Simulação de Assembleia: Estabelecer o voto obrigatório
Joana Barata Lopes
Eu pedia aos grupos que assumissem os seus lugares. Para
a bancada do Governo vem o Grupo Rosa; para a Oposição 1, do nosso lado
esquerdo, o Grupo Amarelo; e para a Oposição 2, do nosso lado direito, o Grupo
Encarnado.
Pedia-vos que fossem tão rápidos quanto possível.
Pedia-vos que se sentassem para nós podermos iniciar este
ponto.
Vamos passar ao ponto nove da nossa Ordem de Trabalhos,
Estabelecer o voto obrigatório. Para apresentar a proposta pelo Governo Rosa,
tem a palavra o senhor Ministro Artur Teixeira Gomes. Dispõe de cinco minutos.
Faça favor senhor Ministro.
Artur Teixeira Gomes
Muito obrigado, senhora Presidente. Caros membros do
Governo, senhoras e senhores Deputados;
Antes de iniciar a apresentação desta proposta do
programa de governo, eu gostaria que todas as senhoras e os senhores deputados
refletissem sobre quatro números. Esses quatro números são os seguintes: 35,
40, 42 e 44.
Para o caso de os senhores e das senhoras deputadas não
se recordarem destes números, eu posso ajudar. Estes são os números da taxa de
abstenção das últimas quatro eleições legislativas. Senhoras e senhores
Deputados, se calcularmos a média de todas estas eleições, poderemos
compreender que, nas próximas eleições legislativas, iremos atingir os 47% de
abstenção.
Senhoras e senhores Deputados, vamos deixar que a
abstenção atinja os 50% ou vamos, finalmente, atuar sobre este assunto? Ouvimos
muitas vezes pelo povo português perguntar qual é a legitimidade dos órgãos
eleitos por menos de metade dos cidadãos. O que eu pergunto é bastante simples:
qual é, realmente, a legitimidade de uma Assembleia representativa eleita por
menos de metade dos seus representados?
A implementação do voto obrigatório, para além de
diminuir a taxa de abstenção, obriga necessariamente a uma maior
responsabilização dos cidadãos na vida política e na direção do governo do seu
país. Tal como nas escolas, caras senhoras e senhores Deputados, obrigação traz
preparação e a preparação traz consciência. Dessa forma, teremos um voto
responsável, consciente e que legitima, verdadeiramente, uma assembleia
representativa.
Senhoras e senhores deputados, o sistema de voto
obrigatório tornaria ainda a nossa Assembleia bem mais equitativa quanto à
representação social, uma vez que a taxa de abstenção é muito maior nas camadas
sociais de baixos rendimentos.
Esta equidade irá refletir-se na nossa Assembleia de duas
formas: aumentando o número de partidos representados ou reforçando os poderes
dos atuais partidos.
Senhoras e senhores Deputados, é ainda nossa obrigação
minimizar as taxas de abstenção o máximo possível. Ao que, o não exercício do
dever obrigatório de voto será, posteriormente, regulamentado pelo Código
Penal, criminalizando este dever obrigatório, que terá como sanções a inibição
de concorrer a cargos públicos, o trabalho comunitário ou ainda uma multa
pecuniária.
Sabemos também que o voto nulo e o voto em banco serão
uma realidade e tenderão até a aumentar. Mas um voto, senhoras e senhores
Deputados, será sempre um voto, e mesmo que em branco, apenas servirá para
reforçar a legitimidade dos órgãos eleitos.
Muito obrigado.
[Aplausos]
Joana Barata Lopes
Muito obrigada, senhor Ministro. Para a primeira
interpelação ao Governo, pelo Grupo Parlamentar Amarelo, a Oposição 1, tem a
palavra a senhora Deputada Ana Vidal. Dispõe de três minutos, senhora Deputada.
Ana Vidal
Obrigada. Exma. senhora Presidente da Mesa, senhor
Ministro, senhores Deputados, minhas senhoras e meus senhores;
Começo por dizer que me entristece ver que não têm
qualquer respeito por aqueles que lutaram durante anos para o direito a um voto
livre. É uma pena que ao olhar pelo mundo verifiquemos que temos cerca de 13%
de países onde o voto é obrigatório. Os restantes, aqueles que estão aqui a
azul claro, têm voto livre. Ou seja, não será representativo que a democracia
com voto livre é efetivamente a melhor escolha?
Passemos então para o que nos traz este debate. É uma
discussão entre a liberdade de escolha e o dever cívico. Não estaremos, com
esta imposição, a cair no autoritarismo? pergunto-me... O voto é um direito e
não um dever, senhor Ministro.
Vejamos então, por exemplo, os Estados Unidos. Falou do
caso de nós termos uma grande abstenção, é verdade. Os Estados Unidos também a
têm. Parte de metade do eleitorado não vota. No entanto, um país que é uma
potência mundial não adotou o voto obrigatório. Se calhar é um caso a pensar.
A imposição não trará mais educação política ou cívica.
Isto leva-nos a pensar num pressuposto que já todos sabemos: que quantidade não
é qualidade.
Assim sendo, com esta imposição, apenas vai fomentar o
voto inconsciente e pouco informado. Partidos extremistas e populistas que
normalmente têm pouca votação, vão começar a ganhar lugar. E sabe porquê? Sob forma de protesto daqueles
que vocês obrigaram a ir votar.
Senhores Deputados, isto é uma violação do processo
democrático. Sanções, obrigações, penalizações a quem não vote é uma violação
dos direitos e das liberdades individuais. Não votam porque, se calhar, não têm
maturidade política, ou então não conhecem o fundamento de todos os vossos
processos eleitorais.
Mas como uma oposição crítica, com críticas vazias, em
nada contribui para o crescimento do país, apresentamos então algumas medidas
que pode tomar para tornar a abstenção menor [ Joana Barata Lopes : Tem 30 segundos, senhora Deputada.] vou já
terminar, espere só um bocadinho, porque tenho uma coisa muito importante para
lhe dizer, que é que campanhas eleitorais mais objetivas, aumentar a
proximidade nas campanhas, educar, informar e consciencializar, isso sim,
vai-vos despertar a consciência cívica.
Muito obrigado.
[Aplausos]
Joana Barata Lopes
Muito obrigada, senhora Deputada. Para a segunda
interpelação ao Governo, pela Oposição 2, tem a palavra pelo Grupo Parlamentar
Encarnado, o senhor Deputado Rodrigo Azevedo Mendes. Dispõe de três minutos.
Rodrigo Azevedo Mendes
Boa tarde, senhora Presidente da Assembleia, Ministros e
Deputados.
Suas excelências parecem não perceber alguns conceitos
fundamentais em política. Não parecem saber a diferença entre um direito e um
dever, e não parecem saber o que é liberdade. O voto é, antes de tudo, um
direito, e também é um dever cívico, obviamente. Mas isso não faz do ato de
votar uma obrigação que, caso não seja cumprida, se torne punível por lei.
A Constituição consagra a liberdade do indivíduo para
fazer as suas próprias escolhas, e isso inclui a liberdade de não agir sobre os
direitos adquiridos. Ou seja, se eu não quiser votar, se não for essa a minha
vontade, posso. A Constituição portuguesa diz, e cito: ninguém pode ser total
ou parcialmente privado da sua liberdade. E é isso que suas excelências estão a
fazer, estão a privar os cidadãos da liberdade de votar. E ouviram-me
corretamente.
Dizem V. Exas. que querem, e cito, promover a cidadania ativa.
Mas existe uma diferença entre promoção e coação. Suas excelências querem
fortalecer o contrato social e diminuir o fosso entre povo e políticos. E nós
concordamos, obviamente, com esses objetivos.
Acontece que o Governo, em vez de propor medidas, um
conjunto de medidas que realmente ataquem este problema, foram preguiçosos, e
apresentaram-nos esta lei violadora das liberdades mais básicas.
Dizem que assim a legitimidade dos eleitos aumentará. Se
calhar não se sentem legítimos o suficiente. E a verdade é que um Governo que
ataca a Constituição e o direito ao voto tem a sua legitimidade diminuída.
Dizem também que vão combater a abstenção. Combater?
Combater, não. Vão proibir. Isto é assim: talvez devessem adotar a política
eleitoral de Salazar, já que até os mortos votavam nele.
Dizem que querem multar ou obrigar esses criminosos ruins
que não votam a cumprir trabalho comunitário. Trabalho comunitário? Estão a
comparar o ato de não votar à posse e tráfico de droga, ao roubo, a conduzir
alcoolizado pondo em perigo a vida de outros? É assim que o Governo vê o ato de
não votar? Nós concordamos completamente com o combate à abstenção. Uma
abstenção de quase 50% é vergonhosa. [ Joana
Barata Lopes : Tem 30 segundos, senhor Deputado.] Obrigado. Mas combater não
é proibir e violar as liberdades individuais. Combater a abstenção é instaurar
o voto eletrónico, é expandir o voto à distância e o voto antecipado. Não
apoiamos, nós, Grupo Encarnado e Oposição, não apoiamos esta proposta nem nunca
apoiaremos nada que se assemelhe.
Pede-se ao Governo que desista disto e que se reencontre
com a democracia, que de autoritarismo está Portugal farto.
[Aplausos]
Joana Barata Lopes
Muito obrigado. Para responder às interpelações pelo
Governo Rosa, tem a palavra a senhora Ministra Marta Pires. Dispõe de três
minutos, senhora Ministra.
Marta Pires
Caríssima Presidente da Assembleia da República, caros
Deputados;
Em primeiro lugar, quero agradecer à oposição pelo vosso
contributo, porque realmente este Governo acredita que é com o contributo de
todos que o país vai mais longe, e é por isso, exatamente por isso, que
queremos implementar o voto obrigatório, para que todos possam dar o seu
contributo.
Falou-se aqui, num primeiro ponto, que nós não temos
respeito por aqueles que lutaram pelo voto livre. Quem não vota é que não tem
respeito pela luta de anos e anos para que as pessoas pudessem votar. Porque
quem não vai às urnas é que desrespeita os antepassados que lutaram para que
nós pudéssemos hoje poder ir votar. Isso sim, o voto não é só um direito, mas é
um dever que todos nós deveríamos cumprir. Nós estamos aqui a propor isto e não
estamos a obrigar ninguém a votar num determinado partido. O voto continua a
ser livre. O vosso argumento de liberdade, que iríamos retirar liberdade às
pessoas… não, as pessoas vão às urnas e vão votar naquilo que quiserem votar.
Se quiserem votar em branco, votam em branco. Se quiserem votar nulo, votam
nulo. Se quiserem votar no partido A, B ou C, votam no partido A, B ou C.
Para além do mais, disseram-nos que quantidade não é
qualidade. Nós acreditamos que, tal e qual vamos fazer um teste na escola, e
quando temos uma avaliação marcada, as pessoas vão estudar para esse teste e
para essa avaliação porque têm ali aquela obrigação. Então nós acreditamos que
estamos a consciencializar as pessoas a serem mais informadas, porque como vão
ter aquela obrigação de votar, vão obviamente procurar ter mais interesse na
política porque têm ali aquela obrigação.
Além do mais, o dever de votar é uma obrigação como
tantas outras obrigações. Nós temos a obrigação de pagar impostos, porque é que
não contestam isso? Nós temos a obrigação de levar os nossos filhos à escola,
porque é que não contestam isso? Vão dizer que a educação é uma obrigação que
torna isto pior ou melhor? Não prosseguimos por aí.
Disseram também que se nós fossemos às urnas iriam
ascender partidos populistas. Então eu pergunto: o que é que está a acontecer
hoje, já não estão a ascender esses partidos populistas? Portanto, aí não faz
qualquer tipo de sentido.
Para além do mais, é importante dizer que esta é uma
medida que é temporalmente situada. Ou seja, nós estamos a lidar perante os
resultados da abstenção de hoje. Se calhar, isto em 1975 não faria sentido
porque as pessoas iam efetivamente às urnas, e sentiam aquele dever cívico de
respeito pelos nossos antepassados que hoje, se calhar, não temos tanto
implementado e é isso que queremos implementar.
Como sendo uma medida temporalmente situada, se realmente
daqui a alguns anos não fizer sentido implementar o voto obrigatório, e nós
como somos um Governo que é pela "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, e
agora, neste tempo, o que é realmente necessário é implementar o voto
obrigatório porque as pessoas estão-se a afastar da política, é urgente [ Joana Barata Lopes : Senhora Ministra,
dispõe de 30 segundos.] e é extremamente necessário que as pessoas vão votar.
Portanto, nós não percebemos exatamente aquilo que querem dizer.
Relativamente às sanções que apresentaram, as sanções não
são taxativas, e nós temos um programa de governo e não é um projeto de Lei, no
projeto de Lei, sim, iremos elaborar melhor as sanções.
[Aplausos e ovação]
Para terminar quero-vos dizer: a democracia só se
consolida quando há uma participação efetiva das pessoas na vida pública.
[Aplausos]
Joana Barata Lopes
Tem de terminar, agora, senhora Ministra.
Obrigada.
[Aplausos]
Concluído o exercício, eu passava às votações e
perguntava aos grupos neutros, relativamente a quem venceu o debate, quem
entende que foi o Governo, do Grupo Rosa, que venceu o debate?
Baixem o braço, por favor.
Quem entende que foi a Oposição 1, Grupo Amarelo, que
venceu o debate?
Oposição 2?
Por clara maioria, foi o Governo quem, no entender dos
grupos neutros, venceu este debate.
Relativamente à vossa posição sobre o tema, pedia a todos
que votassem.
Quem entende que deve ser estabelecido o voto
obrigatório, por favor levante o braço.
Quem entende que não deve ser estabelecido o voto
obrigatório.
Por clara maioria, a maioria entende que não deve ser
estabelecido o voto obrigatório.
Passo a palavra para o magnífico Reitor.
Dep.Carlos Coelho
Eu concordo com a vossa votação, acho que o Governo
ganhou claramente o debate, mas acho que este debate foi o debate mais
equilibrado no que diz respeito à qualidade dos protagonistas, isto é, o Artur
esteve muito bem na intervenção inicial, seguro, com bons argumentos, boa
colocação de voz.
A Ana esteve muito bem, o truque da apresentação do mapa
é fantástico, porque é a visualização de um argumento que vos dá autoridade,
portanto corrobora o vosso argumento. A única coisa em que a Ana escorregou foi
quando disse à Presidente espere aí só um bocadinho.
[Risos]
De resto esteve muito bem. Os argumentos da Ana e do
Rodrigo estiveram muito parecidos. Eu gostei mais da prestação do Rodrigo,
porque achei mais elaborada na substância, embora a Ana tenha sido mais eficaz
na voz. O Rodrigo esteve muito bem, teve uns momentos fantásticos, um texto
muito bom.
E a Marta Pires foi genial nas respostas, vamos ser
claros.
[Aplausos]
Alguns dos governos, e bem, anteciparam críticas e tinham
textos preparados para responder. A Marta respondeu aqui, in loco , às críticas da oposição e, portanto, foi um debate a
sério. Ela reagiu aos argumentos, diz o Duarte, um a um, e fê-lo muito bem.
Marta, quais são as duas únicas coisas a corrigir.
Primeiro, a velocidade.
[Risos]
Falar depressa demais não é bom. Transmitir o entusiasmo,
convicção, etc., mas às vezes pode perder inteligibilidade. E por vezes o
discurso parecia um pouco sincopado. Foram as únicas coisas que, numa
demonstração brilhante, me permito chamar a atenção para melhorar ainda.
Mas parabéns a todos, mas parabéns sobretudo ao Governo.
[Aplausos]
Duarte Marques
Eu concordo com o Carlos. Acrescentar só, dar a dica à
Ana Vidal, sempre que vocês estiverem perto do final do tempo e alguém vos diga
"30 segundos”, têm duas formas de fazer isso: ou têm o génio que aquele gajo
teve há bocado e dizem "é o prazo de validade”, ou dizem "termino já, senhor
Presidente”, "vou já terminar, senhor Presidente”, e fazem a passagem da coisa,
é o truque que se usa para ganhar mais uns segundos, "termino já, senhor
Presidente”, "vou já encerrar a minha intervenção, senhor Presidente”, há
várias deste género, pensem nisto porque ganham mais uns segundos, porque nunca
os presidentes são tão rigorosos como o Carlos Coelho, e dá mais 10/15 segundos
para falar; usem isto, "termino já senhor Presidente”.
Há bocado houve alguém que fez uma coisa a meio do
discurso, que se virou e disse: senhoras e senhores deputados. Isso permite
respirar, descansar e voltar ao assunto. Portanto, é um truque, senhor
Presidente; dirige-se ao presidente ou dirige-se aos senhores deputados, dá
sempre jeito como muleta.
O Artur, eu escrevi aqui, foi limpinho. Ele tem às vezes
tanto de padre como de árbitro, é certinho ali, tau, tau, tau… Impecável, nada
a dizer, só coisas boas.
O Rodrigo, achei graça, porque ele tem ar de puto, e é um
puto que dá uma lição de democracia àqueles mais velhos. E achei imensa graça
ao teu desafio e a forma como estiveste.
A Ana lindamente, também. E vocês tiveram o azar de estar
num combate muito forte. Eles os dois, estiveram os dois muito bem. Isso é uma
grande vantagem, quando um grupo tem o primeiro e o segundo ao mesmo nível… a Marta
ia a correr. Ele estava atrás de ti, como se chama aquele de vermelho? Ele há
uma altura em que te faz assim nas costas, estava-te a puxar para trás, para te
acalmares, porque tu consegues ter uma coisa que é pouco habitual, é falar
muito rápido e com uma dicção perfeita. Mas estás-te quase a atrapalhar, vais
sempre ali em cima da linha… mas isso é muito arriscado, não há necessidade, e
as pessoas começam a achar graça porque estão à espera de quando é que tu te
vais atrapalhar. Isso não é para todos, mas reduz lá um bocadinho a velocidade,
senão depois a malta não acompanha com a cabeça. Mas parabéns, foi muito bom.
O que tu fazes, e que não resulta, é: tu tens os
argumentos todos para responder um a um, e estavas a virar frangos. Vinha um
frango, tu viravas; vinha um frango, tu viravas… só que tu não consegues fazer
as ligações entre as respostas. Então davas uma resposta, zinga, zinga, zinga…
Tens que conseguir ligar isso para dar um discurso mais escorreitinho, porque
senão estás assim…
Isto é um defeito que eu consegui encontrar … Obrigado.