cá ver. Primeiro, só uma questão de precisão. Há dois tribunais europeus: há o Tribunal de Justiça Europeu, que é da União Europeia; e há o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que é do Conselho da Europa. A decisão que você referiu é do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o chamado Tribunal de Estrasburgo, e não do Tribunal do Luxemburgo.

O Tribunal do Luxemburgo – o Tribunal de Justiça da Unoão Europeia – é um tribunal que interpreta o direito comunitário. Portanto, afeta apenas os 28 (ainda 28) Estados-Membros da União. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem afeta, ou melhor, tem jurisdição sobre todos os países que assinaram a Convenção Europeia dos Direitos do Homem que, na última contagem, eram 44 ou 45, se a memória… enfim, à volta disso.

O quê que está a acontecer no que diz respeito à jurisprudência portuguesa? A jurisprudência portuguesa, relativamente à liberdade de expressão, é um bocadinho mais restrita do que a jurisprudência europeia, do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Portanto, o Estado português tem sido condenado. Na maior parte dos casos, eu concordo com as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. No caso concreto de hoje, eu não concordo.

O quê que se passa? Passa-se que, em tempos, a Visão fez uma reportagem a acusar o antigo primeiro-ministro português, Pedro Santana Lopes, de consumir drogas duras e de, com isso, ser um indivíduo destemperado, tal e tal. Pode-se gostar ou não gostar do estilo do Dr. Pedro Santana Lopes, mas parece que não tem muito fundamento acusá-lo do consumo desses estupefacientes; ele foi a tribunal e ganhou. A justiça portuguesa deu como provado que se tratou de uma difamação, de uma calúnia, e condenou a revista.

A revista foi para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem invocar violação de liberdade de expressão. Eu não conheço o acórdão, só vi a notícia como você viu, portanto não vi como é que os juízes sustentam, mas os juízes condenaram o Estado português dizendo que a justiça portuguesa não devia ter condenado a revista.

Dá-me ideia que o tribunal considera que aquilo era uma opinião que era legítima. Eu não sei como é que é legítimo dizer, com prejuízo para a reputação de um agente político ao nível de primeiro-ministro, que é um drogado. Acho que isso não é liberdade de expressão, acho que é de facto difamação e calúnia.

Salvo melhor opinião, lendo um acórdão que ainda não li, não concordo com esta decisão, mas constato que, ao longo dos tempos, de uma forma geral, a justiça portuguesa é mais limitada, mais tradicional, mais conservadora na apreciação dos princípios da liberdade de expressão do que a jurisprudência europeia.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Só completar com alguns dados, entre aspas. Portugal está em 35º lugar no ranking da Freedom House, que é uma ONG norte-americana que mede a liberdade de imprensa, que é diferente de liberdade de expressão, em todo o mundo.

O primeiro classificado é a Noruega, o último é a Coreia do Norte, por razões evidentes, porque não tem imprensa e não tem liberdade, duas coisas fáceis de distinguir.

Portugal está à frente de países como a Espanha e a Itália, por exemplo, que nós daríamos como certos que estariam à nossa frente. A posição não é nada má. Se olharmos para cima, são os países nórdicos que têm e tiveram sempre uma tradição enorme de liberdade de imprensa e liberdade de expressão – especialmente de expressão que depois se transmitiu na imprensa -, e as coisas são, de facto, como o Carlos disse, a lei portuguesa tem algumas restrições e a interpretação da lei é bastante conservadora.

Até porque nós podemos – e aconteceu-me já como jornalista – ser absolvido do crime de abuso de liberdade de imprensa e ser condenado em processo cível. Ou seja, sou obrigado a pagar a indemnização à mesma porque aquilo fez estrago na reputação da pessoa. E muitas vezes os juízes não têm coragem de condenar os jornalistas por abuso de liberdade de imprensa, mas não têm problemas em condená-lo no processo cível, porque isso decorre de qualquer das formas… É difícil eu dizer a verdade sobre outra pessoa e não lhe causar dano. É uma parte complicada.

E a maior parte das condenações que você tem aí são condenações nos processos cíveis. Que são tramadas para a imprensa, atenção. E hoje em dia a interpretação da lei de imprensa é, de facto, feita de uma maneira muito conservadora.

Isto para dizer o quê? Eu, Rodrigo, acredito num regime totalmente liberalizado. Totalmente liberalizado. Aquilo que nós não podemos ter nunca é um país, ou uma determinada maneira de pensar que nos diz: sou pela liberdade de imprensa, sou pela liberdade de expressão, e depois o Correio da Manhã faz sobre nós uma capa menos agradável e achamos que o Correio da Manhã tem que ser fechado, no mesmo dia! Não, as coisas acontecem, existem.

Acho muito mais, é muito mais saudável para o regime e para o país, deixar a caneta azul numa gaveta, do que tentar definir quais são as regras exatas.

 
Simão Ribeiro

Muito bem. Última oportunidade para mais questões. Força! Falta só dizer o teu nome. Anyse, Grupo Cinzento. Podes.

 
Anyse Pereira

Já agora queria perguntar como se lida com a contenção dos danos. Vocês falaram aqui de expressões que durante a proferição, ou proferimento do discurso político, a tal geringonça, ou… essas palavras. Alguém disse, e depois teve de haver uma contenção dos danos. Então como é que isso se processa?

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Posso responder? A maneira mais honesta de lhe responder é dizer que não há contenção de danos. É como a história da gestão de crise. Não há gestão de crise. Quando há crise, há crise. Ponto. O quê que você vai gerir? O tamanho do desastre? É um desastre à mesma.

Só há uma forma de você resolver essas questões, que é normalmente construir uma narrativa positiva. Ou seja… a história da geringonça é um bom exemplo. Não houve contenção de danos, aquilo que houve foi o aproveitamento de uma ideia – "é uma geringonça mas funciona”. É uma geringonça mas funciona, é um milagre. Portanto, como qualquer milagre tem que ser preservado. Até podemos-lhe fazer um santuário, para o milagre. E foi por aí fora, por aí fora. Não só não recusaram, como aceitaram e ainda atiraram à nossa cara. Maldito o dia em que alguém disse a palavra geringonça. Maldito o dia, porque geringonça até é um bom exemplo. Aquilo foi um milagre, o homem é santo, faz milagres. Isto é inacreditável.

Portanto, você não tem grande maneira de fazer contenção de danos. Ou melhor, a única forma de fazer contenção de danos é construir uma narrativa positiva acerca da sua ideia ou daquilo que aconteceu. É construir a sua própria reputação em vez de estar preocupado com aquilo que os outros possam ou não dizer.

Aquilo que o Carlos não disse acerca do Dr. Santana Lopes – eu tenho uma adoração especial pelo Dr. Santana Lopes, como case study , é um caso de estudo, mesmo -, é que aquilo não foi um incidente isolado. Foi no meio de uns meses muito conturbados.

E na altura dizia-se, aqui existe uma campanha dos socialistas contra o primeiro-ministro Santana Lopes. Mas houve muitas coisas que correram mal. Mesmo muitas. Entrevistas que ele deu de perna aberta no sofá, na residência oficial do primeiro-ministro. Esta, o Carlos há de se lembrar… Há uma entrevista que ele dá num domingo, com a perna aberta no meio do sofá da residência oficial. Sessões de manhã desmarcadas. Não sei se ele estava indisposto ou não estava indisposto, mas a verdade é que não apareceria.

Aquilo foi uma… aliás, havia um termo que depois foi utilizado… não foi balbúrdia, mas quase. Portanto, é raríssimo um selo negativo ser colado por conta de um incidente isolado. Não é assim que as coisas acontecem. Tudo isto leva um trajeto, há uma determinada narrativa que se constrói à volta das pessoas e à volta daquilo que elas fazem. E portanto, não podemos nunca culpar um incidente isolado.

Portanto, não há contenção de danos, construa a sua narrativa positiva.

 
Simão Ribeiro

Obrigado. Gonçalo Silva, Grupo Verde.

 
Gonçalo Silva

Antes de mais, boa tarde a todos. A minha pergunta vem um bocadinho no seguimento daquilo que foi a pergunta e a resposta dada à pergunta de um colega meu, há pouco.

Há pouco falávamos na genuinidade do caráter e da forma de ser de Marcelo Rebelo de Sousa. E eu pergunto, muito diretamente, porque é que e como é que essa genuinidade pega, junto do eleitorado, e não pega, por exemplo, a genuinidade – eu pessoalmente, pelo menos, acredito nessa genuinidade - do caráter do Dr. Pedro Passos Coelho, ao nível daquilo que é a seriedade e o compromisso que todos efetivamente lhe reconhecem.

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Tentando responder da melhor maneira possível… Sou muito amigo do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, para dizer… sou marcelista, já era há uns anos, quando era o único marcelista.

Isto serve para dizer o seguinte: o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa não fez uma campanha de três meses, nem de dois meses. Está em campanha há trinta anos. Há trinta anos que está em campanha. Ainda o Dr. Passos Coelho andava na escola de calções e já o Prof. Marcelo estava em campanha a aprender como é que a coisa era feita. E aprendeu! Aprendeu mesmo.

Portanto, comparar uma coisa com a outra é profundamente injusto, quer para o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que trabalhou durante trinta anos para isso, quer para o Dr. Passos Coelho, que nunca teve sequer tempo para fazer o mesmo trajeto, nem provavelmente as mesmas oportunidades. Nem sequer teve tempo para cometer os mesmos erros.

Eu volto a dizer: perdeu umas eleições para a Câmara Municipal de Lisboa que estavam ganhas à cabeça, certo? Num debate! O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa perdeu num debate com o Dr. Jorge Sampaio. O Dr. Jorge Sampaio era uma aventesma, era a aventesma mais desinteressante, mais mole que existia à face da terra. Continua a mesma aventesma. E perder um debate com ele, o Prof. Marcelo, não é? Aquela coisa do... o homem mais popular do planeta Terra e de Portugal em particular. Perdeu o debate, perdeu inexplicavelmente, copiosamente. Perdeu essas eleições. Como presidente do PSD, os grandes feitos que teve, foram vitórias de gabinete, porque de facto no um para um era imbatível.

Grandes discursos, o Dr. Santana Lopes ganhava-lhe os congressos todos. Era uma coisa extraordinária. Aliás, em Tavira, vi um momento absolutamente extraordinário da nossa política. Foi ver o Dr. Santana Lopes fazer um grande discurso contra a questão dos dois terços de apoio que o Prof. Marcelo exigia para continuar como presidente do PSD. Faz uma grade intervenção de vinte minutos. E eu pensei: bom, acabou, vamos todos para casa, o Prof. Marcelo vai deixar de ser presidente do partido, acabou.

E o Prof. Marcelo, que é muito mais inteligente do que todos nós juntos, não, pediu a palavra logo. Eu pensei: isto é suicídio político, vai-se comparar imediatamente com o Santana Lopes e, portanto, vai ficar colado, e isto vai ser uma derrota monumental.

Ele foi ao púlpito e durante cinquenta minutos esteve a falar, para adormecer as pessoas. E adormeceu-as. Estava toda a gente à espera que ele respondesse ao Santana Lopes, aquela coisa… Cinquenta minutos!

E como não tinha os mesmos dons de oratória, deu essa extraordinária seca, adormeceu toda a gente, e nos últimos cinco minutos bastou-lhe erguer a voz e aquilo fez um sucesso. Já ninguém se lembrava do Dr. Santana Lopes. Foi uma coisa extraordinária.

Isto tudo para dizer o quê? Não é justa a comparação; não é justa a comparação. O Prof. Marcelo tem muitos frangos virados. E, sobretudo, não é justa a comparação nem para um nem para outro.

 
Dep.Carlos Coelho

Eu concordo com aquilo que o Rodrigo disse, mas eu diria que ambos são genuínos e ambos são autênticos. Só que é mais fácil de passar na opinião pública a autenticidade da simpatia do que a autenticidade da austeridade.

Na fase mais dura, nós não vimos pessoas a dizer na rua, como aconteceu com governos anteriores – vocês são mais novos, mas eu recordo-me de muitos governantes nossos e governantes socialistas – que passavam na rua e diziam: ladrão, vigarista!

Nunca houve uma agressão ao Dr. Pedro Passos Coelho, nos momentos mais difíceis. Ele não levou com ovos na cara - houve governantes nossos que levaram. Porque as pessoas reconheceram que ele estava a fazer um trabalho difícil e que ele não era o responsável. Ele estava a tentar reparar aquilo que o outro tinha estragado.

[Aparte inaudível]

Ok, mas ele ganhou as eleições perdendo votos relativamente à anterior. Mas, de facto, ganhou as eleições.

Agora, acho que a questão não está na autenticidade. Ambos são autênticos, só que é mais fácil ser autêntico sendo simpático, do que ser autêntico vendendo um discurso de austeridade.

 
Simão Ribeiro

Tomás, Grupo Amarelo.

 
Tomás Caldeira

Boa tarde. Eu gostaria de fazer uma pergunta relativa às táticas exteriores de comunicação. Tirando o exemplo do professor Pedro Guerra, eu gostaria de saber até que ponto é que açambarcar uma mesa com dossiers, jornais e papéis, não ajuda a passar a imagem de uma pessoa interessada, concisa e direta?

 
Dr.Rodrigo Moita de Deus

Eu gosto imenso do Pedro, eu trabalhei com ele. O Pedro – eu sou benfiquista, só para esclarecer essa parte –, o Pedro trabalhava no arquivo do Independente, e fazia um grande trabalho como arquivista. Coisa que ele continua a fazer no programa de televisão. Aquilo leva arquivo… não é? É uma coisa muito engraçada.

Para ir direto à questão, porque já preparei muitos debates para políticos, é um erro chegar lá sem papel nenhum. É nós estarmos convencidos de que chega aquilo que está na nossa cabeça e que não precisamos, a certa altura, de tirar uma nota ou de nos lembrarmos de um número. Porque é de uma vaidade monumental. Mesmo que seja verdade, é de uma vaidade de tal maneira grande que é quase ofensiva para as outras pessoas.

Se você enche as coisas todas e não sabe onde estão as suas notas, também não vale a pena só para questão de adereço. Mas a verdade é que, quando se prepara um debate, você tem mesmo que ter as perguntas e as respostas preparadas. Mesmo. Ou uma entrevista, você tem mesmo que ter aquilo preparado. Ter isso à mão, é absolutamente fundamental.

Nós tínhamos uma cábula, que fazíamos em política - a última vez que fiz essa cábula foi ali para Cabo Verde, para a sua terra -, que era a cábula do básico. São aquelas perguntas que qualquer jornalista nos faz quando nos quer entalar, que é: preço do leite, preço do autocarro, salário mínimo - você pode perguntar o salário mínimo a um político e a maior parte deles não sabe; preço do leite não faz a mínima ideia; preço da carcaça, também ninguém sabe.

E era uma cábula que nós obrigávamos os políticos a decorar ou, pelo menos, a andar com a cábula, para pelo menos ter uma ideia e decorar. Ir de mãos a abanar é de uma vaidade… é um convite ao desastre.

 
Simão Ribeiro

Bom, uma vez… isto não foi uma imitação do Prof. Marcelo, foi sem querer.

Uma vez que não há mais questões, eu convidada então, e aproveitava para agradecer aos nossos oradores, convidando-os a sair para que possamos fazer a nossa avaliação.

[Aplausos]

 
Nuno Matias

Pedia então ao Pedro Esteves que me pudesse dar aqui uma ajudinha. Vocês já sabem a mecânica, vamos avaliar a utilidade desta aula.

Está toda a gente preparada? Muito bem.

Bom, primeira fila.

Podem baixar, obrigado. Segunda fila.

Podem baixar, obrigado (...)