ACTAS  
 
9/3/2016
Simulação de Assembleia: Proibir as Barrigas de aluguer
 
Nuno Matias

Vamos então agora para o oitavo debate. Peço ao Grupo Castanho que se apresse aqui para a bancada do Governo. Ao nosso lado esquerdo a Oposição 1 do Grupo Laranja; e ao nosso lado direito a Oposição 2 do Grupo Bege.

E tentem ser um pouco mais rápidos, por favor.

Vamos então dar início ao oitavo debate desta sessão parlamentar. A proposta é a Proibição das barrigas de aluguer. Pelo Governo Castanho, tem a palavra a Primeira-ministra Nicole Lourenço. Dispõe de cinco minutos.

 
Nicolle Lourenço

Exmo. senhor Presidente da Assembleia da República, senhoras e senhores Deputados;

A regulação da procriação medicamente assistida foi um passo importante para o país. No entanto, e reconhecendo a importância desta medida, não podemos também deixar de reconhecer a limitação da mesma, pelo que consideramos imperativo a suspensão imediata desta lei, para que os cidadãos que acederam à mesma sejam salvaguardados. Neste momento, a situação legislativa atual levanta problemas graves e irreversíveis.

Em primeiro lugar, no que diz respeito à salvaguarda da saúde da criança, esta é claramente posta em causa, tendo em conta que não existe regulamentação no que diz respeito ao comportamento da gestante. Dou-lhes um exemplo que mostra os conflitos existentes entre o Conselho Nacional de Ética e aquilo que está escrito na lei.

A questão da amamentação, em que, ainda que os beneficiários entendam que esta deve ser feita pela gestante, esta tem o livre direito de escolher de como é que a há de fazer. Ao não se imporem restrições comportamentais à gestante, aquilo que inicialmente pode ser uma pessoa saudável, e ainda que tenha acompanhamento inicialmente, nada nos garante que ela não possa vir a ter comportamentos de risco que comprometam a saúde do bebé, como, por exemplo, através do consumo de drogas e álcool. Porque, convenhamos, até que ponto uma pessoa terá assim tanto cuidado se o bebé, afinal de contas, nem será dela?

Nós achamos que é um risco demasiado grande com graves repercussões na saúde da criança. Nesta situação, a saúde da criança não é salvaguardada, sendo então fulcral reajustar a lei neste sentido.

Outra consequência da ausência de controlo ao comportamento da gestante, é que nada nos garante que esta não quebre o contrato, por exemplo, fugir do país. Apesar de ser punível por lei, na prática não existe nenhum mecanismo que ajude a prevenir este tipo de situação, salvaguardando quer os beneficiários, quer a criança.

Caríssimos Deputados, na Índia, onde esta é uma prática comum, 17% dos beneficiários que acreditaram nesta técnica, na esperança de verem finalmente realizado o sonho de constituir família, viram esse sonho ser desfeito pelo facto de a gestante ter desaparecido, carregando consigo a sua criança. Se vamos permitir este sonho, então temos que conseguir prevenir que situações deste género não aconteçam com as famílias portuguesas.

Portanto, com a lei atual temos o problema de garantir a saúde física da criança, o problema de garantir a saúde psicológica dos beneficiários em múltiplas situações, mas temos aí um problema potencialmente maior, que é o risco de que Portugal se torne num mercado ilegal para o turismo de produção. A realidade é esta. A lei atualmente em vigor não contempla de forma alguma a possibilidade de casais estrangeiros se deslocarem a Portugal para levarem a cabo esta prática.

Num contexto em que 82% da população europeia não tem acesso legal à gestação, claramente Portugal tornar-se-á um país vulnerável em termos socioeconómicos onde isto poderá ser efetuado. Não é preciso ser um génio para perceber que, a médio prazo, teremos no nosso pais a repetição do que até agora acontecia na Índia e no México, mas com uma agravante. Cá, a lei não permite qualquer tipo de pagamento por esta prática, e bem, na nossa opinião. Então isso significa que estamos condenados a albergar um mercado negro do turismo de reprodução, muito provavelmente o mercado negro do turismo de reprodução de preferência do resto dos países europeus.

Como tal, a lei que atualmente temos, deixa-nos um problema adicional: não só é incapaz de garantir a saúde da criança, não só é incapaz de garantir a saúde dos pais beneficiários, como ainda lança as sementes para a criação de um mercado negro do turismo de reprodução em Portugal.

Resumindo, senhores Deputados, a legislação atualmente em vigor deixa a porta aberta para um conjunto de situações nefastas que colocam seriamente em perigo a saúde física e psicológica dos pais biológicos, da criança e quando… quando um casal vir as suas expectativas de constituírem família falharem, como acontece em 11% dos casos na Austrália, nós poderemos ajudar. Quando, senhores Deputados, a pressão criada pela procura destes procedimentos der origem a uma indústria ilegal do turismo de reprodução, como acontece na Índia e no México, não poderemos ajudar-nos a nós próprios.

Isto não significa que a gestação de substituição seja eliminada definitivamente. Pelo contrário, aquilo que desejamos é que esta decisão seja seguida de um debate claro, honesto e compreensivo acerca da melhor forma de introduzir esta prática na nossa sociedade, para dar resposta a uma necessidade real de muitas famílias portuguesas.

Mas para o fazer, que o façamos de maneira justa, informada, equilibrada e livre de perigos e de efeitos secundários.

Muito obrigada.

[Aplausos]

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra para uma interpelação, o Grupo Parlamentar Laranja, pela Deputada Filipa Portela, dispõe de três minutos.

 
Filipa Portela

Exmo. senhor Presidente da Mesa, Exmos. Deputados;

Após a análise do vosso programa, estamos na necessidade de refletir e analisar o mesmo. Vamos começar pelo início. Relativamente aos pormenores (mas problemas graves apontados por vós) trata-se de uma questão de legislar. Se não sabem fazer, podemos ajudar, mas não cancelar uma lei que está atualmente em vigor.

Além disso, consideramos uma afronta a Portugal e aos portugueses estar a comparar um país ocidental, como é o nosso, com países subdesenvolvidos, como é a Índia e o México. Só estão a provar a vossa falta de confiança nos portugueses.

Se existe um conflito entre as recomendações do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e o disposto na lei, por que não vai o Governo trabalhar nessas recomendações? Eu sei porquê, senhora Ministra. Porque a vossa lei favorita é a lei do menor esforço.

Vamos às vossas prioridades. Não compreendo como querem começar por, passo a citar, ”proibir com efeito imediato a gestação de substituição como método de reprodução assistida”, e só depois lançar o debate. Vamos debater no seio da sociedade portuguesa. Se estão com tantas reticências neste diploma, vamos mais uma vez debater este assunto, mas com problemas concretos, não com isto que nos apresentam. Não se começam a construir casas pelo telhado, meus amigos.

Para terminar, e citando a representante da Associação Portuguesa de Fertilidade, Joana Frei, a lei de gestação de substituição beneficia mulheres sem útero, mas com ovários funcionais, e outras que não têm útero nem ovários. Não se destina a mulheres que não querem ter o filho no útero. É uma questão de saúde.

Com a taxa de natalidade que o nosso país atravessa, acham que estamos em condições de dificultar os portugueses que querem ter filhos e não podem? Qual é a nossa legitimidade para discriminar os casais inférteis? Não têm direito à felicidade de ter filhos?

Estamos a falar de uma realidade de mais de 137 mil mulheres que, sem esta lei, não podem ter filhos. Qual é a diferença entre uma mãe que tem um filho gerado dentro dela e uma que tem um filho gerado dentro de uma mulher preparada para isso?

Vamos refletir todos juntos, antes de tomar uma decisão.

[Aplausos]

 
Nuno Matias

Tem agora a palavra, para uma interpelação pelo Grupo Parlamentar Bege, o Deputado André Soares. Dispõe de três minutos.

 
André Soares

Exmo. senhor Presidente da Assembleia da República, senhores membros do Governo, senhoras e senhores Deputados;

Primeiro gostaria de iniciar esta minha oposição referindo que há aqui um erro gravíssimo. Isto não é um programa de governo, isto é um programa incoerente, porque vocês têm aqui três situações e em baixo estão-se a perguntar: mas será que isto é mesmo verdade? Porque aqui muitas palavras dizem: reavaliar, pensar de novo, discutir. Mas afinal vamos apresentar coisas concretas ou vamos andar aqui para a frente e para trás e não sabemos bem o que apresentamos?

Gostaria também de referir uma coisa. Acho que está a julgar muito mal o povo português, que é um povo de um país desenvolvido e, como disseram aqui, tem de haver bom senso. Não vamos andar aqui a comparar-nos com a Índia e com o México porque não tem nada a ver. Mas pronto, se a senhora Deputada quer fazer isso…

Também lamento imenso não terem acesso a alguns meios de comunicação, como o jornal, como qualquer coisa, o computador não dá só para Facebook. E digo isto porquê? Como devem já ter reparado, um dos problemas neste momento é a natalidade. O que é que vocês estão a querer fazer com estas medidas? Estão a criar um desincentivo à natalidade.

E aqui levanta-se um problema maior ainda, que já foi referido, e dou um caso específico. Uma em cinco mil mulheres nasce com, e peço desculpa pela minha pronúncia, Síndrome de Rokitansky, e eu explico o que é isto. Uma mulher nasce e o útero não se desenvolve de modo a conseguir desenvolver um feto, ou seja, a mulher nasce incapaz de desenvolver um feto. Isto vai criar um problema que, na minha opinião, é crucial, que é o direito à família. Nós todos temos o direito à família. Na minha opinião, nós estamos cá de passagem. A família, para mim, é o que mais importa, e vocês estão a cortar isso.

E gostaria de referir, também, que estão a criar uma situação desagradável que é fazer com que os casais tenham de se deslocar ao estrageiro [ Nuno Matias : Dispõe de 30 segundos.] e agindo como os criminosos.

E dou por encerrado. Obrigado.

[Aplausos]

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Para prestar esclarecimentos, pelo Governo Castanho, tem a palavra o Ministro João Coelho. Dispõe de três minutos.

 
João Coelho

Obrigado, senhor Presidente. Obrigado pelos vossos comentários, caros Deputados.

Começo por ambos, porque foram ambos muito parecidos, o que quer dizer que há pouca imaginação aqui na maneira como vocês conseguiram abordar este tema.

Sobre o não saber o que fazer, sobre se devíamos legislar e não cancelar a lei. Repare, quem sabe tudo o que tem que fazer é quem é absolutamente cego. Os países que sabem tudo o que fazer, têm vários exemplos no mundo, é por exemplo a Coreia do Norte, é por exemplo a Rússia, são por exemplo todas as ditaduras que conhecem. Aquilo que nós sabemos, senhores deputados, é que temos de consultar o povo, temos de consultar a sociedade civil, temos que saber o que é que as pessoas que estão dentro destes assuntos pensam, antes de tomarmos decisões precipitadas, como foi o caso da adoção desta lei.

Relativamente à questão da família, que é a coisa mais importante. Eu concordo consigo. Sabe como é que pode construir uma família hoje em dia? Pode ir adotar uma criança, pode ir adotar uma criança, que existem 277 mil crianças em Portugal à espera para ser adotadas. Quer uma família? Tem muitas crianças à espera, senhor Deputado.

Sabe que trabalhar nas recomendações do Conselho de Ética é uma coisa que a gente pode fazer. O que é que não podemos fazer? Não podemos trabalhar sobre as recomendações que ainda não existem. Ou seja, há muita coisa desta discussão, muita base desta discussão que ficou perdida no meio dos populismos, ficou perdida no meio da conversa de distração a que fomos assistindo enquanto esta proposta estava a ser discutida e passada à pressa.

Enfim, eu nem sei onde pegar, que isto é tantos disparates.

Gostava de ir aqui à questão da Índia e do México, que não tem nada a ver. É verdade que não tem nada a ver. Uns têm uma população gigante, outros têm uma população muito pequena. Uns têm um PIB muito grande, outros têm um PIB muito pequeno. Sabe qual é a semelhança entre a Índia e o México? É que os países que existem à volta desses países também não têm lei de gestação de substituição, que é o mesmo que acontece em Portugal com o resto dos países da Europa. Na Europa é o Reino Unido, a Suécia e mais um conjunto de países relativamente fraquinhos que têm direito a este tipo de acessos. Portanto, se tivermos numa situação em que Portugal, na situação socioeconómica vulnerável em que está, for o único país da Europa onde as pessoas podem vir para ter este tipo de tratamento, é isso que vai acontecer. E como a lei prevê que não se pode pagar nada, o que vai acontecer é um mercado ilegal deste tipo de tratamentos.

Eu vou concluir. Acho que temos bastantes coisas para discutir [ Nuno Matias : Dispõe de 30 segundos.] gostava de conseguir… obrigado, concluo já, gostava de conseguir explicar-vos um pouco melhor.

Deixo-vos com uma analogia relativamente simples. Imaginem uma canalização que tem várias fugas. Não se repara a canalização indo fuga a fuga com a água ligada. Primeiro desliga-se a água, depois vai-se ver qual é o problema, vamos analisar o problema, encontrar a solução, e depois de corrigirmos esses problemas todos, então é que voltamos a ligar a água, se for caso disso.

Muito obrigado.

[Aplausos]

 
Nuno Matias

Muito obrigado. Terminado o debate, queria então pedir aos grupos neutros que manifestassem, através do voto, quem entendem que ganhou o debate.

Quem entende que ganhou o Governo Castanho?

Podem baixar, obrigado.

Quem entende que ganhou a Oposição 1, Grupo Laranja.

Podem baixar, obrigado.

Quem entende que foi a Oposição 2, Grupo Bege.

Parece claro que foi a Oposição 1 que ganhou o debate, do Grupo Laranja.

Vamos então agora saber qual é a vossa opinião sobre esta proposta da proibição da gestação das barrigas de aluguer.

Quem é a favor desta proibição?

Muito obrigado. Quem é contra?

Claramente que maioria é contra a proibição.

Passo a palavra aos nossos comentadores.

 
Duarte Marques

Obrigado, parabéns. Eu tenho dúvidas sobe quem ganhou este debate entre Pombal e Pombal. Se foi o Governo, se foi o Grupo Laranja. Mas eu percebo que a Filipa foi mais expressiva. Aliás, eu acho que o vosso problema foi o mesmo de ambos.

A Nicole, vocês não se apercebem daí – eu nem sei como é que correu tão bem -, porque ela conseguiu ler muito bem, a voz não lhe tremia, parecia que não tremia, mas só não tremia a voz. Aquela perna aqui debaixo da cadeira, estava ali parecia um… O braço também. Ela a tentar puxar o rato para andar com o texto para a frente, o João é que começou a ajudar. Mas a cara dela não mexia, impecável. A ler, a ler, a ler… e o discurso estava bom. Tu tens uma boa voz, mas a leitura foi sempre igual, falta-te ali um bocadinho de emoção.

O João, que se nota que pensa bem, foi um chato. Foste até um bocadinho, para o que se notou que sabias, falta-te depois comunicar com as pessoas, porque tu dominaste o assunto. Estavas aí, pegaste onde quiseste, deste a volta, montaste, desfizeste… só que parecia que estavas sozinho no meio do mundo, parecia que estavas a escrever, quando estavas a falar para pessoas. Mas notou-se logo, este gajo sabe o que está a dizer perfeitamente.

Foi pena não teres tido o punch que a Filipa teve, que ela espalha simpatia. Fala alto, riu-se, teve aquele impacto todo físico, ela é pequenina, mas sempre cheia de pica. Esteve impecável. Enquanto a Filipa transmite energia, vocês… eu estava aqui a discutir com o Carlos, ele diz assim: aquele gajo pensa, mas foi tão sonolento. Como quem diz, acorda! Às vezes dá jeito, quando se quer matar um debate. O governo faz muito isso com o Augusto Santos Silva. Manda-o lá para a Comissão de Assuntos Europeus, ele está ali a falar meia hora, não comete um erro, é tudo na mouche. Mas a malta chega a uma altura que já não está a ouvir, porque distrai.

É pena, devias ser mais assertivo, porque tens boa voz, pensas bem, e tens de ter mais punch. Isso não é a tua opção, ou não calhou, mas devias trabalhar isso porque podes melhorar com isso.

O André começa com uma tirada espetacular que é: eu vou iniciar a minha oposição. Isso já é suposto, escusas de anunciar. Mas perdeste em relação a eles porque andaste ali um bocadinho a bailar. Os teus argumentos não foram tão vincados como os da Filipa. Tens boa voz e estás à vontade, mas às vezes parecia que estavas a improvisar no meio do caminho. Eu acho que isso prejudicou. Ou tu não preparaste, ou estavas tão à vontade que foste um bocadinho displicente. Porque tu tens boa voz, tens bom argumentário, tens à vontade a falar, não sei se foi por estares demasiado à vontade ou não, ou se foi porque o tema não te chegava muito, tu andaste ali zinga, zinga, zinga…

 
Dep.Carlos Coelho

Só três notas breves. De uma forma geral, as vossas apresentações em plenário estão melhores do que a qualidade dos documentos. Eu recebi uma sugestão, que já respondi, para publicar os documentos na intranet, o Hugo já as meteu antes do intervalo, para que os grupos neutros possam acompanhar, se quiserem, os documentos que foram apresentados.

Este documento tem muitas fragilidades, e o André, e bem, atacou exatamente isso. Atacou a qualidade da proposta inicial do Governo. Mas como a maior parte dos grupos neutros não está a seguir dos documentos, é um argumento que perde eficácia na Assembleia, e a Filipa esteve particularmente bem nos argumentos. Esteve bem nos argumentos que apresentou, esteve bem na forma como apresentou, a Filipa transmitiu convicção, e isso é essencial. Não abusou, mas citou um argumento de autoridade para reforçar o seu ponto de vista, e aí também esteve muito bem.

A Nicole, aquilo que o Duarte disse, um bocadinho menos de nervos e um bocadinho mais de confiança. Isso é uma coisa que se ganha com experiência.

E o João, que fez uma abordagem muito inteligente, é necessário um bocadinho mais de convicção, mais de representação, se quiser, de resto, sob o ponto de vista intelectual, a resposta foi muito, muito boa.

Parabéns pelo exercício.

[Aplausos]